Classroom of The Elite Japonesa

Tradução: slag

Revisão: slag


Volume 2

Capítulo 3: Uma Testemunha Inesperada

NA MANHÃ SEGUINTE, os alunos trocavam informações entre si com bastante agitação. Aqueles do grupo de Hirata e os que estavam com Kushida haviam passado o dia anterior procurando pela testemunha. Ike e Yamauchi detestavam caras como Hirata, mas pareciam animados com todas as garotas que o rodeavam. Eles tentavam conversar com elas de maneira animada.

Enquanto eu ouvia, percebi que Hirata e seu grupo não haviam obtido nenhuma informação realmente útil. Eles apenas registraram os nomes das pessoas com quem falaram e, ocasionalmente, anotaram algo em seus celulares.

Enquanto isso, eu estava sozinho, como sempre. Podia conversar com Kushida, mas me sentia em desvantagem quando se tratava de um grupo grande. Não conseguia me expressar direito, então pedi para Kushida me atualizar depois. Enquanto isso, minha vizinha — que continuava a rejeitar os convites de Kushida, não importava o quê — sentava-se com uma expressão indiferente, preparando-se para a aula. Sudou, a pessoa de interesse, ainda não havia chegado.

— Cara, será que dá para provar que aqueles caras da Turma C estavam errados? — perguntou Ike.

— Enquanto encontrarmos uma testemunha, não é impossível. Vamos continuar tentando, Ike-kun.

— Mas antes de tentar, será que existe mesmo uma testemunha? Sudou não disse apenas que achava que alguém poderia ter visto? Não seria uma mentira? Quero dizer, ele é violento e provoca as pessoas.

— Se continuarmos duvidando dele, não vamos a lugar algum. Estou errado?

— Acho que você provavelmente tem razão, mas… se Sudou estiver errado, todos os pontos que conquistamos com tanto esforço serão tirados, né? Vamos zerar. Zero! Voltaremos a não ter nenhum dinheiro de bolso. Nossos sonhos de nos divertir à vontade continuarão inalcançáveis!

— Então seria uma boa ideia todos começarem a economizar de novo — disse Hirata. — Só faz três meses que começamos aqui.

Nosso herói da sala não titubeou ao fazer seu magnífico discurso. As garotas imediatamente coraram. Karuizawa tinha uma expressão particularmente orgulhosa, talvez porque fosse a escolhida por ele para ser sua namorada.

— Eu realmente acredito que nossos pontos são importantes. Eles estão ligados à nossa motivação, certo? Então, vou defender os pontos da nossa turma até meu último suspiro. Mesmo que seja apenas 87 pontos.

— Eu entendo como você se sente. No entanto, pode ser perigoso se apegar aos pontos e perder o contato com a realidade. O mais importante é valorizar nossos amigos ao máximo.

Ike, que considerava Hirata um certinho, olhou para ele desconfiado.

— Mesmo se Sudou estiver errado?

Ser punido sem ter feito nada de errado era horrível. Isso era óbvio. No entanto, Hirata assentiu sem hesitar, como se acreditasse que o auto-sacrifício não tinha importância. Ike imediatamente abaixou o olhar, como se estivesse pressionado pelo peso das nobres intenções de Hirata.

— Acho que o que você está dizendo faz sentido, Hirata-kun, mas ainda quero meus pontos. Os alunos da Turma A ganham quase 100 mil pontos todo mês. Tenho uma inveja enorme deles. Tem garotas na turma deles que compram muitas roupas e acessórios estilosos. Não somos apenas a escória perto deles?

As pernas de Karuizawa balançavam sobre a mesa. As pessoas ficavam amargas quando ela apontava a diferença gritante entre nossas turmas.

— Por que não pude ter entrado na Turma A desde o começo? Se eu estivesse na Turma A, provavelmente estaria amando cada segundo da minha vida estudantil.

— Eu também queria estar na A. Faria tantas coisas divertidas com meus amigos.

Antes que percebêssemos, a reunião para salvar Sudou havia se transformado em uma sessão de lamentações, com os alunos pedindo uma forma de sair da turma. Horikita riu de forma debochada diante dos delírios de Ike e Karuizawa. Como vizinho dela, fui o único a perceber. Parecia que ela estava insinuando que eles não poderiam ter começado na Turma A mesmo que quisessem. Horikita imediatamente pegou um livro da biblioteca e começou a ler, quase como se tentasse não se distrair com o barulho. De relance, vi que estava lendo Demônios, de Dostoiévski. Uma boa escolha.

— Seria incrível se existisse algum truque secreto para trocar de classe e ir para a Turma A instantaneamente. Economizar pontos de classe é muito difícil.

Havia uma diferença de mil pontos entre a Turma A e a nossa. Uma diferença absurdamente grande.

— Então anime-se, Ike, porque há uma forma de chegar instantaneamente à Turma A — disse Chabashira-sensei, na entrada da sala. Ela havia chegado apenas cinco minutos antes da aula começar.

— Espera. O que você disse, sensei? — Ike quase caiu da cadeira antes de se recompor.

— Eu disse que há uma forma de chegar à Turma A sem usar pontos de classe.

Horikita levantou os olhos do livro, provavelmente tentando avaliar se Chabashira-sensei estava mentindo.

— Ah, não, Sae-chan-sensei, não nos provoque! — Normalmente, Ike teria se agarrado à informação, mas dessa vez riu, como se dissesse que não seria enganado.

— É verdade. Nesta escola, existem certos métodos especiais que podem ser usados — respondeu Chabashira-sensei. Pelo jeito, ela não parecia estar brincando.

— Não acho que ela esteja dizendo isso só para nos confundir.

Chabashira-sensei às vezes retinha informações, mas não mentia. As gargalhadas de Ike gradualmente cessaram.

— Sensei, quais são esses métodos especiais? — perguntou Ike educadamente, como se não quisesse ofendê-la.

Todos os alunos fixaram os olhos em Chabashira-sensei. Mesmo aqueles que não viam grande benefício em chegar à Turma A pareciam curiosos.

— Eu disse no dia da sua chegada: não há nada que você não possa comprar com seus pontos nesta escola. Ou seja, é possível trocar de classe usando seus pontos pessoais.

Chabashira-sensei lançou um rápido olhar para Horikita e para mim. Nós mesmos havíamos testado esse método ao comprar pontos de teste da escola, o que confirmava a veracidade de sua afirmação.

Os pontos de classe e os pontos pessoais estavam ligados. Se não tivéssemos pontos de classe, também não obteríamos pontos pessoais. No entanto, não havia uma correlação perfeita de um para um. Pelo que ouvimos, não era necessário perder pontos para usar o método.

Como os alunos podiam transferir pontos, era teoricamente possível acumular pontos pessoais mesmo que os pontos de classe estivessem zerados.

— Sério?! Quantos pontos precisamos economizar para fazer isso?!

— Vinte milhões. Faça o possível para economizar seus pontos. Faça isso, e você poderá entrar em qualquer turma que desejar.

Ao ouvir esse número absurdamente alto, Ike caiu da cadeira.

— Você disse vinte milhões? Isso é impossível!

Todos na sala começaram a vaiar. O desapontamento era esperado.

— Normalmente, sim, seria impossível. No entanto, como é uma forma de chegar à Turma A, naturalmente é caro. Se eu reduzisse esse número em um dígito, provavelmente haveria mais de 100 alunos na Turma A na formatura. Aí nosso sistema perderia o sentido.

Mesmo mantendo nossa cota mensal de 100 mil pontos, ainda assim não seria um número fácil de alcançar.

— Só por curiosidade, alguém conseguiu trocar de classe dessa forma antes? — perguntou alguém.

Era uma pergunta óbvia. A escola funcionava há cerca de dez anos. Milhares de alunos haviam se esforçado para passar. Se alguém tivesse conseguido usando esse método, já teria se falado sobre isso.

— Infelizmente, não. Ninguém conseguiu antes. O motivo é claro como o dia. Mesmo que você mantenha perfeitamente seus pontos de classe ao entrar na escola, depois de três anos você teria apenas 3,6 milhões. A Turma A conseguiria acumular pontos suficientes para chegar a quatro milhões. Normalmente, você simplesmente não conseguiria.

— Então, isso não significa que é impossível?

— É quase impossível. Mas isso não quer dizer que seja realmente impossível. Há uma grande diferença, Ike.

No entanto, cerca de metade da sala já havia perdido o interesse no que ela dizia. Para os alunos da Turma D, que sonhavam com meros 100 ou 200 pontos pessoais, alcançar 20 milhões era um sonho distante. Estava além da nossa imaginação.

— Posso fazer uma pergunta, por favor? — levantou a mão a observadora Horikita. Ela parecia bastante determinada, considerando que essa poderia ser uma rota para a Turma A.

— Qual foi o maior número de pontos que um aluno acumulou desde a fundação da escola? Estou perguntando apenas como referência.

— Uma ótima pergunta, Horikita. Há cerca de três anos, um aluno da Turma B acumulou quase 12 milhões de pontos antes de se formar.

— Doze milhões?! Um aluno da Turma B?!

— Ele foi expulso antes da formatura, portanto não conseguiu atingir os 20 milhões de pontos necessários. Ele estava envolvido em uma operação fraudulenta de grande escala para acumular pontos.

— Fraudulenta?

— Ele aproveitou-se dos calouros recém-admitidos, que ainda não entendiam o sistema. Foi até eles, um por um, e conseguiu tirar pontos deles para atingir os 20 milhões necessários para ir à Turma A. No entanto, a escola não podia ignorar ações tão imprudentes. Não creio que o objetivo dele fosse particularmente ruim, mas quem quebra as regras deve ser punido.

Essa não era apenas uma anedota. A história tornava a possibilidade de sucesso realmente impossível.

— Ou seja, mesmo usando métodos criminosos, 12 milhões de pontos é o limite? — murmurou Horikita.

— Esqueça esse método. Esforce-se para economizar seus pontos de forma responsável.

Horikita voltou a ler, provavelmente se sentindo idiota por ter levantado a mão. Nesse mundo, histórias que pareciam boas demais para ser verdade geralmente eram apenas isso.

— Ah, lembrei! Nenhum de vocês ainda ganhou pontos pelas atividades de clube, não é? — comentou Chabashira-sensei, como se tivesse acabado de se lembrar.

— O que quer dizer?

— Há casos em que indivíduos podem ganhar pontos com base em seus esforços nas atividades de clube ou no grau de participação. Por exemplo, se alguém do clube de caligrafia vencer um concurso, pode receber os pontos correspondentes por esse prêmio.

Essa informação deixou todos surpresos.

— Q-Quê? Podemos ganhar pontos participando de clubes?!

— Sim. As outras turmas provavelmente já estavam bem informadas sobre isso.

— Q-Que diabos? Isso é tão injusto! Por que não nos disseram antes?!

— Simplesmente esqueci, desculpem. No entanto, atividades extracurriculares não existem apenas como forma de ganhar pontos. Então não deveria fazer diferença quando vocês receberam essa informação — disse Chabashira-sensei, sem a menor timidez.

— N-Não, não, não! Isso não é verdade de jeito nenhum! Se você tivesse me contado antes, eu—

— Está dizendo que você teria participado de atividades extracurriculares? Você realmente acha que teria conseguido algum resultado entrando em um clube, tipo ganhar prêmios ou participar de competições, com sentimentos tão superficiais?

— Bem… você até pode estar certa nisso, mas… Era possível!

Eu entendia os pontos de vista de Chabashira-sensei e de Ike. Se alguém entrasse em um clube apenas para ganhar pontos, provavelmente não veria grandes resultados. Pelo contrário, entrar em um clube por um motivo tão preguiçoso e indiferente provavelmente faria dessa pessoa um incômodo para os alunos que levavam a sério. Por outro lado, alguém que entrasse no clube por causa dos pontos poderia descobrir que tinha talento para aquilo.

De qualquer forma, deduzi que nossa professora titular estava sendo extremamente, e deliberadamente, cruel.

— Sabe, se você pensar bem agora, era óbvio desde o começo.

— O que quer dizer, Hirata-kun?

— Pense. Lembra do que o professor de Educação Física, Higashiyama-sensei, disse quando fomos à piscina? Ele disse que o aluno com o melhor tempo na primeira aula ganharia 5.000 pontos. Isso foi um passo inicial para nos preparar para outras oportunidades. Faz sentido, né?

Ike coçou a cabeça e se escorou na cadeira.

— Não me lembro…

— Se eu tivesse ganhado pontos por isso, provavelmente teria entrado no clube de caligrafia ou em algum outro clube de artes.

Parecia que Ike só conseguia ver o lado positivo das coisas. Eu sabia que naturalmente devia haver algum lado negativo.

Podiam haver casos em que alguém que não participasse seriamente do clube seria penalizado. O caminho mais fácil provavelmente te destruiria. No entanto, saber que nossos pontos refletiriam os esforços feitos nas atividades de clube era encorajador.

— Horikita. Isso não significa que há algum valor em salvar Sudou? — perguntei.

— Devemos salvá-lo porque ele está em um clube?

— Sudou nos disse que pode ser escolhido como titular no time, mesmo sendo do primeiro ano, certo? — Horikita assentiu levemente. — Se ele estava falando a verdade…

Ela soava um pouco duvidosa.

— É melhor ter muitos pontos pessoais, certo? Ele pode complementar a própria nota se falhar, e pode ajudar os outros.

— Mas eu tenho dificuldade em imaginar que ele usaria os pontos de forma altruísta.

— Estou dizendo que é melhor ter pontos guardados, por precaução. Certo?

Sejam pontos de classe ou pessoais, era melhor ter muitos. Não havia absolutamente nenhum ponto negativo nisso. Além disso, sabíamos muito pouco sobre outras formas de ganhar pontos nesse estágio. Se nossas chances melhorassem com Sudou na turma, isso já seria motivo suficiente para fazer um esforço.

Horikita ficou em silêncio. Nem ela tinha a capacidade de gerar pontos para nós naquele momento.

— Não vou dizer que vou ajudar, mas suponho que ao menos devo reconhecer a existência de Sudou-kun, minimamente.

A forma de falar de Horikita era dura, mas ela reconhecia a conexão com seus próprios interesses. Considerei desnecessário dizer mais, então parei de falar. Horikita refletiu sobre o assunto em silêncio.

*

 

Nossa turma ficou animada por um instante com esse conto de fadas, mas logo voltamos à realidade. Depois da escola, retomamos a busca por uma testemunha. Eu fiquei atrás de Kushida, Ike e os outros, seguindo-os como um fantasma. Fiquei impressionado, surpreso e admirado com suas habilidades naturais de conversação. Ficou claro como água que eu, alguém que nem conseguia conversar direito com meus colegas, não era adequado para essa tarefa. Como eles conseguiam conversar com pessoas que nunca tinham visto antes e agir como velhos amigos? Monstros.

Nessa investigação, não buscávamos apenas nomes, mas também informações de contato. Talvez as pessoas se sentissem obrigadas a fornecer seus dados a Kushida por causa de sua personalidade. Que talento maravilhoso…

Embora Kushida e os outros tivessem passado bastante tempo visitando as salas dos segundos anos e conversando com veteranos, não conseguiram nenhuma pista relevante. Com o passar do tempo, o número de alunos que permanecia após a aula diminuía. Sem novos estudantes para abordar, decidimos encerrar a investigação por aquele dia.

— Parece que hoje também não tivemos sorte.

Todos voltaram para meu quarto para reavaliar nossa estratégia. Sudou apareceu logo depois e se juntou à nossa discussão.

— O que aconteceu hoje? Conseguiram algum progresso? — perguntou ele.

— Nenhum. Sudou, você tem certeza de que havia uma testemunha?

Eu entendia as dúvidas de Ike. Mesmo que a escola tivesse dito que era o que aconteceu, não havia nenhuma informação nova.

— Hã? Eu nunca disse que havia alguém lá. Eu disse que parecia que havia alguém.

— Hã… é mesmo?

— É verdade que Sudou-kun não disse que viu alguém. Ele disse que teve a sensação de que alguém estava lá.

— Talvez Sudou estivesse alucinando? Ele deve estar tomando umas drogas bem potentes ou algo assim.

Caramba, isso foi longe demais. Sudou colocou Ike em um golpe de abraço na cabeça.

— Gyahh! Eu desisto, eu desisto! — gritou Ike.

Enquanto os dois se atracavam, Kushida e Yamauchi quebravam a cabeça. Após discutir o assunto por cerca de dez minutos, Kushida falou:

— Talvez devêssemos mudar um pouco nosso método. Por exemplo, vamos procurar alguém que possa ter encontrado uma testemunha.

— Procurar alguém que encontrou uma testemunha? Não entendi o que quer dizer.

— Você vai procurar as pessoas que foram ao prédio especial no dia do incidente?

— É. O que acha?

Não era uma má ideia. Poucos alunos iam ao prédio especial, mas a entrada ficava bem à vista. Ou seja, se alguém testemunhasse outra pessoa entrando no prédio especial, estaríamos muito mais próximos de encontrar a testemunha.

— Perfeito! Vamos começar a perguntar imediatamente.

Percebi então que Sudou, a pessoa de interesse, estava completamente concentrado em algum tipo de jogo de basquete digital no celular. O jogo estava drenando toda a bateria dele. Acho que se chamava Generation of Miracles ou algo assim, mas eu ainda não entendia direito. Depois que ele venceu a partida, fez uma pose de vitória.

Mesmo sem poder ajudar de fato, Ike e Yamauchi pareciam incomodados com a cena. No entanto, eles esconderam a insatisfação, provavelmente com medo de uma reação de Sudou. Ambos decidiram ignorá-lo.

Amanhã seria sexta-feira. Conseguir informações não seria mais fácil no sábado. Isso significava que, na verdade, tínhamos menos tempo do que imaginávamos. Nesse momento, a campainha tocou e uma visitante apareceu.

