Volume 6
Cena 4
Piercing aos Quinze [3/3]
- FUNDO AZUL
KOKONE (Monólogo): Por favor...
- FUNDO BRANCO
KOKONE (Monólogo): Permita que Daiya encontre a verdadeira felicidade.
- FUNDO PRETO
- FUNDO VERMELHO
Daiya Oomine - 11/09 SEX 23h40min
Estou perdendo a cabeça.
As imagens na tela destroem todo o meu pensamento consciente e me levam de volta no tempo, forçando-me a me lembrar do meu antigo eu. Volto a pensar como antes. Perco meu senso de tempo e espaço. Estou sentado? Na tela? No passado? Nem sequer me importo.
Na tela, sou um aluno do fundamental segurando a cabeça entre as mãos. Ele está em silêncio, mas lembro do que estava passando pela minha mente naquele momento. Agora que viajei ao passado, estou repetindo esses mesmos pensamentos.
…O que eu¹ deveria ter feito?
…O que eu deveria ter feito?
…O que eu deveria ter feito?
Posso ter atingido meu limite absoluto, mas não vou me desviar da minha missão. Continuarei mantendo consciência do meu objetivo com tenacidade, de forma que eu responda automaticamente… não importa quão confusos estejam meus sentimentos.
Kazuki Hoshino está vindo.
Vou derrotá-lo e libertar Aya de suas garras.
E aí, nós iremos mudar o mundo.
Só então, as portas se abrem.
Meus olhos recuperam o foco e se fixam em um único ponto.
— Parece que já faz tanto tempo.
Kazuki Hoshino está diante de mim.
Me levanto, suportando o estupor da “Cinema”. Em circunstâncias normais, provavelmente teria problemas em me manter de pé. Toco meu piercing para me tranquilizar e me viro em direção ao Kazu.
— É, também me sinto assim. — Kazu responde com um sorriso seco.
Está segurando uma maleta de plástico. O que mais ele preparou? Decido não gastar mais tempo me preocupando com isso, afinal, ele já possui a arma mais poderosa de todas, sendo capaz de destruir “caixas”.
Não posso deixar de me preocupar com a condição de sua poderosa mão direita, vermelha.
— Kazu, o que houve com a sua mão?
Sua mão direita está enfaixada. Ainda há sangue escorrendo pela gaze.
— É um símbolo — explica ele brevemente e se cala logo após.
— Ele cortou a própria mão com uma faca, do nada. Isso vai deixar uma cicatriz… francamente, não faço ideia do motivo de ele ter feito isso… — completa Haruaki, no lugar do Kazu.
Eu deliberadamente evito respondê-lo e desvio meu olhar.
E vejo… Kokone Kirino.
…Crash.
Não é surpresa que meu coração doa, quase se partindo, quando a vejo. Ele já sofreu sérios danos só de eu ver o boneco da Kiri sentado ao meu lado, portanto, minha reação à verdadeira não é surpreendente. Porém, meus sentimentos não importam.
— Então, o que planeja fazer agora, Kazu? Não pode mais vencer, e sabe disso. Aya Otonashi se tornou minha [serva] — digo, assumindo que Yanagi o manteve atualizado.
Kazu responde, sem mover um músculo:
— Esse seu rosto pálido realmente entrega sua mentira, Daiya.
Pode soar como uma tentativa de provocação, mas, na verdade, ele apenas está expressando sua pena.
Kazu dá um passo para frente.
Estamos nos encarando.
Ah…
Não há dúvidas.
A batalha que começamos na “Game of Idleness” termina aqui.
— Muito bem, devemos estabelecer nossas posições?
Kazu continua me observando, em silêncio.
— Primeiro, destruirei a “Wish-Crushing Cinema”, então, farei com que Aya use a “Flawed Bliss” e se esqueça de você. De início, utilizarei seu poder para destruir a “caixa” da Kiri, depois, usarei a “Flawed Bliss” nela.
— O que você vai fazer, Kazu?
— Vou esmagar sua “Shadow of Sin and Punishment”, seja à força ou esperando até o fim do dia. Também destruirei a cópia que você deu à Maria — anuncia ele, fazendo Aya erguer uma sobrancelha. — E, finalmente, trarei a Maria de volta.
Com uma expressão calma, Aya responde:
— Isso é inútil. Não importa como, não voltarei para você.
Kazu morde o lábio por uma fração de segundo, mas o olhar que está lançando em minha direção não enfraquece.
— Eu… — Ele morde sua gaze encharcada. — Eu não vou recuar.
Estou um pouco alarmado pelo seu comportamento anormal. Contudo, antes que possa responder, algo inesperado acontece.
— Kazuki-san! — Yanagi grita, levantando-se em um pulo e correndo em direção ao Kazu. Enquanto pula apressadamente sobre os assentos que os separam, ela continua: — Destrua minha “Sombra”!
Apesar de provavelmente estar surpreso, o Kazu reage com uma hesitação surpreendentemente mínima e levanta sua mão enfaixada na direção da Yanagi. Ele enfia a mão no peito dela.
