Volume 3
Capítulo 5: Falsa Colaboração
ENQUANTO EU dormia, podia ouvir vozes de garotas do lado de fora da barraca. Pareciam estar de mau humor.
— Ei, meninos. Podem se reunir aqui?
A voz soava ríspida, como se quisesse dizer: "Acordem logo!" Eu havia acabado de dormir ao amanhecer, então levantei-me devagar e esfreguei os olhos.
— Que diabos? Deus, estou tão cansado… — Sudou apareceu irritado, saindo da barraca e olhando ao redor.
— O que houve? — perguntou Hirata.
— Ah, Hirata-kun. Desculpe, mas você pode acordar todos os meninos? É sério — disse Shinohara, com um tom apologético. Quer estivesse aflita ou irritada, o problema não parecia ser apenas dela. Um pouco mais adiante, as garotas nos observavam com olhar severo.
— Entendido. Acho que se eu gritar, eles virão.
Em dois minutos, os meninos saíram da barraca, esfregando os olhos sonolentos. Quando os meio adormecidos olharam ao redor, perceberam que a situação era particularmente alarmante. As garotas pareciam assustadas como nunca.
— O que está acontecendo? Por que nos acordaram tão cedo?
— Desculpe, Hirata-kun. Isso não envolve você, mas… reunimos todos para confirmar algo.
Shinohara lançou um olhar de total desprezo a todos, exceto Hirata.
— Bem, nesta manhã… a calcinha da Karuizawa-san desapareceu. Sabem o que isso significa?
— C-Calcinha?
Até Hirata, normalmente calmo e sereno, parecia visivelmente abalado. Falando em Karuizawa, ela estava desaparecida, junto com algumas amigas.
— Karuizawa-san está chorando dentro da barraca agora. Kushida-san e outras estão consolando ela, mas… — Shinohara olhou para a barraca das garotas.
— Hã? Hã? O quê? Por que estão nos encarando por causa da calcinha dela?
— Não é óbvio? Alguém vasculhou a bolsa dela no meio da noite e a roubou. Nossas malas estavam fora da barraca, então se alguém quisesse roubar algo, podia facilmente! — Os meninos, ainda meio sonolentos, trocaram olhares.
— Não, não, não! Hã?! Hã?!
Ike, em completo pânico, olhava de um lado para o outro entre os meninos e as garotas. Um dos garotos, que observava tudo calmamente, resmungou:
— Pensando bem, Ike, você voltou tarde do banheiro ontem. Demorou muito.
— Não, não, não! É que… estava difícil porque estava escuro!
— É mesmo? Você roubou a calcinha da Karuizawa, não foi?
— E-Eu não! Não fiz isso!
Os meninos começaram a se acusar mutuamente por esse crime particularmente desagradável.
— De qualquer forma. Isso é um grande problema, não concordam? É impossível acampar ao lado de um bando de ladrões de calcinha — disse Shinohara, cruzando os braços. Ela parecia prestes a perder a paciência.
— Hirata-kun, você pode encontrar o culpado?
— Bem, não há provas de que os meninos a roubaram. Talvez a Karuizawa tenha perdido.
— É isso mesmo! Não temos nada a ver com isso! — Os meninos gritaram atrás de Hirata, proclamando sua inocência.
— Não quero acreditar que haja um criminoso entre nós.
Duvidar dos colegas parecia errado.
— Sei que você não é o culpado, Hirata-kun. Mas, por enquanto, vamos checar as mochilas dos meninos.
Aparentemente, as garotas não mudariam de ideia. Tinham decidido que o culpado estava entre os meninos. Bem, era natural pensar assim.
— Hã? Não nos venha com essa. Não precisamos fazer isso. Hirata, diga a elas que não.
— Por enquanto, vamos tentar reunir os meninos e conversar. Podem nos dar um tempo? — pediu Hirata.
— Se você diz, Hirata-kun. Entendi. Vou tentar falar com a Karuizawa-san. Mas se o culpado não for encontrado, temos algumas ideias.
Com isso, todos se dispersaram. Hirata rapidamente reuniu os meninos em frente à barraca.
— Vamos ignorar o que as garotas disseram. Odeio ser tratado como suspeito. Vou enfrentar isso!
Ike havia conseguido um certo grau de confiança das garotas no primeiro dia, mas aparentemente não duraria. Era natural que os meninos ficassem insatisfeitos por serem acusados injustamente.
— Exatamente. Não é como se tivéssemos roubado a calcinha da Karuizawa ou algo assim.
Yamauchi trocou olhares com todos individualmente. Não que Karuizawa não fosse bonita, mas como ela era namorada de Hirata, seria muito melhor ir atrás de Kushida e Sakura.
— Não duvido de vocês, mas não vamos resolver o problema assim.
As garotas, conversando em seus grupinhos, pareciam prestes a atacar.
— Talvez seja melhor aceitar a inspeção nas mochilas com dignidade e provar sua inocência.
Com isso, Hirata puxou sua própria mochila.
— Por mais desagradável que seja, acho que vocês terão que fazer isso. Tudo bem?
— M-Mas…
— Claro. Vou abrir a minha primeira — disse Hirata.
Para fazer todos se moverem, ele não teve escolha senão agir.
Ainda assim, provavelmente não havia ninguém ali que acreditasse que Hirata fosse o culpado. Além disso, roubar a própria namorada não fazia sentido. No entanto, se uma pessoa abrisse a mala, os outros teriam que seguir. Inevitavelmente, os estudantes que não abririam suas mochilas seriam suspeitos. Naturalmente, a mochila de Hirata não continha a calcinha.
— Acho que não temos escolha…
Todos os outros meninos começaram a tirar suas mochilas, uma a uma. Ike e Yamauchi odiavam aquilo, mas não puderam resistir à pressão. Nós três fomos os últimos. Relutantemente, entrei na barraca, seguindo Ike e Yamauchi.
— Droga, estou tão puto. Sempre suspeitam dos homens. Isso é completamente injusto.
— Bem, vamos provar nossa inocência.
Ike pegou sua mochila, mas de repente congelou.
— O que houve?
— Ah, nada…
Ele se virou para Hirata e os outros, conferiu o interior da sua bolsa e a fechou às pressas.
— Kanji? — perguntou Ike.
O rosto dele estava pálido, o corpo rígido. Ele estava completamente paralisado.
— Ei, vamos logo. Temos que ir.
— O quê, você realmente roubou aquela calcinha? — disse Yamauchi, meio brincando.
— Isso é loucura! — Ike negou desesperadamente, balançando a cabeça enquanto segurava a bolsa. Que reação exagerada. Não éramos burros a ponto de acreditar que nada estava errado.
— Espera, não me diga… — disse Yamauchi.
— O quê? Você não acredita em mim?!
— Não, não é isso. Mostre-me o que tem na sua mochila
— Ah, espera! — Yamauchi arrancou a mochila de Ike para olhar dentro. Quando o fez, viu… roupas íntimas brancas, definitivamente não de homem, amassadas e escondidas.
— Isso não é meu! Alguém colocou na minha bolsa ou algo assim, de alguma forma!
— Ah, não me venha com essa desculpa… — Yamauchi olhou para Ike com pena.
— Estou dizendo que não sei como foi parar aí! Por que haveria roupas íntimas na minha mochila?!
— Isso é vergonhoso. Vamos explicar tudo para o Hirata e os outros.
— Hã?! Mas se eu fizer isso, eles vão me apontar como o culpado!
— Não havia nenhum culpado… certo?
Por que Yamauchi estava perguntando isso a Ike? Ike tinha a roupa íntima da Karuizawa na mochila, então ele era o culpado, certo? Deixando de lado quando e como ele teria roubado, o ladrão provavelmente não teria escondido o objeto roubado na própria mochila. Era óbvio que, em caso de alvoroço, uma busca pelo culpado começaria. Se Ike fosse realmente culpado, ele deveria ter entrado em pânico ao ser instruído a abrir a bagagem. Mas não havia sinal disso.
Concluí que outra pessoa era a culpada e que alguém havia plantado provas para incriminar Ike. A menos que Ike fosse realmente tão ingênuo e simples… mas ele não podia ser, certo?
— Ayanokoji, você acredita em mim, certo? Que eu não roubei?!
— Bem, se eu pensar com calma, nenhuma evidência concreta sugere que você seja o culpado, Ike.
— Ayanokoji! — ele gritou.
— É improvável que Ike seja o culpado. Se fosse, seria ridiculamente estúpido da parte dele.
— Bem, parece certo, mas… espera, o quê? Você quer dizer que alguém colocou a roupa íntima na mochila do Kanji?
— Só precisamos descobrir quem! — Ike gritou.
— Ei, vamos logo! — um dos garotos perto de Hirata gritou.
— Q-Q-Q-Que que eu faço? Estou ferrado!
Se o item roubado fosse encontrado ali, as garotas provavelmente concluiriam que Ike era o culpado.
— Não temos escolha a não ser escondê-las. Agora.
— Esconder? Onde?! Não dá para esconder!
Era verdade que não tínhamos onde guardar no momento. Se as garotas nos vissem correndo para o banheiro ou para as barracas, ficaríamos suspeitos e exigiriam uma busca na área. O mais importante: estávamos passando tempo demais ali. Não seria surpreendente se já estivéssemos sob suspeita.
— Não temos outra opção. Você vai ter que colocar no bolso.
Era o único conselho que eu podia dar. Não havia tempo de esconder a roupa íntima em outro lugar, e não queríamos chamar atenção.
— N-Não consigo! Já estou entrando em pânico!
Mesmo assim, esconder a roupa íntima era nossa única opção.
— Vou deixar com você, Ayanokoji!
Ike rapidamente empurrou a roupa íntima amassada nas minhas mãos.
— Hã?
— Se você acha melhor escondê-las, pode fazer isso. Certo?
— Bem, isso é…
— Ei, vamos logo! — alguém chamou.
— Já vou!
Ike murmurou: — Estou contando com você — e saiu correndo. Yamauchi, sem querer se envolver, se desculpou rapidamente e também foi embora.
— Ei, você tá falando sério?
Senti um suor frio. Quanto mais ficássemos, pior seria. Se tivesse um minuto, teria escondido em um lugar difícil de encontrar, mas não havia tempo. Impulsivamente, coloquei a roupa íntima no bolso de trás, peguei minha bolsa e voltei para os outros.
— Desculpa, desculpa. Minha mochila estava um pouco suja, então limpei.
Com essa desculpa, Ike jogou sua mochila.
— Pode revistar se quiser. Sou inocente. Certo, Yamauchi?
— S-Sim.
Os dois colocaram suas bolsas no chão com orgulho. Hirata inspecionou o interior das mochilas. Eu também deixei a minha no chão e me afastei. Após a inspeção de todas as bagagens, Ike chamou Shinohara, que esperava com os braços cruzados.
— Revistamos as bolsas de todos. Nenhum de nós fez isso.
— Sério?
— Sim. Sem dúvidas. Nenhum dos garotos é o culpado.
— Espere um momento.
Shinohara se aproximou e conferiu o interior da barraca. Parecia suspeitar que havíamos escondido algo. Claro, não havia nada ali. Depois de inspecionar as duas barracas, Shinohara voltou para as garotas e discutiu a situação.
— Ei, Hirata-kun. Será que eles poderiam ter escondido nos bolsos? Ike-kun, Yamauchi-kun e até Ayanokoji-kun estavam cochichando um pouco antes. Fiquei curiosa.
É claro que estávamos sendo sorrateiros. As garotas exigiram verificar cada cantinho.
— Poxa, chega! — Ike gritou.
As garotas começaram a atacá-lo.
— Não foi o Ike-kun que estava agindo de forma suspeita antes? Talvez ele esteja escondendo alguma coisa, afinal.
— Hã?! N-Não estou escondendo nada! Podem me revistar se quiserem!
Ele abriu os braços para proclamar sua inocência. Ei, Ike… se você disser isso, então…
— Vamos revistá-lo. Hirata-kun, você pode fazer isso?
— Ok. Se convencer as garotas, tudo bem. Mas, se eu não encontrar nada, quero que parem de investigar os garotos.
Esse era o pior resultado possível. Enquanto as garotas observavam Ike, Yamauchi e eu, a revista começou. Claro que elas não encontrariam a roupa íntima nem em Ike nem em Yamauchi. Eles ficaram imóveis durante a cuidadosa inspeção de Hirata, que os revistou minuciosamente. Finalmente, chegou a minha vez.
Já era tarde demais para escapar. Talvez fosse melhor que fosse eu. Não, isso não era verdade. Não havia nada que eu pudesse fazer agora. Torci para que Hirata ignorasse, mesmo que houvesse apenas uma chance de um por cento de ele fazer isso. Decidi ficar perfeitamente imóvel, como um peixe morto.
— Desculpe. Vai acabar logo — disse Hirata.
Hirata, que não tinha a menor dúvida sobre mim, começou a me revistar lentamente, começando pelo tronco. Então, colocou a mão no bolso de trás, onde eu havia escondido a roupa íntima.
Acabou, não é?
Me resigno. Senti a mão de Hirata tocando a roupa íntima. Bem, eu não podia ter certeza absoluta, mas suspeitei que ele estava tocando aquele pedaço de tecido enrolado no meu bolso. O corpo de Hirata ficou tenso e ele me olhou nos olhos. Após um breve olhar, examinou minha camiseta sem tirar a roupa íntima do bolso. Terminada a revista, voltou-se para as garotas.
— Ayanokoji-kun também não a tem.
Ele caminhou em direção a Shinohara. Ike e Yamauchi trocaram olhares chocados.
— Esses três não a pegaram.
— Que estranho… Eu tinha certeza de que era um deles. Mas se você diz, Hirata-kun…
Se Hirata, que era extremamente honesto, dizia algo, Shinohara não tinha escolha a não ser acreditar nele.
— Deve ficar tudo bem depois que eu arrumar as mochilas. Podemos discutir mais depois.
Após o fim da inspeção, voltei rapidamente para dentro da barraca. Hirata me seguiu.
— Hirata. Por que você não contou a elas? — perguntei direto.
— Aquela era a roupa íntima no seu bolso, certo?
— Sim.
— Você… pegou a roupa íntima da Karuizawa, Ayanokoji-kun?
— Não. Não peguei.
Como esse jovem responderia à minha negação?
— Eu acredito em você. Você não é esse tipo de pessoa. Mas por que a tinha no bolso?
Não havia como não dizer a verdade depois que ele disse que acreditava em mim. Contei que tinha vindo da bolsa do Ike. Hirata pareceu momentaneamente perdido em pensamentos.
— Entendi. Então definitivamente não foi você. Mas também não acho que Ike-kun ou Yamauchi-kun tenham feito isso. Se fossem os culpados, provavelmente não colocariam a roupa íntima em suas próprias bolsas. Teriam escondido em outro lugar.
O raciocínio rápido habitual de Hirata me salvou. Não precisei me esforçar explicando mais nada.
— Se não se importar, posso ficar com a roupa íntima? — perguntou ele.
— Claro, mas… isso é realmente seguro?
Segurar a roupa íntima era como segurar o Coringa em um baralho: ambos davam dor de cabeça.
— No pior cenário, se eu for apontado como culpado, sofrerei o menor dano possível. Sou o namorado dela, mais ou menos.
Dito isso, pegou um dos sacos de banheiro de vinil e colocou a roupa íntima dentro. Fiquei imaginando se Karuizawa sentiria algum desconforto ao saber que alguém havia mexido em sua roupa íntima com as mãos nuas.
— Mas descobrimos uma notícia ruim aqui. Se a roupa íntima veio da bolsa do Ike-kun, há uma grande chance de que o culpado seja alguém da nossa classe.
