Volume 13
Capítulo 3: Como Devo Responder?
Este Capítulo foi traduzido pela Mahou Scan entre no nosso Discord para apoiar nosso trabalho!
O atentado do Actaeon em Sankt Jeder foi o que mais tirou vidas até agora.
Também foi o primeiro ataque do Actaeon realizado com clara malícia. Ela explodiu no meio de um grande mercado de Aniversário Sagrado, sem evitar pessoas ou emitir qualquer aviso. Além disso, a garota carregava um grande número de pregos. Esses fragmentos metálicos aumentaram o poder letal da explosão, e ela havia entrado intencionalmente na multidão para se explodir, escolhendo deliberadamente um local de celebração, onde as pessoas tinham permissão para serem felizes, apesar dos tempos difíceis.
E o pior de tudo isso, como se antecedesse essa tragédia— a verdade sobre o Actaeon havia sido revelada ao público.
A República. De novo, a República. Armas de atentado suicida desenvolvidas em segredo. Bombas humanas usando os Eighty - Six como componentes.
Após isso, a cobertura do Actaeon voltou com força total nos noticiários, com as pessoas exigindo que fossem caçados, que cada um deles fosse capturado e eliminado o mais rápido possível. Armas humanas de atentado suicida já eram perigosas por serem indistinguíveis de pessoas normais, então qualquer um suspeito disso deveria ser preso imediatamente. Assim como o terrível e desumano povo da República.
Enquanto ouvia tais programas de rádio, Miel franziu a testa, sentindo um calafrio inexplicável percorrer sua espinha. As notícias não tinham sido tão cruéis quando ele chegou a esse país, e nenhum programa de rádio destilava tanta hostilidade e suspeita.
Isso valia tanto para o Actaeon quanto para pessoas da República como Miel. Não parecia que eles... odiavam ou desprezavam a República, mas era mais como...
— Eles estão com medo de nós...?
Normalmente, os oficiais de estado-maior e os capitães de batalhão ligavam a TV do refeitório no noticiário da manhã para se atualizarem sobre os acontecimentos recentes, mas, a essa altura, Shiden e seu grupo não suportavam mais assistir. Tudo girava em torno do Actaeon.
— O clima tá uma merda — sussurrou Shiden para ninguém em particular.
— Já vi esse clima antes — respondeu Raiden.
— Quem fez errado, quem é o culpado, quem são os traidores... e como esses traidores devem ser punidos.
Sim, era como quando eram crianças na República, e os primeiros estágios da Guerra da Legion dominavam as notícias.
Naquela época, é claro, Shiden via tudo de forma simples. O Império era o vilão, e sua irmãzinha, agora falecida, repetia isso junto com ela. Mas Raiden ficou seguro na República por mais tempo, então talvez tenha visto como os noticiários mudaram depois disso. Como as pessoas e as notícias alimentavam as emoções umas das outras.
— É como se estivessem procurando... — sussurrou Michihi.
— Não, como se desejassem um inimigo... Um inimigo que não seja a Legion, mas algo mais simples.
Um inimigo que fosse mais fácil de esmagar unilateralmente — mais fraco e em menor número.
— ...Isso é o que Lorde Willem temia — Jonas sussurrou enquanto TP se aproximava da janela, tentando abrir a cortina semicerrada.
Seus olhos negros pareciam olhar preocupados além do quarto, para a base do lado de fora das instalações.
— ...O que você quer dizer com "isso"? — Lena perguntou, desconfiada.
Jonas a encarou confuso por um segundo antes de assentir.
— Ah, certo, você não pode ouvir... Os civis estão se aglomerando do lado de fora da base.
— Talvez eles estejam tentando fazer exigências ao quartel-general do exército, ou apenas agitando os transeuntes. ‘Contem a verdade. Prendam qualquer um relacionado ao Actaeon, o povo da República, os evacuados. Divulguem a localização dos soldados feridos e dos que estão retornando. Sabemos que eles estão infectados, então exterminem todos.’
Annette olhou para ele, chocada. Usar o termo "exterminar" para seres humanos já era terrível o suficiente, mas, além disso—
— Espera... Você consegue ouvir as vozes do lado de fora da base com tanta clareza? Mesmo com a janela fechada?
— A Casa Degen é uma linhagem que carrega esse tipo de poder entre os Ônixes.
A habilidade de combate superior era o poder único da raça Ônix, e algumas famílias dentro dela tinham sentidos particularmente aguçados. A família de Willem, o chefe do estado-maior — ou melhor, a família servil de seu antigo clã guerreiro — possuía esse poder como resultado. Ou talvez tenham garantido e preservado essa habilidade ao longo do tempo por causa de sua posição como atendentes.
— As células Dear apenas se comportam de maneira semelhante a vírus, mas não são capazes de se espalhar. Mas os civis parecem acreditar que os Actaeon estão infectados com um vírus-bomba, e há vozes exaltadas exigindo que os "infectados" sejam eliminados. Ou, então, que deixem os civis lidarem com eles.
Em outras palavras, descobrir, isolar e descartar os "infectados". Mas, é claro, como ninguém estava realmente infectado, não havia ninguém para ser descoberto ou isolado. O exército e a polícia estavam ocupados tentando divulgar informações corretas, o que fazia com que parecessem indiferentes ao "vírus de atentado suicida" ou, na pior das hipóteses, como se estivessem tentando esconder informações depois do ocorrido, o que apenas enfurecia ainda mais os cidadãos. E o resultado disso era essa situação.
— ...Já houve alguns casos de vítimas dos atentados e suas famílias caçando soldados que retornaram e refugiados, no que chamam de "caça ao Actaeon". Eles foram influenciados por aquela teoria de que a origem do vírus é a Legion... e de que todos no campo de batalha e em áreas próximas já estão infectados.
Os civis já nutriam ressentimento contra os evacuados deslocados por estarem "consumindo" sua paz e prosperidade, então se agarravam a qualquer justificativa que os permitisse atacá-los e expulsá-los. Expandiram o rótulo de Actaeon dos sujeitos de teste das células Dear para os evacuados do território, já que, para eles, estavam perturbando suas vidas pacíficas.