— Hmm… ah… AH! — ela geme enquanto a mão direita afunda em seu peito Kazu puxa sua mão para fora do peito de Yanagi. Ele está segurando uma “caixa” preta do tamanho de uma palma que parece ter machucado para sair. Tem a forma de uma castanha pontuda.
— Aaah… — Yanagi desmaia e cai no chão.
Kazu olha para ela. Sua estranha série de movimentos parece quase robótica, programada de antemão. Há um breve silêncio.
Finalmente percebo o que Yanagi estava tentando fazer. Provavelmente queria que sua “Shadow of Sin and Punishment” fosse destruída para que eu não pudesse mais dar [ordens] a ela. Ela agiu rapidamente a fim de maximizar as vantagens do Kazu.
Eu não poderia ter previsto suas ações; Yanagi não deveria saber sobre o novo poder do Kazu. Deve ter ouvido minha conversa com “O” e escondido o que sabia até agora. Claro, ela me passou para trás, mas eu não estava planejando usá-la, de qualquer forma. O que fez não influencia minha estratégia em nada. Contudo, depois de ver aquilo, começo a suar frio.
— O poder de esmagar “caixas”…
Após testemunhar uma habilidade tão injustamente poderosa…
Existe uma grande diferença entre ouvir falar e realmente testemunhar algo. É como se ele estivesse encostando uma metralhadora no meu rosto, com o dedo no gatilho.
Um movimento em falso e minha “caixa” será destruída. Mas sua atordoante falta de hesitação e a atitude indiferente que mostra após usar seu poder me fazem perceber novamente: ele não é mais o amigo que eu costumava conhecer. A absurda ferida auto infligida prova que está completamente mudado, que renasceu. Como um ser que destrói “caixas”.
Como um ser que se opõe à “O”.
E é exatamente por isso que ele pode sorrir da mesma forma que “O”. Contudo, embora ele não tenha movido um músculo sequer ao usar seu poder, sua expressão se contorce ao ouvir a voz de certa garota.
— Que poder é esse?
As palavras aterrorizadas de Aya.
— Kazuki Hoshino, por que você tem tal…? Não, não importa. Testemunhar isso me convenceu. — continua ela, amargamente. — Você é meu inimigo.
Kazu morde o lábio. Ser chamado de inimigo pela pessoa que está tentando salvar deve ser doloroso.
— Aya, eu não deveria precisar dizer isso, mas fique longe dele. Ele destruiria sua “Shadow of Sin and Punishment” sem nem sequer piscar.
— Você está certo. Parece que ele só precisa tocar no meu peito. A “Flawed Bliss” também está em perigo.
— Não, o Kazu não destruiria a “Flawed Bliss”. Ele deve estar ciente de que fazer isso destruiria sua personalidade completa e absolutamente. — O olhar em seu rosto prova que estou certo. — É claro, também manterei distância dele.
Tendo deixado isso claro, tenho que prosseguir para a próxima fase do meu plano sem cometer nenhum erro.
— Kazu, eu exijo que você destrua a “caixa” da Kiri.
— Daiya… — murmura Kokone
Antes que meus sentimentos possam escapar, continuo a dar ordens:
— Você sabe o que acontecerá se você se recusar a obedecer, certo? Vou repetir: Aya Otonashi é uma [serva]. Posso forçá-la fazer o que eu quiser. Kazu, não ouse tentar nenhum truque. Também estabelecerei um tempo limite. São vinte para a meia-noite agora; você tem até quinze para a meia-noite para destruir a “caixa” da Kiri!
Kazu permanece em silêncio. Sua única opção é encontrar ou criar uma abertura em minha defesa para destruir a “Shadow of Sin and Punishment”. Foi por isso que ele trouxe a Kokone e o Haruaki. Enquanto ele tenta criar uma abertura, tentarei fazer o que for preciso para contra atacar.
Essa é a natureza desta disputa.
O ataque dele começou.
— Daiyan, vamos parar com isso. Não aguento mais assistir ao que está acontecendo.
Como esperado, o ataque começa com uma tentativa de persuasão do Haruaki.
— Para que você está fazendo isso? Quem vai ganhar algo com isso? Você? A Kiri? Que besteira… apenas olhe para si mesmo! Se isso continuar, só vai levar você e a Kiri à ruína!
Mas mesmo que eu esperasse por isso, mesmo que estivesse preparado, ainda me afeta; essas palavras vêm do fundo do coração do Haruaki.
— Por favor, pare! Pelo bem da Kiri, também!
Não respondo.
— Por favor… por favor… — grita ele, implorando do fundo de seu coração
Mais uma vez, eu penso… Haruaki é tão radiante que sinto que jamais chegarei aos pés dele. Ele foi a primeira pessoa que admirei. Não apenas por suas habilidades no beisebol, mas também por sua natureza direta, confiável e resoluta, qualidades que o levam a escolher o que acredita ser certo, mesmo tendo que sacrificar seu potencial ilimitado para o beisebol ou o amor por uma garota. Haruaki sempre possuiu qualidades que não posso nem sonhar em ter.
