Volume 1 – Arco 10

Capítulo 71: Um Pequeno Detalhe

O dia começou agitado. Diego, Tiago e Margô juntos de Lauro e Dani aproveitaram o intervalo para terem uma conversinha com Igor, o garoto abusado pela professora Ramírez no começo do ano e até hoje sofria as consequências disso, ou ao menos era assim que todos pensavam.

Arrastaram o garoto de forma apressada até os jardins, enfurecidos com o que descobriram sobre a real condição do garoto. Lauro foi o primeiro a agir. Colocou a mão no curativo ao redor das orelhas do rapaz e arrancou com força. 

— Você é um falso, sabia, parceiro? — Ele jogou o curativo no chão, fazendo com que Igor desse mais alguns passos para trás. — Esse tempo todo tava mentindo para nós!

— N-não… Eu… É…

— Não o quê? — perguntou Margô, enfurecida. — Por que foi que você fez isso? Desde que cheguei aqui ouvi dizer que você tinha se machucado pela professora. Que poderia ficar surdo, ou sei lá. Eu até te dei um presente de melhoras.

Até parecia que ela havia presenteado Igor por estar machucado. Com toda certeza o presente fora mais uma forma de se aproximar da família Moraes, causando boa impressão, como fazia com todas as outras pessoas — coisa tipica de um Rosa.

Mas, obviamente, Diego não iria contestar, afinal não queria dar razão para o sujeito que lhe ludibriou por todo esse tempo.

— Eu também queria saber o porquê — falou Dani. — Ah, com certa eu quero saber. Sabe quanta dor de cabeça você nos rendeu, Igor? Você poderia ter lutado no torneio que o Diego participou, evitando que ele precisasse se machucar!

Diego achou a afirmação bastante duvidosa. Se Igor não tivesse fingido estar incapaz de participar no torneio, possivelmente a turma teria perdido a oportunidade de ver o potencial do rapaz como lutador, e Diego não ganharia a reputação de vencedor.

Entretanto, por mais estranho que fosse as colocações de Dani, o rapaz não iria dar razão a Igor.

— Isso não importa — interrompeu Tiago, determinado, embora os outros lhe encarassem com total indignação. — Igor, como foi exatamente que você acabou com esse curativo se o efeito não passava de uma ilusão?

O garoto tremeu um pouco, ficou entrelaçando os próprios dedos, olhando para os sapatos e falou com certa dificuldade:

— Quando a professora entrou na minha cabeça… Ela falou tão alto que eu… Eu senti muita dor. E não estava escutando nada. Quando cheguei na enfermaria a moça disse que era para ficar com o curativo. Mas no final do dia minha audição já tinha voltado e eu não sentia mais dor. — Ele olhou para as pessoas a frente. — Desculpe, gente. É que eu não queria mesmo participar do torneio. E depois do torneio…

— Depois do torneio ficou recebendo presentinho e sendo tratado como coitado, não é? — perguntou Dani. — Tipico! 

— Sabe a dor de cabeça que isso poderia ter evitado, idiota? — falou Margô, furiosa. — A professora não estaria ameaçando a gente a torto e a direita se soubéssemos que o segredo dela era ilusão.

— M-m-mas o poder dela ainda machuca — constatou o garoto acusado. — Você mesma foi a que mais sofreu nas mãos dela. De que adiantaria saber disso se… se… se o poder dela ainda machuca?

— Porque sabemos que há uma forma de conter ela — respondeu Tiago. Ele voltou a pensar daquela maneira estranha por um tempo. Nesse meio tempo, Dani e Lauro começaram a falar mais coisas para Igor. Agora apenas Diego e Margô ouviram o que o loiro falou: — Acho que tive uma ideia. Venham comigo.

E o rapaz saiu dali indo em direção ao prédio principal, acompanhado pelos seus dois amigos. Dani e Lauro ficaram com Igor para terem mais conversas estranhas onde um apenas refutaria o outro.