E então eles estenderam essa lógica ao estado-maior do exército, que continuava decepcionando e perdendo. Se a infecção tinha origem no campo de batalha, então aqueles que viviam na capital, longe dali, deviam estar limpos. E, sendo limpos, não precisavam ser expulsos — uma lógica fácil de aceitar.
Jonas estreitou os olhos. Sua audição aguçada provavelmente captava o que Lena não conseguia: palavras terríveis de rejeição e ódio sendo repetidas à exaustão.
— Isso faz com que acreditem que a República, com suas inúmeras traições, é o verdadeiro mal, e que esse mal deve ser expulso... que eles têm o direito de expulsar o povo da República desde que tenham uma justificativa. Era isso que ele temia.
Enquanto isso, os soldados no campo de batalha, todos presumidos como possivelmente infectados, não queriam se ver como alvos a serem expulsos.
— ...Bombas humanas são simplesmente insanas. Não existe um vírus que transforma pessoas em bombas.
Eles não eram Actaeon. Não havia nenhum vírus de atentado suicida.
— Tem certeza de que não são algum tipo novo de mina autopropelida...? Talvez tenham apenas escondido bem isso porque são indistinguíveis de humanos...
Afinal, se houvesse uma bomba no corpo deles, certamente poderia ser removida com uma cirurgia. Se fosse uma doença, poderia ser curada. Se fossem originalmente humanos, bastava dizerem o que aconteceu, e todos ficariam felizes em ajudá-los, certo?
Mas eles não faziam isso, então deviam ser algum novo modelo de mina autopropelida. Isso não provava que eram uma arma inimiga, que não podia ser operada nem obedecia a humanos? Certo?
— E todos esconderam o caso das escutas, não foi? A República, os Eighty - Six, os oficiais de alta patente.
Quando as coisas ficavam feias, os nobres influentes, os generais que se acomodavam em seus escritórios seguros na capital...
— Talvez estejam escondendo algo mais de nós. Algo que não querem que saibamos.
— ...Eu queria que pudessem tirar as bombas de nós com uma cirurgia.
Ao prender uma minhoca no anzol e lançá-lo na água, Citri murmurou isso enquanto observava as ondulações se espalhando pela superfície.
Eles avançavam pelo território de Vesa, evitando os acampamentos montados pelo exército da frente ocidental, e se aproximavam da formação defensiva ao longo da linha Saentis-Historics. No momento, porém, estavam em um desfiladeiro profundo dentro da floresta, o que significava que suas vozes não viajariam muito longe. Por isso, Kiki e os outros aproveitavam para pescar enquanto conversavam animadamente. Yuuto até avisou que poderiam espantar os peixes, mas, no fim, estavam tendo bastante sucesso. Na verdade, Yuuto era o único que, estranhamente, não conseguia pegar nada.
Aparentemente desistindo, sentou-se à beira do rio sem sua vara de pesca e ficou observando a água brilhar ao refletir a fraca luz do sol de inverno que se filtrava entre as copas das árvores. Ao ouvir o comentário dela, ele lançou um olhar para Citri, e ela continuou falando.
Ela estava bastante orgulhosa do que tinha feito naquele dia. Fizera sua própria vara de pesca, teve coragem de pegar uma minhoca debaixo de uma pedra virada e a prendeu no anzol sem precisar da ajuda dele. E, já que foi capaz de fazer tudo isso... queria falar sobre isso também.
Yuuto nunca perguntou o que havia acontecido com eles no laboratório de pesquisa, provavelmente porque sentia que não queriam falar sobre o assunto. Mas justamente por essa consideração dele, ela queria contar.
Queria contar a história de sua... de sua fraqueza e sua astúcia.
— Como mencionei antes, os Actaeon tinham um limite de tempo programado, após o qual explodiriam, mas essa configuração era incompleta.
Minas eram ativadas quando se aplicava pressão sobre elas, mas também possuíam um recurso de segurança que as fazia explodir após um determinado período de tempo — e aqui era o mesmo caso. Deixar minas enterradas no campo de batalha muito tempo depois do fim da luta era perigoso, e desenterrá-las levava tempo e esforço. Por isso, às vezes era necessário que as armas se autodestruíssem para não acabarem ferindo o próprio povo.
Mas, no caso das células Dear, os pesquisadores não conseguiram aperfeiçoar esse recurso de segurança, nem em experimentos com animais, nem com humanos.
Yuuto voltou a olhar para o riacho cintilante.
— ...E foi por isso que vocês decidiram fugir de casa antes de dezembro.
— Sim. Nosso limite de tempo foi programado para o Aniversário Sagrado deste ano, então não temos como saber exatamente em que dia de dezembro isso pode acontecer. Para ser sincera, a situação já ficou perigosa antes disso, e deveríamos ter fugido mais cedo.
Como medida de segurança, eles receberam injeções com células ativadoras que interagiam com as células Dear, despertando-as após um tempo predefinido. Mas o processo foi ativado antes do previsto, fazendo com que os Actaeon explodissem de maneira imprevisível.
Se o tempo programado fosse de dez dias, a explosão poderia acontecer vários dias antes ou depois. E, quando programado para meses ou anos à frente, a margem de erro ficava ainda maior.
Uma arma que podia explodir inesperadamente durante o transporte ou em standby era uma arma inutilizável. Mas, ao mesmo tempo, não havia como enviar um ser humano transformado em bomba para o campo de batalha sem um meio de desativá-lo ou detoná-lo. Especialmente quando essas pessoas haviam sido forçadas a se tornar bombas.
O recurso de detonação-descartável poderia ter sido viável se houvesse um componente mecânico acionando-o, mas as células Dear foram projetadas para semear a dúvida em países inimigos, sendo injetadas em prisioneiros de guerra. Qualquer componente mecânico seria um corpo estranho facilmente detectável, o que anularia o propósito desse recurso de segurança.
— ...Para começo de conversa, as células Dear não são tão simples quanto a República disse anos atrás, quando ameaçou o Império com a ideia de transformar animais em bombas.