— É…
Não importava como você olhasse, se fosse um estudante de outra turma, teríamos percebido. Ao sair da barraca, observei os arredores. Nossas bolsas estavam embaladas individualmente em vinil e colocadas em frente à nossa barraca. A barraca das garotas ficava a alguns metros, onde Karuizawa e as outras dormiam. Até esse incidente, a bagagem das garotas ficava empilhada lá fora, desprotegida, como a nossa. Se alguém quisesse roubar algo, seria fácil. No primeiro dia, eu mesmo revirei a bolsa da Ibuki.
Quando a roupa íntima foi roubada? Como não houve problemas até a hora do banho, o crime aconteceu entre oito horas da noite anterior e sete horas da manhã. Nesse caso, qualquer um da nossa classe poderia ter feito. No entanto, duvidava que o crime tivesse ocorrido de madrugada. Se o culpado tivesse revirado a bagagem com uma lanterna, alguém teria notado.
Nesse caso, era muito provável que o crime tivesse acontecido ao nascer do sol, depois das cinco da manhã. Mesmo com o período do crime delimitado, ainda era difícil reduzir a lista de suspeitos. E se eu mudasse a perspectiva? Suponha que Karuizawa tivesse roubado sua própria roupa íntima e escondido na bolsa do Ike. Mas que motivo ela teria para isso?
— Acredito que você não é o culpado, Ayanokoji-kun. Por isso te salvei.
— O-Ob… obrigado.
— Mas não é só isso que quero dizer. Quero que me ajude a encontrar o verdadeiro culpado, Ayanokoji-kun.
Hirata segurou minha mão enquanto fazia o pedido.
— Você quer que eu encontre o culpado?
— Acho que as pessoas, tanto garotos quanto garotas, ficarão inquietas até que o ladrão seja encontrado. Para ser honesto, provavelmente seria melhor se eu mesmo encontrasse o culpado, mas parece que será difícil reunir todo mundo… — Um aluno estrela como Hirata tinha certas restrições.
— Não vai ser fácil achar alguém que colocaria coisas na bolsa do Ike.
Hirata devia saber que encontrar o criminoso seria complicado.
— Bem, farei o que puder. Mas não espere demais de mim.
— Obrigado! Obrigado, Ayanokoji-kun! — disse Hirata, quase me abraçando e inclinando profundamente a cabeça. Eu entendi que ele estava agradecido, mas achei a reação um pouco exagerada. Talvez o roubo da roupa íntima realmente o estivesse incomodando, em particular. Como líder, ele precisava responder seriamente à crise e tentar resolver a situação para a turma.
— Se você acabar encontrando o culpado, quero que me conte primeiro. Definitivamente não quero que diga a mais ninguém.
Sua capacidade de arregalar os olhos enquanto fazia um apelo tão sincero praticamente me impediu de dizer não. Ele parecia quase excessivamente calmo. Era um pouco assustador.
— Se essa informação se tornar pública, nossa turma sofrerá um grande golpe. Quero evitar isso. Por isso quero encontrar uma maneira pacífica de lidar com o culpado. Se vier de mim, acho que conseguiremos resolver a situação conversando.
— Ou seja, você vai esconder a verdade?
— Esconder? Essa é uma palavra ruim, mas não posso fazer nada se as pessoas interpretarem assim. Mesmo que um dos garotos seja o culpado, acho melhor que a verdade fique oculta.
Ele focou em mim. Era quase como se quisesse proteger o culpado.
— Entendi. Vou te avisar primeiro. Está bem?
— Obrigado. Então, vou voltar ao trabalho.
Ao sair da barraca, Hirata chamou os outros alunos. Vi várias silhuetas do outro lado do pano começarem a se afastar.
— Hirata Yousuke. É você o herói da Classe D?
Havia uma contradição na história de Hirata. Logo depois de dizer que confiava em mim, ele disse que a verdade deveria ser escondida, mesmo que o culpado fosse um dos garotos. Ou seja, mesmo que alguém tivesse a roupa íntima, a esconderíamos das garotas.
Hirata não tinha confiança completa em mim. Provavelmente supôs que havia uma grande chance de eu ser o culpado. Isso era natural, claro. Do ponto de vista de um observador, eu estava segurando a roupa íntima e havia apontado Ike como culpado. Hirata me atribuiu, um possível suspeito, o papel de detetive para me dar uma chance de escapar. Ao mesmo tempo, ele havia emitido um aviso para que eu não cometesse a infração novamente.
Pensando assim, consegui entender a situação. Tinha certeza de que ele só queria encobrir a verdade. Também considerei, por precaução, que Hirata poderia ser o culpado, mas… bem, provavelmente descobriríamos em breve.
*
— Todos podem, por favor, se reunir?
Quando saí da barraca, a reunião de Hirata já havia começado. Vi Karuizawa tremendo de raiva, com os olhos inchados e vermelhos.
— Não podemos confiar nos caras. É absolutamente impossível ficarmos no mesmo lugar que eles!
— Mas haveria problemas se meninos e meninas morassem separados, não acha? O teste está quase no fim. Como somos todos amigos, precisamos acreditar uns nos outros e cooperar.
— Pode até ser. Mas não suporto ficar no mesmo lugar que ladrões de roupa íntima!
Karuizawa balançou a cabeça, descartando a ideia como impossível. Se a vítima dizia isso, Hirata realmente não podia forçá-la. Shinohara pegou um galho de árvore e desenhou uma linha.
— Achamos que o culpado é um menino, então estamos traçando uma linha divisória entre meninos e meninas. Meninos estão absolutamente proibidos de entrar no nosso lado.
A proposta de Shinohara era uma separação de gênero levada ao extremo.
— Que diabos? Vocês estão nos tratando como criminosos sem motivo. Não deixamos vocês revistarem nossas bolsas e nos revistarem?
— Pode ser que não estivesse escondido na bolsa, né? Homens são pervertidos. Enfim, não entrem no território das meninas até que o culpado seja encontrado. Vão para lá.
Com isso, ela exigiu que os meninos movessem a barraca. Como esperado, os caras não ficaram convencidos. Começaram a vaiar.
— Se duvidam de nós, então movam a própria barraca. Não vamos mover a nossa, e também não vamos ajudar vocês.
— Ah, entendi. É, vocês só fingiram ajudar enquanto revistavam nossas coisas.
— Ah, e vocês não podem mais usar o chuveiro. Não estamos brincando. Não vamos deixar um ladrão pervertido usar isso.
A unidade da nossa classe havia se desfeito completamente.
— Heh. Vocês conseguem enfiar as estacas da barraca direito?
Shinohara, sentindo que a situação estava fugindo do controle, olhou para Hirata em busca de ajuda.
— Ei, Hirata-kun. Pode nos ajudar, pelo bem da Karuizawa-san?
— Ok. Vou ajudar. Mas pode demorar um pouco, tudo bem?
— Obrigada, Hirata-kun. Não é, Karuizawa-san?
— É, Hirata-kun é o único em quem podemos confiar.
Karuizawa, parecendo feliz e um pouco tímida, corou.
— Heh. Hirata pode até ser o culpado.
— Hã? Hirata-kun não é o culpado. Que coisa estúpida de se dizer. Por que você não vai se jogar de um penhasco?
— O quê?! Não me venha com essa, Karuizawa. Só porque ele é seu namorado não significa que ele não seja o culpado!
Naturalmente, mais e mais reclamações vinham dos meninos, mas suas palavras caíam em ouvidos surdos. Todos, exceto Hirata, eram suspeitos, então não havia nada a fazer. Rapidamente chegamos a um impasse, com Karuizawa e Shinohara no completo controle.
— Espere um minuto. Gostaria de levantar uma objeção — especialmente contra você, Karuizawa-san.
Horikita falou, calmamente e com firmeza, se opondo a Karuizawa.
— O que é, Horikita-san? Não está satisfeita com o que estamos dizendo?
— Não me importo particularmente em dividir os espaços de convivência entre homens e mulheres. Enquanto o culpado não for encontrado, certamente é uma boa ideia manter distância dos homens, considerando a probabilidade de que o culpado esteja entre eles. No entanto, não confio em Hirata-kun. Não posso descartar a possibilidade de que ele seja o ladrão de roupa íntima. Além disso, não estou convencida de que ele deva ser excluído da proibição aos homens.
— Hirata-kun nunca faria uma coisa dessas. Você não consegue ao menos entender isso?
— Essa é só a sua crença pessoal, não é? Não tente me impor seu modo de pensar.
Karuizawa se aproximou de Horikita, parecendo desaprovar a atitude dela.
— Hirata-kun definitivamente não é o culpado. Você nem tem amigos, quanto mais namorado. Provavelmente não entenderia.
— Não me faça repetir. Nada do que você disser vai me convencer.
Apesar da provocação, Horikita manteve a postura, respondendo de forma distante.
— Bem, deixe-me perguntar algo. Você diria que não há outros meninos tão confiáveis quanto Hirata-kun? Ou há?
— Não falarei impulsivamente. Simplificando, eu ficaria bem se você aumentasse o número em mais um garoto. Se fizesse isso, eles seriam eficazes em vigiar uns aos outros.
— Isso não é brincadeira. Minha roupa íntima foi roubada, certo? Fui humilhada! Você não entende? Não sei o que faremos quando encontrarmos o culpado.
— Será que isso não aconteceu por causa da sua forma ingênua de lidar com crises? Talvez haja um motivo oculto por trás do roubo da roupa íntima que ainda não entendemos.
— Que diabos você quer dizer com "crise"? Revistamos as bolsas de todos. Qual é a ingenuidade nisso?!
— Não ligo para o fato de sua roupa íntima ter sido roubada. Esse tipo de coisa acontece todos os dias, e não há muito que se possa fazer. Provavelmente alguém aqui guarda ressentimento contra você.
Horikita considerava a possibilidade de que o objetivo final do culpado não fosse a roupa íntima de Karuizawa, mas sim atacá-la e humilhá-la deliberadamente. Horikita podia raciocinar à vontade, mas expor essa ideia em público, na frente de Karuizawa, não seria uma má ideia? Pode-se dizer que socializar era o ponto fraco de Horikita. Ela era inteligente, mas tinha dificuldade em se relacionar com os outros.
Se Karuizawa fosse provocada diante de tanta gente, ela ficaria ainda mais magoada e irritada. Então, sua raiva não seria dirigida apenas aos meninos, mas provavelmente a Horikita também.
— Escuta aqui, sua! — Karuizawa parecia à beira de perder a paciência, até que Hirata apareceu ao lado dela de forma elegante.
— Karuizawa-san, seria ótimo se outro garoto pudesse me ajudar aqui. Tudo bem?
Ele havia assumido novamente o papel de mediador.
— M-Mas… como posso confiar em alguém além de você, Hirata-kun?
— E quanto a mim? — perguntou Ike, levantando a mão.
Ele acabara de brigar com Shinohara, e agora levantava a mão?
— Espere. Se for trabalho físico, eu faço! — Sudou levantou a mão rapidamente.
— Espere. Se você procura um cara com habilidade, então esse sou eu! — disse Yamauchi.
Por mais acaloradas que fossem as discussões com as garotas, os meninos não conseguiam deixar de querer se aproximar delas.
— P-Parem de brincar. Não dá pra simplesmente convidar um pervertido pra ajudar. Eu não me surpreenderia se um de vocês fosse o culpado. Ou será que você acha que esses caras são confiáveis, Horikita-san?
— Concordo com você. Considerando o comportamento desses três no dia a dia, são completamente indignos de confiança. Pensei bem e pretendo escolher alguém que definitivamente não pode ser o culpado.
— Quem? Há alguém além do Hirata-kun?
Observei os garotos. Haveria algum que pudesse deixá-la tranquila, ao lado de Hirata? Yukimura era inteligente, mas já tivera várias desavenças com as meninas. Então quem seria?
— Você. Ayanokoji-kun.
Hã? Eu? Como assim, eu? Minha boca se abriu sozinha, e fiquei ali, boquiaberto.
— Hahaha! Não me faça rir. Ele é seu único amigo, não é? Num dá para confiar em um cara tão sombrio e tarado quanto ele — disse Karuizawa.
Eu não ligava muito para o que os outros pensavam de mim, mas parecia que muitos já me rotulavam como "aquele cara" — o tipo de solitário estranho e meio pervertido. Seria esse o destino patético de um aluno que não conseguiu fazer amigos no primeiro semestre?
— Aliás, acho até que Ayanokoji-kun pode ser o culpado. Ele estava todo suspeito esta manhã, agindo de forma bem estranha.
Quando encontramos a roupa íntima na mochila do Ike, eu realmente agira de forma lenta e desajeitada. E, bem, era verdade que eu estava com a roupa íntima da Karuizawa nas mãos naquele momento — o que, convenhamos, me tornava bastante suspeito.
— É possível… Ayanokoji-kun ficou na fogueira até tarde da noite passada…
As suspeitas das garotas aumentavam, e eu havia virado o novo alvo. Até alguns garotos começaram a desconfiar, como Ike e Yamauchi, que fingiam não saber de nada. Falar ou tentar explicar só pioraria a situação. Preferi ficar em silêncio. Por mais que as meninas me acusassem, Hirata tinha as provas e não me culparia. Mesmo assim, ser suspeito quando se sabe a verdade é uma sensação horrível.
— Ayanokoji-kun é mesmo o ladrão de roupa íntima, não é? Nem tenta se justificar. Já olhou para Karuizawa-san com aqueles olhos tarados antes, não olhou?
Ouvi uma voz desconfiada do lado das meninas. Não me lembrava de ter olhado para Karuizawa de forma indecente, mas, naquele momento, eu não podia simplesmente "editar" a minha memória.
— E-Eu… eu não acho que o A-Ayanokoji-kun faria uma coisa dessas…
Achei que todas as meninas duvidassem de mim e que ninguém fosse me defender, mas uma pessoa inesperada falou a meu favor. Sakura, encolhida atrás de todos, com as costas arqueadas, mexia nervosamente as mãos enquanto falava em minha defesa. Nunca imaginei que uma garota que odiava chamar atenção teria coragem de fazer algo tão ousado.
— Hã? Como assim? Por que você está dizendo isso? — perguntou Karuizawa, irritada com a intervenção de Sakura.
A tímida e nervosa Sakura era um alvo fácil para uma garota popular como Karuizawa. Enfrentá-la era bem mais simples do que lidar com Horikita. Num instante, Karuizawa mudou de alvo, atacando Sakura com palavras afiadas, como uma predadora.
— Hã? Por quê? Como você sabe? Como sabe que o Ayanokoji-kun não é o culpado?
— B-Bem… é porque… ele não é esse tipo de pessoa… — respondeu Sakura, acuada, quase sussurrando de medo.
— Hã? Não entendi o que quis dizer. Isso não é uma resposta — disse Karuizawa, cruzando os braços e rindo de forma zombeteira. — Oh? Será que a Sakura-san gosta de um carinha apagado e invisível como o Ayanokoji-kun?
Karuizawa não disse isso em tom de deboche, mas como se fosse algo lógico de se supor. Teria sido melhor se Sakura tivesse simplesmente ignorado, mas ela levou a sério.
— V-Você está errada! — gaguejou Sakura, recuando em pânico, o rosto completamente vermelho.
— Uau! Que reação mais óbvia. Parece coisa de criança de escola primária!
As outras garotas caíram na risada junto com Karuizawa.
— I-Isso…! B-Bem… ah!
— Heh, mas não é bom, não? Você gosta dele, e mais ninguém gosta! Ei, que tal confessar agora? Eu até te ajudo!
— Ah! — gritou Sakura, antes de sair correndo floresta adentro, incapaz de suportar mais aquela zombaria.