É por isso que não poderia suportar a ideia de torná-lo um [servo].
Ei, Haruaki… eu te respeito mais do que você poderia acreditar.
— Diga algo, Daiyan!
Mas, mesmo assim. Não posso voltar atrás com esse “desejo”.
— Alguém tem que fazer algo — digo, sem hesitação — De quem é a culpa pelo que aconteceu com a Kiri? Minha? Da própria Kiri? Da Rino? Sim, todos nós temos nossa parcela de culpa, mas o problema fundamental está em outro lugar. Portanto, irei fazer uma mudança fundamental no mundo. Essa é a minha escolha.
Haruaki hesita por um instante, antes de responder:
— Isso é ridículo. Mesmo com uma “caixa”, você não vai conseguir!
— Não importa se eu conseguirei ou não, apenas vou fazer isso.
— Por que teria que fazer isso, Daiyan? Por que você tem que sofrer ainda mais?
— Eu decidi me sacrificar.
— E quanto aos meus sentimentos?! Não quero ver você e a Kiri caírem em desgraça! Pretende sacrificar esses sentimentos também, Daiyan?!
Respondo sem pensar duas vezes.
— Sim.
Haruaki arregala os olhos.
— É isso que significa me sacrificar.
Eu o deixo sem palavras. Sim, esse é o significado de me sacrificar. Estou perfeitamente ciente disso. Também preciso sacrificar os sentimentos que os outros têm por mim. Foi por isso que cortei meus laços com a Kokone e o Haruaki.
— Você não pode estar falando sério… — diz ele, cerrando os punhos, trêmulos. — Você não pode estar falando sério, droga… Daiyan…
Parece que o ataque de Haruaki termina aqui. Desvio meu olhar dele e encaro o Kazu.
— Kazu, se apresse. Se apresse e destrua o “Cinema”.
Sem que percebam, limpo o suor frio da minha testa. Embora pareça estar calmo e composto, eu sofro com isso. As “Sombras do Pecado” dentro de mim estão para começar uma revolta por causa do pedido honesto de Haruaki. Elas estão quase atingindo seus limites e destroçando meu corpo. Estou no meu limite psicológico. Uma única palavra poderia desequilibrar a balança e acabar com tudo agora mesmo. Abandonar tudo isso… que ideia reconfortante. Mas eu…
Olho para Aya Otonashi.
Mas eu vou morrer junto com todos esses pecados.
Aperto com força meu peito latejante.
Preciso me preparar…
O próximo ataque está começando. Se eu baixar minha guarda por um segundo sequer, ele vai me derrotar.
… Vamos... para o ataque principal.
— Daiya, obrigada por sua mensagem.
Kokone Kirino.
Kiri caminha em minha direção.
— Foi apenas uma isca para atraí-la para cá. E você caiu perfeitamente — espremo essas palavras para fora enquanto aperto meu peito com força
— Eu sabia que era uma armadilha.
— Imaginei.
E mesmo assim ela veio, por causa de seus inigualáveis sentimentos por mim. Passo a passo, ela se aproxima. A cada passo dela, memórias do nosso passado se repetem em minha mente.
Quatro anos de idade — eu faço-a chorar no jardim de infância enquanto discutimos por causa de algum doce; quando o professor me repreende, também começo a chorar.
Sete Anos de Idade — eu salvo a Kiri de se afogar no oceano, ajudando-a a segurar uma boia; eu a conforto enquanto ela chora.
Nove anos de idade — eu a encontro agachada do lado da rua durante um festival, derramando lágrimas em sua yukata porque havia se perdido. Eu a pego pela mão e a levo para casa.
Onze anos de idade — para parar as provocações dos nossos colegas, eu digo coisas horríveis a ela e a faço chorar; depois, vou até a casa dela para me desculpar.
Doze anos de idade — Kiri começa a faltar aulas quando digo a ela que fui aceito em uma renomada escola particular de ensino fundamental; ela chora de alívio quando digo que não vou me matricular lá.
14 anos de idade — nós nos beijamos pela primeira vez. Ela cai em lágrimas logo em seguida e, como não sei o que fazer, apenas fico acariciando sua cabeça até que pare de chorar.
Por alguma razão, ela está chorando em cada uma dessas memórias. As imagens mais fortes que tenho dela devem ser aquelas em que depende de mim.
Ah, mas isso realmente machuca. Cada uma dessas memórias se transforma em um ataque que tenta me prender a uma vida normal. Cada uma delas coloca um peso a mais em meus ombros. Enquanto sou atormentado, Kokone Kirino caminha em minha direção e para diante do assento ao meu lado, bem em frente a sua concha vazia que a “Wish-Crushing Cinema” criou.
Posso ver seu rosto em duplicata. A verdadeira Kiri inclina a cabeça levemente e me olha nos olhos.
— Daiya, deixe-me responder sua mensagem.
Ela…
— Eu também te amo.
… me abraça.
— O quê…?!