— O ativador precisa ser implantado cirurgicamente, e fomos sedados durante a cirurgia, então não sabemos exatamente onde os tecidos celulares foram colocados. Além disso, como as células Dear são feitas a partir das próprias células do Actaeon, não são consideradas um corpo estranho e nenhum exame consegue detectá-las.
Citri e Yuuto não ouviam nenhum pássaro, talvez por estarem muito próximos do campo de batalha, e fazia tanto frio que também não havia o som dos insetos. Apenas o murmúrio do riacho, o ocasional farfalhar das folhas ao longe e as vozes de Kiki, Ashiha, Imeno e Shiohi brincando juntos quebravam o silêncio.
— E mesmo que houvesse alguma outra forma de identificar as células Dear, sempre existiria o risco de explodirmos durante a inspeção ou a cirurgia. O médico e os enfermeiros que tentassem nos ajudar poderiam acabar morrendo, então duvido que a Federação sequer tentasse nos salvar. E, se tentasse, isso só daria ainda mais razão para que esses médicos não precisassem morrer... e, mais do que qualquer coisa... — Citri fez uma pausa.
Ela havia decidido contar a Yuuto sobre sua fraqueza e astúcia. Mas, mesmo assim, expor sua natureza vil para esse alguém forte exigia coragem.
— ...Eu tive medo de que a Federação nos tratasse como cobaias também.
— Que nos prenderiam, nos cortariam em pedaços e nos matariam.
Por isso, ela fugiu, sem contar a ninguém. Sabia que morreria de qualquer forma, mas nada a aterrorizava mais do que ser tratada da mesma maneira que foi no laboratório do Setor Eighty - Six. A ideia de ser trancada e executada era mais assustadora do que qualquer outra coisa.
— Você… teve medo de morrer — murmurou Yuuto suavemente ao seu lado, de um jeito que os outros não pudessem ouvir.
Ela sentiu um puxão na vara. Pegou um peixe. Puxou a linha para trás, vendo o peixe espernear na água. Reunindo coragem, golpeou-o contra uma pedra próxima para matá-lo. Aquele seria o jantar do dia.
O governo da Federação não impedia a imprensa livre. Os chamados para caçar os Actaeon ecoavam livremente pelas transmissões, atingindo todo o território da Federação. Até mesmo as linhas de frente, onde os soldados veteranos se misturavam às tropas vindas das regiões fronteiriças.
"Isolem os refugiados das fronteiras que vieram das áreas infestadas com o novo vírus de minas terrestres autopropelidas. Não deixem que esses servos inúteis, que só consomem nossos suprimentos, ameacem mais a segurança do povo."
Os soldados da capital estavam furiosos. Estavam ali, lutando e arriscando a vida, enquanto os ingratos servos ameaçavam suas famílias em casa.
Os soldados das regiões fronteiriças também estavam furiosos... Estavam ali, lutando e arriscando a vida, enquanto os invasores da capital tentavam expulsar suas famílias.
E, apesar de tudo isso, eles—nós ainda temos que lutar para proteger os servos, os invasores.
Desde a tragédia no mercado, Shin vinha ouvindo relatos cada vez mais preocupantes, tanto na linha de frente quanto no território da Federação. Isso só o irritava ainda mais por não poder exigir a libertação de Lena.
O exército da Federação estava se fragmentando por conta da discórdia interna. O ódio e a divisão não se dirigiam apenas contra o povo da República, mas contra todos, de todas as direções. E se esse ódio se transformasse em violência—se, por exemplo, Lena fosse ferida por conta disso—, o exército da Federação entraria em colapso e perderia toda a sua ordem e integridade como organização.
Para manter a estrutura do exército e sua força de combate, não podiam mandá-la de volta para a linha de frente.
Ele queria terminar a guerra ao lado dela. Mas, se a Operação Overlord fosse realmente acontecer, não podiam permitir que o exército da Federação desmoronasse. E, pensando em sua segurança, era melhor que Lena permanecesse na retaguarda do que ser enviada ao campo de batalha, onde não seria impensável que um de seus próprios soldados apontasse uma arma para ela por ser da República.
Mas, mesmo sabendo disso, Shin não conseguia conter sua raiva. Afinal, estavam fazendo isso contra a vontade dela, violando sua liberdade, e ele só podia observar sem poder fazer nada. Lena não era o tipo de pessoa que queria ser protegida unilateralmente, e ele também não queria ser privado da presença dela dessa forma.
Se não fossem suas responsabilidades como comandante—se sua ausência não afetasse a liderança e o moral do Esquadrão de Ataque —, ele teria fugido para resgatá-la sem hesitação. O que mais o irritava era esse peso da responsabilidade sobre seus ombros. O fato de precisar agir como um adulto responsável e compreensivo e não poder ajudá-la o enfurecia consigo mesmo.
E, além de tudo, o deixava furioso que a única coisa que podia fazer era sentar e lidar com sua frustração.
— Maldição…!
A essa altura, as reportagens sobre os Actaeon não eram diferentes das notícias da época da República, quando os Eighty - Six foram culpados, excluídos e enviados para os campos de internamento.
Isso assustava Dustin.
Se todos os programas de notícias e civis os consideravam inimigos, parecia cada vez mais provável que a Federação não tentaria salvar Citri e os outros. Pelo contrário, provavelmente os caçariam e os matariam.
Fariam exatamente o que a República fez: classificá-los como criminosos e gado, para então exterminá-los.
Com essa ideia martelando sua mente, ele se debruçou sobre o mapa do campo de batalha, analisando a rota que Yuuto mencionara.
De Niva Nova a Noidafune, depois para Niantemis, e então ao território da República, em Neunarkis.
— …Ha.
Um sorriso de autodepreciação se espalhou pelos lábios feridos e arranhados dele.
O caminho estimado que Yuuto lhe passara... Ele não conseguia entender.
Do território de Vesa até a zona de combate em Niva Nova. Depois, para o sul, até a zona de combate em Noidafune, em seguida, para o oeste, até a zona de combate em Niantemis, e ainda mais para o oeste até o destino deles em Neunarkis.