Kushida foi atrás dela, percebendo o perigo de alguém se embrenhar sozinha no mato.
— Mas o que foi isso? Eu só estava brincando! Nossa, é por isso que ela não consegue fazer amigos…
Horikita, que havia observado em silêncio toda a humilhação pública de Sakura, suspirou e passou a mão pelos cabelos, como quem acabara de ver algo entediante.
— Podemos continuar a discussão agora? Essa palhaçada é perda de tempo.
— Ei, Horikita-san. O jeito que você fala é irritante e machuca — retrucou Karuizawa, que, perdendo o interesse em Sakura, voltou a mirar em Horikita. — Sério, Horikita-san, por que você é tão fria comigo? Aconteceu alguma coisa?
— Alguma coisa? Que "alguma coisa"?
— Ah, vamos lá. O Hirata-kun não é incrível? Ele é inteligente, gentil, e ainda por cima se preocupa até com alguém como você. Qualquer garota normal se apaixonaria por ele.
Rindo, Karuizawa puxou o braço de Hirata, aproximando-o, como se quisesse se exibir.
— Suponho que eu diria que o Ayanokoji-kun é… bem, em aparência, ele é até melhor que a maioria dos garotos. Mas em todo o resto, é péssimo. Você deve estar com ciúmes, só isso. É o que eu acho.
— Você é ingênua, Karuizawa-san.
— É vergonhoso ser tão invejosa.
Dizem que o comportamento coletivo revela o caráter, a posição e o estado psicológico de cada indivíduo. Coisas que normalmente não eram ditas no ambiente escolar começaram a vir à tona aqui. Isso se aplicava especialmente a Horikita, que sempre ficava sozinha. As outras garotas da classe a tratavam mal, mas ela conseguia lidar com isso simplesmente por não se importar. Cada uma ignorava a outra. Agora que todos precisavam conviver, o choque de personalidades era inevitável.
— É verdade que Ayanokoji-kun tem muitas qualidades… difíceis de gostar — disse Horikita.
Ei… achei que você fosse me defender…
— Mas precisamos perguntar se Hirata-kun pode confiar em Ayanokoji-kun. Seria estranho e desconfortável se você endossasse alguém sem importância para ele. A verdade é que não confio nele em absolutamente nada, mas não pretendo deixar que meus sentimentos pessoais interfiram nisso. Por eliminação, concluí que ele é o garoto mais confiável da classe. Ou há outro melhor? Se houver, por favor, diga-me.
Depois que Horikita terminou, Karuizawa olhou para os garotos como quem os avalia e suspirou.
— Bem, eu suponho que, de todos os caras aqui, ele parece o menos perigoso. Ele não tem presença.
Não pude deixar de concordar com isso. A percepção da garota era dura demais.
— Mas isso não é bom? Tenho minhas dúvidas, mas se o Hirata-kun se sente confortável com isso, tudo bem.
Parecia que Karuizawa e as outras garotas tinham me escolhido, mas eu não estava totalmente convencido. Claro que não ousei dizer uma palavra. Isso só geraria mais brigas. Logo após a discussão acabar, todos começaram a se dispersar. A união da nossa classe tinha se desfeito.
— Eu entendo o que todos querem dizer aqui, mas discordo de suspeitar de um colega sem provas. Não deveria haver ninguém em nossa classe capaz de fazer algo tão horrível — disse Hirata, incapaz de ficar em silêncio diante da situação que se agravava.
— Você é bondoso demais, Hirata-kun. Então está dizendo que foi outra pessoa que roubou?
— Não sei, mas não quero duvidar dos meus colegas.
Os garotos provavelmente se sentiram mal por estarem sendo tratados como criminosos pelas garotas.
— Ei. E se tiver sido aquela garota, a Ibuki? — alguém murmurou, lançando um olhar para Ibuki, que estava sentada na extremidade do acampamento.
Instantaneamente, todas as suspeitas se voltaram para Ibuki. O grupo tinha encontrado uma nova "presa".
— A Ibuki-chan é da Classe C, certo? Não seria estranho se ela estivesse tentando sabotar a Classe D. Ela poderia estar usando truques para nos fazer duvidar uns dos outros.
— Parem com isso, pessoal. Os garotos são, sem dúvida, os principais suspeitos.
Shinohara permanecia muito desconfiada dos garotos. Mantinha distância, gesticulando com as mãos para que nos afastássemos.
— Até que o culpado seja encontrado, definitivamente não podemos confiar nos garotos. Certo, Karuizawa-san?
— Naturalmente. Um dos garotos com certeza fez isso.
*
Já disse isso várias vezes, mas Hirata Yousuke é realmente um cara incrível. E não estou falando da aparência, mas de suas atitudes corretas e firmes. Ele tomava a iniciativa de fazer coisas complicadas que pessoas comuns não queriam fazer e se comportava com respeito mesmo ao lidar com os outros.
Hirata, em cooperação com as garotas, estava montando as duas barracas delas mais longe dos garotos. Enquanto isso, eu fui encarregado de carregar as estacas, fincá-las no chão e prendê-las.
Embora tenha tido dificuldade no começo, com as estacas escapando, logo consegui firmar a primeira barraca. Foi surpreendentemente fácil. No momento, estava suado, batendo as estacas da segunda barraca com o martelo. Hirata veio me ajudar, esticando a corda e me dando uma mão na hora de fincar as estacas.
— Desculpe. Coloquei você em uma situação difícil de novo.
Os outros garotos estavam lá fora, brincando ou pescando.
— Ah, tudo bem. Você não precisa se desculpar, Hirata. Se for assim, eu é que me sentiria mal de deixar tudo só com você.
— Ah, não é tão ruim assim. Faço isso de bom grado.
O sorriso sincero dele só tornava tudo ainda mais impressionante.
— Pode parecer estranho, mas por que você trabalha tanto?
— Trabalhar tanto? Não pretendo me esforçar demais. Apenas faço o que precisa ser feito — disse Hirata, sem se vangloriar. Estava todo suado e se enxugava com a toalha pendurada no pescoço. — Acho que este teste especial não é exatamente uma batalha, mas sim uma oportunidade importante para nos aproximarmos. Por isso quero valorizar este momento. Fico feliz em me esforçar por isso.
Eu me perguntava como era possível uma pessoa comum transbordar de boas intenções sem ser hipócrita. Querer ser bem-visto pelos outros, querer atenção — a maioria das pessoas pensaria assim, mas não tive essa impressão de Hirata. Parecia que ele simplesmente queria ser uma boa pessoa.
— Certo, ainda falta metade. Vamos nos apressar e terminar isso.
Nós dois fomos para o outro lado para fincar as estacas restantes.
— Hirata-kun! Venha aqui um minuto! — Karuizawa e as outras garotas chamaram Hirata. Num instante, elas o cercaram e começaram a puxar seus braços.
— Ei, vamos lá, venha!
— Ah, ainda tenho trabalho a fazer… — disse ele.
— Não seria melhor deixar isso para Ayanokoji-kun? Não consegue? — disseram, puxando-o com força.
Vendo o rosto preocupado de Hirata, deixei-o ir, mesmo achando que aquilo ia me dar mais trabalho.
— Eu consigo fazer isso. Vai lá.
— Não, mas é difícil para uma pessoa só…
— Tudo bem, falta só um pouco.
— D-Desculpe. Obrigado. Já volto.
Embora eu tivesse a sensação de que as garotas tinham algum motivo oculto, elas arrastaram Hirata para a floresta tão rápido que ele nem ouviu minhas palavras. Provavelmente não voltaria imediatamente. Observei Hirata se afastar, então peguei o martelo e torci para ter outra chance de desvendar seus muitos mistérios. Continuei meu trabalho e consegui terminar tudo sozinho antes que Hirata retornasse.
— Levei mais tempo para terminar sozinho do que pensei…
Havia muitos detalhes que me preocupavam: a orientação da barraca, a posição das estacas, a tensão da corda. Já passava das dez horas. O que eu deveria fazer agora? Não podia me dar ao luxo de cometer um erro, com a situação ficando instável. Mas antes, precisava recuperar minhas forças. Trabalhar sob o sol escaldante era extremamente desgastante.
— Você tem um minuto? — perguntou Ibuki.
Eu pensava em descansar um pouco, mas aparentemente não seria possível.
— O que você falou esta manhã soou bem sério. O incidente da roupa íntima, quero dizer. Classe D não é um monólito.
— Bem, eu acho. Nossos problemas nunca acabam.
— Seja qual for a razão, roubar a roupa íntima de uma garota é imperdoável.
Certo… mas por que ela estava falando comigo sobre isso? Yamauchi havia cuidado de Ibuki, não eu, e o grupo da Kushida estava de olho nela. Nós só havíamos conversado um pouco antes, então não havia razão particular para ela falar comigo.
— Você duvida de mim, por acaso?
Ibuki provavelmente tinha visto Shinohara e as outras me tratarem como um criminoso naquela manhã.
— Você é o culpado? — perguntou ela.
— Não, não sou.
— Ah, que bom. Bem, não é como se eu tivesse alguma prova. Parece que algumas garotas confiam em você e naquele garoto Hirata. Acho que a chance de você ser o vilão é baixa.
Ela provavelmente chegou a essa conclusão depois de ouvir a troca de palavras entre Karuizawa e Horikita.
— Você tem alguma ideia de quem é o culpado?
— Agora, não. Realmente não quero duvidar dos outros garotos.
— Então quem você acha que fez isso?
Ela fez a pergunta como se estivesse me testando. Ibuki me olhou de soslaio ao falar. Quando não respondi, ela continuou:
— Se um garoto não for o culpado, então vão suspeitar de mim — a estranha — em seguida. Tenho certeza de que algumas pessoas já disseram algo sobre mim. Afinal, eu poderia ter apenas feito parecer que os garotos roubaram a roupa íntima, certo?
Ibuki riu de forma autodepreciativa, talvez consciente de que já era uma suspeita. Em resposta, falei impulsivamente:
— Acho que confio em você, pelo menos. Duvido que você seja a culpada.
Respondi sem hesitar. Ela pareceu surpresa, como se quisesse verificar se eu estava falando sério. Quando nossos olhares se encontraram, ela desviou o olhar.
— Obrigada. Não esperava que você dissesse algo assim.
— Eu apenas dei uma resposta honesta.
Consegui compreender Ibuki apenas olhando em seus olhos. Concluí que Ibuki havia roubado a roupa íntima da bolsa de Karuizawa e escondido na mochila de Ike.
*
Era o fim do quinto dia do teste especial, e a Classe D estava desanimada. Era como se estivéssemos velando um corpo a noite toda. Passara um dia inteiro com todos assustados com sombras. Todos estavam desconfiados, e ninguém sabia quem era o culpado. Apesar do clima opressor, chegou minha vez de cuidar do fogo. Enquanto observava as chamas, jogava alguns galhos de vez em quando. Era um trabalho monótono e fácil. Tínhamos outros problemas, porém.
— Ei, Ayanokoji-kun! Não dissemos para você arrumar a barraca direito?
— Eu a movi conforme pediram.
— Precisa ficar mais para a esquerda. Senão estamos muito perto dos garotos.
— Certo.
As garotas faziam pedidos impossíveis, e eu tive que aceitar a contragosto. Elas pareciam ressentidas.
— Deve ser difícil ter que fazer tarefas rotineiras — disse Horikita.
— É fácil falar, vindo de você. Isso não teria acontecido se você não tivesse me recomendado à toa.
— Não havia outra saída. Hirata-kun não é confiável, e eu precisava de uma garantia.
— Você é a única da classe que não confia no Hirata. A vida fica mais fácil quando se para de acreditar que todas as pessoas são hipócritas.
— Suponho que seja verdade. Eu certamente não sou hipócrita.
E isso era pouco para descrevê-la. Horikita vivia de forma completamente fiel a si mesma. Ela devolveu minha crítica de forma habilidosa:
— Entretanto, a maioria das pessoas cria uma diferença entre a persona pública e como realmente são por dentro. Você também faz isso. Não confio em ninguém porque boas intenções e hipocrisia são duas faces da mesma moeda.
Duvidava que suas palavras fossem apenas para Hirata. Parecia que incluía Kushida também.
— De qualquer forma, você parece confiar muito em Hirata-kun — disse ela.
— Sim. Bem, posso contar com ele, pelo menos. Ele é realmente confiável.
— Confia nele? Pode dizer que ele teve um efeito positivo na classe só por estar por perto?
Horikita devia estar pensando em algo, pelo tom ríspido de suas palavras. Provavelmente achava que eu estava segurando informações que ela não tinha. Sorri com audácia antes de responder.
— Bem… Hirata é um homem de muitos talentos. Ele ajuda quando não conseguimos juntar garotos e garotas durante um conflito. Não acha que ele está se esforçando para unir os alunos quando ninguém mais consegue?
— É certamente impressionante que ele consiga assumir esse papel sem se mostrar mal-humorado. No entanto, sem bons resultados, a ação é inútil. Dependendo da situação, essas ações podem até levar ao pior cenário possível. Deixe-me perguntar algo: você sabe quantos pontos a Classe D tem agora?
— Bem, parece que houve alguns gastos inesperados. Não consigo dar um número exato.
— Exatamente. O confiável Hirata-kun manteve a boca fechada sobre isso.
— Como assim?
— Venha comigo.
Perguntei-me o que ela queria me mostrar com tanta pressa a ponto de deixar o fogo sem supervisão. Enquanto me perguntava para onde ela estava me levando, percebi que estávamos na entrada da barraca das garotas. Horikita abriu o painel principal e me empurrou para dentro.
— Isto é…
Ao contrário da barraca dos garotos, que era espartana e desconfortável, a barraca das garotas era totalmente diferente. Espaçosa, com um tatame no chão para que não precisassem dormir na terra dura. Havia vários travesseiros infláveis e, por cima disso, um ventilador sem fio movido a bateria.
— A barraca do outro lado tem exatamente as mesmas coisas. Um total de doze pontos.
— Achei que as garotas estavam suportando o calor de forma incomum. Então é assim que elas conseguem.
Elas não tinham sacrificado nada desde o início. Simplesmente compraram tudo o que precisavam.
— Karuizawa-san e as outras pediram isso.
Aparentemente, elas tinham se mimado bastante, secretamente.
— Só descobri depois que já tinham feito os pedidos. É difícil fazer qualquer coisa quando as regras dizem que qualquer um pode comprar um item e gastar pontos.
Igual a como Koenji havia se retirado tão cedo no teste.
— Karuizawa-san informou isso a Hirata-kun, então ele definitivamente sabia. Mas você não sabia, nem ele informou ninguém. Acho que ele definitivamente deveria ter compartilhado essa informação.
Horikita cruzou os braços. Ela tinha um ponto válido, mas duvidava que Hirata tivesse ficado quieto por malícia. Talvez ele só quisesse evitar confusão desnecessária. Se Karuizawa tivesse relatado tudo corretamente para Hirata, o valor poderia ter sido avaliado.
— Entendo o que quer dizer, mas não há muito que eu possa dizer sobre isso. Não podemos recuperar os pontos gastos, e não faltam muitos dias para o fim do teste. Provavelmente Karuizawa e as outras não vão gastar mais pontos — disse eu.
Achei que ela ficaria irritada com uma resposta curta e direta, mas Horikita parecia ter antecipado minhas palavras. Ela prontamente me ignorou e continuou:
— Se as coisas permanecerem como estão e nada acontecer, provavelmente todos ficarão quietos. Mas a situação pode piorar se o caso da roupa íntima roubada não for resolvido. Se o culpado estiver por perto, ele ou ela pode tentar nos atrapalhar. É por isso que quero encontrar o culpado o quanto antes.
— Então você quer que eu trabalhe com você?