O pequeno grupo de visitantes normais já estava praticamente contabilizado. Enquanto eu pensava quem seria a nova visitante, ela espiou pela porta.

— Vocês tiveram algum progresso encontrando a testemunha? — perguntou Horikita, com uma expressão de quem já sabia a resposta.

— Não. Ainda não.

— Estou falando só porque é você, mas talvez eu tenha descoberto algo—

Enquanto falava, Horikita percebeu que havia vários pares de sapatos alinhados perto da porta. Ela parou e deu um giro rápido nos calcanhares, aparentemente pronta para sair correndo. Kushida espiou a entrada, provavelmente preocupada de que Horikita não voltasse.

— Ah, Horikita-san! — disse Kushida.

Kushida sorriu e acenou para Horikita. Horikita, ao notar Kushida, soltou naturalmente um suspiro.

— Parece que sua única opção é entrar, né?

— Parece que sim — resmungou Horikita.

Com expressão exasperada, ela entrou no meu quarto.

— Ah, Horikita!

Claro, Sudou foi quem mais ficou feliz em vê-la. Ele pausou o jogo e se levantou.

— Decidiu ajudar? Estou muito feliz que você veio.

— Eu não planejava ajudar particularmente. Você ainda não encontrou a testemunha, certo?

Kushida assentiu desanimada.

— Se você não veio ajudar, então por que veio? — perguntou ela.

— Eu queria ver que tipo de plano vocês iriam elaborar.

— Bem, fico feliz se você apenas quiser nos ouvir. Eu esperava que pudesse dar algum conselho.

Kushida então explicou seu plano para Horikita, cuja expressão permaneceu neutra do começo ao fim.

— Não diria que é um plano ruim. Se tiverem tempo suficiente, seus esforços podem realmente dar resultado.

O tempo era, de fato, o problema. Considerando que nos restavam apenas alguns dias, era duvidoso que víssemos algum resultado.

— Certo. Agora que estou a par da situação, vou indo.

No fim, Horikita iria embora sem sequer se sentar. Ela não era de ficar por aí.

— Você conseguiu descobrir algo? Tipo informações sobre a testemunha? — perguntei.

Quando Horikita apareceu na minha porta, parecia que queria dizer algo. Ela não era exatamente amigável, certamente não do tipo que vinha ao meu quarto para uma conversa casual.

— Vou te dar apenas um conselho, para ajudar suas chances miseráveis — disse ela. — É difícil ver o que está bem na sua frente. Se alguém realmente presenciou o incidente de Sudou, então essa pessoa está por perto.

A informação de Horikita era muito mais significativa do que eu imaginava. Ela falou como se já tivesse encontrado a testemunha hipotética.

— O que quer dizer, Horikita? Está insinuando que encontrou essa pessoa?

Sudou parecia mais surpreso e duvidoso do que alegre. Isso era compreensível. Ninguém, eu incluso, realmente acreditava nela… até ouvirmos suas próximas palavras.

— Sakura-san.

Horikita pronunciou um nome totalmente inesperado.

— Sakura-san? Da nossa turma? — Yamauchi e Sudou trocaram olhares. Parecia que eles nem sabiam quem Sakura era. Isso provavelmente era de se esperar. Para ser honesto, eu também tive que vasculhar minha memória por um instante.

— Ela é a testemunha. Ela viu o incidente.

— Por que diz isso?

— Quando Kushida-san disse que estava procurando uma testemunha na turma, Sakura abaixou o olhar. Muitos alunos estavam encarando Kushida-san. Sakura foi a única que não demonstrou interesse. Ela não teria agido assim sem algum vínculo com o incidente.

Eu não tinha percebido isso de jeito nenhum. Fiquei realmente impressionado com a capacidade de observação de Horikita. Ela notou um gesto muito pequeno de uma colega.

— Já que você é uma das pessoas que também olha para Kushida-san, não é surpreendente que não tenha notado — disse Horikita para mim, com um tom fortemente sarcástico.

— Então você está dizendo que há uma alta probabilidade de que essa Sakura, ou Kokura, ou quem quer que seja, seja a testemunha? — perguntou Sudou. Uma observação perspicaz, algo que um tolo dificilmente diria.

— Não, Sakura-san é, sem dúvida, a testemunha. Suas ações confirmam isso. Embora ela possa não admitir, ela é definitivamente a pessoa — respondeu Horikita. Enquanto nós estávamos paralisados pela incerteza, Horikita assumiu o controle. O fato de ela ter feito isso pelo bem da nossa turma era particularmente comovente.

— Você realmente fez isso por mim, afinal?! — Sudou parecia especialmente emocionado.

— Não me entenda mal. Eu só não queria perder mais tempo procurando a testemunha e permitir que outras turmas nos vissem de forma tão vergonhosa. Só isso.

— Hum… Mas, ainda assim, o ponto é que você nos salvou, certo?

— Você é livre para interpretar as coisas como quiser, mas estou dizendo que você está errado.

— Ah, não mente! Você é tsundere, Horikita! — Ike foi bater de brincadeira nos ombros de Horikita. Ela agarrou seu braço e o derrubou no chão.

— Aí! — ele gritou.

— Não me toque. Este é seu único aviso. Da próxima vez que tentar, vou te desprezar até a formatura.

— N-Não vou te tocar. Nem que eu quisesse… ai, ai!

Ela colocou Ike em um golpe de abraço na cabeça. Infelizmente para Ike, colhe-se o que se planta. De qualquer forma, aqueles não eram os movimentos defensivos de uma garota comum. Sabendo que o irmão mais velho dela praticava karatê e aikido, talvez ela tivesse aprendido alguma coisa também.

— Ai, meu braço!

— Ike-kun — disse Horikita enquanto Ike se contorcia no chão de dor.

Pensei que ela estava indo longe demais.

— Devo corrigir minha declaração anterior e dizer "Vou continuar a te desprezar muito depois da formatura"?

— Ohhh! Que maldade!

Após proferir o que pareciam ser suas últimas palavras sobre o assunto, a energia de Ike se esgotou.

Sakura, porém. De todas as pessoas, a testemunha era da Turma D. Era difícil saber se isso era uma boa notícia ou não.

— Não é ótimo, Sudou? Se a aluna é da Turma D, então com certeza podemos convencê-la a testemunhar!

— É, fico feliz que haja uma testemunha, mas quem é Sakura? Você a conhece? — Sudou parecia não ter ideia. Yamauchi parecia bastante surpreso.

— Você está falando sério? Ela senta atrás de você, Sudou!

— Não, não é isso. Ela senta diagonalmente à frente de você e à esquerda, eu pensei?

— Não, vocês dois estão errados. Ela senta diagonalmente à frente de Sudou-kun, à direita — corrigiu Kushida, com uma expressão levemente emburrada.

— Diagonal à frente à direita? Não me lembro de jeito nenhum. Mas tenho certeza de que há alguém ali.

Isso era óbvio. Um assento permanentemente vazio teria sido estranho. Sakura certamente não se destacava muito. O fato de não a conhecermos bem era um problema.

— Acho que a conheço. Parece que já ouvi seu nome em algum lugar — ofereci. Senti que quase tinha algo, mas não exatamente.

— Pode nos contar sobre ela?

— Bem, suponho que haja uma coisa. Ajudaria se eu dissesse que ela tem os maiores seios da turma? Eles são absurdamente grandes — disse Ike, que havia retornado à vida normal, comentando uma das principais características físicas de Sakura. Pessoalmente, não conseguiria identificá-la apenas com essa informação.

— Ah, ela é aquela garota comum de óculos, certo?

Como você chegou a isso? Fiquei um pouco surpreso.

— Não é bom lembrar das pessoas por algo assim, Ike-kun! Que ridículo — gritou Kushida.

— Não, não é isso, Kushida-chan. É só que, sabe… Eu não estava tentando dizer nada indecente. É como você lembrar de um cara alto por causa da altura, certo? É a mesma coisa, só que estou lembrando dela por outra característica física!

Kushida estava rapidamente perdendo a paciência enquanto Ike tentava desesperadamente consertar a situação. Parecia tarde demais.

— Droga! Não, não é isso, não é! Eu definitivamente não gosto de garotas comuns como ela! Não entendam errado!

Duvidava que alguém tivesse entendido errado. Enquanto Ike desabava em lágrimas, os outros começaram a falar sobre Sakura.

— Então deveríamos ver o quanto Sakura-san sabe. Alguma ideia?

— Nenhuma. Só podemos confirmar diretamente com ela.

— Não podemos ir até o quarto da Sakura agora? Não temos muito tempo.

Achei que a proposta de Yamauchi parecia inofensiva, mas tudo dependia da personalidade e comportamento de Sakura. Ela era uma garota incomumente tímida. Não era difícil imaginar que, se pessoas desconhecidas aparecessem de repente, ela ficaria confusa.

— Certo, então deveríamos tentar chamá-la?

Lembrei que Kushida já sabia as informações de todos, inclusive as de Horikita. Ela ouviu o telefone tocar por cerca de 20 segundos, mas depois balançou a cabeça e desligou.

— Sem sorte. A ligação não completou. Posso tentar de novo mais tarde, mas isso pode ser delicado.

— O que você quer dizer com delicado?

— Ela me deu seu contato, mas não me conhece muito bem. Pode ficar confusa se eu tentar ligar. Além disso, ela pode nem estar em casa para atender.

Sakura também poderia estar fingindo estar fora.

— Então ela é meio como a Horikita? — disse Ike.

Por que você diria algo assim quando a pessoa de quem está falando está bem na sua frente, Ike? Horikita provavelmente não se importou. Na verdade, ela parecia totalmente desinteressada no que Ike dizia.

— Adeus.

— Ah, Horikita-san!

Horikita se levantou rapidamente e se dirigiu à porta. Quando consegui me levantar, a porta já havia se fechado com um clique.

— Que tsundere.

Sudou usava um sorriso feliz, rindo e coçando o nariz com o dedo. Ela não era tsun e nem dere. Ela não era nada, pensei. Era uma não-tsun, não-dere. Como não podíamos impedir Horikita de sair, retomamos a conversa.

— Tenho a sensação de que Sakura-san é apenas uma pessoa tímida. Essa foi minha primeira impressão dela.

Era estranho discutir sobre alguém com quem você nunca havia conversado.

— Ela é comum, só isso. Que desperdício, cara. Como pérolas aos porcos.

Enquanto Yamauchi falava, gesticulava com as mãos perto do peito, representando os seios de Sakura.

— Sim, com certeza. Mas os seios dela são enormes. É realmente fofo!

Ike parecia já ter esquecido a vergonha de suas observações anteriores e estava animado novamente. Kushida lhe lançou outro sorriso amargo. Ao perceber a expressão de Kushida, o arrependimento de Ike voltou. Ele era do tipo de criatura desastrada que cometia os mesmos erros repetidamente.

Mesmo sem ter dito nada, senti que estava sendo colocado na mesma categoria que Ike e Yamauchi. O sorriso amargo de Kushida parecia dizer: Você também está obcecado por peitos, não está? Que pervertido nojento. Claro, isso era meu complexo de perseguição falando.

— E o rosto da Sakura? Não adianta, simplesmente não consigo me lembrar de nada.

Eu mal conseguia associar o nome de Sakura a um rosto. Lembrei de tê-la visto quando fazíamos apostas. Mas a aposta era sobre seios. Acho que, afinal, éramos pássaros da mesma plumagem.

Minha imagem de Sakura era de uma garota sentada silenciosamente sozinha, curvada sobre a mesa.

— Não sei se a Sakura conversa com alguém. Yamauchi? Espera… Yamauchi, você disse que já declarou seus sentimentos para ela antes, certo? Se sim, então deve ser fácil conversar com ela, né?

Ah, Ike estava certo. Yamauchi havia mencionado isso antes.

— Uh, ah… bem, talvez eu tenha dito algo assim, ou talvez não — Yamauchi fingiu ignorância.

— Então você estava mentindo?

— N-Não, eu não estava. Não estava mentindo. Foi apenas um mal-entendido. Não era a Sakura; era uma garota da classe ao lado. Não uma garota sombria e feia como a Sakura. Err… espera. Desculpe, recebi uma mensagem.

Yamauchi desviou da pergunta sacando o celular. É verdade que Sakura era comum, mas ela não era feia. Eu nunca tinha visto bem o rosto dela, mas parecia ter traços muito bonitos. Mesmo assim, não conseguia afirmar isso com total confiança, provavelmente porque Sakura tinha uma presença muito discreta.

— Bem, eu vou tentar falar com ela amanhã — disse Kushida. — Acho que ela pode ficar na defensiva se muitas pessoas se aproximarem.

— Isso parece bom.

Se Kushida não conseguisse lidar com isso, duvidava que alguém mais conseguiria se aproximar de Sakura.

*

 

— Que calor.

Nossa escola não trocava o uniforme com as estações, então tínhamos que usar blazer o ano todo. A razão era simples: todos os prédios possuíam sistemas de aquecimento e refrigeração. O calor só era um problema no trajeto de casa para a escola. Durante a manhã, o suor já escorria pelas minhas costas nos poucos minutos que levava do dormitório até a escola.

Procurei refúgio do calor dentro do prédio, onde o ar fresco e agradável me recepcionava. Devia ser um inferno para os alunos com treino matinal. Todos aqueles meninos e meninas se aglomeravam na fonte de ar frio da sala. De fora, parecia insetos voando ao redor de uma lâmpada. Talvez esse não fosse um bom exemplo, mas…

— Bom dia, Ayanokoji-kun.

Hirata me chamou, com a expressão fresca e amigável de sempre. Um perfume doce e sutil de flores sempre emanava dele. Se eu fosse uma garota, provavelmente teria gritado sem querer: "Me abrace!"

— Kushida-san me contou ontem. Ela disse que vocês encontraram a testemunha. Sakura-san.

Hirata olhou para o lugar de Sakura. Ela ainda não havia chegado.

— Você vai falar com a Sakura? — perguntei.

— Eu? Não. Vou apenas cumprimentá-la, só isso. Sempre quis conversar com ela, já que está sempre sozinha, mas como garoto não quero parecer insistente. Além disso, se pedisse para Karuizawa-san falar com ela, poderia causar alguns problemas.

Era difícil imaginar uma conversa entre a super assertiva Karuizawa e Sakura-san.

— Acho que, por enquanto, vamos apenas esperar por mais informações da Kushida-san.

— Isso parece ótimo, mas por que está me contando isso? Seria melhor falar com Ike ou Yamauchi — disse eu.

Não havia razão real para ele me contar qualquer coisa. Eu não fazia parte do grupo de verdade.

— Não por algum motivo em especial. Acho que é porque você tem alguma conexão com Horikita-san. Ela não conversa com ninguém além de você, então pensei que você poderia repassar a informação.

— Entendo.

Essa era minha única especialidade, então? Hirata sorriu, concordando. Se eu fosse uma garota, meu coração teria saído pela boca ali mesmo.

— Ah, isso me lembrou. Se você quiser, deveríamos sair algum dia desses. O que acha?

Ei, ei, não me diga que você já está satisfeito com as garotas e agora quer fazer meu coração disparar. Se eu, um recluso conhecido, aceitasse o convite do herói sem pensar direito, seria um grande problema.

— Claro. Deve ser tranquilo, acho.

Ah, eu disse exatamente o oposto do que estava pensando. Droga, amaldiçoe minha língua terrível. Definitivamente, eu não estava esperando Hirata me convidar para sair ou algo assim. Sim, é isso mesmo. Esse é o problema do povo japonês: somos incapazes de dizer "não", então temos que responder de forma indireta quando somos convidados.

— Desculpe. Você realmente não quer? — Hirata percebeu meu desconforto.

— Não, não, eu vou. Eu definitivamente quero — respondi, me sentindo um pouco enojado de mim mesmo. Tentei agir como um garoto orgulhoso, mas não pude evitar realmente querer ir.

— Tudo bem se minha namorada também for?

— Hmm? Ah, Karuizawa? Tudo bem.

Minha resposta foi surpreendentemente rápida. Bem, existem muitos tipos de casais. Como ainda se chamavam pelo sobrenome, provavelmente não eram tão próximos.

Relutantemente, me despedi de Hirata e mexi no celular enquanto esperava o início da aula. Então, percebi que Sakura estava em seu lugar.

Ela não estava fazendo nada. Apenas parecia sentada, matando o tempo. Fiquei imaginando que tipo de aluna seria Sakura. Nos três meses que eu estava na escola, não sabia nada sobre ela além do sobrenome. Provavelmente não era só comigo; o resto da turma também devia estar no escuro.

Kushida e Hirata eram proativos e conseguiam se abrir com quase qualquer pessoa. Horikita não sentia a agonia da solidão. E Sakura? Ela gostava de ficar sozinha, como Horikita? Ou estava sofrendo porque não sabia se conectar com as pessoas, como eu? Esses eram os mistérios que Kushida supostamente ia desvendar para nós.

*

 

A aula acabou. Kushida se levantou assim que a chamada terminou e se dirigiu até Sakura, que se preparava silenciosamente para sair. Kushida parecia estranhamente nervosa. Ike, Yamauchi e até Sudou pareciam interessados no que estava acontecendo e voltaram sua atenção para as garotas.


— Sakura-san?

— Q-Que foi?

A garota de óculos e costas curvadas ergueu o olhar com uma expressão tímida. Aparentemente, ela não esperava que alguém falasse com ela e ficou sem jeito.

— Queria te perguntar uma coisa, Sakura-san. Você tem um momento? É sobre o caso do Sudou.

— D-Desculpe. Eu… eu já tenho planos, então…

Sakura estava claramente desconfortável. Evitou o olhar de Kushida. Provavelmente não era muito boa em conversar com os outros. Ou, melhor dizendo, passava a impressão de que não gostava de conversar.

— Pode, por favor, arranjar alguns minutos? É importante, e eu gostaria de conversar com você. Quando o Sudou-kun se envolveu no incidente, você estava por acaso por perto?