Dustin e Amari teriam que se infiltrar por entre os dois exércitos inimigos para chegar até lá. Era improvável que conseguissem chegar a tempo, mas Amari lhe dissera o ponto de encontro que estavam procurando. Mas ainda assim, ele não conseguia entender qual seria a rota que tomariam. Mesmo considerando qualquer desvio ao longo do caminho e as posições previstas das patrulhas da Legion, que eles precisariam evitar.
Com aquelas únicas instruções, Dustin não conseguiria encontrá-los. Ele não tinha as habilidades de navegação necessárias para adivinhar a rota de Yuuto.
— Ha-ha, certo... Tudo o que posso fazer é seguir o caminho que ele me deu. Mesmo que ela me peça ajuda, eu não consigo nem encontrar o caminho...
— Até quando isso vai continuar?
Gritar essas palavras não era suficiente. Nunca era suficiente, mas tudo o que ele fazia era gritar. Não fazia mais nada, apenas culpava os outros.
Era só conversa, e ele incapaz de agir.
Ele não tinha os meios para chegar até ela, nem as habilidades para sobreviver à viagem. E mesmo que conseguisse encontrá-los, como iria salvá-la? Dustin não tinha o conhecimento médico para extrair as Dear Cells.
— Até quando isso vai continuar? Até quando vou continuar assim? Tão impotente? Tão cego para o quanto sou impotente? Cego para como penso que estou fazendo algo, quando, na verdade, não realizei nada?
Ele apertou as mãos, e o som do mapa se amassando em sua mão ecoou nos seus ouvidos como uma risada zombeteira.
Enquanto ela estava ali, na sala de reuniões escura e vazia, olhando para as costas dele — que estavam curvadas, como se estivesse em um lamento silencioso —, Anju finalmente tomou uma decisão.
— ...Dustin.
Dustin não voltaria vivo se fosse sozinho. Então, ela simplesmente teria que levá-lo com ela. Guiá-lo e protegê-lo enquanto seguiam para o lugar que ele procurava, onde sua amiga de infância o esperava. Com as habilidades que desenvolveu ao longo de seus anos como instrutora, Anju poderia fazer isso.
(Azure: O “Instrutora” você pode interpretar como “Professora” também se preferir”)
— Trapaceie por mim. Não morra.
Aquelas palavras eram veneno para Dustin. Elas o aprisionavam como uma maldição e, como quem lançou essa maldição sobre ele com um rosto cheio de amor, Anju sabia que cabia a ela quebrá-la.
— Dustin, escute... Eu vou com você. Vou te guiar até lá.
Eles seriam tratados como desertores, mas ela não se importava. Também não causaria muitos problemas para seus companheiros. Sentia-se mal por Shin, que estava dividido entre seus sentimentos por Lena e seu dever como comandante, mas no fim das contas, ela era apenas a capitã de um pelotão. Sua saída não afetaria tanto o moral e o potencial de combate do Esquadrão de Ataque quanto a dele.
Ela sabia disso. Aquilo era trapaça. E não uma trapaça inofensiva como o desejo modesto e puro de Dustin—mas uma traição genuinamente injusta. Uma traição da qual não haveria volta. Mas, se nada mais, isso protegeria o coração de Dustin.
— Ainda dá tempo, tenho certeza. Se formos juntos agora... vamos salvá-la.
Dustin demorou um longo momento para virar-se para ela. Mas então, seus olhos prateados e frios finalmente se voltaram para Anju.
— Juntos. Vamos salvá-la.
Você me disse... para não morrer. Para voltar vivo, mesmo que tenha que trapacear para isso... Você me lançou essa maldição, ordenando que eu abandonasse Citri. E agora...
— Você está me dizendo isso? Isso não tem nada a ver com você, Anju.
Sim, se ele aceitasse a ajuda de Anju, provavelmente chegaria a tempo de salvar Citri. Uma Portadora de Nome dos Eighty - Six, e uma das mais experientes entre eles, poderia atravessar as forças da Legion e alcançar o paradeiro de Citri.
Diferente de Dustin, ela poderia fazer isso.
Diferente de Dustin, ela era forte.
E foi por isso que aquilo não tinha nada a ver com ela. Sua fraqueza, sua frustração por ser tão impotente, era algo que Anju jamais entenderia. E, se nada mais, suas palavras—Vou te guiar até lá—eram como uma afronta, expondo sua fraqueza e sua covardia. Ele não queria que ela dissesse isso para ele.
— Estou cansado da maldição da bruxa... Apenas me deixe em paz.
E foi só depois de dizer isso que ele finalmente percebeu. Somente quando ouviu a respiração entrecortada atrás de si, o significado do que acabara de falar se tornou claro em sua mente. O que suas emoções e sua raiva haviam feito com que dissesse.
Ele se virou apressadamente, apenas para ver que Anju já havia lhe dado as costas e corria para longe. O rastro de seus longos cabelos azul-prateados pairava no ar como uma pós-imagem, gravando-se em seus olhos. E por esse motivo, Dustin não conseguiu ver a expressão que ela fez naquele momento.
Ele só conseguiu ficar parado, imóvel, até que Frederica chegou apressada para tomar o lugar de Anju—por ter “visto” a cena ou talvez apenas por perceber que algo estava errado—e, furiosa, chamou-o de tolo de maneira agressiva.
— O que você está fazendo?! Aquele é um campo minado! — Henry gritou irritado ao avistar um soldado de outra companhia empurrando jovens soldados inexperientes para dentro de um campo minado.
Era um canto da linha de frente onde, de alguma forma, não havia combate acontecendo. Apesar disso, os soldados riam de maneira debochada enquanto respondiam, claramente decididos a usar os novatos recém-chegados como alvos de treinamento ou para limpar as minas.
— Qual é, estamos só mandando ele de volta pra mamãe.
— Precisamos ter certeza de que não são algumas daquelas novas minas autopropulsadas, sabe? Se voltarem, são minas. Se não voltarem… parabéns, agora são um dos nossos.
— Ah, é só uma brincadeira. Eles são esquisitos mesmo.
Esquisitos. Pessoas cuja cor da pele, cabelo ou olhos não combinavam. Eles próprios não acreditavam de fato que aqueles soldados eram minas autopropulsadas; admitiam abertamente, com um sorriso, que estavam fazendo isso simplesmente porque aquelas pessoas eram de uma raça diferente. Perseguir alguém, zombar abertamente, era um dos poucos tipos de diversão que tinham no campo de batalha.