— Sim. Agora que há uma divisão entre nós e os garotos, há muitas coisas que não consigo fazer sozinha.
Os garotos e as garotas estavam em meio a uma guerra fria, isolados de novas informações.
— Entendido. Não sei se serei útil, mas ajudarei.
Horikita pareceu confusa com minha resposta direta.
— Estou tentando entender você… Tem alguma outra intenção?
— É melhor aceitar favores de forma direta. Como garoto, fico irritado por os garotos estarem sendo tratados como ladrões. Isso, por si só, já é motivação suficiente. Temos um objetivo em comum.
Mais cedo, Hirata também me havia pedido ajuda.
— Bem, seja como for. Então está decidido.
O culpado não era bobo. Não era provável que mostrasse suas verdadeiras intenções enquanto as suspeitas fossem altas. Horikita provavelmente achava que tudo se resolveria. Mais perturbações durante o teste provavelmente começariam a afetar nossos pontos também.
Quanto ao culpado… Bem, Ibuki provavelmente agiria novamente. Não, ela definitivamente agiria. Ainda não tinha alcançado seu objetivo.
— Você está com uma expressão tão séria. Você realmente odeia tanto ser tratado como criminoso?
— Nossa classe está toda bagunçada por causa disso. É uma pena, porque estávamos indo muito bem.
— Nossa cooperação foi pura coincidência. A Classe D nem tinha realmente senso de trabalho em equipe desde o início. Está terminando mal, principalmente por causa da confiança quebrada entre garotos e garotas. Claro que teria sido melhor permanecermos unidos até o fim do teste.
— Eu me pergunto qual é o objetivo do culpado, seja quem for. Ele queria roubar a roupa íntima da Karuizawa ou queria jogar nosso trabalho em equipe no lixo? Sinto que há uma agenda oculta.
Quando disse "agenda oculta", Horikita cruzou os braços. Depois de pensar, balançou a cabeça.
— Vamos com calma… Desculpe, mas vou voltar para a barraca.
Horikita se afastou, jogando o cabelo para o lado. Sua respiração estava superficial.
— Ei, Horikita, não acha que já está na hora de você confessar?
— Confessar? Confessar o quê?
Embora Horikita fingisse estar calma, ela estava suada. Já era o bastante.
— Sua saúde piorou rapidamente desde que o teste começou.
Ela parecia doente mesmo antes de começarmos a viagem, mas não era tão perceptível. Por causa de sua personalidade mais reclusa, provavelmente planejava ficar em seu quarto e evitar interações.
— Não mais do que o habitual.
— Mentira.
Eu havia pegado Horikita mentindo e estendi a mão para tocá-la. Sentindo sua testa, percebi que estava com febre. Horikita tentou escapar, mas seus movimentos estavam lentos. Consegui segurá-la facilmente.
— Quando… você percebeu?
— No convés do navio, quando perguntei o que você estava fazendo.
— É, e eu te disse que estive lendo no meu quarto.
— Então você estava realmente doente? Ou seja, estava dormindo de verdade, certo?
— E em que evidência você se baseia para chegar a essa conclusão?
— Quando você veio para o convés, sua franja estava toda bagunçada. Prova de que você tinha estado deitada de lado. Além disso, estava incrivelmente quente no barco, mas você parecia estar com frio. Até agora, está de mangas compridas e com o zíper fechado até o pescoço. Até uma criança do ensino fundamental conseguiria perceber.
Horikita, que normalmente responderia com palavras duras, permaneceu em silêncio.
— Se você aplicasse essa perspicácia para chegar à Classe A, ganharia um pouco mais de reconhecimento.
— Definitivamente não pretendo fazer isso. De qualquer forma, você pretende esconder sua condição?
Estava bem claro que ela tinha febre, perto de 38°C. Ainda assim, ela estava escondendo por um motivo bem simples: se você denunciasse a doença, a turma sofreria uma penalidade maior. O teste ter caído nesse momento foi uma infelicidade para ela.
— Só preciso aguentar mais alguns dias. Se eu desistir agora, tudo terá sido em vão. Boa noite.
Ela pretendia, portanto, resistir até o fim. Tinha uma vontade de ferro.
*
Senti algo estranho na minha bochecha, quente e rígido. O calor me causou repulsa instantaneamente. Tentei esticar o pescoço e afastar o rosto, mas não consegui me mover. O braço de alguém me segurava com força no lugar.
— Q-Que…?
Acordei desconfortável. Imediatamente percebi que estava em uma situação assustadora. Sudou estava dormindo, com as duas pernas sobre o meu rosto.
— Suzune… não consigo mais me segurar… — ele gemeu.
— Aahhhh!
Gritei e escapei do aperto de ferro de Sudou.
— Gah, cala a boca… Que diabos? Ayanokoji, não me acorde assim.
Aquele cara acabara de tentar me colocar numa situação traumatizante. Ele definitivamente me confundiu com outra pessoa. Mesmo assim, não era algo que se gritasse no meio de outros garotos, no meio da noite…
Meu relógio mostrava que ainda não eram nem seis da manhã, mas o sono havia desaparecido. Saí da barraca para escapar do ar úmido e abafado. Ao sair, percebi que a paisagem havia mudado drasticamente em relação a ontem.
— Então, eu tenho sorte ou azar?
O problema parecia à espreita enquanto o sexto dia do nosso teste especial começava. Estava nublado lá fora, o céu cinzento. Devia ter chovido na noite anterior, porque poças e lama estavam espalhadas pelo chão. Parecia que a chuva forte chegaria, provavelmente no começo da tarde.
É claro que o tempo ficaria ruim bem no final do teste. Uma chuva leve teria sido suficiente, mas poderia haver chuva forte e ventos fortes. No pior cenário, teríamos que nos mover. Muitas coisas precisariam ser feitas, como verificar as estacas da barraca e lidar com a bagagem.
À medida que mais pessoas notavam o clima, começaram a entrar em pânico. Eventualmente, combinamos a comida que havíamos coletado com a comida de emergência comprada com pontos. Houve bastante reclamação por levar uma vida tão frugal, mas como era o penúltimo dia, todos pareciam dispostos a aguentar firme.
— Que bom. Não tivemos nenhum incidente — disse Hirata.
Era verdade. Se tivéssemos tido outro incidente como o roubo de roupas íntimas, provavelmente não teríamos esse clima de cooperação. Os garotos que faziam a vigília em frente à barraca estavam agora dormindo profundamente. Foi um dissuasor que inventamos para evitar a repetição do roubo. Hirata reuniu um grande grupo de estudantes e deu-lhes um último incentivo.
Ele também começou a organizar as pessoas em equipes para sair e procurar comida uma última vez, para que pudéssemos passar o dia. Se conseguíssemos comida suficiente hoje, não precisaríamos usar pontos. Era um momento crítico. Todos nos reunimos ao redor de Hirata.
— Seria melhor se fôssemos também? — perguntou Ike, sentado à beira do rio com uma vara de pescar já em mãos.
— Não. Ike-kun, Sudou-kun, quero que vocês continuem pescando. Não temos tempo de instruir os outros estudantes.
Depois de decidir o curso de ação, Hirata organizou os grupos pedindo voluntários para levantar as mãos. Claro, eu não levantei a minha, mas ele decidiu que eu participaria como reserva. Os membros do grupo eram Horikita, Sakura, Yamauchi e, surpreendentemente, Kushida.
A saúde física de Horikita ainda parecia fraca como sempre, mas ela se manteve firme. As pessoas ao redor não percebiam que ela estava se sentindo mal.
— Por que você ficou para trás? E seus amigos de sempre? — Horikita perguntou a Kushida.
Pensando bem, eu não tinha visto nenhuma das amigas de Kushida.
— Ah, é… bem, é que…
Kushida sussurrou algo no ouvido de Horikita, como se tivesse medo de que os garotos escutassem.
— Bem, para falar a verdade, Mii-chan está naqueles dias. Ela sempre se sente péssima quando acontece. Então suas outras amigas estão com ela na barraca.
Eu estava ao lado de Horikita e acabei ouvindo.
— Mesmo que ela não esteja se sentindo bem, é um fenômeno fisiológico natural. Ela deve ficar bem. Imagino que isso seja esperado. Mas, por que escolheu nosso grupo? Você devia ter outras opções.
Horikita estava interrogando Kushida assim porque a detestava.
Horikita não gostava de pessoas em geral, mas especialmente de Kushida. Por quê? Bem, pelo simples motivo de que Kushida aparentemente odiava Horikita. Sempre senti uma estranha tensão entre as duas.
Kushida Kikyou tinha um lado oculto, uma mudança drástica de sua persona habitual, a ponto de poder abusar calmamente de outras pessoas. No entanto, eu só havia descoberto isso por acaso. A Kushida do dia a dia era uma garota fundamentalmente gentil, alegre e fofa, que adorava ajudar os outros. Não parecia haver estudantes que a odiassem, a menos que fossem ciumentos. Mas eu sabia que Horikita não era do tipo ciumenta de alguém como Kushida.
Filósofos se debatem com perguntas difíceis, como: "O que veio primeiro, o ovo ou a galinha?" A galinha nasce do ovo, mas isso significa que o ovo veio primeiro? Eu não sabia se foi Horikita que passou a odiar Kushida primeiro, ou o contrário, ou quando tudo começou.
— Queria conversar com você, Horikita-san, e achei que esta era uma boa chance. Sabe, não conversamos direito durante essa viagem, não é? Bem, assim que anoitecer, vamos dormir.
Mesmo sabendo que era rejeitada, Kushida queria tentar se aproximar de Horikita. Se o objetivo de Kushida era se dar bem com toda a classe, não podia evitar lidar com ela.
— Não tenho tempo de sobra para gastar com você à toa.
— Você é tão malvada, Horikita-san. Mesmo que seu rosto fique tão fofo quando você está dormindo.
Horikita parecia um pouco irritada com a estranha provocação de Kushida. De qualquer forma, eu ia procurar comida com o resto do grupo.
— Ei, Ibuki. Por que você não vem com a gente também? — chamei Ibuki, que descansava sob uma árvore.
— Eu?
— Hoje é o último dia. Se não quiser, não vou te pressionar.
— Certo. Tenho uma dívida de gratidão com a Classe D… Claro, vou ajudar.
Ibuki jogou a mochila sobre o ombro. Yamauchi parecia feliz com isso.
— Ei, que ótimo, que ótimo! Sabe, isso meio que parece um harém ou algo assim! — exclamou.
Quanto maior a proporção de garotas para garotos, mais feliz Yamauchi ficava. Horikita não tinha motivo para recusar, então entrou na floresta sem responder.
— A floresta é meio assustadora… Ou melhor, é assustadora, e ainda por cima quente e úmida.
O céu estava nublado, e a floresta era completamente diferente de ontem. A visibilidade estava especialmente ruim. Yamauchi, com grandes manchas de suor nas axilas, abanava suas roupas de ginástica de forma desanimada para se refrescar.
— Você não está com calor, Sakura? — perguntou.
Yamauchi estava procurando um jeito de conversar com Sakura. Mas seus olhos estavam fixos nos seios dela, e era fácil perceber que ele simplesmente queria olhar para eles.
— Eh? O-Oi, tudo bem. Estou bem.
Sakura se inclinou para frente, como se tentasse evitar indiretamente o olhar de Yamauchi. Dizem que garotas são sensíveis ao olhar lascivo dos homens. No caso de Sakura, ela já tinha bastante experiência com isso, então era ainda mais sensível.
— A Karuizawa foi tão má ontem, não foi? E mesmo assim você foi tão gentil defendendo o Ayanokoji, Sakura.
— Ah, oh…
Yamauchi queria parecer gentil ao falar com Sakura, mas seu olhar e assunto tinham a sutileza de uma bomba explodindo.
— Yamauchi. Seria bom prestar atenção às copas das árvores. Pode ter frutas. Além disso, somos bem altos, então precisamos tomar cuidado aqui — disse eu.
— S-Sim. Claro.
Assim, consegui impedir que Yamauchi ficasse olhando para Sakura de forma lasciva, ao menos um pouco. Mas um cara tão tarado não ia se esgotar tão facilmente.
— Nuvens de chuva estão se aproximando do sudoeste. A tempestade vai chegar ainda mais rápido do que imaginávamos.
Dependendo de como as coisas se desenrolassem, seria melhor se protegermos da chuva. Chuva tornaria a missão de coleta de alimentos mais perigosa. Se fôssemos pegos na chuva no meio da floresta, poderíamos ficar presos ou nos machucar. Se isso acontecesse, perderíamos muitos pontos.
— Hmm…
Procurávamos comida caminhando em silêncio. Kushida alternava o olhar entre Horikita e eu, parecendo perdida em pensamentos. Claro, Horikita ignorava tudo.
— O que foi, Kushida-chan? — perguntou Yamauchi, que notou o comportamento estranho de Kushida.
— Ayanokoji-kun e Horikita-san se dão bem desde o começo, certo? Eu estava tentando descobrir o motivo.
— Boa pergunta. Por que vocês dois são próximos, afinal? — Kushida havia aberto um assunto complicado.
— Na verdade, não nos damos tão bem assim — disse eu.
— Você sempre nega, mas se dão sim. Estão andando lado a lado agora.
Podiam dizer isso, mas eu não estava particularmente consciente disso.
— Ah. Acho que descobri algo que Ayanokoji-kun e Horikita-san têm em comum — disse Kushida.
— Algo em comum? Que seria?
— Bem, olhem bem para eles, Yamauchi-kun. Notou algo?
— Hmm?
Yamauchi chegou muito perto, até ficar a cerca de um centímetro do meu rosto. Depois, correu em direção a Horikita e encarou seus olhos. Idiota, se chegar tão perto…
Estalo! A bochecha de Yamauchi foi estapeada. Foi um tapa delicioso e cruel, daqueles que você vê em atrizes humilhadas em dramas intensos.
Após levar um golpe tão forte, Yamauchi estremeceu e gritou. Agachou-se, encolhido, e chorou de dor. Não disse uma palavra, mas seus olhos pareciam perguntar a Horikita: "Por que você faria algo assim?!"
— Q-Que tá fazendo?!
— Você chegou muito perto. Lembre-se de ficar fora do meu espaço pessoal.
Era como quando Ike tentou se aproximar de Horikita. Realmente, qualquer pessoa se sentiria desconfortável se um cara indesejado chegasse tão perto do rosto.
— Haha… D-Desculpe, Yamauchi-kun. Eu causei problemas. Está tudo bem? — perguntou Kushida.
— V-Você é tão gentil, Kushida…
Yamauchi pegou a mão estendida de Kushida e se levantou, ainda com as bochechas vermelhas. Ibuki observava a cena com expressão levemente surpresa. Provavelmente, ela não via esse tipo de troca idiota na Classe C com frequência.
— Qual é a coisa em comum que você notou, Kushida?
— Bem, você não percebeu? Eu quase nunca vejo vocês dois rirem! Isso é tudo. Quero dizer, nunca vi Ayanokoji-kun ou Horikita-san sorrirem.
Kushida havia apontado algo bastante inesperado, achando que aceitaríamos sua palavra. Quanto a Horikita, já a tinha visto sorrir muitas vezes ao zombar de alguém, mas seu sorriso nunca continha qualquer tipo de afeto.
— É verdade que nunca vi Horikita sorrir antes. Mas eu já sorri, não é?
— Já te vi com um sorriso amargo, claro, mas nunca um sorriso genuíno, vindo do fundo do coração. Nunca te vi rir tanto a ponto de segurar o estômago, Ayanokoji-kun. Ou talvez você simplesmente nunca tenha mostrado esse lado para mim?