— Eu… eu não sei. Já disse à Horikita-san. Eu realmente não sei de nada…

Suas palavras soaram fracas, mas ela negava veementemente qualquer envolvimento. Kushida percebeu claramente o quão desconfortável Sakura estava, então provavelmente não queria pressioná-la ainda mais. Embora Kushida tivesse parecer ligeiramente perplexa no início, sua expressão preocupada rapidamente se transformou em um sorriso agradável. Mesmo assim, ela não podia simplesmente desistir, porque Sakura poderia ter uma influência enorme sobre o destino de Sudou.

— E-Então… tudo bem? Se eu voltar… — Sakura sussurrou.

No entanto, algo parecia estranho. Ela não era apenas ruim em conversar com pessoas. Parecia que estava escondendo algo. Isso podia ser percebido pelo seu comportamento: Sakura escondia a mão dominante e evitava contato visual. Mesmo alguém desconfortável ao olhar nos olhos de outra pessoa normalmente olharia na direção de quem estivesse falando. Sakura não olhava para o rosto de Kushida.

Se Ike ou eu estivéssemos falando com ela, eu entenderia aquela reação. Apesar de ser principalmente por obrigação formal, Sakura havia trocado números com Kushida. Mas o comportamento de Kushida em uma conversa individual era diferente. Não acho que Horikita estivesse errada em se sentir desconfortável ao conversar com Kushida. Eu mesmo tinha achado algo um pouco estranho.

— Não dá para você arranjar só alguns minutos agora? — Kushida perguntou.

— M-Mas por quê? E-Eu não sei de nada…

Se Kushida falhasse, não ganharíamos nada com a conversa. Claro, quanto mais esse constrangimento se prolongasse, mais atenção atrairiam. Isso parecia um completo erro de cálculo por parte de Kushida. Já que elas se conheciam e haviam trocado contatos, Kushida provavelmente esperava que a conversa fosse mais tranquila e entrou nessa situação achando que não seria rejeitada. Isso explicava por que tudo estava desmoronando.

Horikita observava a situação cuidadosamente. Olhou para mim com uma expressão ligeiramente convencida, como se dissesse: sei que suas habilidades de observação são incríveis.

— Eu sou péssima em socializar. Desculpe… — murmurou Sakura.

Ela falava de forma estranha e tensa, claramente sem querer que Kushida chegasse mais perto. Quando Kushida falou sobre Sakura antes, descreveu-a como uma garota tímida, mas normal. Julgando pelo comportamento atual, claramente não era normal. Kushida devia ter percebido isso, pois sua confusão era visível. Ela, normalmente muito boa em fazer os outros se abrirem, estava falhando. Horikita também entendeu o que acontecia e chegou a uma conclusão:

— Que pena. Kushida não conseguiu convencê-la.

Horikita estava certa. Se Kushida não conseguia, não achava que ninguém mais da nossa classe conseguiria. Kushida era boa em criar uma atmosfera informal, onde pessoas socialmente tímidas podiam conversar naturalmente. Mas todo mundo tem seu próprio espaço pessoal, uma área proibida.

O antropólogo Edward Hall dividiu o conceito de espaço pessoal em quatro partes. Uma delas é o chamado "espaço íntimo", onde você estaria perto o suficiente para abraçar alguém. Se um estranho entra nesse espaço, a pessoa naturalmente demonstra rejeição. Mas se for um amante ou melhor amigo, isso não causa desconforto.

Mesmo sendo apenas um conhecido casual, Kushida provavelmente não se importaria de deixar a pessoa entrar em seu "espaço íntimo". Ou seja, ela não parecia valorizar muito a ideia de espaço pessoal.

No entanto, Sakura claramente rejeitou Kushida. Não… na verdade, parecia que estava fugindo. Quando foi perguntada inicialmente, disse que "tinha planos". Se realmente tivesse planos, repetiria isso quando questionada novamente. Sakura pegou sua bolsa e se levantou, aparentemente colocando distância entre ela e Kushida.

— B-Bom… adeus.

Sakura aparentemente decidiu fugir porque não sabia como encerrar a conversa com habilidade. Pegou uma câmera digital de sua mesa e começou a se afastar. Nesse momento, esbarrou no ombro de Hondou. Focado em enviar uma mensagem, ele não prestava atenção para onde ia.

— Ah!

A câmera digital de Sakura caiu no chão com um estrondo. Hondou continuou andando, ainda concentrado no telefone. Pediu desculpas ao sair:

— Foi mal.

Sakura, atônita, correu para pegar a câmera.

— Não acredito. Não tem nada na tela…

Cobriu a boca em total choque. A câmera parecia quebrada com o impacto. Apertou o botão de ligar repetidas vezes, tirou e colocou as pilhas, mas o indicador de energia nunca acendeu.

— D-Desculpe. É por minha culpa, por ter vindo falar com você de repente… — começou Kushida.

— Não, não é isso. Eu que fui descuidada, só isso… Enfim, adeus.

Kushida, incapaz de deter a desanimada Sakura, só pôde observá-la sair com arrependimento.

— Por que uma garota tão fechada como ela é minha testemunha? Isso é péssimo. Ela não quer me ajudar nem um pouco.

Sudou cruzou as pernas e se encostou na cadeira, suspirando em exasperação.

— Tenho certeza de que há algo a aprender com isso. Além disso, não perguntamos diretamente a Sakura-san o que ela viu. Talvez ela simplesmente não possa falar.

— Eu sei. Se ela quisesse falar, já teria falado. Ela se conteve porque é adulta.

— Talvez seja melhor assim, Sudou-kun. Melhor que ela seja a testemunha, de fato.

— Como assim?

— Ela não vai testemunhar a seu favor. Determinarão que você causou o incidente. No fim, a Classe D será afetada por suas ações, mas ficaremos bem. Temos o testemunho de que eles mentiram sobre a violência. É difícil imaginar que a escola nos penalize mais de 100 ou 200 pontos por estarmos envolvidos nesse incidente. Assim, perderemos apenas 87 pontos, e você não será expulso. Porém, carregaremos mais da culpa que a Classe C.

Horikita falava seus pensamentos sem rodeios, como se os tivesse guardado por muito tempo.

— Não faça piadas. Eu sou inocente. Inocente! Eu bati neles, mas foi em legítima defesa.

— Não acho que legítima defesa vá ajudar muito nesse caso.

Ah, acabei dizendo isso em voz alta sem querer.

— Ei, Ayanokoji-kun.

Tentei parecer indiferente ao me virar, mas percebi que o rosto de Kushida estava super perto do meu. Cara, Kushida parecia incrivelmente fofa de tão perto. Em vez de me sentir desconfortável com a invasão do meu espaço pessoal, queria que ela chegasse ainda mais perto.

— Ayanokoji-kun, você é aliado do Sudou-kun, não é? — ela perguntou.

— Bem… sim, sou. Mas por que está me perguntando isso de novo?

— É que as coisas parecem meio tensas. O desejo de todos de salvar o Sudou está diminuindo.

Olhei ao redor da sala.

— Parece mesmo. Eles provavelmente pensam que o que tiver que acontecer, acontecerá. Que não há nada a ser feito.

Se até Sakura, a testemunha principal, negasse ajuda a Sudou, então não tínhamos feito nenhum progresso.

— Não consigo imaginar que encontraremos uma saída perfeita para Sudou. É melhor desistirmos dele — murmurou Ike, desanimado.

— Que diabos, pessoal? Vocês não disseram que iam me ajudar? — gritou Sudou.

— Bem, é que… você sabe?

Sudou apelava aos colegas restantes, buscando aprovação.

— Nem seus amigos querem te ajudar. Que lamentável — murmurou Horikita.

Os outros estudantes não tentaram negar o que Ike e Horikita haviam dito.

— Por que eu tenho que sofrer assim? Vocês, um bando de inúteis!

— Que interessante comentário, Sudou-kun. Não percebeu que todos estão se virando contra você?

— Como assim?

Nossa classe frequentemente ficava tensa, mas hoje estava pior do que o normal. No entanto, como Sudou falava com Horikita, parecia se conter ao máximo. Mas o ataque veio de uma direção inesperada.

— Não acha que teria sido melhor se tivesse sido expulso? Sua existência está longe de ser bonita. Na verdade, eu diria que sua vida é feia, Red Hair-kun.

A voz vinha de um garoto que conferia seu reflexo em um espelho de mão para arrumar o cabelo. Era Koenji Rokusuke, um cara especialmente estranho mesmo entre os integrantes notavelmente excêntricos da nossa classe.

— Que diabos? Diga isso de novo, eu desafio você!

— Seria ineficiente repetir, não importa quantas vezes eu fizesse. Se sei que você é estúpido, não importa quantas vezes eu tente te repreender, certo?

Koenji nem olhou para Sudou enquanto falava. Era como um monólogo. De repente, um enorme estrondo ecoou. Uma carteira voou pelo ar e se estilhaçou no chão depois de um chute. Todos congelaram. Sudou, silencioso e intenso, se aproximou de Koenji.

— Certo, chega. Acalmem-se, vocês dois — disse Hirata. Ele era o único garoto capaz de agir naquela situação horrível. Meu coração batia acelerado.

— Sudou-kun. Você certamente faz parte do problema aqui. Mas Koenji-kun, você também está errado.

— Puh. Não me lembro de ter estado errado desde que nasci. Você deve estar enganado.

— Pode vir. Vou esmagar sua cara e te colocar no seu lugar — Sudou retrucou.

— Pare.

Hirata segurou o braço de Sudou, tentando contê-lo com firmeza, mas Sudou não demonstrou sinais de recuar. Parecia que queria descontar todas as frustrações — inclusive o que Horikita havia dito — em Koenji.

— Já basta. Não quero ver meus amigos brigando…

— É como a Kushida disse. Não sei sobre Koenji-kun, mas sou seu aliado, Sudou-kun.

Hirata era longe de ser comum. Seria apropriado se ele mudasse seu nome para "Herói". Seria épico.

— Vou encerrar isso. Sudou-kun, você precisa agir com mais maturidade. Se causar outro grande distúrbio, a avaliação da escola sobre você só vai piorar. Certo?

— Tch.

Sudou lançou um olhar furioso a Koenji e saiu da sala, batendo a porta. Em seguida, uma voz alta pôde ser ouvida no corredor.

— Koenji-kun. Não pretendo obrigá-lo a ajudar. Mas você estava errado ao culpá-lo.

— Infelizmente, nunca experimentei estar errado. Nem uma vez na minha vida inteira. Ah, parece que é hora do meu encontro. Bem, se me dão licença.

Assistindo àquela interação bizarra, percebi que nossa classe carecia de união.

— Sudou-kun realmente não amadureceu, não é?

— Você não poderia ter sido um pouco mais gentil, Horikita-san?

— Não tenho misericórdia de quem não tenta melhorar. Ele só nos causou danos e não possui qualidades redentoras.

Bem, você também não mostra misericórdia nem para quem tenta melhorar.

— O quê?

— Ooh!

Enquanto recuava, uma faca afiada (bem, um olhar afiado) foi cravada em mim. Fiz uma pequena réplica.

— Há uma expressão popular neste mundo: grandes talentos amadurecem tarde. Sudou provavelmente poderia se tornar um jogador profissional na NBA, certo? Acho que há uma possibilidade de ele fazer uma grande contribuição à sociedade. O poder da juventude é infinito.

Proferi uma frase que soava tão original quanto um comercial de TV.

— Não pretendo negar que isso possa acontecer em 10 anos, mas estou procurando meios para chegar à Classe A agora. Se ele não pode nos ajudar agora, é inútil para mim.

— Acho que sim.

Bem, a opinião de Horikita era consistente, o que era bom. Eu estava mais preocupado com Ike e os outros. Seus humores mudavam com frequência, então não conseguia relaxar.

— Você se dá bem com Sudou, não é? Vocês almoçam juntos.

— Não acho que estamos em maus termos, mas sinto que ele é um fardo. Sudou falta mais que qualquer outro. Ele também briga mais. Tenho que traçar um limite aí.

Pude entender o que ele queria dizer. Ike parecia ter seus próprios pensamentos.

— Vou tentar convencer a Sakura-san. Depois disso, as coisas devem mudar.

— Eu só tenho minhas dúvidas. Considerando as circunstâncias, mesmo se conseguirmos o depoimento da Sakura-san, acredito que terá um impacto mínimo. A escola provavelmente ficaria desconfiada de uma testemunha surgindo de repente da Classe D.

— Desconfiada? Você quer dizer que eles achariam que estávamos mentindo sobre a testemunha?

— Claro. Eles vão levar em conta o depoimento da testemunha junto com as possíveis intenções dela. Não aceitarão sua palavra como prova absoluta.

— Não acredito. Quer dizer que até essa evidência não seria totalmente confiável?

— Bem, a melhor e mais milagrosa situação seria se houvesse uma testemunha confiável de outra classe ou série que tivesse visto todo o incidente do começo ao fim. Mas não existe ninguém que se encaixe nessa descrição — disse Horikita com confiança.

Eu pensava da mesma forma.

— Então, por mais que tentemos provar a inocência do Sudou, nós…

— Se o incidente tivesse acontecido em uma sala de aula, seria outra história.

— Como assim?

— Bem, existem câmeras que gravam o que acontece nas salas de aula, certo? Portanto, se algo acontecesse, haveria provas disso. Essas gravações desmentiriam totalmente as mentiras dos caras da Classe C.

Apontei para duas câmeras ou mais fixadas no teto, próximas aos cantos da sala. Eram pequenas, não chamavam atenção e se integravam bem ao ambiente, mas eram inegavelmente câmeras de segurança.

— A escola verifica essas câmeras para ver se conversamos ou dormimos durante a aula. Caso contrário, não poderiam avaliar com precisão nosso desempenho mensal.

— Sério?! Eu nunca soube disso! — Ike parecia completamente chocado.

— Acabei de saber sobre as câmeras.

— Elas não são fáceis de notar. Eu também só percebi quando começaram a falar sobre pontos pela primeira vez.

— Bem, pessoas comuns normalmente não se preocupam com câmeras escondidas. Quero dizer, a maioria não conseguiria apontar diretamente as câmeras de uma loja de conveniência, mesmo que frequentassem o local sempre, certo?

Se alguém soubesse, provavelmente tinha consciência pesada ou estava extremamente nervoso. Ou talvez tivesse percebido por acaso. Bem, considerando que não precisávamos mais procurar uma testemunha, pensei que era hora de ir para casa. Kushida e os outros poderiam discutir procurar outra testemunha, e seria um incômodo me envolver nisso.

— Ayanokoji-kun, quer voltarmos juntos? — perguntou Horikita.

……………

Ao ouvir o convite, coloquei minha mão na testa dela de forma reflexiva. Estava agradável e fresca, e notei a suavidade da pele.

— Você sabe que não estou com febre, né? Só queria falar com você sobre uma coisa — disse ela, impassível.

— Ah, certo. Tudo bem.

Era raro Horikita me convidar para algum lugar. Com o mundo tão confuso, fiquei imaginando se choveria amanhã.

— Vocês dois realmente ficaram próximos, hein? Quero dizer, parecia que você ia me matar ontem quando toquei seu ombro, e agora…

Ike olhava para minha mão na testa de Horikita com aparente descontentamento. Horikita, percebendo isso, não mudou a expressão enquanto falava comigo.

— Você se importa? Sua mão.

— Ah, desculpa, desculpa.

Enquanto me aliviava por Horikita não reagir, retirei a mão.

Fiquei no modo automático enquanto estávamos no corredor. Eu podia imaginar aproximadamente o que Horikita queria, mas não sabia exatamente o que ela ia dizer.

— Ah, lembrei. Quero fazer uma parada antes de voltarmos para o dormitório. Tudo bem?

— Não me importo, desde que não demore muito.

— Claro. Deve levar apenas uns dez minutos.

*

 

Depois da aula, o calor e a umidade eram sufocantes. Dirigi-me ao prédio especial, onde o incidente havia ocorrido. Não era como em um caso de assassinato, onde a área precisava ser isolada para evitar que alguém contaminasse a cena do crime. Na verdade, o prédio parecia exatamente como de costume. Não havia sinais de que suas instalações fossem usadas com frequência, como as salas especiais, a sala de economia doméstica ou a sala de AV. Esse teria sido um local ideal para chamar Sudou.

— Que calor…

Esse calor era anormal. Provavelmente era assim que o verão na escola deveria ser, mas eu imaginava que dentro do prédio seria um pouco mais confortável, com o ar fresco equilibrando o calor. Acho que me acostumei demais com edifícios climatizados. O calor parecia ainda mais intenso por causa dessa expectativa frustrada. O ar-condicionado provavelmente estava ligado durante as aulas no prédio especial, mas certamente não estava agora.

— Desculpe por te trazer aqui.

Horikita, que estava ao meu lado, apenas olhou em volta pelo corredor. Não parecia estar suando nem um pouco.

— Você realmente mudou, não é? É estranho que tenha se envolvido nesse caso. A testemunha já foi encontrada, e confirmamos que não há mais nada a ser feito. O que exatamente você está tentando fazer? — perguntou.

— Sudou foi o primeiro amigo que fiz aqui. Quero ajudá-lo.

— Você acha que há uma maneira de provar a inocência dele?

— Não tenho tanta certeza. Ainda não posso afirmar. Decidi tomar a iniciativa sozinho, já que não me dou muito bem interagindo com Hirata, Kushida ou grupos grandes de pessoas. Ser sociável definitivamente não é meu forte. Pensei que todos me fariam correr pela escola ou pela sala hoje, então decidi agir por conta própria. Gosto de evitar problemas, lembra?

— Isso é verdade. Mas então, você é tão contraditório quanto sempre foi, já que está ajudando um amigo.

— Bem, os seres humanos são, para o bem ou para o mal, criaturas de conveniência.