— Vocês acham que podem fazer esse tipo de brincadeira aqui? Aliás, acham mesmo que isso é uma brincadeira?! Vou reportar isso aos superiores. Não sou da sua companhia, não tenho por que ficar quieto. Tentem explicar isso ao comandante do batalhão ou à Polícia Militar.
Ele teve que ir tão alto na hierarquia porque, para seu espanto, até mesmo o capitão e o vice-capitão daquela companhia estavam envolvidos naquilo. Os soldados o olharam com hostilidade, irritados por ele ter estragado a diversão deles mais uma vez.
— Ahhh, cala a boca…!
— Não se meta nos nossos assuntos, Weißhaare! Acha que pode dar lição de moral, sendo da República?!
Mas os insultos apenas o encorajaram ainda mais.
— Sim, eu sou da República. E é exatamente por isso que, quando eu digo que vocês vão se arrepender do que estão fazendo, é porque eu falo sério!
O capitão da companhia pareceu surpreso quando Henry gritou diretamente para ele. Enquanto o homem recuava, assustado, Henry apontou um dedo em seu rosto. Ele se lembrava de ter ouvido em algum lugar que apontar para alguém impedia que a pessoa se escondesse dentro de um grupo como um membro sem rosto e sem responsabilidade, forçando-a a ser reconhecida como um indivíduo responsável por suas próprias escolhas e ações.
— Você—sim, você, Primeiro-Tenente Kareli. Simoni Kareli. Ouvi dizer que você acabou de se casar, certo?
— O que você—?
— Você consegue dizer para sua esposa o que acabou de me dizer? Consegue se gabar para ela de que perseguiu pessoas de outras raças até empurrá-las para a morte contra a Legion? E quando tiver filhos? Consegue contar a eles que o papai abandonou crianças da idade deles para morrer só por causa da raça?
Henry olhou ao redor, sua voz cortante como uma lâmina.
— Não, você não pode. E nem você. Nem você. Nem você!
Ele apontou para o rosto de cada um ali presente. Todos tinham a mesma expressão estranha que as pessoas fazem quando suas opiniões individuais são soterradas pela mentalidade do grupo.
O soldado que ele nomeou e separou do grupo desviou o olhar, seu rosto ficando vermelho—de vergonha ou de raiva. A raiva cega de quem foi arrancado do conforto de se esconder na multidão e forçado a encarar sua própria individualidade, onde poderia ser culpado e envergonhado por suas ações.
— E-eu só não preciso contar—
— Você é burro? — Henry o interrompeu, zombeteiro. — Acha que as pessoas não vão descobrir? A República tentou esconder o que fez, e ainda assim o mundo descobriu. Então, o que vocês estão fazendo agora também vai vir à tona. Vamos ver como será quando forem chamados de demônios pelo que fizeram. Quando forem chamados de monstros desumanos pelo resto de suas vidas!
Ele percebeu que tinha começado a rir sem nem notar. Seus lábios se curvaram como um corte profundo em seu rosto, e ele arreganhou os dentes, os olhos brilhando com um vislumbre de loucura.
— E mesmo que isso nunca aconteça… mesmo que ninguém mais descubra, vocês vão saber. Talvez ninguém mais saiba, mas vocês saberão. Então, não há como fugir disso. A verdade vai se impor diante dos seus olhos um dia. Vocês mesmos vão se encarar no espelho e enxergar o que fizeram. Eu—
Sim, eu… Eu sou parte da República, que expulsou e massacrou os Eighty - Six. Mesmo quando isso aconteceu com a família da minha madrasta, com a família do Claude. Eu desviei o olhar e segui minha vida. E por isso—
— Eu sou igual a vocês! Eu abandonei minha família! Por dez anos, andei por aí como se nada tivesse acontecido, como se tudo estivesse bem. Mas não estava—meu irmãozinho ainda estava vivo. E quando descobri, eu desmoronei. Percebi que era um desgraçado que jogou o próprio irmão aos lobos e viveu por dez anos como se não tivesse feito nada de errado!
E era por isso que Henry não podia perdoar aquilo. Porque ele mesmo não conseguia perdoar seus próprios pecados. Continuava se culpando por ter fechado os olhos para a expulsão e o massacre.
— Então, não há como fugir disso. Em dez anos ou mais, quando seus filhos crescerem, ou quando simplesmente virem alguma criança na cidade, a culpa vai desabar sobre vocês como um martelo. Não haverá escapatória. Vocês vão se alcançar um dia. Então parem agora, antes que seja tarde demais. Antes que se tornem como eu!
— T-tá bom, eu entendi! Merda! — O Primeiro-Tenente Kareli disse, olhando para Henry com olhos assustados enquanto batia o pé no chão, como uma criança furiosa.
— Eu já perdi a vontade depois de tanto grito. Vamos parar com isso e não repetir. Satisfeito?
Parecia mais uma tentativa de fazer Henry calar a boca do que um verdadeiro arrependimento. Ele então lançou um olhar para os jovens soldados.
— …Desculpa. A brincadeira passou dos limites.
Não que aquilo pudesse ser chamado de brincadeira.
Enquanto se afastavam, os soldados mais novos os seguiram. Aquela era a unidade deles, e não tinham escolha a não ser acompanhar. Um deles virou-se para Henry antes de ir embora. Tinha pele escura, cabelos dourado-pálidos e olhos brilhantes.
— …Weißhaare.
Henry congelou no lugar. O garoto tinha razão, e Henry não havia se envolvido naquela situação esperando ser visto como um herói digno de agradecimento. Mas, mesmo assim…
O Primeiro-Tenente Nino, que havia corrido para lá ao ouvir sobre o confronto e visto tudo acontecer, pousou uma mão reconfortante em seu ombro. Foi ele quem contou a Henry sobre a ligação de Claude, dando início a uma conversa entre os dois.
— Primeiro-Tenente… Eu entendo.
— …Sim.
— …Capitão Nouzen.