Ela olhou ligeiramente insatisfeita, espiando para cima em minha direção. Meu coração começou a disparar. Meu pulso acelerou. Mesmo estando em uma ilha deserta, um perfume agradável provocava minhas narinas. Envergonhado, desviei o olhar.
— Grande parte disso é genética. É a diferença entre pessoas que sorriem com frequência e aquelas que quase nunca sorriem.
— Hmm. Não acho que goste muito dessa explicação, mesmo que seja verdade.
Bem, a genética provavelmente não explica tudo. A felicidade também podia ser influenciada pelo ambiente em que alguém cresceu.
— Que tal praticarmos sorrir, só uma vez? O que acha?
— Por enquanto, vamos começar pelo arredor — disse Horikita.
— Hã? Sorrir?
— Quanto tempo quer gastar viajando? Precisamos procurar comida, certo? — disse Horikita com firmeza. Seu tom era autoritário. Ela nos instruiu a nos espalhar imediatamente.
— Não façam nada sozinhos. Procurem em duplas. Tomem cuidado especial. Vamos, Ayanokoji-kun.
Horikita me chamou, e comecei a andar com ela.
— Ah… ah…
— Hmm? — Sakura parecia nos seguir, com os ombros caídos.
— Venha procurar comida com a gente, Sakura! — gritou Yamauchi.
Ele me mostrou um sinal de positivo com a mão. Imaginei que ele sonhava em aproveitar a situação.
— Estou ansiosa para trabalhar com você, Ibuki-san!
Kushida, a última que restava, fez dupla com Ibuki. Ibuki era uma garota bastante direta e antissocial, mas se estivesse com Kushida, provavelmente não haveria problemas.
— Horikita, como você vai lidar com a questão do cartão-chave? — perguntei.
— Eu sempre o tenho comigo.
Horikita colocou a mão no bolso do casaco para me mostrar que tinha o cartão.
— Quando atualizarmos o dispositivo, vou me misturar entre os estudantes que Hirata-kun reuniu para não ser notada. Ibuki-san e os outros alunos não devem saber.
Bem, eu realmente não estava preocupado com essa parte. Como ela é meticulosa, provavelmente lidaria bem com isso.
— Posso ver por um segundo?
— Hã? Aqui?
— Na verdade, é conveniente fazer isso aqui. Seria suspeito demais no acampamento base.
— Talvez, mas o que você pretende fazer depois que eu te mostrar?
Expliquei a situação a Horikita, enquanto ela me olhava desconfiada.
— Para ser honesto, eu estava quieto. Estava com Sakura antes, para que ela pudesse me dar cobertura, mas no primeiro dia vimos alunos que tinham algo parecido com um cartão-chave.
Contei a Horikita sobre ter visto Katsuragi em frente à caverna e seu cartão.
— Mas não sei se era realmente o cartão-chave. Não consegui ver direito. Quero dizer, você provavelmente riria se eu brincasse dizendo que ele estava pegando um cartão telefônico, não é?
— Er… certo. Se você tiver provas, seria uma grande conquista.
Satisfeita com minha explicação, Horikita se afastou de Ibuki e retirou discretamente o cartão. Aceitei-o e examinei frente e verso. O lado reverso tinha a típica tarja magnética. Como a professora havia dito, na frente estava o nome "Horikita Suzune", prova de que ela era a líder.
Mesmo que eu tentasse, não seria capaz de remover o nome e substituir por outro.
— E então? É o mesmo cartão que Katsuragi-kun tinha?
— Não. Sei lá… Achei que saberia só olhando, mas… parece ter uma cor diferente da que lembro.
— Os cartões-chave podem ter esquemas de cores diferentes dependendo da classe.
— Sim, mas não temos evidências suficientes para fazer um julgamento seguro. Se cometermos um erro, não teremos como nos recuperar.
Quando tentei devolver o cartão a ela, acidentalmente o deixei cair. O cartão bateu no chão.
— Ah!
Gritei em pânico, mas Horikita rapidamente o pegou. Ela deslizou o cartão de volta para o casaco, mas chamamos atenção.
— O que houve?
Kushida parecia preocupada. Ibuki também.
— Oh, nada. Só um inseto que me assustou. Desculpa, desculpa.
Enquanto me desculpava, Horikita lançou-me um olhar aterrorizante.
— D-Desculpe…
Horikita mantinha-se furiosa, mantendo distância de mim.
— Ela te dispensou? — perguntou Yamauchi, com um sorriso.
— Olha, Yamauchi. Preciso te pedir uma coisa. Pode vir aqui um instante?
— O que foi? Você sabe que minha taxa de consultoria amorosa é alta, né?
— O chão nesta área está todo enlameado por causa da chuva, certo? Quero que você pegue essa lama e passe no cabelo da Horikita. Consegue fazer isso por mim?
— Hã? M-Mas se eu fizer algo assim, vou ser morto! Nem pensar!
Claro que eu sabia que ele não aceitaria imediatamente. Mas isso era muito… anti-natural para eu fazer sozinho. Pensei que um brincalhão como Yamauchi tentaria algo assim.
— Escuta aqui, cara. Por mais irritado que você diga estar com a Horikita, tentar se vingar dela não é legal!
— Se você fizer isso, estou disposto a te dar o e-mail da Sakura.
— É o quê?!
— E então?
— O-e-mail da Sakura? Cara! Acho que agora eu realmente tenho que fazer isso, né?
O garoto que vivia para o amor decidiu morrer pelo amor. Aquela decisão era impressionante.
— Você vai me dar mesmo? Se estiver mentindo, não aceito.
Depois que acenei com a cabeça, Yamauchi pegou bastante lama e se aproximou de Horikita por trás. Se ela não estivesse se sentindo mal, provavelmente teria notado, mas naquele momento não conseguia prestar atenção ao redor. Kushida e Ibuki perceberam o comportamento estranho de Yamauchi e o observaram com expressões curiosas.
Yamauchi fez isso. Cobriu o lindo cabelo negro de Horikita com lama. Depois, espalhou e bateu a lama com as duas mãos. Bem, ele nem precisava ir tão longe…
— Hahahaha! Você está toda coberta de lama, Horikita! Hilariante!
Yamauchi riu e apontou para Horikita como uma criança. Horikita, quase como se não conseguisse compreender a situação, ficou imóvel por um instante. Então se levantou, agarrou o braço de Yamauchi que apontava e agiu sem dizer uma palavra.
Yamauchi soltou um rápido e confuso "Hã?" quando Horikita o jogou.
*
Voltamos ao acampamento base antes do meio-dia, sem nada para mostrar pelos nossos esforços. Embora o sol não tivesse aparecido, estava ainda mais quente ali do que na floresta de verão. Era impossível não notar uma fina camada de suor até em Horikita, que insistia que não estava suada.
— É melhor você se lavar imediatamente, Horikita-san. Está toda suja de lama…
— Sim… Esta situação é realmente dolorosa.
Horikita, com cabelo e roupas completamente cobertos de lama, não podia evitar o desconforto. Teria sido desconfortável mesmo que ela não estivesse doente.
— Vou guardar rancor de você pelo resto da vida. Melhor se preparar.
Yamauchi, que tinha sido severamente espancado, encolhia-se atrás de mim, tremendo de medo.
— E-Eu, eu, e-eu fiz! A-Agora, você tem que cumprir sua promessa!
— Não se preocupe. Quando o teste acabar, eu vou te contar.
Senti pena de Sakura, mas precisava recompensar Yamauchi por sua coragem.
— Ah não, parece que é impossível usar o chuveiro…
As garotas que voltaram da exploração estavam reunidas em frente ao chuveiro, esperando na fila. Infelizmente, as três primeiras na fila eram Karuizawa e seu grupo. Se Horikita entrasse agora, teria que esperar bastante. Coberta de lama, ela não queria ceder. Mas ficar atrás de uma Karuizawa hostil dificultava cortar a fila.
— Que tal o rio? Seria mais fácil e rápido, não? — perguntei.
— Certo. Parece que não tenho outra escolha.
— Acho que vou nadar. Ibuki-san, quer ir nadar comigo? Estou bem suada. Se tivermos permissão, tudo bem alguém da Classe C usar o rio?
Usar o local sem permissão não era permitido, mas provavelmente não haveria problemas.
— Vou passar. Não gosto muito de nadar, então vou esperar para usar o chuveiro — disse Ibuki.
— B-Bem, eu também…
Sakura, seguindo Ibuki, recusou-se a nadar. Provavelmente não queria que os garotos a vissem de maiô. Sem dúvida, tomar banho com água quente seria melhor, mas como estava bastante nublado, também estava quente e úmido. Horikita provavelmente não confiava que conseguiria esperar mais na sua condição debilitada. Yamauchi, ainda todo roxo e dolorido, seguiu comigo em direção à barraca.
— Vou descansar um pouco. As partes onde apanhei ainda doem bastante…
Yamauchi choramingou enquanto mancando entrava. Embora fosse adequado para a tarefa, era uma missão horrível. Quanto a Horikita, não a vi, então imaginei que já tivesse começado a se trocar para o maiô. Enquanto isso, o número de pessoas esperando para usar o chuveiro aumentava gradualmente. Atrás do grupo de Karuizawa estava Sakura, e atrás dela Ibuki. Outra garota entrou na fila logo depois.
Vários estudantes nadavam no rio e pareciam se divertir. Alguns minutos depois, Horikita e Kushida apareceram de maiô. Fui até a pilha de bagagens dos garotos e depois procurei um local privado. Quando voltei cerca de cinco minutos depois, vi Horikita lavando-se enquanto estava em pé no rio. A água fria devia ser horrível para o corpo doente de Horikita, mas ela provavelmente estava feliz por ter tirado a lama.
— Uau, parece que está se mexendo agora.
Assenti para Ibuki, que esperava no final da fila do chuveiro.
*
Eu estava esperando há cerca de quinze minutos em frente à barraca dos garotos quando Horikita apareceu. Ela mantinha os olhos voltados para o chão, como se algo estivesse errado. Depois, lentamente ergueu o olhar e avaliou a área. Quando seus olhos encontraram os meus, suas pupilas tremiam, como se estivesse assustada. Aproximou-se de mim com passos pesados e arrastados. Apesar de sua aparência frágil, eu não conseguia pensar nela como simplesmente fraca.
— Ayanokouji-kun. Poderia vir aqui um momento? — disse ela.
Primeiro, me virei e verifiquei se Ibuki ainda estava na fila do chuveiro.
— O que houve? Aconteceu alguma coisa? — perguntei a Horikita.
— Me siga. Não podemos conversar aqui.
Com isso, Horikita caminhou em direção à floresta.
— O que houve? Vai procurar mais comida?
Horikita continuou andando sem responder. Parou somente quando nos afastamos o suficiente para que o acampamento sumisse de vista. Ela se virou, parecia pronta para falar, mas hesitou, como se estivesse repensando algo.
— Isso aconteceu por um descuido. Estou ciente de que cometi um erro, tudo bem?
— Um erro?
— Foi roubado.
— E-Espera, sua roupa íntima também foi roubada?
— Não. Isso é muito, muito pior. O… cartão-chave. Um completo desastre da minha parte.
Horikita parecia completamente enojada consigo mesma, uma expressão que eu nunca tinha visto antes.
— Queria falar com você porque confio em você. Absolutamente não poderia consultar alguém que pudesse ser o culpado. Isso é tão humilhante… quero desaparecer…
Senti-me honrado por ela confiar em mim, mas não podia exatamente me alegrar diante de alguém tão abatida.
— Uma falha tão enorme.
— Não, quem roubou é que tem a culpa. Certo?
— Mesmo assim, isso é uma questão de responsabilidade. Não tem nada a ver com eu estar doente ou coberta de lama.
Horikita baixou a cabeça. Se isso vazasse, poderia nos causar um dano enorme.
— Eu não devia ter soltado o cartão nem por um segundo. Mas eu…
— Não se culpe. Duvido que isso seja algum consolo, mas acho que você fez o seu melhor.
Não sabia se ela me ouviu. Ela apenas mordeu o lábio inferior, como sobrecarregada pelo arrependimento.
— Provavelmente é melhor não tornar essa informação pública. Primeiro precisamos chegar à verdade.
— Sim. Eu também penso assim.
Todos entrariam em pânico se soubessem. Queria evitar isso, pelo menos.
— Suspeito de duas pessoas. Ou Karuizawa-san, ou Ibuki-san.
A primeira poderia ter feito isso simplesmente por ódio. Karuizawa poderia ter roubado o cartão para ver Horikita entrar em pânico.
— Infelizmente, as chances disso são baixas. Karuizawa estava em frente ao chuveiro o tempo todo.
— Você tem certeza disso?
— Sim. O mesmo vale para suas seguidoras.
— Nesse caso, é muito provável que Ibuki-san seja a culpada. É possível que ela tenha descoberto sobre o cartão esta manhã, e o momento é perfeito demais. Mas roubar seria um risco extremamente perigoso, certo? Já que o nome da líder está gravado no próprio cartão, só de olhar seria suficiente. Talvez ela tenha cometido o crime para receber a penalidade.
Ela me olhou, os olhos cheios de ansiedade, como se buscasse uma resposta em mim. Coloquei minha mão no ombro de Horikita.
— Se examinarmos o timing e conversarmos com Ibuki, podemos entender o que aconteceu. Se suspeitarmos dela, não devemos tirar os olhos dela. A fuga dela seria provavelmente o pior cenário, certo?
— Certo. Desculpe, mas você pode voltar primeiro para o acampamento? Assim poderá começar a seguir ela imediatamente.
— Certo. Entendi. Vou ficar de olho nela.
Senti que Horikita provavelmente queria ficar sozinha para vomitar. Deixei-a e voltei ao acampamento-base.
*
Horikita retornou cerca de dez minutos depois, reincorporando-se à atmosfera inquietante do acampamento. A causa era uma fumaça escura saindo de trás do banheiro temporário. Era cedo demais para a fogueira estar acesa, e o local era estranho.
— Que fumaça é essa? O que aconteceu? — gritou Ike.
Quando me aproximei de Horikita, também alcancei Ike, claramente em pânico. Perguntei o que estava acontecendo.
— Isso é sério. Tem um incêndio! Fogo! Algo está queimando atrás do banheiro!
Todas as garotas que estavam na fila do chuveiro haviam ido embora. Devem ter saído assim que ouviram a confusão.
— Não consigo ver Ibuki. O fogo pode ter sido obra dela. Onde ela está? — perguntou Horikita.
— Ela percebeu o fogo e agora está apenas andando por aí.
Corri para a área atrás do banheiro temporário e encontrei Hirata e alguns outros. Ibuki também estava lá. Horikita parecia pronta para chamá-la, mas hesitou ao vê-la. A expressão de Ibuki era genuína. Ela não conseguia esconder a confusão diante do incêndio.
— Isso significa que ela não fez isso?
Horikita estava tomada pela dúvida. Se o cartão tivesse sido realmente roubado, Ibuki deveria ser a responsável. Se um fogo tivesse começado, então Ibuki teria causado. Mesmo assim, Ibuki permanecia no local, parecendo surpresa com o incêndio. Ao observar melhor, a fonte parecia um monte de papéis. Parte ainda era legível, mas a maior parte havia virado fuligem. Por um momento, não soube do que se tratava.
No entanto, olhando as partes legíveis, finalmente entendi.
— O manual foi queimado? — perguntou Horikita.
— Sim. Parece que sim. Quem faria isso?
— É uma coisa atrás da outra… — murmurou Horikita, baixando os olhos.
— Eu sou responsável por isso. O manual estava na minha bolsa. Empilhamos as bolsas em frente à barraca e eu não pensei que alguém roubasse algo de dia. Mas primeiro, precisamos apagar o fogo corretamente…
Em vez de procurar o culpado, Hirata foi direto para o rio apagar o fogo. Enquanto enchia nossas garrafas plásticas com água, murmurava para si mesmo, com a expressão sombria.