Já havia tocado nesse assunto com Horikita antes, mas ela parecia relativamente aberta às minhas ideias. Normalmente agia sozinha, então, enquanto algo não a prejudicasse, ela tendia a não se importar. Ela não era do tipo que empatizava com a dor alheia, no entanto.

— Bem, seu jeito de pensar não me interessa, Ayanokoji-kun, então pense o que quiser. Também agradeço por você dizer que aqueles dois são difíceis de lidar.

— Bem, isso é só porque você os odeia, não é?

— Ter um inimigo em comum tende a levar à cooperação.

— Não. Só porque sou ruim lidando com eles não significa que os odeio. Por favor, não pense que sou como você.

Eu realmente queria me aproximar de Kushida e Hirata. Mas a interpretação de Horikita sobre minha posição era bastante ampla, e ela parecia achar que tínhamos pensamentos semelhantes sobre o assunto. Resmungando, caminhei até o fim do corredor, vasculhando os cantos e certificando-me de não perder nenhum espaço. Horikita pareceu notar algo e começou a observar ao redor, ponderando.

— Parece que não há nada aqui. Que pena.

— Hã? O quê? — perguntei.

— Câmeras, como as das salas de aula. Se houvesse câmeras aqui, teríamos provas concretas. Não consigo encontrar nenhuma.

— Ah, sim. As câmeras de segurança. Você está certa. Se estivessem aqui, o caso estaria resolvido.

Havia tomadas no teto, mas sem sinais de uso. Não havia nada no corredor que obstruísse a visão de uma câmera, então, se uma estivesse instalada, todo o incidente teria sido gravado do início ao fim.

— Bem, a escola tinha câmeras nos corredores desde o início?

Provavelmente não era só o prédio especial. Os corredores dos prédios principais da escola também provavelmente não tinham câmeras.

— Se eu tivesse que pensar em lugares onde não seriam instaladas, diria os banheiros e os vestiários, certo?

— Sim. Muito provavelmente.

— Se houvesse câmeras de segurança aqui, a escola teria verificado primeiro e não teríamos problemas com esse caso.

Balancei a cabeça, envergonhado por ter alimentado esperanças mesmo que por um instante. Por um tempo, ficamos ali à toa, desperdiçando tempo e sem realmente conseguir nada.

— Então, você já pensou em um plano para salvar Sudou-kun? — perguntou Horikita.

— Claro que não. É seu trabalho elaborar planos, Horikita. Não vou pedir que salve Sudou, mas seria bom se apontasse a Classe D na direção certa.

Horikita deu de ombros, exasperada. Provavelmente estava pensando em uma resposta. No entanto, ela havia encontrado Sakura, então não era como se não quisesse ajudar de jeito nenhum.

— Está me pedindo ajuda? Vai me usar? Eu? Aqui e agora?

— Ter a Sakura como nossa testemunha nos prejudica mais do que ajuda. Acho que seria melhor procurar outra coisa.

Horikita provavelmente entendeu. No entanto, ela agia com frieza, como se estivesse desligada do mundo, parecendo boa demais para se importar com qualquer coisa.

— Sudou-kun tem muitas qualidades que não suporto. No entanto, quero diminuir a culpa que estão colocando sobre ele. O melhor resultado possível é ainda termos alguns pontos, mesmo que a imagem da Classe D piore.

Ela soava sincera. Normalmente, não era tão direta. Isso não era exatamente ruim. No entanto, a maioria das pessoas não está acostumada à solidão e, por isso, às vezes se comporta de forma hipócrita, salvando alguém por altruísmo fingido para agradar os outros. Isso não parecia ser o estilo de Horikita. Além disso, diferente de Kushida e dos outros, ela havia desistido completamente de provar a inocência de Sudou.

— Como eu disse, a menos que surja uma testemunha perfeita, provar a inocência de Sudou-kun será impossível. Se os alunos da Classe C admitissem que mentiram, talvez as coisas se resolvessem. Você acha provável?

— Nah. Eles nunca admitiriam.

A mentira prevaleceria, especialmente porque a outra classe também não tinha provas. Era o que eu pensava. Nossa única evidência era a palavra de Sudou. Estávamos completamente no escuro.

— Não há ninguém aqui depois da aula.

— Bem, isso é óbvio. Usam o prédio especial só para atividades de clube.

Uma das partes — ou Sudou, ou os estudantes da Classe C — havia chamado a outra para o prédio especial. Depois disso, como se fosse destino, os dois inimigos começaram a briga. No fim, Sudou feriu os outros e eles reclamaram. Esse era todo o caso.

Eu definitivamente não viria a um lugar quente desses a menos que alguém tivesse me trazido. A umidade sufocava. Parecia que, se ficasse mais alguns minutos, minha cabeça explodiria.

— Não está calor, Horikita?

Enquanto o calor me destruía, Horikita olhava o corredor com expressão fria.

— Sou bastante resistente quando se trata de temperatura. Ayanokoji-kun, você… não parece bem.

O calor me deixava tonto. Fui até a janela na esperança de um ar mais fresco. Abri a janela… e logo a fechei com força.

— Isso foi perigoso.

Abrir a janela só deixou entrar mais ar quente. Deixar entreaberta teria sido uma tragédia, eu tinha certeza. Pensar que ia ficar cada vez mais quente até agosto me deixou deprimido. Ainda assim, vir aqui hoje nos deu algum resultado. As coisas não eram impossíveis…

— Em que está pensando agora? — perguntou Horikita.

— Ah, nada demais. Só que está quente. Cheguei ao meu limite.

Parece que já tínhamos feito tudo o que podíamos, então começamos a voltar.

— Ah.

— Ops!

Virando o corredor, esbarrei em outra aluna.

— Desculpe, você está bem? — perguntei.

O impacto não fora forte. Pelo menos nenhum de nós caiu.

— Sim. Desculpe, fui desatenta — disse ela.

— Ah não, eu que peço desculpas. Espera… Sakura?

No meio do pedido de desculpas, percebi com quem havia trombado.

— Ah, hum? — Pelo jeito dela, não sabia quem eu era. Depois de me encarar por um instante, pareceu me reconhecer como colega de classe. É meio inútil só reconhecer alguém depois de um olhar demorado, porém.

— Ah, é que… meu hobby é tirar fotos, então… — mostrou a tela do celular. Eu não tinha intenção de pedir muitos detalhes. Além disso, não havia nada de estranho em mexer no celular. Sakura devia ter pensado que estávamos indo pro dormitório e agora certamente se perguntava por que estávamos ali.

— Disse que é hobby? Que tipo de fotos? — perguntei.

— Coisas como o corredor… e a vista lá fora pela janela. Coisas assim, acho.

Assim que Sakura terminou a explicação, notou Horikita e baixou o olhar.

— Ah, hum…

— Quero te fazer uma pergunta, Sakura-san — disse Horikita.

Sakura parecia desconfortável, mas Horikita, que não desperdiça oportunidades, foi se aproximando. Sakura recuou, visivelmente assustada. Eu tentei segurar Horikita com um gesto, pedindo que não a perseguisse.

— B-Bom, adeus.

— Sakura — chamei enquanto ela tentava se apressar — você não precisa se forçar.

Falei sem pensar. Sakura parou, mas não se virou.

— Você não precisa se sentir obrigada a ser a testemunha, Sakura. Forçar você a depor seria inútil. Mas se alguém grande e assustador estiver tentando te intimidar, por favor, conte para a gente. Não sei o quanto posso ajudar, mas vou tentar.

— Está falando de mim? — murmurou Horikita.

Ignorando a presença daquele "monstro" assustador, deixei Sakura seguir.

— Eu não vi nada. Vocês se enganaram…

Ela insistia que não era a testemunha. Até então, havíamos agido puramente com base na convicção e no viés de Horikita. Era bem possível que Sakura estivesse dizendo a verdade.

— Então tudo bem. Mas, se outra pessoa vier te pressionar, por favor, me avise.

Sakura desceu as escadas submissamente.

— Essa era provavelmente nossa grande chance, sabia? Ela devia ter vindo aqui porque ainda estava pensando no incidente.

— Como ela negou, não dá para forçar nada. Além do mais, você entende, Horikita? Uma testemunha da Classe D pouco ajudaria nosso caso.

— Sim, imagino.

Ela agiria conforme sua lógica. Mas eu não fazia ideia do que realmente se passava na cabeça dela. Por isso nossa investigação estava parada.

— Ei, vocês dois. O que fazem aqui?

Viramos ao ouvir uma voz inesperada. Uma garota bonita, de cabelos loiro-escuros puxados para o morango, estava atrás de nós. Eu a reconhecia, embora nunca tivesse falado com ela. Era Ichinose, da Classe B. Diziam que era uma aluna exemplar.

— Desculpem interromper. Têm um minuto? Ah, e se por acaso isso for um encontro meia-boca, quero que o interrompam agora.

— Não é nada disso — Horikita negou na hora. Ela era rápida para descartar sugestões assim.

— Haha, entendi. Esse lugar tá quente demais pra ser ponto de encontro romântico.

Eu não tinha ligação com Ichinose. Não tinha certeza, mas ela provavelmente nem sabia meu nome. Eu era apenas mais um aluno para ela. Talvez fosse conhecida de Horikita? Ou amiga? Não. Não havia como. Se de repente elas se abraçassem e começassem com "Nossa, quanto tempo!" eu provavelmente teria um colapso e desmaiaria.

— Você tem algum assunto com a gente? — perguntou Horikita.

Horikita estava em alerta depois da súbita aparição de Ichinose. Provavelmente ela não achava que fosse coincidência ela estar tentando falar conosco.

— Assunto sério, hein? Bem, na verdade é mais "O que vocês estão fazendo aqui?"

— Nada. Estamos apenas dando uma volta sem motivo.

Eu teria gostado de responder honestamente, mas a pressão do olhar de Horikita me fez mentir.

— Sem motivo, é? Vocês são da Classe D, não são?

— Nos conhece?

— Já encontrei vocês duas vezes antes. Mas não conversamos diretamente. Lembro de ter visto você na biblioteca uma vez também.

Parecia que ela lembrava de mim de alguma forma. Talvez eu fosse meio interessante.

— Tenho uma memória muito boa, sabia?

Quis dizer que, se não tivesse boa memória, eu não teria muita impressão dela? Fiquei um pouco contente, mas a alegria morreu com o comentário indireto.

— Achei que com certeza haveria algo aqui relacionado à briga. Eu não estava aqui ontem, quando a Classe B soube da testemunha. Mais tarde, ouvi dizer que a Classe D estava procurando provas da inocência do Sudou.

— Se vocês vieram investigar, qual a sua relação com isso?

— Hum, relação? Bem, não tenho nenhuma. Quando soube do que aconteceu, fiquei com algumas dúvidas. Então pensei em vir aqui pessoalmente para dar uma olhada. Vocês poderiam me contar o que aconteceu?

Será que ela estava realmente apenas curiosa? Depois de um breve silêncio, Ichinose falou timidamente.

— Não é isso, né? Bem, se as outras classes estivessem interessadas…

— Não, não estamos dizendo não, mas…

— Não posso deixar de pensar que há um motivo oculto — Horikita retrucou.

Tentei lidar com a situação de forma pacífica, mas Horikita destruiu esse plano rapidamente. Ichinose, percebendo claramente a hostilidade nas palavras de Horikita, inclinou a cabeça e sorriu.

— Motivo oculto? Acham que estamos trabalhando nas sombras para sabotar a Classe C e a Classe D?

Ichinose parecia confusa.

— Precisa ficar tão na defensiva? Estou apenas curiosa, só isso.

— Não quero falar com alguém que está "apenas curioso". Faça o que quiser.

Horikita tentou colocar distância entre elas. Olhou pela janela.

— Por favor, me conte algo. Tudo que minha professora e meus amigos dizem é que houve algum tipo de briga.

Hesitei brevemente, mas como não havia muita informação a ganhar de qualquer forma, talvez não valesse a pena ficar calado. Então expliquei a situação: três pessoas da Classe C chamaram Sudou, houve uma briga, mas Sudou virou o jogo e os derrotou. Também contei que, após a luta, os alunos da Classe C apresentaram um relatório falso à escola. Ichinose ouviu atentamente.

— Então foi isso que aconteceu. Essa história ainda não chegou à Classe B. Isso não é um problema grande? Não importa quem mentiu, já que é uma questão de violência, certo? Não deveriam correr para descobrir a verdade?

— É por isso que viemos aqui procurar. Mas não encontramos muita coisa.

Não era um caso de assassinato, então duvidava que houvesse muitas pistas claras. No entanto, ao contrário do esperado, conseguimos algum resultado.

— Então vocês acreditam em Sudou-kun porque ele é seu colega de classe. E amigo, claro, isso é óbvio. Então a Classe D está em alvoroço porque Sudou está sendo acusado falsamente, certo?

Seria difícil convencer uma terceira pessoa como Ichinose de que não estávamos agindo por amizade ou lealdade à classe. Não tentei explicar.

— O que fariam se Sudou-kun fosse o mentiroso? E se surgissem provas de sua culpa?

— Eu relataria tudo honestamente. Afinal, encobrir uma mentira só traria problemas depois.

— Sim, acho que eu também faria assim.

Ainda assim, nossas dificuldades não teriam grande impacto sobre Ichinose.

— Já terminou? Você ouviu o que queria — disse Horikita, com um suspiro, tentando afastá-la.

— Hum. Que tal eu ajudar? Procurar a testemunha ou o que for. Com mais gente, vocês vão mais longe, né?

Obviamente, mais pessoas ajudariam. Isso era verdade. Mas não era como se tivéssemos ido até ela e dito: "Por favor, nos ajude, estamos em apuros!"

— Por que uma aluna da Classe B ofereceria ajuda?

— Classes D e B são completamente desconectadas? Não sabemos quando esses casos vão surgir, ou quem vai se envolver. Como as classes estão sempre em competição, sempre há a chance de isso acontecer. Esse foi apenas o primeiro caso. Se o lado que mentiu vencer, isso daria um mau precedente. Além disso, pessoalmente, não posso me afastar agora que sei o que aconteceu.

Não conseguia perceber se Ichinose estava falando sério ou brincando.

— Se a Classe B trabalhar com vocês, isso não aumentaria muito sua credibilidade? Embora, suponho, o contrário também poderia acontecer. A Classe D poderia sofrer mais consequências se a verdade fosse descoberta…

Ou seja, se Sudou mentiu, isso provava a alegação da Classe C. Nesse caso, Sudou seria suspenso, e a Classe D poderia sofrer danos graves.

— O que acham? Não acho que seja uma má sugestão.

Olhei para ver a reação de Horikita. Ainda estava de costas, olhando pela janela, imóvel. Eu me perguntava o que ela pensava sobre a oferta de Ichinose. É claro que nos preocupávamos com o efeito disso. Se a Classe D tentasse provar a inocência de Sudou sozinha, nossa credibilidade seria baixa, a menos que encontrássemos uma prova absoluta e incontestável da inocência de Sudou.

Se uma aluna da Classe B se envolvesse, as implicações poderiam ser enormes.

Decidi ponderar os prós e contras da oferta, mesmo sendo um pouco rude. Obviamente, ainda não podia confiar em Ichinose. Ela era da Classe B e não ganharia nada ajudando. Se ajudar os outros por puro altruísmo refletisse em pontos de classe ou individuais, então eu poderia entender sua motivação. Não seria fácil pedir, mas talvez ela tivesse informações importantes. A única forma de ter certeza era perguntar.

— Vamos aceitar a ajuda dela, Ayanokoji-kun.

Horikita havia tomado uma decisão, provavelmente determinando que os benefícios superavam os riscos. Fiquei grato por ela ter decidido tão rapidamente. Eu realmente não tinha poder de decisão, afinal; isso era trabalho da Horikita. Ichinose sorriu, mostrando seus dentes brancos.

— Então está decidido! Hum…

— Horikita.

Horikita disse seu nome de forma direta, como se aprovasse nossa relação de cooperação.

— Muito prazer, Horikita-san. E você também, Ayanokoji-kun.

Havíamos inesperadamente feito a acquaintance de Ichinose da Classe B e a aceitado como aliada. Ainda existia o risco de que isso pudesse trazer problemas. Mas, de qualquer forma, as coisas iam mudar.

— Já encontramos uma testemunha. Infelizmente, é uma aluna da Classe D.

Ichinose suspirou, exasperada.

— Bem, isso significa que não há outra testemunha. Quer dizer, alguém de outra classe pode ter presenciado, mas é pouco provável.

As chances eram realmente pequenas. Mas ainda havia uma possibilidade.

— De qualquer forma, sobre seu amigo. Ele é do primeiro ano, mas pode se tornar titular do time de basquete, certo? Incrível. Mesmo que ele esteja segurando vocês agora, pode se tornar um grande trunfo depois. Quero dizer, a escola avalia atividades de clubes e filantrópicas, certo? Então, se ele participar de um torneio e se sair bem, Sudou-kun pode ganhar pontos. Esses pontos também contarão para a sua classe. Espera… Vocês não sabiam disso? O professor não contou?

Só tínhamos ouvido que isso influenciaria nossos pontos individuais.

— É a primeira vez que ouço falar que afeta os pontos da classe. Vou ter que reclamar com Chabashira-sensei depois — resmungou Horikita, um pouco irritada.

Esse era mais um descuido, outro exemplo de Chabashira-sensei não ter divulgado algo importante. Perguntei-me se a Classe B havia ouvido isso da professora deles…

Como de costume, nossa professora nem fingia tratar todos de forma igual. Senti-me discriminado.

— Sua professora de classe é meio estranha — disse Ichinose.

— Ela não parece motivada a nos contar nada. É completamente apática. Alguns professores são assim.

Não achei isso particularmente preocupante, mas Ichinose recuou.

— Vocês sabiam que a escola avalia os professores de classe quando a turma se forma?

— É a primeira vez que ouço isso. Tem certeza?

Eu não estava interessado, só não tinha escolha a não ser me interessar. Essa era uma distinção crucial.