Shin percebeu que devia estar realmente visivelmente irritado, já que uma soldado estrangeira, Olivia, teve que chamá-lo.
— Capitã Olivia. Eu…
Sendo de outro exército, Olivia não estava sob o comando de Shin e, apesar de ambos terem o posto de capitão, Olivia era oficial há mais tempo. Sem mencionar que ele era mais velho, já um adulto. Não o suficiente para ser seu pai… mas como um irmão mais velho ou um primo, alguém a quem Shin podia se abrir.
— O que eu devo fazer? Tenho ficado parado, esperando isso se resolver e que ela volte para casa, mas isso não aconteceu. Na verdade, só está piorando. Eu sinto que deveria ter ignorado as ordens desde o início e ido buscá-la. Tenho que obedecer às ordens o tempo todo só porque sou um comandante, um soldado? Eu quero salvá-la, mas se eu fizer isso…
Eu, como comandante de operações, como oficial, como soldado, como líder dos Processadores da Esquadrão de Ataque … Mas Lena não está aqui, e eu quero ir buscá-la…
— Crescer e deixar de ser criança significa… que nada sai do jeito que queremos e que não podemos fazer nada a respeito?
Ouvindo a pergunta genuinamente infantil de Shin, Olivia respondeu de forma direta:
— Sim.
Seus olhos azuis estavam duros e frios.
— Ser adulto significa deixar de ser uma criança protegida pelos mais velhos. Significa ter coisas que precisa proteger além do seu próprio bem-estar. Significa ter que assumir responsabilidades maiores. Significa que você não vive apenas para si mesmo e que, quando precisar fazer sacrifícios, pode não ser só a si mesmo que terá que sacrificar.
— …
Assim como aquele major-general de um olho só, que fez tudo em nome da Federação, da missão, de impedir que crianças soldados se tornassem assassinos. Ele assumiu essa missão, mesmo que isso significasse deixar sua esposa e filhos para trás. E fez isso com a intenção de confiar o futuro de sua família ao exército da Federação—à Shin e à Esquadrão de Ataque .
Quero dizer a ele que sou um soldado. Foi ele quem me disse para viver direito.
— E sim, a razão pela qual você não sabe o que fazer agora é porque entende o peso das suas responsabilidades. Porque está ponderando as consequências das suas escolhas. Você se importa com a Coronel Milizé, e se importa com seus companheiros. Sabe que tem responsabilidades a cumprir… e, além disso, sabe que não pode expor a Coronel Milizé ao perigo. Você já fez sua escolha, sabendo que agora é o momento de esperar e proteger o lugar ao qual ela retornará.
— …Mas.
Ele não conseguia mais suportar. Sentia que deveria haver uma forma de garantir que tudo desse certo tanto para Lena quanto para a Esquadrão de Ataque , e não suportava o fato de não conseguir encontrá-la.
— Capitã, você viu a última operação. Nem sempre há uma escolha ideal que faz tudo terminar bem. Às vezes, a única opção é escolher aquela que não leva ao pior resultado possível.
E às vezes, as coisas chegavam ao ponto em que simplesmente era preciso aceitar que certas perdas não podiam ser recuperadas. Ele se lembrou do Regimento Hail Mary, que perdeu seus amigos e lares tantas vezes que não suportaram mais. Pensou na comandante deles e naqueles garotos cujos nomes ele nunca soube.
Eles não aguentaram mais e suas ações levaram à catástrofe. Deixaram de fazer a escolha que evitava o pior resultado e seguiram pelo caminho mais terrível.
…Eu pensei o pior deles.
Só agora, quando estava encurralado, ele percebeu. Não queria perder mais nada. Ter que conter esse impulso doía demais.
Só doía tanto porque ele se importava tanto.
Enquanto Shin abaixava a cabeça, Olivia o observou com um sorriso contido.
— Mas, dito isso, você ainda precisa descontar sua raiva, certo? Para a próxima vez, deveria fazer algo para aliviar o estresse antes de chegar a esse ponto… Por ora, consegui permissão para um treino de luta no campo de manobras. Podemos ir agora, se quiser.
Conseguindo esboçar algo parecido com um sorriso, Shin brincou:
— Entendo. Vou usar seu peito para isso, então, Capitã.
(Azure: Shin sem Lena e tipo criança quando roubam o doce XD)
O sorriso de Olivia se aprofundou.
— Isso teve uma nuance estranha… Só avisando, não sou tão bom em combate antipessoal quanto sou em combate blindado. Vou chamar o Primeiro-Tenente Shuga para vir junto—
— Raiden não vai ser o bastante. Vocês vão precisar de mais um, talvez dois.
Shin zombou de Raiden, mesmo sem ele estar presente, apenas para Raiden aparecer de repente e responder sem rodeios:
— Imaginei que você diria isso, Shin… então chamei o seu querido padre para vir ajudar.
Shin olhou além dele e estremeceu ao ver… o padre. Ele parecia menos uma pessoa e mais um urso pardo que havia esquecido de hibernar, flexionando seus braços musculosos e enormes.
De repente, Shin se sentiu muito sobrecarregado.
Rito e os outros perceberam claramente que Shin tinha muita frustração acumulada devido à custódia de Lena após o incidente com o Actaeon. Então, talvez como uma forma de aliviar o estresse, Shin começou uma luta amistosa de corpo a corpo com Raiden, Olivia e, por algum motivo, o padre militar, para o choque e surpresa até mesmo dos Eighty-Six.
O padre ser um monstro já não era novidade, mas Raiden estava indo com tudo, e Shin estava definitivamente mais feroz do que nos treinamentos. Olivia foi o primeiro a sair da disputa, já que combate antipessoal não era seu forte, mas os espectadores o aplaudiram com gritos de:
— Boa luta, Capitão!
— Surpreendente você desafiar o Capitão quando ele tá de tão mau humor!
— …Mas cara, o Capitão tá realmente de péssimo humor hoje… O Vice-Capitão Shuga tá aguentando firme, mesmo com o reverendo ajudando — murmurou Rito, impressionado.
— Hmm, isso tá ficando interessante. Talvez eu possa ajudar se a honra permitir, Pequenino Lobisomem!