Ela não deveria ser capaz de fazer isso. Ela não deveria mais ser capaz de me segurar em seus braços. Se fizer isso, ela se lembrará dos horrores de seu passado, das feridas em suas costas, e eventualmente será derrotada pela vontade de vomitar. Mesmo assim, Kiri ainda está me abraçando. Ela… ela superou seu trauma por conta própria?
Contudo, Kiri nega isso imediatamente:
— Sabe, Daiya, eu ainda não superei nada. Ainda sou uma bagunça por dentro e não sei o que fazer sobre isso.
Então… como ela pode estar me abraçando?
— Mas eu percebi uma coisa — continua ela. — Você significa tudo para mim.
Kiri está tremendo. Como ela disse, ainda não superou seu passado; apenas suportando a angustia que está sofrendo é que ela pode me segurar em seus braços. Esse é o único jeito dela poder me abraçar.
— Eu te amo! Eu te amo!… Eu… te amo!
É, eu acho que, quanto mais próximos estivermos um do outro, mais iremos nos machucar. Mas e se pudéssemos superar nosso passado de alguma forma, e se continuássemos acreditando um no outro?
Isso seria a coisa que mais desejei, acima de tudo.
— Gah…
Outra memória cruza a minha mente, uma memória do dia em que decidi mudar o mundo.
— Você está frio.
Iluminados pelo sol da tarde, flutuando em um rio vermelho e gelado, Kiri me rejeitou. Eu era lamentável, incapaz de sequer abraçá-la e condenado a sentir nossos corpos ficarem cada vez mais gelados.
Mas se eu puder abraçá-la dessa forma… Se eu puder finalmente, apesar de ser tarde, aquecê-la agora…
— Ur-gh…
Kokone.
Eu também quero me libertar desse peso!
Está realmente tudo bem se eu for apenas eu mesmo? Eu faria qualquer coisa por você, Kokone. Eu não mediria esforços para fazê-la feliz.
Kokone continua.
— Eu faria qualquer coisa por você, Daiya!
Finalmente recobro meus sentidos. Seguro-a pelos ombros e afasto-a de mim.
— Daiya…?
A Kiri faria qualquer coisa por mim?
Eu faria qualquer coisa pela Kiri?
Ambas as afirmativas estão corretas.
E é isso que está fatalmente errado sobre elas.
Elas não são saudáveis… são anormais. Não fomos sempre assim; costumávamos ser um casal normal; ambos apenas namorados comuns que não se sacrificariam pelo outro ou agiriam apenas pelo bem um do outro. Nossa transformação é a prova de que não teríamos sido capazes de levar uma vida normal.
Continuamos nos distorcendo ao nos sacrificarmos um pelo outro. Essa é a nossa realidade. Isso se torna ainda mais verdadeiro se ela declara que significo tudo para ela. Certo, no final das contas, não podemos voltar. Não podemos voltar ao tempo em que nossa relação era pura.
…Você tem um desejo?
Eu tenho.
Eu tenho um desejo.
Quero esmagar esse mundo esquecido por Deus que manchou todas as nossas memórias. Naquele dia, cercado por vermelho, água vermelha, eu jurei:
— Eu vou mudar esse mundo.
Não abandonarei meu novo eu. Não removerei esses piercings. Em vez disso, irei descartar esses sentimentos, essas memórias, essas lembranças.
— Kiri — digo, alto e claro. — Aprenda a viver em um mundo sem mim.
Essa é minha resposta. Lágrimas começam a escorrer de seus olhos. Desvio meus olhos dela e encaro o Kazu.
… Eu suportei esse ataque. Ele está sem munição. Olho para o meu relógio. São 23h44min.
— Está na hora. Esmague o “Cinema” da Kiri. Você sabe o que irá acontecer com Aya Otonashi se você recusar, não sabe?
— É uma pena. — Kazu sussurra — É uma pena que as coisas tenham que acabar dessa forma.
Kazu também começa a chorar e cai de joelhos.
— Uh-gh…
Kiri percebe que é impossível me fazer mudar de ideia. Ela caminha para longe de mim, cambaleando em direção à tela. Kazu se levanta e segue-a. Meu olhar automaticamente se direciona à tela.
— Farei qualquer coisa por você, então… — a Kiri na tela diz, com um olhar frio — Se eu estiver te impedindo de ser feliz, tornarei mais fácil para você me largar, ok?
— Daiya.
A verdadeira Kiri diz.
Ela está perto do centro da tela, bloqueando a imagem projetada.
— Você está planejando se destruir, certo?
— Acho que sim, esse será meu fim — respondo casualmente.
— Você acha que eu permitiria isso?
— Por que eu precisaria da sua…
— Eu não permitirei!
Com essas palavras…
Kiri enfia uma faca em seu estômago.
Sangue é espirrado na tela.
— Hã? — sussurro, como um drogado.
Estou envergonhado de dizer que estou completamente perdido; só posso assistir enquanto vejo seu sangue lentamente se espalhar pela tela. Kazu age sem hesitar. Ele corre em direção à Kiri. Naturalmente, assumo que está tentando salvá-la, mas ele me surpreende…
— É uma pena, Daiya, que você não me deixe outra escolha!