— Por quê? Quem poderia fazer algo assim? Por que não podemos simplesmente nos dar bem?
Hirata esmagou espontaneamente a garrafa plástica com toda a força. A mudança em sua postura era bastante assustadora. Hirata, o eterno líder da nossa classe, aquele que trabalhava incansavelmente para ser pacificador, carregava um fardo terrível.
— Acho que você não precisa levar tudo isso para si — tentei confortá-lo. Ele se levantou e respondeu com um quieto:
— Obrigado.
— Precisamos… discutir este incidente adequadamente.
— Certo. A maior parte da Classe D presenciou o incêndio. Tenho certeza de que vão querer saber a verdade.
Abatido, Hirata pegou a água que havia retirado do rio e voltou para o acampamento.
— Ei, quem fez isso? Há um traidor na nossa classe? — perguntou Karuizawa.
Quando chegamos, encontramos ela liderando o confronto entre os garotos e garotas, que se encaravam com raiva.
— Por que vocês desconfiam de nós? Isso não tem nada a ver com o incidente da roupa íntima!
— Não sei sobre isso. Não é possível que alguém tenha queimado algo para nos enganar?
— Parem de nos enrolar. Como se fôssemos capazes de fazer algo assim!
— Esperem um minuto, pessoal. Por favor, acalmem-se. Vamos conversar sobre isso — gritou Hirata.
Ele me entregou a água, e eu ocupei seu lugar, apagando os restos do fogo. Hirata imediatamente se posicionou no centro do círculo e tentou atuar como mediador. Talvez fosse estresse residual do incidente da roupa íntima de ontem, mas ambos os lados estavam exaltados e não davam sinais de se acalmar. Parecia que várias pessoas da Classe D queriam começar a caçar o culpado ali mesmo.
— De qualquer forma, não precisamos nos preocupar com o fogo se espalhando.
Sacudi as garrafas plásticas vazias duas vezes, depois três. Algumas gotas caíram sobre os restos fumegantes do fogo. Levantei o olhar.
— Chuva, hein?
Gotas caíam sobre minhas bochechas. As nuvens estavam ainda mais escuras do que antes, prova de que uma chuva forte estava prestes a começar. Antes, todos nós nos uniríamos para enfrentar essa última dificuldade. Agora, garotos e garotas estavam presos em um confronto tenso, encarando-se.
— Isso é inútil. Sério, isso é o pior. Temos ladrões de roupa íntima e agora incendiários na nossa classe. Realmente é o pior.
— Continuamos dizendo que não fomos nós! Até quando vão nos suspeitar?!
A briga nunca seria resolvida. Continuaria indefinidamente. Hirata deveria ter intervindo para acabar com isso, mas por algum motivo ele apenas permanecia parado, atônito. Estaria se perguntando quem poderia ser o culpado?
— Ei, Kanji, não consigo ver a Ibuki em lugar algum.
Yamauchi percebeu que Ibuki havia desaparecido. Notei que uma das bolsas também havia sumido.
— Talvez a pessoa que iniciou o incêndio…
— Isso é bastante suspeito. Se o fogo começou então, isso significaria…
Os garotos direcionaram suas suspeitas para Ibuki, e até as garotas começaram a questionar. Porém, antes que pudéssemos chegar a uma resolução, a chuva começou a cair — e forte.
— Ah não, isso não é bom. Vamos discutir isso depois. Vai ser horrível se todos ficarmos ensopados.
Ike e os outros, em pânico, começaram a empurrar comida e bagagens para dentro das barracas.
— Hirata, diga-nos o que fazer!
Ike chamou por Hirata, mas ele apenas permaneceu no mesmo lugar. Continuava olhando para o nada, sem se mover. Enquanto isso, o som da chuva aumentava cada vez mais. Fiquei um pouco preocupado com a situação. Aproximei-me de Hirata, mas não havia sinal de que ele tivesse me notado.
— Por quê… por que isso está acontecendo? É igual daquela vez…
Ele murmurou algo em voz baixa. Não consegui entender, mas certamente não era trivial. Aquilo não tinha nada a ver com o Hirata calmo e equilibrado que conhecíamos.

— Por que eu estava fazendo isso? Por que eu estava fazendo tudo isso até agora?
— Ei, Hirata! O que você está fazendo?! — gritou Ike.
Não estava claro se Hirata havia ouvido. Eu coloquei a mão suavemente em seu ombro. Ele parecia surpreso, mas lentamente se virou.
— Ike está chamando você — disse.
— Hã?
O rosto de Hirata estava sem vida. Ele estava pálido. Na segunda vez em que Ike chamou, Hirata começou lentamente a recobrar a consciência. Finalmente, percebeu que havia começado a chover.
— Chuva…
— Seria bom se você ajudasse o Ike e os outros. Precisamos manter nossas coisas secas.
— S-Sim. Precisamos cuidar de tudo rapidamente.
— Ayanokoji, o Hirata está bem? — perguntou Sudou.
— Parece que ele está em choque. Provavelmente por causa de tudo dando errado, uma coisa atrás da outra.
— Sabe, no ensino médio havia um aluno rico e exemplar. Ele tinha muitas responsabilidades pesadas, sabe? Enfim, ele assumiu tanta coisa que, um dia, acabou tendo um colapso. Depois disso, a classe dele ficou um completo caos.
— Você acha que existem sinais disso no Hirata?
— Bem, dizer que ele vai ter um colapso seria exagero, mas acho que há perigo aí.
Pensei se aquilo era só imaginação exagerada do Sudou, mas parecia surpreendentemente preciso. Desde que este teste especial começou, Hirata assumiu muitas responsabilidades. Esses problemas faziam as dificuldades que enfrentamos na escola parecerem fáceis. O ambiente cuidadosamente mantido por Hirata definitivamente começava a mudar. O roubo da roupa íntima da Karuizawa e a confusão com o incêndio deixaram Hirata tão instável e tempestuoso quanto o clima.
— Por enquanto, vamos cuidar das malas.
Nos reunimos e ajudamos os alunos a guardar as coisas. Felizmente, tudo foi guardado rapidamente.
— Ok. Todos os preparativos estão feitos.
Não me surpreendeu que Ibuki tivesse desaparecido, mas Horikita também havia sumido. Pelo meu cálculo, a probabilidade era cinquenta e cinquenta, mas parecia que as coisas estavam indo bem. Fixei os olhos na estrada que levava direto à praia.
*
Forcei meu corpo pesado e lento a correr atrás de Ibuki-san enquanto a chuva caía forte. O céu estava coberto por nuvens escuras que bloqueavam o sol, deixando a visibilidade ruim. Mesmo sem conseguir vê-la, Ibuki-san deixara pegadas no chão enlameado. Se eu simplesmente as seguisse, elas me levariam até ela.
Ela havia caminhado uns cem metros a partir do acampamento base, às vezes desviando um pouco para a direita ou para a esquerda. De maneira inesperada, encontrei-a parada, como se estivesse me esperando. Instintivamente, escondi-me, embora provavelmente não houvesse motivo para isso.
— O que você está fazendo, Horikita?
Ibuki falou sem nem mesmo se virar. Sua voz calma cortou o som da chuva caindo.
— Percebi que você estava me seguindo. Por que não sai daí de uma vez?
— Quando foi que você me percebeu? — perguntei.
— Desde o começo.
Sua resposta curta soou ameaçadora. Minha impressão dela — de uma garota quieta e reservada — não havia mudado, mas algo estava diferente.
—Por que estava me seguindo?
— Você realmente não sabe?
— Não, não sei.
Era quase como se eu fosse a vilã ali.
— Você claramente sabe por que eu estava te seguindo, não é?
— Eu realmente não tenho ideia do que está falando.
Ibuki-san virou-se para mim e me olhou direto nos olhos. Não vi nenhum traço de falsidade em seu olhar. Por um instante, quase quis me desculpar. Afinal, eu não tinha provas — apenas minha intuição.
— Por que eu mentiria? — ela insistiu, percebendo minha hesitação. — Quero pelo menos ouvir da sua boca o motivo de estar me seguindo.
— O roubo da roupa íntima e o incêndio. A desgraça continua caindo sobre a Classe D.
— E daí?
— Você percebe que algumas pessoas desconfiam de você?
— Ah. Suponho que, por eu ser uma estranha entre vocês, não há muito o que eu possa fazer quanto a isso.
— É disso que estou falando.
— Está dizendo que eu sou a culpada? Tem alguma prova?
— Infelizmente, não tenho nem um fiapo de evidência sobre o roubo da roupa íntima. Mas eu acho que foi você.
— Isso é uma coisa terrível de se dizer. Você não tem nenhuma prova, e ainda assim me acusa?
Tive que admitir: ela estava lidando com aquilo de forma impressionante. Ficara discreta até o quinto dia, mantendo distância da Classe D. Ao contrário do que seria esperado, não estava sendo suspeita.
— Desconfio de você por causa de hoje. Não preciso explicar o motivo, preciso?
Eu queria ouvir isso da própria Ibuki-san. Se explicasse todas as razões das minhas suspeitas, seria praticamente o mesmo que admitir minha identidade como líder. Mesmo com 99% de certeza, enquanto houvesse 1% de chance de ela ser inocente, eu precisava evitar ser direta.
— Vou direto ao ponto. Quero que devolva o que pegou de mim — disse, fitando Ibuki-san nos olhos.
— Não sei do que está falando.
Após essa resposta seca, ela se virou e começou a andar rapidamente. Segui-a, igualando o passo. Ibuki-san mudou de direção e começou a caminhar em direção ao centro da floresta.
— Pra onde você está indo? — perguntei.
— Quem sabe?
Era difícil andar em linha reta. Eu já tinha percebido isso nos últimos dias, e era ainda mais verdade naquele tempo chuvoso, que reduzia a visibilidade. Mesmo assim, Ibuki-san parecia não se importar. Eu, por outro lado, não podia recuar — não depois de ter vindo até aqui em busca da verdade. Eu havia cometido um erro, e precisava me responsabilizar e resolver o problema.
Preciso compensar meu erro. Preciso compensar meu erro.
Repetia essas palavras na cabeça, uma e outra vez. Eu não podia falhar ali. Além disso, também precisava me responsabilizar pelo que fiz com Karuizawa-san, com quem tinha sido dura demais.
Meu coração batia rápido. Eu estava sem fôlego. Pouco a pouco, diminuí a distância entre mim e Ibuki-san. Dependendo da situação, talvez precisasse recuperar o cartão-chave à força. Considerando minhas habilidades, eu conseguiria lidar com isso.
Eu consigo lidar com isso. Eu consigo. Eu consigo.
Sabia muito bem que não estava calma, mas precisava agir. Não tinha ninguém em quem confiar. Eu havia resolvido tudo sozinha até agora, e poderia continuar assim. No meio da floresta, a chuva e o vento eram um pouco menos intensos do que na estrada aberta, mas a visibilidade estava ainda pior, e o terreno, mais traiçoeiro. Além disso, ao seguir por um caminho e depois outro, perdi completamente a noção de direção.
Mas meu maior problema era meu estado físico. A cada segundo, eu piorava. Até então, minha febre era leve, mas com a chuva pesada, cheguei ao limite. Minha doença piorava rapidamente.
Ibuki-san parou, e então olhou para cima, para uma árvore. Fitou um único lenço, encharcado pela chuva e amarrado em um galho.
— Até quando vai me seguir? Não acha que já basta?
— Assim que devolver o que roubou de mim.
— Por que não tenta se acalmar e pensar um pouco? Se eu tivesse roubado o cartão-chave, você acha que eu teria ficado com ele? Se alguém me visse com isso, eu seria imediatamente desclassificada. Acabaria perdendo pontos também, certo?
Eu apenas havia pedido que ela devolvesse o que roubara. Em nenhum momento mencionei o cartão-chave. Ibuki-san acabara de confessar. Quando me preparei para pressioná-la sobre isso, ela deu um sorriso fino, mostrando os dentes brancos.
— Você achou que eu confessei alguma coisa, não foi? Está enganada.
— O que quer dizer com isso?
— Cansei de conversar com você.
Ibuki-san se agachou e começou a cavar o chão com as duas mãos.
— Ah… aagh…
Dominada por uma tontura e náusea intensas, apoiei minhas costas contra uma árvore próxima.
— Seu estado piorou bastante, não foi?
Ibuki-san virou-se para me encarar. No entanto, logo retomou o que estava fazendo.
— Ah… ah… ugh…
Por mais que eu tentasse controlar a respiração, não consegui.
Minha camisa, encharcada pela chuva, drenava o calor do meu corpo. Tentei resistir à vontade de deitar e descansar, mas já não conseguia mais sustentar a cabeça. Ao pensar na minha condição física, não tive alternativa senão lutar.
— Ibuki-san. Vou investigar com tudo o que tenho. Tudo bem pra você?
Ibuki-san parou de cavar, ergueu-se e aproximou-se de mim.
— Com tudo o que você tem? Pode ser mais específica? Quer dizer que vai recorrer à violência?
— Esta é sua última chance. Devolva — disse.
Eu queria evitar métodos coercitivos, mas não havia outro jeito. Não queria mostrar esse lado a ninguém…
Lembrei do incidente anterior, com Sudou-kun, quando ele tinha dado socos em alguns alunos da Classe C. Aquilo terminou em processo, com a escola intervindo. Naquela época, eu condenei Sudou, que enfrentara muitas dificuldades inesperadas. O abandonei então e agora colhia o que havia plantado. Que eu considerasse resolver as coisas na base da violência era, por si só, risível.
— Última chance, é? Entendi. Entendi. Por que você não realiza seu desejo? — ela disse.
Largou a bolsa no chão e ergueu os braços, numa pose que simulava rendição. Parecia obediente, mas não vi resignação em seu rosto. Ainda assim, não podia deixar a oportunidade escapar. Alcancei a bolsa para verificar seu conteúdo.
Num instante, a perna esguia de Ibuki-san veio em direção ao meu rosto. O pouco alerta que me restava me salvou — voei para trás, evitando o chute. Lama espirrou e levantei ambos os braços numa postura defensiva.
— Oh, você é boa — comentou ela.
— Um ato de violência significa desclassificação imediata… — tentei argumentar.
— Alguém pode nos ver aqui, quer dizer? — respondeu ela. — E você mesmo estava disposto a usar violência, não estava?
Enquanto eu me perguntava por que havia um sorriso tão malicioso em seu rosto, ela de repente agarrou meus ombros e me derrubou. Não consegui reagir diante de tamanha ação inesperada e caí de bruços na lama.
— Quer um instante para descansar? — perguntou ela.
Enquanto eu estava deitada no chão, já ferida, ela zombou de mim de cima. Sua face parecia turva. Ibuki-san agarrou minha gola e me puxou para cima. Se ela me batesse, eu certamente perderia a consciência. Escapei de sua pegada e rolei, livrando-me. Esforcei-me para me erguer da lama. Aquele foi o primeiro momento em que agradeci, de verdade, por ter praticado artes marciais.
— Ah? Você se mexe bem, surpreendentemente. Treina ou coisa assim? — disse Ibuki-san, sem alarde, avaliando-me com genuína admiração. Ela havia percebido meu conhecimento marcial; provavelmente também não era uma praticante comum. Como responder sem dizer que eu estava na pior condição possível?
— Fui — murmurei — um completo e total fracasso neste teste.
Eu não havia contribuído em nada para a Classe D. Sequer ajudava — talvez só atrapalhasse. Os outros se esforçavam ao máximo e eram segurados pela minha condição física débil. Devia tê-lo dito desde o início. Poderia ter pedido que outra pessoa assumisse a liderança se eu não estivesse bem. Teria sido melhor recusar. Mas o meu orgulho falou mais alto, e isso era imperdoável.