Shiden entrou no ringue, entoando uma frase de um filme que viu recentemente em um festival, e se juntou à luta. Raiden avançou junto com ela, passando pelo padre. Nesse momento, a expressão de Shin assumiu um tom de clara irritação.
— A gente deve entrar também, né?
— Vamos nessa, Marcel!
— Eu também?!
E assim, Tohru, Claude e Marcel entraram na briga. Mas Marcel foi nocauteado instantaneamente, transformando a luta em um quatro contra um. No entanto, apesar da desvantagem numérica, o Ceifador da frente leste conseguiu defender sua honra e derrubar todos, sem nem mesmo se esgotar completamente. Ele estava ofegante, no entanto.
O padre, que passou a lutar apenas na defensiva depois que Shiden entrou, perguntou:
— Acalmou um pouco?
— Sim. Esvaziei a cabeça, pelo menos por enquanto — respondeu Shin, limpando o suor com a manga.
Tohru caiu no chão e exigiu que Shin buscasse bebidas para eles, com Shiden erguendo o punho e concordando com entusiasmo.
— Tá me pedindo para fazer chá? Eu? De todas as pessoas?
Shin parecia realmente mais relaxado, já que conseguia brincar como de costume. Raiden deu um leve tapa na parte de trás da cabeça dele.
— Só não diz diretamente que vai trocar o açúcar pelo sal.
— Não, pelo amido de milho.
— Quero dizer, não brinque com comida, seu idiota. Do jeito que as coisas estão, o pessoal do Suprimentos vai arrancar sua cabeça.
Vendo isso, Rito, que havia ficado mais calado como espectador até então, sussurrou:
— Isso na verdade não seria tão ruim. Viraria tipo uma geleia de chá.
— Isso até que poderia ficar gostoso… se não fosse o Capitão Nouzen fazendo — disse Michihi, que se aproximou com um sorriso hesitante.
— …Talvez a gente devesse deixar o Yuuto experimentar quando ele voltar e nos dizer o que acha.
Yuuto, que havia confiado as informações sobre o Actaeon à República e partido com aquelas garotas. Ele, que agora era um fugitivo, sendo caçado pelo exército da Federação e pela polícia.
Ele sabia que isso aconteceria, por isso não contou a ninguém e partiu sozinho, assumindo toda a responsabilidade. E ainda assim…
Michihi sorriu suavemente.
— Sim… Quando ele voltar.
Fiel à declaração de Yuuto, demorou um pouco, mas eles conseguiram atravessar a linha defensiva da frente oeste no território de combate de Niva Nova, assim como as patrulhas da Legion. Foi uma jornada breve e, ao mesmo tempo, longa.
Agora estavam no lado ocidental do território de Noidafune, já firmemente dentro da zona controlada pela Legion, parados em uma floresta sem nome ao norte. Estavam próximos a um grande lago, também sem nome, exceto pelo que os antigos moradores da região possam ter chamado. E espalhados à margem do lago, sob a sombra das longas árvores e pelos galhos, estavam pássaros brancos de pescoço comprido.
Até mesmo Shiohi, cujos olhos caídos costumavam estar meio fechados de sono, arregalou os olhos ao sussurrar:
— …Cisnes?
— Tem alguns cisnes aqui, mas… a maioria são gansos.
Ou talvez patos—Yuuto nem sempre conseguia diferenciá-los. Já havia visto aves assim, que não eram galinhas, no Setor Eighty - Six. Eram comestíveis, se conseguissem caçá-las.
Provavelmente, parte do gado e dos animais de criação libertados durante as evacuações acabaram fugindo devido às batalhas que se seguiram, fazendo com que se reunissem em áreas sob controle da Legion. Isso permitiu que evitassem predadores como ursos e lobos, que a Legion reconhecia como alvos hostis, garantindo que os animais menores vivessem em relativa segurança mesmo após a retirada da linha de frente.
Por outro lado, raposas e aves de rapina não eram alvos da Legion, e esses animais domesticados estavam acostumados a viver sob os cuidados humanos. Yuuto refletiu que encontrar presas provavelmente não era um problema para qualquer gato-do-mato ou raposa vivendo por ali.
Mas Yuuto não compartilhou esses pensamentos violentos em voz alta, então Citri e os outros não faziam ideia deles. Em vez disso, eles se aproximaram das aves, imitando seus grasnados para um bando de gansos acostumados à presença humana, e sorriram felizes.
— Eles são tão amigáveis!
— Que fofos… e macios…!
Oh…
Ao ver isso, Yuuto percebeu que seria melhor desistir da ideia de pegar um deles para o jantar.
Não só foi incapaz de salvar Citri, como também acabou machucando Anju. Disse algo impensável para sua preciosa namorada. Essa realização finalmente o levou ao limite. Talvez devesse simplesmente ter corrido para o campo de batalha para procurá-la, mesmo sabendo que jamais chegaria a tempo.
Dado o estado em que se encontrava, talvez fosse melhor simplesmente trair Anju e partir, sem se importar se conseguiria voltar ou sobreviver.
Ele queria que alguém concordasse com ele. Que dissesse que estava certo. Mas ninguém o confortou dessa forma, então chamou por Amari novamente, buscando palavras que o impulsionassem. Mas assim que ela o viu, seus olhos se arregalaram.
— …Me desculpe. Sei que é tarde para dizer isso, mas talvez eu não devesse ter contado a você.
— Ela disse mais alguma coisa? Citri disse mais alguma coisa?
As palavras se sobrepuseram, mas ele não conseguiu se conter e continuou. Não se importava com o pedido de desculpas. O que Citri disse era o que realmente importava.
Ele queria ouvir que Citri o culpava por sua impotência. Que ela havia dito algo que o fizesse correr para o campo de batalha sem olhar para trás, até que não restasse mais força em seu corpo.
— Ela perguntou por que eu não a salvei? Me chamou de lixo? Disse que eu deveria simplesmente… morrer?
Amari inclinou levemente a cabeça. O semblante de Dustin estava terrível, então ela não se surpreendeu tanto com sua incoerência. Mas…
— Ela não pediu para ser salva…
— Olha, Yuuto!