… Ele corre em direção à Kiri para bloquear meu caminho.
— Eu fiz o que você mandou. Isso também destruirá o “Cinema”, não é?
Ele fica parado em cima da poça de sangue que a Kiri está derramando, sem mover um dedo para ajudá-la.
— Mas que… mas que merda você está dizendo?
— Muito bem então, Daiya. — Kazu diz, ignorando meu comentário. Ele limpa violentamente as lágrimas de seu rosto e me encara — Se você tentar chegar perto da Kokone, esmagarei sua “Shadow of Sin and Punishment”.
Ele coloca sua maleta de plástico no chão.
— Há itens de primeiros socorros aqui. Kokone não vai morrer imediatamente, mas, se ela continuar sem tratamento por mais de dez minutos, será tarde demais para salvá-la. Se você usar os conteúdos dessa maleta para estancar o sangue da ferida, ela terá boas chances de sobreviver. Eu instruí a Kokone precisamente sobre onde se esfaquear. Se vier resgatá-la, ela sobreviverá, mas, se apenas ficar aí, ela morrerá. Não sobreviverá até meia-noite, então o “Cinema” será destruído e você terá sua rota de fuga. Assim que escapar do “Cinema”, você certamente poderá encontrar alguém para usar a “Flawed Bliss” da Maria. Mas a Kokone estará morta.
Kazuki Hoshino declara, em frente à tela manchada de sangue.
— Se quiser salvá-la, venha até aqui e deixe-me esmagar sua “caixa”.
Tenho certeza de que ele não está ciente disso.
Mas Kazuki Hoshino, o ser que destrói “caixas”, está sorrindo de uma maneira charmosa, como “O”.
— Para ser honesto, eu tenho minhas dúvidas — diz ele, como se não o afetasse. — Você diz ter escolhido um mundo melhor em vez da Kokone, mas isso é realmente verdade?
Ele continua, enquanto olha para a gaze ensanguentada em sua mão direita:
— Aqui está sua chance de provar!
Estou sem palavras. Eu entendo aonde ele quer chegar, mas não o entendo. Estou completamente confuso. Eu estava errado. Achei que o Kazu era anormal e esperava que sua anomalia tivesse piorado.
Mas eu o subestimei completamente.
É como a Aya disse; uma vez que tiver um objetivo, ele não desistirá. Até mesmo recorre a táticas que nenhuma pessoa em sã consciência usaria. Em busca de seu objetivo, Kazu pode até mesmo ignorar sua própria vontade e agir automaticamente, como uma máquina.
De certa forma, é isso que estive buscando. A forma ideal de existir como um ser que garante “desejos”. Contudo, penso, enquanto avalio seu sorriso, mesmo que eu queira ser como Aya Otonashi, definitivamente não quero ficar igual ao Kazu.
Todos pararam de falar. Tudo o que consigo ouvir é o filme, que agonizantemente continua a passar, e os gemidos de Kokone.
Haruaki é o primeiro a quebrar o silêncio:
— Hoshii… eu não sabia de nada disso! Você não me falou sobre isso!
— Desculpe por esconder isso e você. Se tivesse contado, você teria me impedido.
— Mas é claro! Isso… é loucura! Vou salvar a Kiri, quer o Daiyan se mova ou não!
— Darei o golpe de misericórdia se você tentar ajudá-la.
— O quê?!
— Estou falando sério.
Ele está. Se não estivesse, não teria recorrido a um método tão insano, em primeiro lugar. O “símbolo” de sua anomalia que marcou em sua mão direita prova que suas palavras são 100% verdadeiras. Haruaki também percebe isso e não diz mais nada. Entretanto, seus ombros tremem e seus olhos estão arregalados. Uma pergunta escapa dos meus lábios:
— Kazu, você está bem em deixá-la morrer?
— Essa é uma pergunta estranha —responde ele. — É claro que não estou bem.
Suas palavras lembram as de certa garota que gastou virtualmente uma vida inteira tentando substituir alguém.
— Me arrependeria pelo resto da vida. Talvez nem seja capaz de suportar o fardo!
Mas eles são diferentes em um ponto.
— Porém, fiz o que fiz tendo isso em mente.
Diferente de Aya, Kazu não fez uma escolha. Provavelmente, ele não pode nem sequer escolher agir de forma diferente. Talvez esteja confuso sobre o porquê de ter tomado tais medidas, mas não pode agir diferente. Essa é a forma que sua insanidade tomou.
— Kazuki Hoshino… você está insano! — Aya morde os lábios e faz uma pausa. — O que você está fazendo nem sequer pode ser qualificado como método. Alguém em sã consciência jamais pensaria em algo assim. Fazendo isso… perversamente tirando vantagem da fraqueza irracional da Kirino quando se trata do Oomine, você destruiu completamente o cotidiano que tanto queria proteger. Você percebe isso, não é mesmo? Essa é a prova de que se tornou insano.
Realmente.