Zombava dos outros. Odiava coisas inúteis e chamava-as de incompetentes, sendo eu mesma inútil. Haha… ri seco na minha mente. Ainda estava a me justificar?
— Foi você, não foi? Você roubou o cartão-chave.
Ibuki-san parou. Eu aproximei a distância entre nós. Ela fingiu que iria golpear com o braço direito, e então lançou um chute alto e veloz. Evitei o ataque e estendi o braço como contra-ataque. Ibuki-san percebeu o perigo e desviou. Em seguida partiu para o próximo ataque — um turbilhão de ofensiva e defesa, frenético.
O terreno era ruim, mas ela não demonstrava preocupação com a movimentação dos pés. Claramente tinha habilidade. Além disso, não hesitava em ferir. Ibuki-san sorriu, mostrando os dentes brancos, como se estivesse gostando daquilo. Jamais imaginei vê-la assim sorrindo tão amplamente.
Por ter me mexido tanto, senti um frio cortante e náusea. Mal conseguia me manter em pé.
— Você tem se esforçado muito até agora. Vou dizer a verdade, como recompensa. Eu roubei o cartão — ela disse.
Ibuki-san enfiou a mão no bolso e, devagar, puxou o cartão. Mostrou o lado com meu nome gravado.
— Você entregou a verdade bem fácil.
— Tanto faz se admito ou não agora. Não há evidência de que usei violência contra você. Não é como se a escola pudesse julgar isso aqui, certo?
Ibuki-san leu a situação corretamente. Nada poderia forçar a escola a enxergar aquilo como realmente foi. Mesmo se apenas eu me machucasse, ela poderia alegar o que quisesse para se proteger. Se eu reclamasse, ambas seríamos punidos. E a Classe D perderia pontos.
Mas, se recuperássemos o cartão, talvez fôssemos salvos. Com uma prova confiável, a Classe C seria obrigada a confessar. As digitais dela estavam no cartão. Talvez pudéssemos provar que ele fora roubado. Se a verdade viesse à tona, a escola poderia investigar a fundo. Eu não podia abandonar essa esperança.
Entretanto, não conseguiria recuperar o cartão a menos que derrotasse Ibuki-san. Duvidava que ela fosse tola o bastante para se precipitar. Se escapasse, o cartão talvez nunca fosse encontrado. Aí, não teríamos como provar o roubo. Eu não tinha energia para correr atrás dela. Além disso, faltava-me força até para cerrar os punhos. Mas devia usar toda a força que me restava.
Não sabia se Ibuki-san estava com pressa ou se me subestimava, mas ela investiu de repente, como um caçador saboreando uma presa fácil. Seus olhos passearam pelos meus pés — parecia uma isca — e, enquanto eu me concentrava na parte de baixo do corpo, ela mirou meu rosto. Evitei por pouco; chegou tão perto que roçou meu cabelo.
Aproveitei o impulso dela e apliquei um pouco de força. Ibuki-san perdeu o equilíbrio, mas não o suficiente para cair. Tentei agarrar seu braço, mas ela entendeu a manobra e escapou do meu alcance. Deve ter percebido que eu queria usar sua força e velocidade contra ela. Reuni as últimas energias e desferi o punho esquerdo contra seu plexo solar.
— Ah!
Ibuki-san não conseguia respirar e caiu de joelhos, claramente tomada pela dor. Ao mesmo tempo, minhas forças haviam chegado ao limite, e meu campo de visão começou a se distorcer. Eu não podia persegui-la, então apenas a mantive imobilizada.
— Isso é o pior… Eu já… estou no meu limite… — murmurei.
Minha condição já estava ruim antes, mas forçar tanto o corpo tornara tudo desesperador. Ainda assim, eu não podia desabar ali. Meu golpe havia sido superficial — não suficiente para derrubá-la.
— Eu não entendo… Achei que você estivesse envolvida — disse Ibuki-san, levantando-se enquanto limpava a lama do rosto.
— Envolvida? Envolvida em quê? — perguntei.
Ibuki-san pareceu hesitar, mas então murmurou:
— Eu não queimei o manual.
— Pretende continuar mentindo, mesmo agora?
— O que eu ganharia queimando aquilo? Era inevitável que, após o tumulto, todos começassem a procurar o culpado. Além disso, as pessoas me suspeitariam ainda mais. Não havia nada a ganhar e muito a perder.
— Isso é… — balbuciei.
Eu não podia negar que o que Ibuki-san dizia fazia sentido. Ela havia roubado o cartão antes do incêndio começar. Não teria tido tempo suficiente para deliberadamente queimar o manual e provocar confusão. Mas então… quem fez isso? Qual era o propósito de queimar o manual?
— Falei com você de forma indireta para confirmar algo — disse ela, em tom calmo, mas com os olhos duros. — Você parece diferente. Mas suponho que seja difícil engolir isso. Você acha que ele está na Classe D? Há um cara que me descobriu antes de você.
Ibuki-san suspirou, como se estivesse cansada.
— Então… você quer dizer… — comecei.
Logo que a imagem dessa pessoa me veio à mente, percebi que Ibuki-san havia sumido. No instante seguinte, algo pesado atingiu minha cabeça com força, derrubando-me no chão.
— Esta conversa acabou — disse ela friamente.
Tentei me levantar, mas Ibuki-san passou o pé direito na minha mão, me fazendo cair novamente. Ela agarrou meus cabelos e me puxou para cima.
— M-Me solta… — supliquei.
— Desculpe. Tenho muito o que fazer — respondeu, impassível.
Ela deu um tapa leve no meu rosto. Minha mente e corpo estavam no limite, meus movimentos lentos, e eu não tinha força para detê-la. Sacudi a cabeça, tentando soltar-me. Tentei ficar de pé e me aproximar dela, mas minhas pernas se enroscaram e minhas forças se esvaíram — caí de novo.
— Acha que eles vão permitir métodos tão coercitivos? — murmurei.
— Ah, vá… não estou a fim de responder a isso — replicou ela.
Quando tentei me aproximar mais uma vez, Ibuki-san levantou a perna e me acertou no rosto com um chute.
Quantas vezes eu repetiria a mesma frase? Eu… cometi um grande erro. Ao tentar consertar esse erro sozinha, acabei transformando-o em outro grande e irreparável erro.
*
Soltei um longo suspiro enquanto olhava para Horikita, inconsciente aos meus pés. Fazia tempo desde que eu enfrentara uma oponente tão dura. Se ela estivesse em melhores condições, a luta poderia ter terminado de qualquer forma. Ela realmente era forte.
Voltei ao trabalho e logo desenterrei uma lanterna e um transceptor sem fio, ambos embrulhados em plástico. Teria preferido não precisar usá-los, se fosse possível.
— O quê? — murmurei.
Logo após retirar os dois itens do buraco, fui tomada por uma sensação estranha. Não sabia a causa. De algum modo, eles pareciam um pouco diferentes de quando eu os havia enterrado.
— Será por causa da chuva? — pensei em voz alta.
Concluí que devia estar apenas imaginando coisas e usei o transceptor. Relatei minha localização ao homem que esperava por notícias minhas e sentei-me para descansar. Cerca de meia hora depois, vi o brilho de uma lanterna piscando duas vezes, depois três — como um código Morse.
Respondi com o mesmo sinal, usando a lanterna que estava aos meus pés. A luz guia ficou mais intensa, como se ambas as luzes respondessem uma à outra. E então, vi um rosto irritante que eu não queria ver.
Ryuen apareceu.
— Yo. Excelente trabalho, Ibuki. Você mandou bem.
— Naturalmente, não é? — respondi.
— Naturalmente? Se você não tivesse cometido nenhum erro até agora, eu não teria precisado correr o risco de vir até aqui.
— Isso não pôde ser evitado. Eu não planejei que a câmera digital quebrasse.
Se a câmera digital não tivesse quebrado, eu teria tirado uma foto do cartão e encerrado o assunto. Teria minha prova definitiva, sem precisar chamar Ryuen pelo transceptor. Mas, em vez disso, precisei correr um enorme risco e manter o cartão comigo — o que levou Horikita a me descobrir.
— Então, onde está o cartão? — perguntou ele.
— Aqui — respondi, tirando-o do bolso e entregando-lhe.
Ryuen iluminou o cartão com a lanterna e confirmou o nome gravado: Horikita Suzune.
— Venha até aqui e confira você mesmo. Essa era sua condição, lembra? Fique tranquilo, está escuro e o tempo está horrível. Não deve haver ninguém por perto. É ótimo ser cauteloso, mas não perca tempo.
Um homem surgiu das sombras. Katsuragi, da Classe A. Ele era exatamente o tipo calmo e confiável — o completo oposto do nosso líder.
Fingi manter a calma, mas, por dentro, não conseguia evitar me lembrar do quão desprezível Ryuen era. Logo no início do teste, ele me dissera que convenceria a Classe A a colaborar conosco. E aparentemente havia conseguido. Mas… como diabos ele fez isso?
Katsuragi pegou o cartão de Horikita das mãos de Ryuen e o examinou com cuidado. Não havia como falsificar algo assim em uma ilha deserta.
— Parece autêntico — disse.
— Está convencido agora? — perguntou Ryuuen.
Mesmo diante de uma prova concreta, a expressão severa de Katsuragi não mudou. Eu ouvira que ele era um homem cauteloso, mas aquele nível de desconfiança parecia quase uma doença.
— Você conseguiu se infiltrar na Classe D muito bem. Não foi suspeita? — perguntou Katsuragi.
— Em circunstâncias normais, teria sido. Mas quanto aos meus métodos… isso é segredo profissional — respondi.
Inconscientemente, levei a mão ao rosto. Quando começamos a operação de espionagem na Classe D, Ryuen me deu um tapa para transformar uma mentira em verdade. Mas a dor — e o ódio que senti por ele — foram bem reais. Naturalmente, os alunos da Classe D interpretaram tudo errado, acreditando que eu havia sido agredida e expulsa da minha turma. Talvez, se eu não tivesse me ferido de verdade, eles não tivessem acreditado tão facilmente.
— Não fique aí pensando para sempre. A situação é clara e direta, então tome sua decisão. Você já está no meio do caminho. Não faça algo tão idiota quanto desistir agora.
— Você tem razão.
Mesmo assim, parecia que Katsuragi não havia dado seu consentimento. Ryuen percebeu isso, mas, em vez de se irritar, sorriu. Como um caçador prestes a atacar sua presa, sussurrou:
— Se isso não fosse um ato honroso, o que você faria? Sabia que a facção da Sakayanagi domina desde que se espalhou o boato de que você falhou em entrar no conselho estudantil, mesmo se esforçando ao máximo? Esta pode ser sua chance, não é?
— Seu desgraçado. Por que está me dizendo isso?
—A Classe A mantém sua posição formando alianças. Se você conseguir formar essas alianças, até aqueles que já te traíram vão voltar para o seu lado, não vão? Ou você poderia me tornar seu inimigo, suponho. Se fizer isso, fico imaginando o que aconteceria…
Katsuragi não havia assinado contrato com o diabo, mas aquilo ia muito além de uma simples negociação. Bem, talvez pensar assim fosse ingênuo. Uma vez que você discute termos com o diabo, acaba assinando um contrato de alguma forma.
— Sakayanagi está ausente. É impossível que alguém indeciso governe a Classe A.
— Estabelecemos a negociação, como prometido. Aceito sua proposta.
Com isso, Katsuragi estendeu a mão para Ryuen, que sorriu audaciosamente.
— Isso é bom. Você demonstrou bom julgamento.
— Espere, que negociação? Pode explicar? — perguntei.
Eles podiam fazer o que quisessem, mas eu tinha o direito de saber os detalhes. Quando mirava na Classe A, precisava decidir se me aproximar de Ryuen era a atitude certa.
— Para formar uma aliança. Com a Classe A.
— Vou voltar agora. Não quero arriscar permanecendo aqui por muito tempo — disse Katsuragi, devolvendo o cartão a mim, antes de desaparecer na escuridão.
— E a negociação? O que foi discutido? O que estamos recebendo em troca? — perguntei a Ryuen.
Um relâmpago branco riscou o céu, seguido imediatamente pelo estrondo do trovão, um rugido vindo do mar. Ryuen não demonstrou a menor reação. Com um sorriso estranho, explicou-me os detalhes do contrato. Não eram complicados, mas também não eram simples.
Mesmo com nossos problemas se acumulando, dificultando qualquer avanço, havia a promessa de um grande retorno. Tudo estava seguindo conforme o plano de Ryuen, incluindo o fato de que a maioria dos nossos alunos havia se retirado. Nenhum de nós imaginara essa situação antes do início do teste, quando ainda estávamos aproveitando as férias no navio. Eu o odiava tanto que queria morrer, mas precisava admitir: ele provavelmente era o homem com habilidades mais próximas às da Classe A.
— Mas… há alguma garantia de que Katsuragi cumprirá sua promessa? Ele pode desistir — murmurei.
— Isso eu já garanti. Ele não terá escolha a não ser honrar a promessa.
Caminhei em direção a Horikita e, depois de limpar cuidadosamente minhas impressões digitais do cartão-chave, coloquei-o de volta em sua mão.
Não havia nada que aquela garota pudesse ter feito. Tudo o que restava a ela agora era aguentar firme e permanecer em silêncio até o fim do teste — tudo isso enquanto sabia que a Classe C havia descoberto que ela era a líder.
Essa garota não confiava em ninguém. Mesmo depois de perceber que o cartão-chave havia sido roubado, ela não contou nada aos colegas de classe. E embora tivesse aberto seu coração apenas para Ayanokouji, ele também era um solitário. Levando em conta sua falta de habilidade no momento, ela não representava ameaça alguma.
Além disso, se ela ainda estivesse com o cartão, talvez seu erro nem tivesse sido revelado à Classe D. Eu compreendia sua natureza até certo ponto. Era paciente e teimosa — o tipo de pessoa que não ouve a opinião dos outros. Em outras palavras, não importava o quanto algo fosse doloroso, ela suportaria tudo em silêncio.
— Use sua inteligência para se proteger.
Então, desaparecemos silenciosamente na escuridão da floresta.
*
Empurrei-me para cima do chão molhado e corri atrás de Ibuki. O clima era um problema irritante. Se piorasse muito, eu poderia ficar preso ou sofrer um acidente. Além disso, o fato de o sol estar se pondo mais cedo do que eu esperava tornava difícil avançar sem lanterna. A chuva se intensificou e os ventos começaram a uivar com mais força. O clima era negativo em todos os aspectos, sem nenhum ponto favorável.
Eu só conseguia ver alguns metros à frente por causa da chuva torrencial.
Além disso, se eu me aventurasse por qualquer uma das trilhas laterais, provavelmente me perderia. Felizmente, dois pares de pegadas permaneciam no chão enlameado, facilitando minha perseguição. No entanto, as pegadas pararam de repente. Não, ao observar melhor, elas não pararam; continuavam adentrando mais profundamente na floresta.
O fato de as pegadas de repente fazerem uma curva acentuada indicava que não estavam perdidas; ao contrário, haviam adentrado intencionalmente mais fundo na floresta. Quando apontei a lanterna para as profundezas da mata, vi os dois pares de pegadas seguindo cada vez mais adiante. Não havia motivo para que alguém entrasse de propósito em um lugar tão perigoso.
Para ter certeza, tentei iluminar o caminho que levava à praia, mas não havia pegadas. O terreno estava limpo. Limpei a chuva que pingava das minhas franja e segui as pegadas mais profundamente na floresta. Naturalmente, minha visibilidade piorou ainda mais. Parecia que a noite já havia caído. A atmosfera era sombria e assustadora, mas continuei, confiando apenas nas pegadas.