— Nossa professora de classe, Hoshinomiya-sensei, fala como se fosse seu lema. Ela diz que quer se esforçar porque a professora da Classe A recebe um bônus especial. Parece que é bem diferente para vocês.

— Estou com inveja da sua relação com sua professora de classe. E do ambiente da sua turma.

Nossa professora parecia não ter ambição, ou sequer interesse em dinheiro. Parecia que mesmo se fracassássemos, ela apenas diria que estava ótimo.

— Acho que seria bom nos encontrarmos e discutir as coisas.

— Nunca pensei que receberia ajuda do inimigo.

— Isso parece um problema que precisamos resolver antes de lutar. Não estamos exatamente em igualdade, não é?

Outras classes nos compadeciam. Isso mostrava o pouco interesse que Chabashira-sensei tinha pelos próprios alunos.

— Quero trocar de professora de classe com a Classe B.

— Bem, acho que seria difícil de administrar.

Lembrei-me do meu primeiro encontro com Hoshinomiya-sensei. Ela parecia trazer dificuldades inerentes como professora.

— Ah, está tão quente aqui! — Ichinose tirou um lenço fofo com ilustrações de pandas e usou para enxugar delicadamente o suor da testa. Nossos uniformes grossos realmente aprisionavam o calor.

— Uma escola que liga ar-condicionado em prédios vazios e ainda prejudica o meio ambiente é horrível — disse Horikita.

— Hahaha, provavelmente é verdade. Você é bem interessante — Ichinose riu, mesmo sem ser realmente uma piada.

— Não achei nada engraçado no que acabei de dizer…

— Que tal trocarmos contatos para facilitar as coisas?

Horikita me lançou um olhar que parecia dizer: "Eu não quero fazer isso. Dá o seu para ela."

— Se você não se importa de receber meu contato, aqui está — disse eu.

— Certo.

Depois de trocarmos informações, percebi que de repente tinha um número inesperado de contatos de garotas. Embora fosse apenas o início de julho, já tinha sete nomes e números no meu celular, três deles de meninas. Talvez… eu tivesse mergulhado profundamente nas alegrias da juventude sem nem perceber. Também descobri que o primeiro nome de Ichinose era Honami — uma informação desnecessária, mas curiosa.

*

 

Ichinose parece levar a sério a ideia de traçar estratégias e ser uma aliada confiável. Sempre que queria tentar algo, nos contatava, mesmo depois de já ter dito para deixarmos tudo com ela. Não achava que ela precisasse se limitar tanto.

Ao voltarmos para o dormitório, pensei que cada um seguiria seu caminho, mas Horikita me seguiu até meu quarto. Parecia ainda querer conversar.

— Desculpe a intromissão — disse Horikita ao entrar no quarto, mesmo sem ninguém mais ali.

Fiquei me perguntando por que me sentia um pouco nervoso sozinho com Horikita a portas fechadas.

— Ah, só para confirmar, você também tem uma chave reserva? — perguntei.

— Para o seu quarto? Ike-kun perguntou antes se eu queria uma. Recusei.

Exatamente como eu esperava dela. Parecia ser a única com algum senso comum.

— Afinal, é raro eu visitar seu quarto, Ayanokoji-kun. Além disso, vir aqui é, por si só, um ato vergonhoso. Uma desgraça. Entende?

Eu já imaginava que ela responderia assim. Não fiquei magoado. Definitivamente não pensei algo como: "Uau, isso foi inesperadamente duro."

— Por que você está traçando letras na parede com o dedo?

— Para esconder meu coração acelerado. Ou algo assim.

A parte mais assustadora era que ela realmente não tinha más intenções. Tenho certeza de que, se perguntada, provavelmente diria algo como: "Mas eu apenas falei a verdade."

— Ayanokoji-kun, quero ouvir seus pensamentos sobre o caso do Sudou-kun novamente. Além disso, acho as ações da Kushida-san um tanto preocupantes.

— Se você está preocupada agora, não teria sido melhor participar do processo antes?

— Impossível. A própria pessoa em questão não reconhecia o que estava acontecendo. Só agora, relutantemente, ofereço ajuda pelo bem da nossa classe. Sinceramente, ainda acho que teria sido melhor abandoná-lo.

— Mesmo tendo ajudado Sudou durante as provas?

— Isso foi diferente. Mesmo se conseguíssemos provar milagrosamente a inocência dele, você acha que ele vai amadurecer? Salvá-lo poderia ter o efeito oposto.

O olhar desafiador dela parecia dizer: "Entende meu ponto?"

— Então você está desistindo de provar a inocência do Sudou e deixando-o enfrentar a punição pelo próprio bem?

Horikita mostrou uma expressão levemente aborrecida, mas parecia que uma realização a atingiu.

— Conhecendo a personalidade falha do Sudou, você percebeu desde o início como seria difícil provar sua inocência, não é? Dessa forma, é mais fácil pensar que ele ficaria melhor aceitando a punição. Especialmente para aqueles que o odeiam.

Horikita parecia querer acrescentar: "Você pensou a mesma coisa, não foi?" Senti-me encurralado, incapaz de fugir. Se tentasse negar com força, ela apenas cavaria mais fundo.

— Bem, não seria óbvio para qualquer um que refletisse por um momento?

— Provavelmente. Kushida-san, Ike-kun e os outros não perceberam nada, ao que parece. Eles simplesmente acreditam no Sudou-kun e querem salvá-lo da mentira pelo bem dele e da nossa classe. Não compreendem a urgência da situação.

Suas observações sobre os colegas, aqueles que já compartilharam alegria e tristeza juntos, pareciam completamente implacáveis.

— Kushida parece entender pelo menos um pouco, e apesar disso está tentando salvar o Sudou — disse eu.

— Um pouco? Então ela percebeu sozinha, não foi?

— Hã? Bem, não, ela…

— Você contou a ela, não foi?

Ela me encurralou com suas palavras. Era como ser interrogado. Um pouco assustador.

— Você teve a ideia de pegar provas antigas e comprar pontos de exame. Não estou surpresa. Você realmente parece astuto às vezes, mas… estou insatisfeita.

Quem quer viver honestamente algum dia, às vezes precisa ser astuto também.

— Não continue me superestimando — respondi.

Embora não fosse minha intenção, Horikita riu. Mas o sorriso desapareceu imediatamente.

— Honestamente, há tantas coisas sobre você que não entendo. Você é um mistério. A pessoa mais difícil de prever da nossa classe. Versátil, mas muitas vezes desperdiça seu tempo. Nunca parece ficar parado. É como se não pudesse ser categorizado.

— Todas essas são maneiras realmente questionáveis de descrever alguém. Não são coisas que você diria como elogio…

Havia formas mais gentis de dizer tudo isso. Horikita me olhava com desconfiança.

— Acho que deveria dizer que você apenas se mistura e esconde seus verdadeiros talentos. Está se escondendo à vista de todos. Você me enoja mais do que qualquer outra pessoa.

Entendi. Perguntei-me se ser chamado assim era normal. Parecia que eu havia caído na armadilha de Horikita. Uma pequena falha da minha parte.

— Vamos, dizer que você me enoja mais do que qualquer outra pessoa é demais. Koenji também tem seus mistérios.

Esse era, sem dúvida, meu trunfo. Se eu enojasse Horikita mais do que ele, isso realmente me atingiria.

— Ele é surpreendentemente fácil de entender. Estuda bem, é atlético e tem notas excelentes. O problema é a personalidade. No fim, posso categorizar e resumir seus problemas comportamentais em poucas palavras: ele é egocêntrico.

Honestamente, essa explicação foi fácil de entender. Koenji era simples, afinal.

— Você provavelmente seria uma boa professora — disse eu.

A esse ritmo, quando chegasse à idade adulta, ela provavelmente se tornaria uma professora como a Chabashira-sensei.

*

 

Havia quatro prédios de dormitórios no campus. Três eram para os alunos, que ficavam nos diversos dormitórios aos quais eram designados do primeiro ao terceiro ano. Ou seja, nosso prédio de dormitório deste ano era o mesmo em que os alunos do terceiro ano do ano passado haviam vivido. O quarto prédio abrigava os instrutores e funcionários da escola.

Ou seja, como todos os alunos do primeiro ano moravam no mesmo prédio, inevitavelmente acabaríamos encontrando estudantes de outras turmas. Alguém entrou no meu campo de visão. Nossos olhos se encontraram naturalmente.

— Muito obrigada. Foi um prazer.

A garota disse essas palavras de gratidão ao gerente do dormitório e então me chamou.

— Ei, Ayanokoji-kun! Bom dia. Você chegou cedo.

Ela tinha cabelos longos e ondulados e olhos grandes. O segundo botão do blazer se esticava sobre seu peito volumoso. Sua postura ereta combinava com sua personalidade digna. Eu me sentia mais atraído pelo seu temperamento calmo do que pela sua aparência fofa. Ichinose Honami, a aluna do primeiro ano da Classe B, havia me encontrado novamente.

— Acordei um pouco mais cedo hoje. Sobre o que você estava conversando com o gerente? — perguntei.

— Algumas pessoas da minha classe queriam fazer pedidos sobre os dormitórios. Eu juntei os pensamentos de todos e falei com o gerente. Coisas como uso de água, barulho e tal.

— Você fez tudo isso, Ichinose?

Normalmente, cada um resolvia os problemas de seu próprio quarto. Eu me perguntava por que Ichinose tinha se dado ao trabalho de coletar as reclamações de todos.

— Bom dia, representante da classe Ichinose! — duas garotas que saíam do elevador chamaram Ichinose. Ela respondeu com um aceno.

— Representante da classe? Por que representante da classe? — perguntei.

Eu nunca tinha ouvido falar de um cargo de "representante da classe" antes. Talvez a chamassem assim porque parecia estudar demais.

— Sou a representante da minha classe. Pelo menos, é assim que parece.

— Representante da sua classe? Todas as turmas, exceto a D, têm alguém assim também?

Era a primeira vez que eu ouvia falar disso. Normalmente, eu teria me surpreendido, mas considerando quem era nossa professora responsável, ela provavelmente decidiu deixar essa parte de lado.

— Não, isso é algo que a Classe B estabeleceu por conta própria. Acho bom ter funções atribuídas, certo?

Eu entendi o ponto dela, mas certamente não iríamos criar um representante para nossa própria classe.

— Existem outros cargos além do representante da classe?

— Sim. Se eles têm uma função real é outra questão, mas temos outros papéis formalmente. Coisas como vice-representante e secretário. Podem ser mais úteis durante a feira cultural ou o festival esportivo. Poderíamos decidir na hora, mas isso poderia causar problemas.

Lembrei de ter visto Ichinose na biblioteca antes, estudando com um pequeno grupo de meninos e meninas. Mesmo naquela época, ela provavelmente já cumpria suas funções de representante da classe. A maioria das pessoas não gostaria de ser representante: teriam de lidar com tarefas irritantes e participar de discussões presenciais sobre assuntos da escola. No entanto, com Ichinose tomando a iniciativa na Classe B, provavelmente não jogava responsabilidades nos outros. Aposto que ela conduzia suas funções com eficiência.

— Parece que você assumiu a liderança. Da Classe B, quero dizer.

Sem querer, parecia que eu tinha expressado meus sentimentos honestamente.

— Você acha estranho? É tudo puramente informal. Além disso, há muitos problemas para lidar. Temos de cuidar de muita coisa.

Ao dizer "temos de cuidar de muita coisa", Ichinose riu. Os dois começamos a caminhar juntos para a escola.

— Você normalmente não se atrasa um pouco? Isso me lembra que nunca te vi por aqui nesse horário.

A pergunta de Ichinose soou inofensiva, como se seguisse algum tipo de padrão. Depois dessas palavras, senti-me um pouco aliviado e satisfeito. Parecia que eu poderia ter conversas normais, de construção de relacionamento, afinal.

— Não preciso sair tão cedo. Normalmente fico uns 20 minutos no meu quarto.

— Então você chega justamente na hora certa, né.

À medida que Ichinose e eu nos aproximávamos da escola, o número de estudantes ao redor aumentava. Estranhamente, algumas das garotas se viravam uma após a outra e nos olhavam com inveja. Seria essa a famosa fase de popularidade que me disseram que ocorreria três vezes na vida? Ainda não a havia experimentado; parecia que estava na hora de entrar na minha primeira fase.

— Bom dia, Ichinose!

— Bom dia, Ichinose-san!

Ichinose, que caminhava ao meu lado, monopolizava toda a atenção das garotas.

— Você é realmente popular — disse eu.

— Eu apenas me destaco por ser a representante da classe. Só isso.

Não parecia que ela estava tentando agir com modéstia. Aparentemente, era isso que ela realmente pensava. Havia nela uma força carismática que atraía a atenção de todos.

— Ah, isso me lembra. Você ouviu sobre as férias de verão, Ayanokoji-kun?

— Férias de verão? Não. Quer dizer, não são apenas férias de verão?

— Ouvi rumores de que poderíamos fazer uma viagem para uma ilha tropical.

Isso despertou uma lembrança. Eu havia esquecido, mas Chabashira-sensei havia mencionado uma viagem.

— Não posso acreditar, mesmo. Será que realmente poderíamos fazer uma viagem?

Provavelmente não seria uma excursão escolar comum. Quero dizer, basta olhar ao redor. Não seria exagero dizer que esta escola era sofisticada. Ir a uma ilha tropical no verão e visitar uma fonte termal no inverno…

Tudo parecia incrivelmente suspeito. Eu realmente não achava que nossa escola poderia ser tão perfeita. Eles tinham que estar escondendo algo de nós. Fiquei me perguntando o que Ichinose pensava. Mas, ao ver seu sorriso amargo, percebi que ela também tinha dúvidas.

— É suspeito, afinal. Acho que isso vai ser um ponto de virada.

— Ou seja, você acha que nossos pontos de classe podem oscilar bastante durante as férias de verão?

— Sim, sim. Acho que pode haver uma tarefa oculta, algo que tenha um impacto maior sobre nós do que as provas intermediárias ou finais. Caso contrário, a diferença entre a Classe A e nós não diminuiria tanto. Conseguiríamos reduzir a diferença aos poucos.

Isso era certamente verdade. Um grande evento, capaz de abalar tudo, poderia muito bem ocorrer em breve…

— Qual é a diferença entre vocês e a A? — perguntei.

— Temos cerca de 600 pontos, então nossas classes estão em torno de 350 pontos de diferença.

Era natural que os pontos deles caíssem desde o início do ano, mas era impressionante quantos pontos eles conseguiram manter.

— Até agora, apenas as provas intermediárias nos deram chance de aumentar os pontos da classe, então perder pelo menos alguns pontos era inevitável para nós. Quero dizer, até a Classe A perdeu pontos.

No entanto, como resultado da prova intermediária, conseguimos recuperar alguns pontos.

— Você não parece estar em pânico.

— Estou preocupada, mas acho que há uma chance de nos recuperarmos. Pretendo concentrar toda a minha energia emocional em fazer esses preparativos.

Achei que a primeira parte do que ela disse estava definitivamente correta. No entanto, a coesão deles como classe tornava essas coisas possíveis. A Classe D conseguiu apenas 87 pontos neste mês. Não estávamos nem perto de competir com os outros.

— Fico imaginando quanto esse evento vai mudar as coisas.

Provavelmente valeria mais do que 10 ou 20 pontos. No entanto, era difícil imaginar que mudaria em 500 ou até 1.000 pontos.

— Estamos em uma situação difícil também. Se a diferença aumentar ainda mais, não conseguiremos alcançar.

— Acho que teremos de dar o nosso melhor, então.

Na verdade, quem precisava se esforçar especialmente eram Horikita, Hirata e Kushida.

— De qualquer forma, não parece que isso vai piorar.

Eu não queria reclamar, mas sentia que algo irritante estava por vir.

— Mas se realmente fôssemos passar férias em uma ilha tropical, isso seria incrível!

— Hm… — disse eu.

— Hã? Essa ideia não te deixa feliz?

Apenas pessoas com amizades significativas podem aproveitar férias ao máximo. Não há nada tão desconfortável quanto viajar sem amigos próximos, especialmente em grupo. Só de imaginar isso, senti vontade de vomitar.

— Você odeia viajar? — perguntou Ichinose.

— Não odeio. Acho que não…

Enquanto conversávamos, tentei imaginar como seria. Nunca viajei com um amigo antes. Fui a Nova York com meus pais há muito, muito tempo. Nem um único instante foi divertido. Só de lembrar daquele tempo amargo, já me sentia exausto.

— O que foi?

— Só lembrei de algo um pouco traumático.

Minha risada seca ecoou pelo corredor quente. Não, isso não era bom. Se deixasse minha aura negativa se espalhar, Ichinose ficaria preocupada. No entanto, parecia que minhas ansiedades eram infundadas. Ichinose continuou falando, aparentemente despreocupada com minhas palavras.

— Ei, ainda tenho algumas coisas na minha mente. Posso te fazer algumas perguntas?

Ichinose tinha uma presença radiante, embora diferente da de Kushida. Eu diria que ela agia sem segundas intenções. Mesmo ao conversar com alguém como eu, ela se mostrava sincera.

— Desde o início fomos divididos em quatro classes, certo? Você realmente acha que nos separaram por habilidade?

— Entendo que não foi totalmente baseado nos resultados dos exames. Há pessoas em nossa classe que, com base nas notas, deveriam ter ficado entre os melhores.

Horikita, Koenji e Yukimura eram, sem dúvida, três pessoas que mereciam estar no topo apenas pelo desempenho acadêmico.

— Então, você acha que é algo como habilidade geral?

Dei uma resposta vaga. Eu já havia pensado nisso muitas vezes, mas não conseguia encontrar uma explicação completa.

— Estou pensando nisso desde que começamos aqui. Alguém pode ser bom nos estudos, mas ruim em atividades físicas. Outro pode ser bom em esportes, mas ruim nos estudos. Mas se os alunos são classificados pela habilidade geral, isso não significa que as classes inferiores estão em desvantagem esmagadora?