— Você não é mesmo o Kazuki Hoshino que eu conheci. O que aconteceu? Foi possuído por um demônio?
Kazu respondeu clara, porém aflitamente:
— Eu sou seu cavaleiro.
— Meu o quê?
— Virei ao seu resgate mesmo que o próprio mundo se oponha a mim. Derrotarei e matarei quem quer que se meta no meu caminho.
— Eu nunca pedi por isso! E certamente não a um demônio como você!
— Não importa o que você diga — retruca Kazu, deixando Aya sem palavras.
Kazu olha para mim.
— A propósito, pelo que você está esperando?
É fácil para ele dizer isso!
— Não consegue decidir, não é? —diz ele, e me pega completamente de surpresa com suas próximas palavras — Bom, isso também não é um problema.
— Hein? — Não posso conter minha surpresa. — “Não é um problema”, você diz? Está falando sério? Tudo bem deixá-la morrer por causa da minha indecisão? Seu plano só dará certo se eu for salvá-la, não é mesmo?
— Daiya, tenho certeza de que você sabe por quem estou fazendo isso, não sabe? — responde ele com outra pergunta, ignorando minha indagação.
Sei muito bem: É tudo pelo bem da Aya.
— Maria no momento está em posse da “Shadow of Sin and Punishment” e tentará transformar o mundo em um lugar um pouco melhor, certo?
Kazu levanta a mão direita diante de seu rosto e a fecha, como se estivesse confirmando algo.
— Então eu a esmagarei. Ela não precisa de uma “caixa” tão tola.
Entendo, finalmente.
— Não me diga que…
Um canto de sua boca se ergue.
— Parece que você finalmente entendeu. Eu disse antes que tenho minhas dúvidas sobre sua determinação, mas estou convencido de que entendo a da Maria. Gastei uma vida inteira com ela. Não tem como eu estar errado.
Aya Otonashi dedicou sua vida à felicidade dos outros, e, portanto, não pode tolerar sacrifícios. E, nesse momento, tem alguém morrendo diante de seus olhos. Então…
— Aya salvará a Kiri, não importa o que eu faça.
Entendo, achei que ele estava me visando com essa armadilha.
Mas não estava.
Era uma armadilha para mim e para a Aya ao mesmo tempo.
Aya admite amargamente:
— É, eu vou salvar a Kirino, terei que me render ao poder do Hoshino.
— Aya…! Esta não é a “caixa” que você esteve buscando esse tempo todo?!
— É. Eu gastei mais tempo do que qualquer um procurando por esta “caixa”. Talvez meu desejo sincero pudesse finalmente se realizar. Talvez eu nunca mais encontre essa oportunidade novamente. Eu sei… eu sei… mas… — Ela cerra os punhos. — Mas mesmo assim!
Certo.
Esse é o jeito de viver de Aya Otonashi.
Kazu está descaradamente abusando dela.
Aya salvará a Kiri, e o Kazu destruirá a “Shadow of Sin and Punishment”. Kiri sobreviverá, graças à ajuda da Aya. Piercing aos Quinze terminará, ativando o efeito final do “Cinema” e destruindo minha “caixa”.
Nossos “desejos” vão se dissipar. Eu tenho uma contramedida.
Aya Otonashi é minha [serva]. Eu poderia [ordenar] que ficasse parada.
Mas,
Mas,
— Daiya. — Kazu diz — Você não poderia possivelmente estar pensando em dar uma [ordem] para causar a morte da Kokone, poderia?
Exato. É como ele diz.
Mas eu não cheguei à conclusão de que ele precisa ser impedido, não importa como? Não decidi isso com absoluta convicção?
Então… vou dar uma [ordem] à Aya para que deixe a Kiri morrer? Vou matar a Kiri?
Mas quê…?
Mas quê…?
Mas que MERDA?!
— Ah-gh…
Kiri vomita sangue.
Ela inclina a cabeça em minha direção e sussurra:
— Por favor…
— Mesmo que eu tenha que morrer...
— Permita que Daiya encontre a verdadeira felicidade.
Lágrimas escorrem pelo seu rosto. Assim como em minhas memórias, em que ela dependia de mim…
— Kokone.
Tudo. Tudo que foi exibido nos filmes na “Wish-Crushing Cinema” roda em minha mente em uma fração de segundo.
Kokone Kirino. Haruaki Usui. Aya Otonashi. Miyuki Karino. Koudai Kamiuchi. Tragédias, tragédias que me atormentam. As imagens me amarram como uma enorme tira de filme e se gravam dolorosamente em minha mente. Rejeição, rejeição, rejeição, rejeição demais para eu aguentar. Não há a menor fração de gentileza. Minha visão fica em mosaico, colorida, sépia, em mosaico novamente. As emoções por trás dessas imagens me penetram, reescrevem-me, apagam-me, deixando apenas Kokone Kirino para trás. Eu queria esmagar o mundo em pedacinhos só porque eu queria você, eu só queria você, eu só queria você.