Avancei cerca de trinta metros quando, de repente, uma luz intensa entrou no meu campo de visão. Desliguei imediatamente a lanterna e prendi a respiração. Na direção da luz, vi-a brilhar uma vez, depois mais duas vezes. Uma lanterna. Era quase como se alguém estivesse enviando um sinal. Seria Ibuki e Horikita? Não, não era isso.
Nem Ibuki nem Horikita deveriam ter uma fonte de luz consigo. Virei-me silenciosamente na direção da luz e me aproximei da origem. Ouvi vozes abafadas pela chuva e me escondi. A conversa parecia trivial. Então, enquanto não me descobrissem, compreender a situação era secundário.
Logo, a luz se afastou. Parecia que havia terminado. Para ter certeza, aproximei-me com cautela.
Perto de uma árvore grande, encontrei Horikita caída na lama. Ela havia desmaiado, inconsciente. Próximo à sua mão, no chão, jazia um único cartão-chave. Em seu corpo ferido havia vestígios de terra revolvida. Após avaliar a situação, confirmei que mais pessoas além de Ibuki haviam descoberto a posição de Horikita como líder. Pegando o cartão-chave, levantei Horikita em meus braços.

— Ngh… — Horikita soltou um som fraco. Lentamente, seus olhos começaram a se abrir.
— Está acordada? — perguntei.
— Aya…nokoji-kun? — murmurou, confusa, como se ainda não compreendesse a situação.
— Agh… Minha cabeça… dói…
— Você está com febre alta. Não se esforce.
— Entendo… I-Ibuki-san… Mas… por que você está aqui?
Mesmo que eu dissesse para ela descansar, Horikita não ouviria. Sua febre parecia piorar a cada segundo, e ela começou a entender a situação pouco a pouco.
— Eu sabia… Ibuki-san roubou o meu cartão.
— Entendo.
— Eu não posso ser mais burra que o Sudou-kun e os outros…
Ela se repreendeu e fechou os olhos, como se lamentasse estar em uma situação tão impotente.
— Este não é um teste em que você pode se esconder por vinte e quatro horas por dia, certo? Não importa o que faça, sempre há a chance de ser atacada.
Eu pretendia continuar, mas percebi que dizer mais só deixaria Horikita ainda mais abatida.
— Eu poderia ter evitado isso… se soubesse como depender de alguém…
Para proteger de verdade a identidade do líder, era necessário confiar em aliados — confiar de coração. Se fizesse isso, poderia manter o cartão seguro o tempo todo. Mas Horikita não tinha feito um único amigo.
Ela continuou murmurando baixinho, "Sou tão patética…" repetindo para si mesma.
— Quando eu estava perdendo a consciência, achei que ouvi a voz do Ryuen… É estranho… pensei que ele já tivesse desistido…
— Você estava desmaiando. Talvez tenha sonhado.
— Se foi um sonho… então foi um pesadelo…
Fiquei imaginando se ela realmente havia ouvido a voz de Ryuen. Mesmo inconsciente, talvez seu cérebro tivesse captado algo. Não seria estranho se ela tivesse escutado a voz dele sem perceber.
— Me desculpe…
Enquanto eu me perdia em pensamentos, Horikita pediu desculpas.
— Por que está se desculpando comigo? — perguntei.
— Não há mais ninguém a quem eu possa pedir desculpas…
Hmm… isso me fez pensar bastante.
— Se acha que as coisas estão ruins, comece fazendo alguns amigos de verdade. Comece por aí.
— Esse é um conselho difícil… Ninguém gostaria de ficar comigo.
Ela disse isso com um tom de resignação, como se tivesse aceitado uma vida de solidão. Talvez houvesse um traço de masoquismo em suas palavras. Eu ri.
— É desagradável ser motivo de riso, sabe…
— Não, não é isso — respondi. — É só que você está começando a soar como alguém que precisa de aliados.
— Ninguém diria algo assim…
Normalmente, Horikita me provocaria, mas naquele momento sua voz tinha outro peso. Era autocrítica. Caso contrário, nunca teria dito aquilo. Ainda assim, o caminho à frente não seria fácil. Os olhos de Horikita pareciam vazios, como se olhassem através de mim.
— Eu devia ter entendido isso há muito tempo…
Ninguém pode viver sozinho no mundo. A escola e a sociedade são formadas por muitas pessoas.
— Não fale. Você está doente.
Tentei convencê-la a ficar em silêncio, mas Horikita não parou. Para ela, sempre havia sido natural depender apenas de si mesma — nunca tivera outra opção.
— Eu vou tentar chegar à Classe A com as minhas próprias habilidades. Vou me recuperar desse fracasso… — Horikita agarrou fracamente a manga da minha blusa. — Estou preparada para ser odiada por todos… Tudo isso foi culpa minha.
— De acordo com o sistema desta escola, se lutar sozinha, você nunca chegará à Classe A. Precisamos cooperar com os colegas. É inevitável.
Horikita fechou os olhos, como se não tivesse mais forças para mantê-los abertos. Seu aperto era fraco, mas eu ainda podia senti-lo.
— Eu não consigo aceitar isso. Não importa o quão difícil seja, ainda estou… sozinha.
— Ah, já chega! Pare de falar. Agora você não vai convencer ninguém.
Abracei Horikita com força.
— Você não pode carregar toda a responsabilidade sozinha. Você não é tão forte assim, infelizmente.
— Então está me dizendo para desistir? Eu tenho um sonho: chegar à Classe A, ser reconhecida pelo meu irmão.
— Ninguém disse que você precisa desistir.
Olhei para Horikita, que gemeu levemente contra o meu peito.
— Se não pode lutar sozinha, é melhor lutar com um parceiro. Eu te darei uma mão.
— Por quê? Você não é o tipo de pessoa que diria algo assim…
— Bem… por que será? Quem sabe.
Pouco depois, suas forças se esgotaram e Horikita perdeu a consciência novamente. Eu precisava carregá-la sem que ninguém nos visse. Seria fácil fazer com que ela se retirasse, mas eu não sabia qual botão do relógio servia para emergências. Além disso, se um helicóptero fosse enviado de repente, o barulho chamaria atenção.
— Hmm… Será que peguei o caminho errado? Ah, não, não…
Meu caminho terminou em uma encosta íngreme e escorregadia. Se eu desse mais um passo, cairia. Iluminei o terreno abaixo — uns dez metros de descida. Infelizmente, eu estava indo na direção errada. Deveria voltar ao caminho original?
Tentei mudar de direção devagar, para não sobrecarregar Horikita, mas logo em seguida…
O solo sob meus pés cedeu, e perdi o equilíbrio. Se estivesse sozinho, teria conseguido firmar as pernas e agarrar uma árvore, mas, infelizmente, minhas mãos estavam ocupadas. Não pude evitar a queda. Encolhi o corpo, protegendo Horikita enquanto rolávamos encosta abaixo. Por alguns segundos, foi como se estivéssemos voando.
Não me lembro muito bem do que aconteceu depois. Pelo menos, Horikita parecia não ter se machucado. Olhei para cima — subir aquela encosta carregando-a seria impossível.
— Bem… eu realmente ferrei tudo.
Mas não era hora de desistir e morrer ali. Carregando Horikita inconsciente nas costas, avancei pela floresta escura, guiado apenas pela lanterna. A chuva caía impiedosa, drenando minha força física. Mais do que isso, o calor que emanava do corpo de Horikita era anormal. Se ela ficasse exposta à chuva por mais tempo, sua vida correria perigo.
Estávamos no meio da floresta. Não havia cavernas nem abrigos feitos pelo homem. Não tínhamos escolha a não ser contar com a força da própria natureza. Felizmente, as árvores eram densas e cheias de galhos; talvez elas conseguissem nos manter relativamente secos. Olhei ao redor e encontrei uma árvore enorme. Fui até ela e nos abriguei sob sua copa. Claro, não bloqueava completamente a chuva, mas as folhas espessas conseguiam deter boa parte da água.
Coloquei Horikita gentilmente no chão. Seu agasalho acabaria se sujando, mas tínhamos problemas bem maiores. Sentei-me, deixando a cabeça dela descansar sobre meu colo. Se ao menos o clima fosse fresco… mas o ar estava quente e úmido. De tempos em tempos, Horikita tremia, encolhendo-se como se quisesse se proteger.
Tentando aliviar um pouco o sofrimento dela, abracei-a contra o peito. Depois de algum tempo, Horikita acordou, respirando com dificuldade. Ainda desorientada, parecia incapaz de compreender nossa situação.
— Por que você…? Eu…? — murmurou, confusa.
Parecia não se lembrar do que havia acontecido. Expliquei toda a sequência de eventos. Mesmo assim, duvidei que ela tivesse compreendido tudo.
— Entendo… Eu me lembro.
— Que bom.
— Me lembro do meu erro… então deve ser algo horrível.
Bem, se ela ainda conseguia fazer piadas autodepreciativas, talvez eu pudesse relaxar um pouco.
— Já são quase seis horas, Horikita. Pode parecer duro o que vou dizer, mas você deveria se retirar. Seu corpo está no limite.
Ela havia chegado até ali fingindo estar bem, mas era evidente que não conseguiria continuar.
— Eu não posso. Não podemos perder trinta pontos por minha causa… Eu fui a primeira a confrontar Karuizawa-san e as outras sobre o uso dos pontos, lembra? Eu pareceria uma completa idiota…
A penalidade por problemas de saúde era severa — só em pontos, era mais do que Karuizawa havia usado. Horikita cobriu os olhos com o braço, provavelmente para esconder as lágrimas.
— E não é só isso… O cartão-chave foi roubado de mim. Você entende o que isso significa?
— A Classe D vai perder mais cinquenta pontos.
Horikita fez um leve aceno afirmativo. A Classe D ficaria praticamente sem pontos.
— Me deixe aqui e volte. Assim, serei a única ausente na chamada.
— E o que você pretende fazer?
— Até amanhã de manhã… vou tentar voltar sozinha, de algum jeito. Se eu conseguir suportar meu estado durante a chamada, posso lidar com o pedido de retirada depois.
Dessa forma, a perda se limitaria a cinco pontos.
— As coisas não são tão simples. Você está muito fraca agora, e nossa professora não é alguém fácil de enganar. Vai ser impossível voltar ao acampamento sozinha.
— Mesmo assim, não há nada mais que eu possa fazer… É o melhor para que a Classe D ainda tenha alguns pontos.
Deixando de lado o incidente do cartão, talvez conseguíssemos manter parte da pontuação por presença e retirada. Isso não era pouca coisa.
— Vá.
Apesar da fraqueza, senti a firmeza inabalável por trás das palavras dela. Horikita podia suportar qualquer fardo que colocasse sobre si mesma, mas não suportava envolver os outros. Levantei-me e apoiei sua cabeça contra o tronco da árvore. Ela queria que eu a deixasse ali.
— Então, eu vou. Mas se continuar assim, nossos colegas vão te culpar.
— Sim. Essa é a decisão correta. Tudo foi minha culpa.
Horikita elogiou minha frieza calculada. Estava envergonhada por ser fraca. Tremendo, forçava-se a suportar o frio e a chuva. Era esse o tipo de sofrimento que pessoas solitárias enfrentavam. O tempo continuava tempestuoso, sem sinal de melhora.
— Você realmente acha que conseguirá voltar sozinha até amanhã de manhã?
— Sim… Eu vou ficar bem.
— Horikita. Você realmente acredita que não se retirar é a decisão certa? — perguntei, sem conseguir conter as palavras.
— Claro que acredito. Desistir não é uma opção para mim.
Ela podia se apoiar em toda a força de vontade que quisesse, mas isso não significava nada se perdesse no final.
— Ei. Por que acha que fomos encurralados até esse ponto? — perguntei.
— Eu falhei por negligência. Só isso.
— Está errada. Completamente errada.
Horikita Suzune havia lutado com todas as suas forças, tentando chegar ao fim do teste sem cometer erros.
— Vá… Por favor, como amigo, escute meu pedido… — Assim que disse isso, Horikita levou a mão à boca, surpresa com as próprias palavras. — Eu vou consertar tudo isso… Como se nada disso tivesse acontecido.
— Não, essa é a escolha errada.
— Tudo bem. Eu consigo… sozinha… Ugh…
Horikita se levantou de repente, mas o esforço foi demais. Ela fechou os olhos de dor.
— Vá… por favor…
Logo depois, perdeu a consciência novamente. Segurei Horikita com cuidado nos braços e mudei minha posição para deixá-la um pouco mais confortável. Em seguida, levantei o olhar para a escuridão sem fim acima de nós e soltei um suspiro.
— Teria sido mais fácil se você simplesmente tivesse se retirado por vontade própria.
A princesa teimosa não parecia disposta a desistir. Admirável. Sim, pensei que era admirável. Você quase estava certa. Mas, infelizmente, Horikita, há uma coisa em que você está enganada. E agora, só por este momento, eu vou te dizer.
Eu nunca pensei em você como uma amiga. Nunca me importei com você como colega de classe. Neste mundo, vencer é tudo. Os métodos não importam. Não importa o que eu tenha de sacrificar. Contanto que eu vença no fim, estarei satisfeito.

Você, Hirata — não, todas as outras pessoas — não passam de ferramentas. Eu participei do que te levou a este ponto. Então, não se culpe, Horikita. Você foi útil para mim.
Caminhei pela estrada lamacenta, iluminando o caminho com minha lanterna. Meus sapatos já estavam cobertos de lama e cheios de água, mas isso não me importava. Primeiro, precisava entender a localização.
Quando desci a encosta, sem dúvida havia me afastado ainda mais do acampamento da Classe D. Mas tinha certeza de que, se virasse na outra direção, a praia estaria próxima. Eu poderia continuar caminhando pela floresta por vários dias, confiando no mapa que tinha na cabeça.
— No fim, estava perto.
Eventualmente, cheguei à praia. O navio flutuava na água e as luzes estavam acesas. Demorou alguns minutos, mas finalmente retornei ao local de onde havia saído. Horikita estava caída. Ela permanecia inconsciente enquanto a carregava nos braços. Seu belo rosto estava salpicado de lama.
Comecei a caminhar em direção à praia, em vez de voltar para o nosso acampamento. De alguma forma, consegui chegar a tempo. Já eram cerca de sete horas da noite. As tendas dos professores haviam sido desmontadas para evitar que o vento as derrubasse.
Subi a rampa até o píer e alcancei o convés do navio. Um dos professores percebeu e correu até mim.
— Você não pode entrar aqui. Será desqualificado.
— É uma emergência. Ela está com febre alta e perdeu a consciência. Por favor, deixem-na descansar imediatamente.
Assim que expliquei a situação, o professor ignorou as instruções e trouxe uma maca. Deitei Horikita nela.
— Ela poderá se retirar sem problemas?
— Sem dúvida. Contudo, permita-me confirmar uma coisa. Como ainda não são oito horas, isso não afetará a chamada, correto?
Eram 19h58. Estávamos por pouco, mas deveríamos estar seguros. Ainda assim, precisava da promessa do professor.
— Você está certo. É realmente perto. Mas você está fora.
— Entendo. Ah, mais uma coisa. Gostaria de devolver este cartão-chave.
Peguei o cartão no bolso e o entreguei.
— Então, retornarei agora.
Não pude permanecer mais tempo, então voltei para a praia enquanto a chuva ainda caía. Com isso, a Classe D perderia trinta pontos devido à retirada de Horikita, e mais cinco pontos por minha ausência durante a chamada.
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CAPÍTULO ATUALIZADO!
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