— Mas não é assim que funciona a competição na sociedade? Não acho que haja nada de particularmente estranho nisso — disse eu.

Ichinose cruzou os braços e murmurou consigo mesma, como se não estivesse convencida.

— Se estivéssemos competindo como indivíduos, sim. Mas isso é uma competição entre classes, certo? Se você simplesmente colocar todos os alunos superiores na Classe A, não significa que o resto de nós praticamente não terá chance de vencer?

Isso explicava bem o estado atual e miserável dos pontos da nossa classe. No entanto, Ichinose parecia pensar de forma diferente.

— Há definitivamente uma grande diferença entre as classes A e D agora. No entanto, acho que eles estão tentando esconder algo, mas de um jeito estranho. Não acha?

— Certo, preciso perguntar. Qual é a sua justificativa?

— Ha, sem motivo real. Foi só algo que passou pela minha cabeça. Se não fosse verdade, então seria justo dizer que toda a situação é cruel. Acho que bons alunos e bons atletas foram colocados na Classe D por uma razão, como uma medida de contrapeso.

Isso não seria diferente do sistema usual? Se as classes fossem divididas apenas pela habilidade acadêmica, não haveria como vencer os outros. Nesse sistema, era importante ser especialista em várias áreas diferentes.

— Não seria mais prudente não falar sobre isso com alguém de outra classe? — perguntei a Ichinose, sentindo um leve receio.

— Hm? Sobre o quê?

— Sobre o que você acabou de dizer. Horikita já mencionou isso, mas você está ajudando o inimigo.

Afinal, era possível que ela me desse uma pista valiosa, e eu poderia fazer algo com isso.

— Não acho que seja um problema. Há muito a ganhar com a troca de ideias. Além disso, já que estamos cooperando agora, não deve haver nenhum problema.

Ela não se acomodava por estar na Classe B. Essa era apenas a personalidade natural de Ichinose. Eu podia compreender sua disposição e seu modo de pensar. De qualquer forma, ela era uma boa pessoa, sem segredos.

— Não sou inteligente o suficiente para trocar ideias. Tudo o que posso dizer é: "Desculpe".

— Não me importo de ser eu quem fala e pensa. Se você acha que é uma informação útil, então pode usá-la.

Ichinose parou, quase como se tivesse acabado de se lembrar de algo. Tentei ler seu rosto e notei que ela tinha uma expressão séria.

— Ei… há algo que eu quero te perguntar, Ayanokoji-kun. Pode ser?

Era como se a Ichinose alegre e animada de um momento atrás tivesse desaparecido. Meu corpo ficou um pouco tenso.

— Se for algo que eu possa responder, responderei.

Além disso, que pergunta eu não poderia responder com meu cérebro incrivelmente impressionante, cheio do conhecimento de centenas de milhões de livros? (Uma enorme mentira, é claro.)

— Alguma garota já declarou seus sentimentos por você?

Isso… não estava em nenhum dos centenas de milhões de livros que eu tinha lido.

— Sério? Eu pareço alguém com quem uma garota já tenha se declarado?

Ela ia me chamar de nojento, virgem ou idiota? Eu ia chorar? Afinal, ainda sou um calouro do ensino médio, sabia? Era cedo demais para isso. Certo? Ei. Você também acha, né? Além disso, eu tinha certeza de que, proporcionalmente, o número de pessoas que haviam recebido uma confissão era baixo em comparação com as que não tinham. Uma teoria sem base, porém. Quem sabia o número real de pessoas que morreram solitárias, escondidas nas sombras da prosperidade humana?

— Ah, não, desculpe. Não é nada.

Não parecia ser nada. Contudo, parecia que ela não tinha a intenção de zombar de mim. Na verdade, ela estava realmente preocupada com algo.

— Alguém se declarou para você? — perguntei.

— Hã? Ah, sim. Mais ou menos.

Parecia que muitos alunos se esforçavam todos os dias para formar casais, como Hirata e Karuizawa.

— Bem, se você não se importa, pode me dar um tempinho depois da aula? Tenho algumas perguntas sobre declarações de amor. Sei muito bem o quanto você está ocupado com o incidente agora, mas…

— Claro, tudo bem. Na verdade, não tenho muito o que fazer.

— Não tem muito o que fazer?

— Não vejo muito sentido em procurar evidências ou outra testemunha. Fazer isso seria perda de tempo e dor de cabeça.

— Mas você foi ao local do incidente outro dia para investigar, não foi?

— Isso foi por outro motivo. De qualquer forma, tudo bem.

— Obrigada.

Eu me perguntei o que toda essa história de confissão tinha a ver comigo. Será que ela inventou uma mentira tipo "Ayanokoji é meu namorado" para enganar os outros? Pensei nisso por um momento, mas depois achei que seria mais esperto dela usar um garoto bonito e confiável.

— Estarei esperando na entrada da escola depois da aula.

— C-Certo. Entendi.

Mesmo sabendo que absolutamente nada ia acontecer, fiquei bastante animado. Isso é que é ser homem.

*

 

Os alunos transbordavam pelas portas da escola enquanto voltavam para casa. Eu estava um pouco preocupado em encontrar Ichinose, mas minha ansiedade desapareceu rapidamente. Ela se destacava mesmo naquele mar de estudantes. Embora sua beleza pudesse ser uma das razões, ela também tinha aquele tipo de presença que dominava o ambiente onde quer que estivesse.

Para ser honesto, eu realmente não sabia como descrever isso. Só podia chamar de um poder gentil e intoxicante. Um poder amplificado pelo fato de tantos alunos do primeiro ano a reconhecerem. Era parecido com o de Kushida, mas ainda mais forte. Ichinose era popular tanto entre os meninos quanto entre as meninas. Todos a cumprimentavam, um após o outro. Por causa disso, perdi cerca de cinco minutos só tentando encontrar o momento certo para chamá-la.

— Ah! Ayanokoji-kun! Aqui, aqui! — chamou Ichinose, quando finalmente me notou.

Fingindo que havia acabado de chegar, levantei a mão de forma casual.

— Então… o que eu devo fazer agora? — perguntei.

— Quero resolver isso o mais rápido possível. Me siga.

Calcei meus sapatos e segui Ichinose até o outro lado do prédio. Paramos em um local logo atrás do ginásio. Parecia mesmo o tipo de lugar onde alguém faria uma confissão amorosa.

— Muito bem… — disse ela, respirando fundo e se virando para mim.

Não podia ser… Será que Ichinose planejava se declarar pra mim?!

— Eu acho… — começou ela.

Não, impossível. Não podia ser isso…

— Acho que alguém vai se declarar pra mim aqui — completou.

— Hã? — soltei, sem entender.

Ichinose então tirou uma carta e me mostrou. Era uma carta de amor fofa, enfeitada com um adesivo de coração. Embora ela parecesse querer que eu lesse, senti que seria grosseiro olhar. A caligrafia era bonita, combinando com o exterior da carta — delicada, definitivamente não parecia ser de um garoto.

Notei algo que me chamou a atenção: o horário e o local do encontro estavam escritos na carta. Estava marcado para sexta-feira, às quatro da tarde, atrás do ginásio. Ou seja, daqui a uns dez minutos.

— Não seria melhor se eu não estivesse aqui? — perguntei.

— O amor é meio alienígena para mim. Não sei como responder sem magoar os sentimentos dela. Também não sei se conseguiríamos continuar amigas depois disso. Quero que você me ajude.

— Não acho que eu seja a pessoa certa para isso. Não tenho nenhuma experiência com confissões românticas. Provavelmente há outras pessoas na Classe B que poderiam te ajudar.

— A pessoa que vai se declarar pra mim… é da Classe B.

Ah, então era isso. Agora eu entendia por que ela tinha me chamado.

— Gostaria que você mantivesse isso em segredo. Caso contrário, as coisas poderiam ficar desagradáveis. Conhecendo você, Ayanokoji-kun, duvido que vá sair contando por aí.

— Mas, Ichinose, você não está acostumada a receber confissões?

— Hã?! S-Sem chance! Nada disso! Nunca passei por isso antes!

Se ela não tivesse dito aquilo, eu jamais acreditaria.

— Eu realmente não entendo por que isso está acontecendo — confessou ela.

Eu não achava essa confissão surpreendente — Ichinose era muito bonita, afinal. Além disso, pelo modo como interagia com os outros alunos, tinha uma personalidade incrível.

— Então… você poderia fingir ser meu namorado? — pediu ela.

Uou! Será que essa situação tinha realmente descido a esse clichê?

— Fiz uma pequena pesquisa e descobri que a pessoa rejeitada sofre menos se o objeto da afeição já estiver em um relacionamento…

— Entendo que você não quer magoar ninguém, mas não seria pior se descobrissem que foi uma mentira?

— Eu poderia dizer que você e eu terminamos, ou que você me deixou, algo assim.

Não achei que essa fosse exatamente a solução…

— Honestamente, acho que seria muito melhor se você conversasse com essa pessoa cara a cara. De verdade.

— Mas—Ah! — exclamou Ichinose, interrompendo-se de repente e levantando a mão de forma um tanto desajeitada.

Aparentemente, a pessoa em questão havia chegado mais cedo do que o esperado.

Que tipo de cara visual kei seria esse?

(N/SLAG: Visual kei é um estilo japonês de música e moda marcado por visuais chamativos, maquiagem intensa e aparência andrógina, comum entre bandas de rock.)

A nova chegada tinha um rosto delicado e andrógino — e, além disso, usava uma saia.

Não, não. Primeiras impressões à parte, era uma garota. Eu já suspeitava disso desde que vi a caligrafia na carta. Diferente de uma confissão de um garoto para outro, essa provavelmente seria mais tranquila. Talvez eu pensasse assim justamente por ser homem.

— Hã, Ichinose-san… Quem é esse garoto? — perguntou a recém-chegada, parecendo um pouco desconfortável com a presença inesperada de um aluno ali.

— Este é o Ayanokoji-kun, da Classe D. Desculpe por trazer alguém que você não conhece, Chihiro-chan.

— Ele é, por acaso… seu namorado, Ichinose-san?

— Ah… bem… — Ichinose provavelmente pretendia dizer que sim, que eu era. Mas o peso da mentira pareceu travar sua resposta — as palavras ficaram presas na garganta.

— Então… por que esse tal de Ayanokoji-kun está aqui? — perguntou Chihiro, olhando desconfiada para mim.

Confusa com essa situação inesperada, Chihiro começou a chorar. Lágrimas se formaram em seus olhos.

Ele é o namorado dela? Por que ele estaria aqui se não fosse?

Chihiro provavelmente tentava entender o que estava acontecendo. Ichinose, vendo as lágrimas de Chihiro, ficou aflita. Sem saber o que fazer, começou a entrar em pânico. Eu esperava que Ichinose fosse uma pessoa firme e confiável, mas aparentemente ela tinha um ponto fraco inesperado.

— H-Hum… você poderia ir para outro lugar, por favor? Tenho algo importante para falar com Ichinose-san — disse Chihiro.

— P-Por favor, espere um minuto, Chihiro-san. Isso é… bem, pra falar a verdade, Ayanokoji-kun é… — Ichinose tentava tomar a iniciativa e recusar a confissão. Provavelmente pensou que seria mais difícil se Chihiro dissesse diretamente "Gosto de você".

— O que foi? — perguntou Chihiro.

— Então, Ayanokoji-kun, ele é… Bem, ele é meu—

Não havia muito o que eu pudesse fazer nessa situação. Bem, nada exceto…

— Sou apenas um amigo.

Interrompi Ichinose antes que ela pudesse terminar.

— Ichinose. Não achei que isso fosse algo que eu devesse dizer, considerando que ninguém nunca se declarou para mim antes. Mas acho que foi um erro você me chamar aqui.

Falei honestamente, pelo bem das duas.

— É verdade que se declarar não é fácil. Você passa todos os dias em completa angústia, criando a cena na sua cabeça repetidas vezes. E ainda assim, não consegue se declarar. Mesmo quando acha que chegou a hora, não consegue dizer as palavras "Gosto de você". Elas ficam presas na garganta. É o que eu penso. Não acha que deveríamos responder a alguém quando ela deseja desesperadamente expressar seus sentimentos? Se você deixar a situação confusa, as duas podem se arrepender depois.

— Uh…

Ichinose provavelmente nunca tinha se apaixonado seriamente por alguém antes. Portanto, não sabia realmente o que fazer, ou se estava fazendo algo errado. Tentar evitar a dor de alguém era inútil. Se você rejeitasse a pessoa, os sentimentos dela seriam inevitavelmente feridos.

Bem, se conseguisse inventar uma desculpa adequada, provavelmente poderia tornar as coisas um pouco mais fáceis. Uma desculpa como "Quero me concentrar nos estudos" ou "Gosto de outra pessoa". Ou, como Ichinose tentou aqui: "Já estou namorando alguém". Mas, qualquer que fosse a resposta, a outra pessoa definitivamente se sentiria magoada.

Ainda mais ferida se a desculpa fosse baseada em uma mentira.

Saí sem esperar pela resposta de Ichinose. Voltei, mas não fui direto para o dormitório. Parei na alameda arborizada, encostei no corrimão e suspirei olhando para as folhas verdes.

Cerca de cinco minutos depois, uma garota passou correndo por mim. Havia lágrimas em seus olhos. Apesar daquela cena chocante, fiquei ali mais um pouco para passar o tempo. Por volta do entardecer, Ichinose voltou do ginásio e se aproximou de mim.

— Ah… — Ao me ver, ela ficou um pouco constrangida e baixou a cabeça. Mas logo ergueu o olhar novamente.

— Eu estava errada. Não respeitei os sentimentos da Chihiro-chan. Só queria evitar magoá-la e fugir. Esse foi meu erro. O amor é realmente difícil, né? — murmurou Ichinose, encostando-se no corrimão ao meu lado. — Perguntei a ela se poderíamos continuar como antes, mas… não sei se conseguiremos voltar ao que era.

— Isso depende de vocês duas.

— É… Obrigada por hoje. Por me acompanhar nesse pedido tão estranho.

— Tudo bem. Dias assim acontecem, de qualquer forma.

— Acho que nossos papéis se inverteram, né? Eu planejava te ajudar, mas acabou que você me ajudou.

— Desculpe por ter agido tão convencido lá atrás — falei.

Ichinose piscou algumas vezes, como se eu tivesse dito algo estranho.

— Não precisa se desculpar, Ayanokoji-kun. Nada disso. — Ela esticou os braços para o céu e saltou do corrimão. — Agora é a minha vez de te ajudar. Se houver algo que eu possa fazer, farei.

Eu me perguntei como Ichinose Honami, da Classe B, planejava resolver essa situação complicada. Tive que admitir: estava ansioso para ver como isso aconteceria.

*

 

Naquela noite, recebi uma ligação enquanto fazia compras online. Meu telefone estava carregando na tomada ao lado da cama quando, de repente, a tela se acendeu. No identificador de chamadas estava o nome: Kushida Kikyou. Fiz uma segunda olhada para ter certeza do que estava vendo. Sabendo que não teria coragem de ligar de volta, rolei minha cadeira pelo quarto, peguei o telefone do suporte e me joguei na cama.

— Desculpe ligar tão tarde. Você ainda está acordado? — ela perguntou.

— Hm? Ah… Eu estava pensando em ir dormir daqui a pouco. Você precisava de algo?

— A câmera digital da Sakura-san quebrou, certo? Acho que sou parcialmente culpada, já que a deixei tão nervosa. Então quero assumir a responsabilidade por isso…

— Acho que você não precisa se sentir responsável, Kushida. Nem um pouco. Além disso, ela vai consertá-la, certo? Já que é tão importante para ela, não conseguiria consertar de qualquer jeito?

Enquanto falava, percebi que provavelmente não era tão simples assim. Sakura era extremamente inepta em interações sociais e provavelmente não tinha confiança para ir a uma loja sozinha. Era provavelmente parecido com a sensação de comer sozinho em um restaurante.

— Então, você se ofereceu para ajudá-la, Kushida? — perguntei.

Ela provavelmente havia tomado a iniciativa de criar algum tipo de conexão com Sakura.

— Sim. No começo ela parecia hesitante, mas depois disse que estaria bem na manhã do dia seguinte. Acho que a câmera digital da Sakura é realmente importante para ela.

Kushida havia dado o primeiro passo de forma correta para ganhar a confiança de Sakura.

— Mas por que está me contando isso? Não seria mais fácil se fossem só vocês duas?

— Se fosse apenas para consertar, talvez. Mas tem outra coisa. Eu gostaria da sua ajuda com isso, Ayanokoji-kun.

— Você quer que eu pergunte se ela sabe de algo sobre o incidente do Sudou?

— Horikita-san parece convencida de que a Sakura viu tudo. Depois de me aproximar um pouco dela, também acho que ela sabe de alguma coisa. Mas deve haver algum motivo pelo qual ela está se mantendo em silêncio, já que continua negando que testemunhou.

Levar a Horikita seria provavelmente a melhor opção, mas era ilusão achar que Horikita e Kushida passariam o dia de folga juntas. Kushida provavelmente me escolheu por eliminação, já que eu era o candidato menos problemático. Se tivesse convidado Ike ou Yamauchi, eles só teriam olhos para Kushida.

Além disso, era conveniente. Eu queria visitar a loja de eletrônicos há algum tempo. Sentei-me e encostei na parede. Por algum motivo, parecia meio rude fazer planos deitado.

— Certo, entendi. Vamos.

Minha voz saiu com um pouco de empolgação demais. Felizmente, Kushida não percebeu nada estranho e não me pressionou sobre isso. Conversamos sobre isso e aquilo por um tempo. Não fiquei nervoso; a conversa era casual, então não havia motivo para preocupação. Era prova de que ela podia invadir meu espaço pessoal sem causar desconforto. Em minha mente, a reconheci firmemente como minha amiga.