Ah, agora as “Sombras do Pecado” farão um banquete de mim. Elas me devorarão. Finalmente, elas se juntam, me capturam e começam a me consumir. Não há dor. Sangue negro escapa das feridas que abrem com suas garras afiadas, afogando o mundo. Devoram meu corpo inteiro, sem deixar nada para trás. Sou um enorme amontoado de sangue de lodo negro. O lodo é incapaz de pensar.
Então ele passivamente revive suas memórias.
Um mundo vermelho congelado se estende, preso pelo sol de fim de tarde. Uma única garota está parada no meio desse mundo vermelho desolado. Suas costas se encolhem lentamente enquanto ela caminha para dentro da gelada água vermelha. O som das ondulações. Vire-se. Vire-se. Vire-se. Vire-se. Só quero que ela se vire. Estendo meu braço.
Estendo-o e pego a mão dela.
Diga.
“Eu vou mudar o mundo, pelo seu bem.”
O tempo está se esgotando. Mas agora, 0 hora em minha contagem regressiva, é quando a Kokone morrerá, em vez de quando a “Cinema” destruirá minha “caixa”.
O tempo está se esgotando.
— …Ah.
Eu pretendia mudar o mundo, pretendia fazer as pessoas perceberem o verdadeiro significado de culpa, ao produzir “Cães Humanos” em massa. Planejava livrar o mundo de pessoas incapazes de pensar nas consequências de suas ações. Estaria tudo bem em me destruir, desde que alguém me sucedesse. Achei que Iroha Shindou poderia ser capaz disso. Estava convencido de que Aya Otonashi seria capaz disso. Eu precisava criar um mundo gentil e estável, onde tragédias nunca ocorreriam novamente, um mundo onde ninguém precisasse compartilhar nosso destino. Estava disposto a pagar qualquer preço, até minha própria alma.
Um mundo gentil.
Um mundo justo.
É, era um desejo puro e honesto; me esforcei mais do que qualquer um para torná-lo realidade.
Contudo.
Contudo.
Eu simplesmente não posso permanecer em frente a essa poça de sangue e não fazer nada.
… Eu sei.
… Eu sabia.
Certo,
na verdade,
tudo o que eu mais queria,
quando peguei sua mão,
naquele mundo vermelho,
era que você se virasse.
Onde estou?
Em um cinema carmesim. Certo, um cinema.
Isso significa que um filme está sendo exibido.
Repito os movimentos da imagem na tela.
— Eu.
— Eu.
Caio de joelhos.
O aluno do fundamental cai de joelhos.
— Eu não me importava comigo mesmo.
— Eu não me importava comigo mesmo.
Cubro minhas lágrimas com minhas mãos.
O aluno do fundamental cobre suas lágrimas com suas mãos.
— Eu só queria que você fosse feliz.
— Eu só queria que você fosse feliz.
— Kokone...
E então…
— Eu vou te salvar!
…Eu perdi.
Abro meus olhos.
Estavam abertos o tempo todo, mas abro meus olhos.
Aya está pegando os suprimentos médicos.
Sem desperdiçar um instante, Kazu enfia sua mão no peito dela e remove uma “caixa”. É a cópia da minha “Shadow of Sin and Punishment” que dei a ela. Sua cópia tem a forma de um cubo perfeito. Kazu a esmaga.
Aya continua tratando o ferimento da Kokone sem vacilar.
Não posso fazer mais nada.
Não posso me mover. Não posso nem sequer enfrentar o estupor que o “Cinema” está impondo em mim. Portanto, apenas fico de joelhos enquanto assisto ao final de Piercing aos Quinze. A última cena acontece em um corredor de nossa escola do fundamental. Kokone olha para a minha orelha direita e diz, em tom de lamentação:
— Você colocou um piercing?
Meu eu na tela agora possui cabelos prateados. Ele responde:
— É, porque eu odeio piercings.
— Seria isso — diz ela, mantendo sua expressão triste — um pedido de socorro?
O alarme de alguém começa a tocar.
— É meia-noite. — Haruaki murmura.
No momento em que ele diz isso, o buraco negro — o abismo — pula em mim e penetra meu peito. O cinema ao nosso redor começa a ser sugado para dentro do buraco, encolhendo e se distorcendo em uma esfera.
Sinto algo ao ser engolido pelo vazio absoluto.
Perda.
E então percebo que acabei de perder a “Shadow of Sin and Punishment”.
Finalmente, o cinema perdeu completamente sua forma e se transformou em uma esfera vermelha, enquanto o abismo fica maior e maior, me engolindo mais e mais. Mas o que me espera lá dentro não é escuridão, mas luz.
Luz.
Dentro desse oceano de luz, alguém toca no meu ombro.
Kazuki Hoshino - 12/09 SAB 00h00min
Estamos em frente à entrada do cinema, no terceiro andar do shopping. Fomos transportados da “Wish-Crushing Cinema” para o local onde entramos nela.