O loiro andou pela pequena estrada que dava até o prédio, subiu os degraus até a calçada alta até chegar no refeitório. Procurou a cadeira mais distante, próxima de uma parede e indicou que se sentaria ali. Os dois o acompanharam.

Assim que se sentaram, Margô começou a reclamar de como foram enganados por Igor todo aquele tempo. Isso não chateou Tiago, que sem parecer prestar muita atenção encarava os arredores do local sem verdadeiramente se focar em nada.

Seus olhos arregalados em concentração, sem se mexer, nublados como se uma névoa cobrisse sua retina. Aquilo acontecia quando estava pensando em seu mundo imaginário, do qual nem mesmo Diego ousava adentrar para atrapalhar.

Todas às vezes que interrompia o transe de seu amigo, recebia um olhar irritado e raramente conseguia fazer com que o seu amigo prestasse atenção no que estava querendo falar. Atrapalhar a sua “onda” era pior que deixar que continuasse.

Para sua sorte, Margô não se aborreceu. Continuou falando sozinha; na verdade, falando com Diego, o único que ainda balançava a cabeça em positivo e pronunciava com fala de convicção um audível e não muito convincente: “Humrum.”

Após um tempo, o loiro voltou a realidade e começou a conversar cheio de animação.

— Acho que eu tenho um plano. — Se ajeitou na cadeira, aproximando o tronco para mais perto do centro da mesa. Os dois amigos fizeram o mesmo. — Não podemos nos aproximar da professora durante a reunião que vai ter. Ela provavelmente vai desconfiar e usar o poder dela para nos fazer voltar a ficar quietos. Acho pouco provável que ela queira que a reunião seja interrompida. Até porque é o Representante Fiscal que vem aí. 

— Certo, mas e como vamos jogar o Elixir do Ingenuo nela? — quis saber Margô.

— Aí que tá. A reunião que vai acontecer, não é exatamente uma reunião. Quer dizer, é uma reunião porque o fato de reunir todo mundo torna isso uma reunião, mas o que quero dizer é: Depois desse evento, onde todo mundo vai participar, incluindo alunos, professores e os Executivos da Europa, vai ter uma outra reunião. Uma oficial, só com as pessoas importantes.

— Então essa primeira reunião é só fachada? — perguntou Diego.

— Não é isso. — Tiago se encostou na cadeira, ajeitou os óculos e começou a falar de uma forma bastante paciente. — Essa primeira reunião vai ser mais uma palestra, onde o Representante vai falar algumas coisas para todo mundo. Depois vai ter uma reunião privada para checagem de números e tudo mais. É aí que vamos agir.

— Como assim?

— Deixa eu explicar. — O garoto arrastou a cadeira para frente enquanto levantava as mangas. — Durante a primeira reunião, nós ficamos quietos, apenas esperando que ela acabe. Quando acabar, provavelmente todo mundo vai direto para a segunda reunião. Quer dizer, todo mundo não, só os professores e diretores. É nessa transição entre o prédio de eventos e o próximo local que vamos tacar sem querer o Elixir na professora.

— Como exatamente funciona esse seu sem querer? — Quis saber Margô.

— Simples: Basta esbarrar nela. Ou dar um copo de café para ela. Ou pedir para ela nos ajudar com uma tarefa que está em um de seus livros, e assim que ela abrir o livro, puff. 

— Não sei, não — disse Diego. — Não é mais fácil só jogar o Elixir em cima dela e fazer as perguntas?

— Claro, com certeza ela não esperaria por isso. Mas o que aconteceria com a gente quando vissem que um de nós tacou propositalmente esse elixir na professora?

— Mas funcionaria, não é? — perguntou o rapaz da cicatriz. — Quer dizer. Vamos supor que nada funcione. Esse vai ser nossa única saída. Não é?

— Vai funcionar — disse Tiago, pacientemente. — Basta o Representante aparecer que o resto está feito.

E o plano estava traçado. Todos confiantes de que o loiro tinha tudo sobre controle e que nenhum ponto passaria despercebido. Exceto um único detalhe…



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