— Isso me lembra… Foi realmente assustador quando Koenji-kun e Sudou-kun pareciam prestes a começar a briga.

— É… Foi uma situação crítica. Parecia que os punhos deles iam falar por eles.

Koenji sempre parecia relaxado, mas se Sudou começasse a dar golpes, ele reagiria. Se isso acontecesse, seria um desastre.

— Eu nem consegui me mover. Mas o Hirata-kun foi incrível. Ele é definitivamente admirável.

— É.

Ouvir ela elogiar Hirata daquele jeito me deixou um pouco com ciúmes. Lembrei a mim mesmo que era natural admirar alguém que tivesse coragem de agir em uma situação assim.

— A Classe D conseguiu se unir graças a você e ao Hirata. O fato de meninos e meninas estarem separados também ajuda bastante.

Às vezes, só uma garota podia resolver problemas de outra garota.

— Eu só fiz o que normalmente faço. Não foi nada de especial.

— Acho que o Hirata diria exatamente a mesma coisa.

Pessoas especiais, muitas vezes, não se consideram especiais.

— Falando em especial… você não acha que Horikita-san é muito mais especial que alguém como eu? Ela é ótima nos estudos e excelente nos esportes. Fico me perguntando por que ela está na Classe D.

Horikita não era especial. Ela pertencia a uma categoria única de pessoas. Mantive silêncio, com medo de que, se falasse mal dela, Kushida descobrisse.

— Não foi atribuída à Classe D em parte porque não é muito sociável?

— Mas ela não se comporta normalmente com você, Ayanokoji-kun?

— Você acha isso normal?

Pelo que conhecia da Horikita, eu descreveria a forma como ela tratava os outros como miserável… Tremi um pouco ao lembrar Ike desmaiando de agonia.

— Quando penso na minha relação com a Horikita, é como se houvesse um muro entre nós. Ou talvez eu deva dizer que é só isso que define nossa relação, se você entende o que quero dizer.

— Hm?

Ela soava divertida, mas um pouco duvidosa. Eu não gostava de ser mal interpretado por Kushida.

— Ah, lembrei. Queria te perguntar uma coisa. Seu quarto fica no nono andar, certo, Kushida?

— Huh? Ah, sim. Por quê? Que tem?

— Ah, nada. Só curiosidade.

De repente, Kushida caiu em silêncio. Foi um silêncio inesperado, sem aviso. Nossa conversa, que estava fluindo bem até agora, parou abruptamente. Normalmente, Kushida retomaria a conversa imediatamente, mas agora ela havia parado. Talvez perguntar o andar do quarto tivesse sido inconveniente?

Comecei a me remexer. Incapaz de me acalmar, passei a olhar inutilmente cada canto do meu quarto. Ah, se ao menos eu fosse um garoto bonito com ótimas habilidades de comunicação. Não pude evitar de desejar isso. Estávamos tão silenciosos que podíamos ouvir a respiração um do outro.

— Já está ficando tarde. Devo desligar agora? — perguntei, incapaz de suportar o silêncio.

Era doloroso ficar no telefone com uma garota sem dizer nada.

— Ei—

— Hm?

Kushida quebrou o silêncio, mas logo parou de falar novamente. Sua hesitação era incomum. Longe estava do costumeiro comportamento de Kushida, que sempre tentava animar a conversa.

— S-Se… Bem… Eu… Eu… — Ela parou novamente. Seguiu-se outro período de silêncio. Cinco segundos, depois dez segundos se passaram.

— Não, não é nada.

Isso certamente não parecia "nada"…

No entanto, faltava-me coragem para dizer: "Ei, o que foi? Fala logo!" para ela, então deixei para lá. Desculpe, Kushida. Se eu estivesse no campo de batalha, eu seria o sniper, o covarde que ficaria bem longe da luta. Perdoe-me.

— Bem, te vejo depois de amanhã, Ayanokoji-kun.

Com isso, Kushida encerrou a ligação. Fiquei me perguntando o que ela estava tentando dizer. Parecia que aquela seria uma noite ruim, sem dormir.

*

 

No domingo à tarde, fui ao shopping encontrar Kushida e cumprir minha promessa. Para alguém que geralmente passava os sábados à toa no quarto, aquele lugar me deixava nervoso. Uma pessoa estava sentada em um banco à frente. Perguntei-me se ela estaria esperando por alguém, como eu. Afinal, a maioria dos alunos apenas circulava livremente nos dias de folga. Enquanto refletia sobre isso, sentei-me no outro banco disponível.

Eu pensei que iríamos juntos, já que morávamos no mesmo dormitório, mas Kushida era um pouco meticulosa com essas coisas. Decidi que seria melhor nos encontrarmos no local combinado.

— Bom dia! — No meio da agitação ao redor, Kushida se aproximou com um largo sorriso no rosto.

— Oh, oi. Bom dia.

Meu coração começou a disparar. Tropecei nas palavras e consegui apenas acenar de forma desajeitada.

— Desculpe. Você esperou muito?

— Ah, não, acabei de chegar.

Nossa troca de palavras parecia o roteiro de um encontro. Involuntariamente, lancei um olhar por todo o corpo de Kushida. Ela era fofa. Realmente fofa. Ver Kushida em roupas casuais pela primeira vez era tão impressionante que eu não conseguia desviar o olhar.

— É a primeira vez que nos encontramos em um dia de folga. É refrescante.

Kushida riu, talvez porque sentisse o mesmo. Que sorriso adorável era aquele? Algo tão fofo parecia contra as regras. Talvez Ike e os outros nunca tivessem visto isso antes. Isso me deixava ainda mais feliz? Tive que conter minha empolgação na frente dela.

Kushida falou, como se tivesse acabado de se lembrar de algo.

— Você não estava realmente ocupado durante seu tempo livre na semana passada? Fico feliz que tenha vindo mesmo assim, Ayanokoji-kun.

Semana passada? Fico feliz que tenha vindo mesmo assim? Do que ela estava falando?

— Estou falando do Ike-kun e dos outros indo àquele café, é claro.

Essa era a primeira vez que ouvia falar disso. Não lembrava de nenhum evento anterior, escondido.

— Por acaso… — Kushida começou.

— Ah. É isso. Agora que você mencionou, eu não… Eu não fiquei sabendo.

Olhei para o céu e lamentei minha própria inutilidade. Não era como se Ike e os outros tivessem feito algo errado por não me convidarem. Eu era o culpado, o único que não fora convidado.

— Eu não quis dizer nada… Desculpe, acho que falei algo errado…

— Não se preocupe com isso. Sério, não me importo. Foi divertido?

— Você parece se importar…

Se eu lidasse mal com isso, ao invés de ser o cara mais feliz ao lado de Kushida, seria o pior momento da minha vida. Mesmo que fosse por apenas um instante, passar tempo sozinho com ela me fazia sentir o cara mais sortudo do mundo. Os alunos que passavam por nós ocasionalmente lançavam olhares para Kushida com suas roupas casuais. No caso de casais, a namorada parecia irritada e puxava o namorado pela bochecha. Mesmo sendo eu quem estava com Kushida, não podia deixar de me sentir hipnotizado pela fofura dela.

Que droga! Pensei. Eu estava realmente elogiando Kushida demais. O que eu disse era completamente verdade, mas também havia um toque de timidez.

— O que foi? — Kushida ficou congelada, o que achei estranho. Cada movimento dela, ou a falta deles, era fofo.

— Acho que temos tido um clima muito bom ultimamente.

Preocupado que estivéssemos entrando em território clichê, tentei mudar a conversa de direção. Precisava me acalmar. Quantas vezes eu já havia usado a palavra "fofa" hoje? Nesse ritmo, provavelmente acabaria dizendo umas 100 ou 200 vezes.

— Ah. Desculpe. Acho que posso parecer um pouco deslocado ao seu lado — murmurei.

Eu podia me mover com facilidade. Parecia simples. Não ficava bonito ao lado de Kushida de jeito nenhum.

— Não, não, isso não é verdade de jeito nenhum. Eu acho que somos ótimos juntos — respondeu ela.

— Então você está dizendo que alguém simples como eu combina com você? Devo aceitar um insulto desses?

— Sim.

Senti como se tivesse levado uma facada rápida. Talvez eu tivesse cavado minha própria cova me expondo assim, mas ainda assim foi um choque.

— Você é tão delicado assim, Ayanokoji-kun? Eu realmente não me importo com o que os outros dizem. Não acho que seja um insulto. Eu realmente acho que combinamos.

Senti que ela estava brincando comigo de algum jeito. Normalmente, eu ficaria irritado, mas como era Kushida falando, parecia injusto. Ela havia me provocado tão casualmente com apenas algumas palavras.

— E quanto à Sakura-san? — perguntei.

— Ainda não a vi.

Era exatamente o horário que tínhamos combinado, mas ainda não havia sinal dela.

— Mas ela estava de acordo com isso? Quero dizer, em me convidar.

— Ela me pediu para te convidar, Ayanokoji-kun. A Sakura-san não entrou em contato com você?

— Sakura? Não. Eu realmente não conversei com ela.

Lembrei-me de ter encontrado Sakura no prédio especial. Esse tinha sido mais ou menos todo o nosso contato.

— Talvez tenha sido amor à primeira vista? — disse, rindo e sorrindo. Um cenário tão dramático seria absolutamente ridículo.

— Agora, que tal sentarmos e esperarmos?

— Claro. Bem… Ei, uh, aquela não é a Sakura-san sentada ao nosso lado?

Sakura, claramente atrapalhada e realmente sentada no banco ao nosso lado, levantou-se e fez uma leve reverência envergonhada. Será que Sakura esteve sentada ali o tempo todo? Incrível que não percebemos sua presença de jeito nenhum. Nenhum sinal de aura ou presença.

— Desculpe, acho que não me destaco muito… Bom dia — disse Sakura.

— Não, não acho que você se misture demais. Eu definitivamente senti sua presença — respondi.

— Ah, não precisa dizer isso por minha causa, Ayanokoji-kun.

Sakura abaixou a cabeça em um gesto de desculpas e depois se endireitou lentamente. Eu queria que ela me perdoasse por não tê-la notado antes. Sakura usava um chapéu e até uma máscara cirúrgica, o que tornava difícil reconhecê-la à primeira vista. Fiquei me perguntando se ela estava resfriada ou algo assim.

— Você está meio... suspeita, sabia?

— Em vez de dizer que parece suspeita, acho que na verdade você acaba chamando mais atenção assim.

— É, acho que sim. Realmente me destaco, especialmente aqui — respondeu Sakura, envergonhada, enquanto removia a máscara.

Ela não parecia estar resfriada. Na verdade, parecia ser do tipo que usava máscara apenas para evitar olhares. Devia realmente odiar se destacar.

— Então, enfim, sobre minha câmera digital. Podemos ir à loja de eletrônicos no shopping? — perguntou Sakura.

— Bem, sim. Viemos aqui exatamente para consertar a câmera.

— Desculpe… por te fazer vir comigo.

Sakura fez uma reverência, pedindo desculpas como se implorasse pelo perdão do fundo do coração. Por algum motivo, senti-me mal por tê-la acompanhado até ali.

*

 

Havia algumas lojas incrivelmente famosas, conhecidas em todo o país, que faziam negócios com nossa escola. Embora seus clientes fossem apenas estudantes e as lojas não fossem muito grandes, elas vendiam itens de uso diário e eletrodomésticos.

— Vamos ver… tenho certeza de que eles têm um balcão de conserto em algum lugar. Vamos conferir.

Enquanto Kushida seguia em direção ao fundo da loja, eu me perguntava quantas vezes ela já havia vindo aqui. Sakura e eu a seguimos de perto.

— Será que vão consertar na hora…? — Sakura parecia bastante ansiosa enquanto tirava a câmera digital da bolsa e a segurava com força.

— Você realmente ama sua câmera, não é? — perguntei.

— Sim. É estranho, não é?

— Não, nada disso. É um bom hobby, não é? Tenho a sensação de que essa câmera tem uma história importante ligada a ela. Seria ótimo se consertassem logo.

— Sim.

— Aqui está! O balcão de consertos.

A loja estava cheia, com uma enorme quantidade de produtos e difícil de se locomover, mas ao fundo ficava o local onde realizavam os consertos.

— Ah… — Por algum motivo, Sakura parou de repente. Quando olhei para ela, percebi que tinha uma expressão de medo e repulsa evidentes. Parecia que algo a havia incomodado bastante. No entanto, quando segui a linha de visão de Sakura, não vi nada fora do normal.

— O que houve, Sakura-san? — Kushida perguntou.

Ela também deve ter achado o comportamento de Sakura estranho.

— Ah, hum… Bem… — Embora parecesse que ela ia dizer algo, tudo o que Sakura fez foi balançar a cabeça e respirar fundo. — Não é nada.

Ela colocou um sorriso sincero e caminhou até o balcão de consertos. Kushida e eu trocamos olhares, mas decidimos segui-la. Talvez realmente não fosse nada, como ela disse. Kushida falou com o atendente da loja e pediu para que consertasse a câmera digital. Enquanto isso, extremamente entediado, eu conferia os eletrodomésticos em exibição.

A experiência de Kushida com o mundo era realmente impressionante. Embora fosse a primeira vez que ela encontrava o atendente, logo conversava com ele como se fossem velhos amigos. Sakura, a dona da câmera, só falava quando precisava dar consentimento ou esclarecer algo. Mesmo assim, o atendente parecia animadíssimo.

Ele conversava com Kushida de forma agressiva, sem nem fazer uma pausa para respirar. Embora eu conseguisse ouvir apenas vagamente, parecia que ele estava convidando Kushida para um encontro. Ele perguntou se ela queria ver o show de uma certa ídola, que estava sendo exibido no teatro.

Ele parecia um verdadeiro otaku, julgando pela paixão que demonstrava sobre diversos assuntos, desde eleições de idols até revistas sobre idols. Como Kushida não demonstrava nenhum sinal de desagrado com a conversa, ele provavelmente achava que conseguiria convidá-la com sucesso. Entretanto, eu acreditava que ela faria o possível para desviar do convite.

Ele parecia animado por conversar com uma garota tão fofa, mas a conversa não avançou muito mais. Como eu esperava, Kushida começou a se sentir constrangida. Para concluir os negócios, ela pediu que Sakura entregasse a câmera. Quando o atendente abriu a câmera para conferir o conteúdo, percebeu que parte dela havia sido danificada pela queda. Era por isso que a câmera não ligava corretamente. Felizmente, como Sakura ainda tinha o cartão de garantia, o item poderia ser consertado sem custo.

Finalmente, tudo o que restava era Sakura preencher suas informações de contato, e estávamos terminados. Mas a mão de Sakura parou de repente enquanto preenchia o formulário.

— Sakura-san? — Kushida, achando que algo estranho estava acontecendo, chamou Sakura. Ela parecia hesitar por algum motivo. Eu não pretendia falar nada naquele momento, mas a atitude dela pesava na minha mente. E também—

O atendente da loja, que antes estava absorvido na conversa com Kushida, agora olhava diretamente para Sakura. Tanto Sakura quanto Kushida olhavam para o formulário, então não perceberam. Mas o atendente tinha olhos inquietantes. Até mesmo um homem acharia um pouco assustador.

— Posso ver isso por um instante? — perguntei.

— Hã? — Ao lado de Sakura, alcancei a caneta que ela segurava. Ela não parecia entender o motivo, mas a entregou ansiosa.

— Quando o conserto estiver pronto, entre em contato comigo.

— E-Espere um minuto. Entrar em contato com você? Ela é a dona, não é? Isso seria…

— A garantia do fabricante mostra explicitamente onde o item foi vendido e a data da compra. Além disso, duvido que haja algum problema legal se eu colocar minhas informações. Deve estar tudo certo mesmo que o nome do usuário seja diferente do do comprador.

Antes que o atendente pudesse dizer "Entendi", eu já havia preenchido meu nome e o número do meu quarto do dormitório nos campos necessários.

— Ou será que há algum motivo pelo qual ela precisa colocar suas informações especificamente? — acrescentei, ainda sem olhar para cima.

— N-Não, de jeito nenhum. Entendi. Não há nada com o que se preocupar — disse o atendente.

Pouco depois de eu terminar o formulário, entreguei-o junto com a câmera. Sakura deu um leve tapinha no peito e suspirou, aparentando alívio, mas quando soube que o conserto levaria duas semanas, desanimou. Seus ombros caíram.

— Aquele atendente era mesmo algo… Ele falou com tanta paixão incrível, fiquei chocada — disse Kushida.

— Você não sentiu um pouco de nojo? — perguntou Sakura.

— N-Não, eu não senti nojo dele. Você sabe de alguma coisa? Sobre aquele atendente? — Sakura assentiu timidamente. Suponho que algo estivesse errado mesmo quando ela comprou a câmera. Virando-se para mim, perguntou:

— O que você acha, Ayanokoji-kun?

— Bem, ele tinha um tipo de aura… como se fosse difícil de se aproximar. Especialmente para garotas.

— Era mais ou menos isso que eu queria dizer antes… Eu fiquei com medo de ir sozinha à loja de consertos por causa disso…

Kushida pareceu ter uma epifania. Virou-se para mim com os olhos arregalados.

— Você sabia disso, Ayanokoji-kun?

— Bem, ela é uma garota. Achei que ela poderia se sentir relutante em escrever seu endereço ou número de celular.

Sendo um garoto, eu não me preocuparia se minhas informações fossem expostas.

— O-Obrigada… Ayanokoji-kun. Você realmente… me salvou.

— Nah, eu não fiz nada de especial. Apenas escrevi meu endereço. Quando eles entrarem em contato sobre o conserto, vou te avisar imediatamente, Sakura.

Sakura assentiu, parecendo satisfeita. Se tão pouco era suficiente para agradá-la, isso, na verdade, me fazia sentir pena dela.