Posso ouvir o som de uma sirene se aproximando; eu chamei uma ambulância de antemão. Ela deve chegar logo. O lugar onde instruí Kokone a se esfaquear não é nem de perto tão letal quanto sugeri ao Daiya; no pior dos casos, ela não teria morrido dentro de dez minutos. Além disso, Maria possui o conhecimento médico para administrar os primeiros socorros adequadamente. A menos que tenha muita má sorte, Kokone sobreviverá. Meu plano terá sido um sucesso compreensível se ela se recuperar completamente. Mas, mesmo que tudo ocorra perfeitamente…
…Eu sinto muito, Kokone, sinto muito mesmo.
Incapaz de olhar para ela, observo os arredores. Sem ninguém por perto, o shopping passa uma sensação estranha. Lembro-me de ter vindo aqui antes, apenas nós quarto. Embora tenha sido forçado a me travestir, definitivamente penso naquilo como uma boa memória. No entanto, minhas memórias desse lugar estão agora permanentemente manchadas de sangue.
Meu cotidiano está se quebrando em pequenos pedaços. Foco minha visão. Posso ver cinco outras pessoas. Haruaki, cerrando seu punho; Kokone, deitada no chão; Maria, tratando Kokone, e…
Daiya observa com olhos arregalados a pessoa que acabou de por a mão em seu ombro.
— Sim, Daiya — digo a ele — Você estava errado desde o começo; já tinha perdido.
Olho para a pessoa que nos ajudou e continuo.
— A “portadora” da “Wish-Crushing Cinema” era Miyuki Karino.
Miyuki Karino.
Vestindo um uniforme de uma escola só para garotas, ela está observando Daiya melancolicamente.
Tudo começou quando descobri que a Karino-san havia obtido uma “caixa”. Assim como um “portador” pode sentir as “caixas” dos outros, também desenvolvi esse sentido, devido à constante exposição. Sua “caixa” era completamente devotada ao Daiya. Ao perceber isso, decidi tirar vantagem dela e desisti de me tornar eu mesmo um “portador”.
— Se você tivesse refletido adequadamente sobre si mesmo, teria percebido a Karino-san.
Teria descoberto que ela é a verdadeira “portadora”. Mas você não o fez.
Daiya me observa em silêncio.
— Você estava evitando pensar nela.
Karino-san dá alguns passos para trás, em silêncio. Embora tenha preparado aquela “caixa” para o Daiya, não há nada que ela possa dizer a ele.
— O “desejo” dela era te ter apenas para ela. Mas as “caixas” também concedem os sentimentos negativos que estão escondidos por trás dos “desejos”: mesmo que seja sem dúvida alguém querido para ela, Karino também guarda um rancor de você por não dar nenhuma paz de espírito a ela. Acima de tudo, ela percebe que não pode te ter só para ela. É por isso que a “Wish-Crushing Cinema” atormentou o Daiya com imagens do passado e tentou roubar dele seu “desejo” mais querido… e durou apenas um dia.
— Não era eu, e não era a Kokone. Apenas a Karino-san poderia criar uma “caixa” de maneira tão distorcida. Você teria percebido isso se tivesse refletido sobre si mesmo… mas veja o que acabou acontecendo.
Daiya se convenceu de que a Kokone era a “portadora” e parou por aí. Porque fechar os olhos era a única forma de ele conseguir continuar perseguindo seu “desejo”.
— Como eu sabia quem era a verdadeira “portadora”, percebi que tudo o que você disse sobre sua resolução e crenças era falso; Elas só pareciam fazer sentido porque você não estava mais ciente de si mesmo. Sabe, afundando em sua própria ruína, você sempre pareceu…
Minha voz repentinamente começa a tremer.
Os sentimentos que acumulei durante esse tempo todo, enquanto enfrentava o Daiya, começam a transbordar. Olho para Kokone, toda coberta de sangue. O que foi que eu fiz?
Não posso mais retornar ao meu cotidiano após ferir tanto a Kokone e enganar o Haruaki. Essas cicatrizes jamais desaparecerão. Minha amizade com o Haruaki nunca voltará a ser o que era.
O que foi que eu me tornei?
Mas eu não tinha outra escolha, depois que obtive a “Empty Box”.
— Você sempre pareceu estar…
Não consigo conter minhas lágrimas.
— Estar gritando por socorro.
No fim, não tive outra escolha senão encurralar um amigo que estava gritando por socorro.
— Já chega. — Daiya sussurra, seu rosto virado para o chão. — Não me importo.
Com essas palavras, Daiya lentamente cambaleia em direção à Kokone.
— Kokone —diz ele, olhando-a enquanto ela respira irregularmente.
Ele toca um dos piercings em sua orelha direita, o primeiro que ele colocou. E o arranca. Sangue escorre de sua orelha, mas ele não parece sentir nenhuma dor. Com uma expressão gentil em seu rosto, ele toma a mão de Kokone.
— Kokone. — ele diz novamente — Eu te amo.
Sua expressão lembra o sorriso que vi apenas em uma tela de cinema.
Nota:
1 – Toda vez que “eu” aparecer sublinhado, significa que ele não está mais usando seu estilo confiante de se referir a si mesmo “Ore”, mas se referindo a si de uma forma menos autocentrada, “Boku”.