— Você realmente cuidou bem da Sakura-san — disse Kushida.

— Bem, você está exagerando. Honestamente, eu só cuidei daquele atendente meio esquisito. Acho que ele passou a impressão de que realmente, realmente amava garotas.

— Haha… Isso é certamente verdade.

Até Kushida pareceu um pouco perplexa. Para alguém como Sakura, que não estava acostumada com atenção masculina, achei que essa era a resposta certa.

— Já que você estava comigo hoje, Kushida-san, completamos nossa tarefa sem que eu precisasse falar nada. Obrigada.

Se Sakura tivesse enfrentado aquele atendente sozinha, provavelmente teria fugido.

— Ah, não precisa me agradecer. Se você aceita minha ajuda, fico feliz em ajudar sempre que puder. Sakura-san, você realmente gosta da sua câmera, não é?

— Sim… Eu gosto de câmeras desde pequena. Meu pai me comprou uma antes de eu entrar no ensino fundamental, e eu simplesmente me apaixonei por ela. Ou acho que se pode dizer que eu apenas amo tirar fotos… Mas não sou muito entendida nessas coisas.

— Acho que ser conhecedor e gostar de algo são coisas separadas. É maravilhoso ser tão apaixonada por algo.

— Sakura, você geralmente tira fotos de paisagens, certo? Você já tirou fotos de pessoas?

— Hã?!

Sakura deu um passo para trás, visivelmente aflita. Será que ela achou aquela pergunta desagradável? Parecia uma pergunta totalmente natural — algo como saber se ela tirava fotos de paisagens ou se tinha outro tipo de especialidade. Sakura fechou a boca e seu corpo ficou tenso.

— I-Isso é segredo.

Bem, parecia que ela não queria entrar em detalhes comigo.

— B-Bem, é só que… é constrangedor — respondeu Sakura, corando. Ela olhou para baixo enquanto falava.

Embora minha imaginação estivesse a mil, eu não podia deixar transparecer no rosto. Eu precisava permanecer neutro.

— Ah, isso me lembrou. Desculpe perguntar, mas já que estamos aqui, posso dar uma olhada na loja?

— Havia algo que você queria?

Não era tanto que eu quisesse algo, mas sim que tinha algo na minha mente.

— Vocês duas podem andar pela loja, se quiserem.

— Acho que vamos dar uma olhada também, né? — disse Kushida.

— C-Certo… Afinal, me sinto mal por vocês dois terem que vir comigo… Mas, de qualquer forma, eu tenho tempo.

Eu realmente não queria que elas estivessem lá, mas aparentemente tinham decidido me acompanhar. Kushida e Sakura. Ao observá-las caminhando lado a lado, percebi que tinham conseguido se aproximar em apenas um dia. Kushida, gostaria que você compartilhasse um pouco de suas habilidades sociais comigo.

Como pareciam entretidas em conversa de meninas, decidi deixá-las sozinhas e fui procurar o que queria. Abri os contatos do meu celular. Quando Ike me envolveu naquela história de apostas, troquei informações de contato com algumas pessoas. Embora ainda tivesse poucos nomes na minha agenda, era evidente que meu número de amigos estava aumentando. Selecionei o nome "Sotomura (Professor)" e liguei para ele.

— Ei, Professor, você tem um minuto? — perguntei.

— Hã? É raro receber uma ligação sua, Ayanokoji. O que você precisa? — respondeu.

O apelido de Sotomura era Professor, o que indiscutivelmente dava a impressão de que ele era bastante inteligente. Na realidade, era apenas um enorme otaku. Reunia informações diariamente, abrangendo uma variedade imensa de assuntos, desde jogos de simulação de namoro até anime e mangá.

— Professor, você comprou seu laptop pelo colégio, com seus pontos?

— Sim, com certeza. Custou 80.000 pontos. Mas e daí?

— Estou procurando algo.

Expliquei resumidamente o que queria. Apesar de haver muitos produtos similares nas prateleiras à minha frente, eu não sabia qual escolher. Provavelmente seria mais rápido perguntar ao atendente, mas por vários motivos não quis fazer isso.

— Ayanokoji. Embora eu seja consideravelmente versado nessa área de eletrônicos…

— Tudo bem se você não souber.

— Espere — disse o Professor, enquanto eu estava prestes a encerrar a ligação. — Eu sei. Na verdade, tenho dois deles na casa dos meus pais.

— Sério? Desde o ensino fundamental? Isso não é ruim?

— Não me entenda mal. Eles eram apenas para experimentação, para os meus estudos de idiomas.

— Bem, poderia me ajudar a configurá-los?

— Heh, deixa comigo. Tenho certeza de que algum dia pedirei um favor em troca.

Claramente, ele era a pessoa certa para isso. Quando lidava com um assunto que eu não entendia, era importante encontrar um especialista.

— Desculpem a demora — disse às garotas.

— Já terminaram?

— Hoje foi apenas uma inspeção preliminar. Não tenho pontos suficientes para comprar nada.

De repente, Kushida parou, olhando para o perfil de Sakura.

— Sakura-san, já nos encontramos antes em algum lugar? — murmurou Kushida.

— Hã? N-Não. Acho que não, mas…

— Desculpe. É que quando eu olho para você, sinto como se já tivéssemos nos encontrado antes, Sakura-san. Ei, pergunta estranha, mas você poderia tentar tirar os óculos?

— Hã?! M-Mas… Minha visão é péssima, eu não conseguiria enxergar nada…

Sakura levantou a mão e fez um gesto, sinalizando a Kushida que não queria.

— Devemos sair de novo, Sakura-san. Não apenas comigo, mas com meus outros amigos também.

— Isso é…

Sakura parecia querer dizer algo, mas não conseguiu completar o pensamento. Ela permaneceu em silêncio. Kushida pareceu perceber que insistir poderia causar problemas, então também se calou. Ou melhor, não perguntou mais nada. No fim, voltamos para onde havíamos começado.

— Humm… Obrigada por tudo hoje. Vocês realmente me ajudaram — disse Sakura.

— Está tudo bem, está tudo bem. Não há necessidade de nos agradecer. Na verdade, Sakura-san, você pode falar conosco normalmente, sabe? Se estiver confortável. Estamos na mesma série. Fica meio estranho quando você fala tão formalmente com a gente.

Era verdade que o jeito de falar de Sakura não era exatamente o esperado para alguém da mesma idade. Mas mudar isso poderia ser mais fácil falar do que fazer; ela estava visivelmente confusa.

— Não queria parecer assim. Eu não percebi… Estou falando estranho?

— Não é algo ruim! Quero dizer, eu ficaria feliz se você não falasse tão formalmente comigo.

— Ah… O-Ok… Eu… Entendi. Vou me esforçar.

Achei que Sakura rejeitaria a ideia, mas ela conseguiu emitir algumas palavras de concordância. Parecia querer aceitar a proposta de Kushida. Talvez fosse assim que as pessoas se tornassem amigas, aos poucos. Mesmo Sakura, que parecia quase nunca ter interagido com outra pessoa, estava se aproximando de Kushida de forma constante.

— Mas está tudo bem. Você não precisa se forçar.

— E-Está bem. Eu… vou.

Sakura manteve os olhos baixos enquanto falava. No meio da frase, começou a gaguejar e suas palavras desapareceram quase completamente. No entanto, não parecia desconfortável. Kushida sorriu satisfeita, mas não tentou pressionar mais Sakura. A distância que mantinham estava exatamente adequada para o momento. Forçar alguém que não era bom em socializar poderia sair pela culatra. Em vez de ficarem gratas, provavelmente se sentiriam desconfortáveis. Em vez de aproximar, ser insistente só afastaria.

— Então, nos vemos na escola, ok?

Com isso, Kushida pareceu achar que a conversa tinha terminado. No entanto, inesperadamente, Sakura não se moveu.

— Bem!

Sakura falou baixinho, mas olhou diretamente para nós. Quando nossos olhares se encontraram, ela imediatamente desviou os olhos.

— Sobre o caso do Sudou-kun… Como forma de agradecer pelo dia de hoje, eu… Bem, isso pode soar um pouco estranho, mas se vocês quiserem… — Ela fez uma pausa, e começou de novo, mais claramente. — E-Eu talvez consiga ajudar com o caso do Sudou-kun.

Com suas próprias palavras, Sakura nos contou que era a testemunha. Kushida e eu trocamos olhares.

— Então, isso quer dizer que você viu o Sudou-kun brigando com aqueles outros alunos? — perguntou Kushida.

— Sim. Eu vi tudo. Mas foi uma coincidência total… Tenho certeza de que vocês não vão acreditar em mim — respondeu Sakura.

— Não, acreditamos sim. Mas por que decidiu nos contar só agora? Quero dizer, fico feliz que tenha contado, mas não precisa se forçar. Não precisa fazer isso só por estar agradecida, sabia? — disse Kushida.

Sakura parecia ter dificuldade para falar. Ela balançou a cabeça levemente. O fato de ela ter esperado até agora para falar mostrava que estava mais preocupada com o caso do Sudou do que com qualquer outra coisa. Eu me perguntei se conseguir estabelecer algum vínculo de amizade a fez querer cooperar.

— Isso é verdade mesmo? Você não está se forçando? — Kushida perguntou. Ela devia estar pensando a mesma coisa que eu.

Sakura assentiu timidamente, como se percebesse que estávamos preocupados com ela.

— Está tudo bem… Acho que, se eu ficasse quieta, acabaria me arrependendo. Eu… não quero causar problemas para meus colegas. Mas, se eu falar como testemunha, então… eu definitivamente me destacaria. Eu odiava a ideia disso… Me desculpem.

Enquanto Sakura nos pedia desculpas repetidamente, cheia de remorso, ela também prometeu a Kushida que testemunharia.

— Obrigada, Sakura-san. Tenho certeza de que o Sudou-kun vai ficar muito feliz.

Kushida segurou a mão de Sakura, e Sakura olhou para o rosto sorridente de Kushida. Eu me perguntei se uma nova amizade tinha nascido ali, naquele instante. De qualquer forma, tínhamos a testemunha do Sudou.

*

 

Naquela noite, eu segurava meu celular com força. Minha mão suava tanto que parecia que o ar-condicionado do meu quarto não estava funcionando.

— Chegamos mais perto da Sakura, mas… será que é certo eu dizer isso?

— Ontem eu teria dito que não, mas hoje nossas chances são melhores. Ah… Acho que ainda temos um caminho a percorrer. Você está se deixando levar demais.

Eu suspeitava que Sakura provavelmente ficaria mais próxima de Kushida, especificamente. Mas eu tinha a sensação de que Sakura havia erguido um muro bastante alto entre ela e as outras pessoas. A menos que conseguíssemos fazê-la atravessar esse muro, chamá-la como testemunha seria difícil.

— Isso me lembra… por que você tentou fazer a Sakura tirar os óculos? — perguntei a Kushida.

— Bem, quero dizer… achei que falar isso poderia ser meio cruel, mas… sinto que os óculos dela não combinam muito com ela, por algum motivo. É como se ela realmente não precisasse deles, ou algo assim. Nem eu entendo direito. Também pensei que já tínhamos nos encontrado em algum lugar antes, mas isso provavelmente foi só um mal-entendido.

— Bem, talvez isso tenha sido só imaginação sua, Kushida? Quero dizer, a Sakura está bem longe de ser alguém estilosa, não é? Digo, eu também não sou, mas ela chega a escolher roupas de cores simples só pra chamar o mínimo de atenção possível.

— É, é verdade. Acho que ela não se importa com moda ou nada assim. Mas me pergunto por quê.

Quando a câmera dela caiu e Sakura se abaixou para pegá-la, eu tinha visto seus óculos de lado. Algo neles me pareceu fora do lugar.

— Tive a sensação de que havia algo estranho, como se ela estivesse usando óculos falsos.

— Como? Sakura-san usa óculos falsos? Mas ela disse que a visão dela era muito ruim…

— Embora óculos verdadeiros e falsos pareçam semelhantes à primeira vista, há definitivamente uma diferença entre eles. Óculos de verdade mostram alguma distorção nas lentes. Não havia nenhuma distorção nos óculos da Sakura. No começo, achei que devia haver alguma relação entre aqueles óculos falsos e o senso de moda dela, mas depois fiquei intrigado com algo que ela disse hoje.

— É moda usar óculos? Hm, isso não parece normal.

Se ela quisesse melhorar a aparência com acessórios decorativos, deveria ter comprado outras roupas ou maquiagem.

— Ou talvez seja para esconder algum tipo de complexo? Como quando alguém acha que parecerá inteligente usando óculos?

— É, tem isso. Usar óculos realmente dá uma aparência mais inteligente.

— No caso da Sakura, porém, ela provavelmente usa para que os outros não vejam seu verdadeiro eu. Ela está sempre curvada e evita olhar as pessoas nos olhos. Duvido que seja simplesmente porque ela não gosta dos outros.

Eu sentia que havia alguma maneira oculta de atravessar aquele muro. Alguma coisa.

— Sabia que estava certa trazer você comigo, Ayanokoji-kun. Sinto que você observa as pessoas com atenção.

Fiquei um pouco envergonhado. A melhor parte de interagir com Kushida era que conseguíamos nos conectar e conversar naturalmente. Pessoas que não sabiam como se aproximar de outra tendiam a atrapalhar e comprometer tudo até chegarem a um ponto de desistir.

— Então…

Justo quando ia continuar a conversa com Kushida, meu celular vibrou. Olhei para o identificador de chamadas sem que Kushida percebesse. Se fosse Ike ou Yamauchi, eu ligaria de volta depois. Mas se fosse Horikita… teria que pensar. Era para isso que eu estava preparado, mas…

O nome na tela dizia "Sakura".

— Desculpe, Kushida. Posso te ligar de volta daqui a pouco?

— Ah, claro. Desculpa por ficar falando tanto.

Embora houvesse um peso de arrependimento naquelas palavras de despedida, não tive tempo de lidar com isso. Atendi a ligação de Sakura antes que a chamada caísse. Depois de apertar o botão de atender, esperei alguns segundos, mas a linha permaneceu silenciosa.

— Hum… Olá. Aqui é a Sakura…

— Aqui é Ayanokoji.

Mesmo tendo trocado informações de contato, achei um pouco estranho ela ter me ligado. Mesmo quando troco contatos formalmente com alguém, nove em cada dez vezes eu não recebo uma ligação.

— Obrigada por ter saído comigo hoje — disse Sakura.

— Ah, sem problema. Não foi nada demais. Não se preocupe com isso. Você não precisa ficar se preocupando e me agradecendo tanto.

— Ok…

Seguiu-se um silêncio, mas não era culpa da Sakura. Eu realmente não sabia como responder. Pensei em como Kushida sempre tomava a frente nas nossas conversas. Mesmo assim, eu precisava me esforçar nesta ligação.

— O que houve?

— Hum…

Mais silêncio. O que eu deveria fazer? Por favor, Hirata. Me ensina.

— O que você estava… pensando?

Sakura me fez uma pergunta bastante ambígua. O que eu estava pensando? Ela provavelmente não queria saber o que eu achava da Kushida fofa com roupas casuais, nem como eu considerava a própria Sakura excepcionalmente interessante. Eu não fazia ideia do que Sakura esperava ouvir.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntei.

Algo na emoção por trás das palavras dela me deixou desconfortável, então tentei lançar uma "linha verbal" para ver se conseguia pescar alguma informação. No entanto, a linha se esticou e se rompeu assim que tocou a água.

— Desculpe, não é nada. Boa noite.

Sakura encerrou a ligação sem sequer me dar a chance de responder. Nada de "espera" ou "aguarde". Pensei em ligar de volta, mas não entendia por que nossa conversa havia falhado. Refleti cuidadosamente enquanto lavava o rosto. Eu tinha passado cerca de dez minutos conversando com Kushida, mas durante esse tempo, não houve nenhum sinal de que Sakura tivesse tentado ligar ou deixado mensagens.

Talvez Sakura tivesse planejado ligar para Kushida depois de falar comigo? Tinha dificuldade de imaginar isso. Normalmente, quando você precisa ligar para duas pessoas, a primeira seria aquela que você conhece melhor. Nesse caso, eu era a única pessoa que ela poderia ligar e encontrar, então parecia a escolha lógica. Só para ter certeza, mandei uma mensagem para Kushida perguntando se ela tinha notícias da Sakura.

Alguns minutos depois, Kushida confirmou que não tinha recebido nada. Exatamente como eu pensei.

— Ela me pediu para te convidar, Ayanokoji-kun. A Sakura-san não entrou em contato com você?

Quando encontrei Kushida naquela manhã, ela tinha dito algo assim.

Como Sakura ficava muito nervosa quando estava sozinha com Kushida, pensei que ela apenas tivesse convidado outra pessoa adequada para a tarefa, mas… não era bem assim? Além de algum devaneio louco tipo "amor à primeira vista", havia algum motivo para eu ter sido escolhido para ir? Lembrei-me de algo que senti ao falar com Sakura hoje.

Sakura e Kushida conduziam a maior parte das conversas, mas eu tinha iniciado um assunto. Ou seja, o atendente da loja que ajudou com o pedido de conserto. Não mencionei mais nada. E se foi isso que ela quis dizer quando perguntou:

— O que você estava pensando?

Todas as peças do quebra-cabeça que eu tinha eram pequenas demais e muito poucas. Eu conseguia imaginar vários cenários e especulações, mas nenhum parecia crível. Não tinha informações suficientes para chegar a uma conclusão definitiva.

Normalmente, eu teria pensado que perguntar na escola seria suficiente, mas no caso da Sakura, as coisas não eram tão simples. Se eu simplesmente fosse falar com ela, que normalmente não conversa com ninguém, acabaria fazendo com que ela se destacasse. E ela não gostaria disso.

Rezei para que as ansiedades que se formaram durante a ligação não tivessem fundamento e decidi me preparar para dormir.

 

 

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