Citri correu até ele, segurando uma daquelas aves—um ganso ou um pato—nos braços.
Aparentemente, o ganso havia pulado em seus braços em busca de carinho, e Citri parecia tão radiante quanto uma criança.
— Ele é super amigável! E muito carente também. Gosta de receber carinho. Anda, Yuuto, tenta fazer um carinho nele!
Seus olhos violeta-claros brilhavam de felicidade, e pela primeira vez, ele viu nela um sorriso verdadeiramente despreocupado.
Quase inconscientemente, movido por suas palavras, estendeu a mão—não para o ganso que o observava com olhos negros, mas para os longos cabelos loiros de Citri. Para sua pele suave e pálida sob os fios, suja pela longa jornada.
Os olhos de Citri se arregalaram de surpresa, mas ela não se afastou.
Mas no momento seguinte, um pássaro no lago—um cisne de verdade—soltou um grito monstruoso, algo que ninguém esperaria de sua forma graciosa, e alçou voo para longe da água. E, apesar do som ter vindo de outra criatura, era um grito de alerta, que fez os gansos fugirem em pânico. O que estava nos braços de Citri também se debateu e voou, deixando um rastro de penas.
— Ah!
— Uou!
Os dois, é claro, se afastaram, e Yuuto puxou a mão antes que pudesse tocá-la. Os outros gansos também bateram asas e voaram ao redor deles, enchendo o ar de penas. Parecia quase neve—exceto pelo fato de ser fofa demais e suja demais.
Eles se olharam, ambos parecendo ridículos com penas espalhadas sobre suas cabeças e cabelos.
E então, Citri e Yuuto explodiram em risadas ao mesmo tempo. Os dois tentaram rir da situação, fingindo que não notaram aquele estranho impulso que os guiara um instante atrás.
A expressão de Amari parecia duvidosa, como se estivesse confusa sobre por que ele precisava pensar nisso de uma maneira que tornava tudo mais complicado do que deveria ser.
— Ela só disse que queria te ver. Que queria ver seu amigo uma última vez… Ela estava preocupada com você, por causa da ofensiva. Mas, depois de saber que você estava bem, disse que queria te ver antes do fim, porque você era seu melhor amigo… Ah, certo.
Dustin prendeu a respiração enquanto ela continuava, como se tivesse acabado de lembrar de algo.
— Ela disse que queria te pedir desculpas de verdade. Por quebrar a promessa de que vocês iriam para a escola e brincariam juntos amanhã. Por desaparecer.
Essas eram palavras que ele não esperava. E… sinceramente, ao parar para pensar, era um desejo óbvio de se ter. Isso o deixou atordoado.
— …Ela queria me ver por isso?
Ele mal se lembrava disso. Nem sequer lhe passou pela cabeça que o desejo dela poderia ser algo tão simples e óbvio quanto querer ver um amigo mais uma vez.
Como eu poderia salvar Citri? Quando foi que comecei a assumir que Citri sequer queria que eu a salvasse? Estou agindo como se fosse algum tipo de escolhido, um salvador. Ou algum tipo de santo penitente, carregando os pecados dos tolos. Tratei Citri, e todos os amigos que foram levados daquela nova cidade, como se fossem apenas uma tragédia que aconteceu comigo. Fiz deles uma bandeira, para exibir que estou do lado certo, que conheci a dor da perda.
— Até quando isso vai continuar?!
E, no entanto, ele esqueceu com tanta facilidade aquelas memórias triviais, mas preciosas, que tinha com ela e com todos os outros. Esqueceu que ela era um ser humano que viveu ao seu lado e a reduziu a um símbolo para justificar suas ações e sua tentativa egoísta de redenção.
— Eu…
As reportagens na TV e no rádio, assim como a atmosfera na capital fora da sala de estar da propriedade de Ernst e em toda a Federação, estavam pesadas de raiva e desespero. O ódio pela impiedosa Legion era, na verdade, o mais leve, e não parava apenas no desprezo pelas ações da República.
O povo da Federação estava furioso com seus próprios compatriotas. Com a República por desenvolver o Actaeon, com o governo por tentar esconder isso, com os Eighty - Six e os soldados que retornaram infectados, e, no geral, com o fato de que ninguém sabia quem poderia ser uma bomba-relógio.
Os evacuados eram nada além de mendigos incômodos e, apesar de terem fugido das fazendas e fábricas tornando a vida de todos pior, não sabiam seu lugar e continuavam reclamando e gritando sobre injustiças e descontentamento.
Os muitos que morreram nos bombardeios do Morpho, o exército que falhou em derrotar a Legion antes que as coisas chegassem a esse ponto, o governo, os nobres que controlavam o exército, os Vargus, que eram úteis, apesar de serem apenas gado a ser queimado em batalha.
E os chamados heróis de elite, o Esquadrão de Ataque , também não passavam de inúteis. Malditos Eighty - Six.
Ernst soltou um suspiro que parecia uma lufada de chamas.
Se iam gritar com os santos na cruz por morrerem antes de salvar alguém… Se iam amaldiçoar aqueles no campo de batalha por serem inúteis enquanto eles mesmos permaneciam seguros na retaguarda…
Então eles, os que só se importavam em culpar os outros por serem inúteis, não eram, na verdade, os mais inúteis de todos?
— Consegui um! Olha, Yuuto!
Quando Ashiha correu até ele, segurando uma galinha com o pescoço torcido, até mesmo Yuuto teve que encará-la com surpresa.
— Você pegou?
— Foi uma raposa!
Assim que capturou sua presa, uma criatura maior apareceu do nada, se impondo sobre ela, e a raposa teve que abandonar sua caça e fugir.
…Bem.
Animais competindo por comida era algo comum na natureza. E, mesmo tendo deixado sua presa para trás, não havia garantia de que a raposa voltaria para pegá-la.
— …Impressionante.
— Né?!
Ashiha ergueu orgulhosamente a galinha que roubou da raposa.
— Uau, incrível!
— Uma galinha de verdade. Onde você encontrou?
— Nossa, isso é ótimo! Podemos fazer um verdadeiro banquete!
Citri, Shiohi e Kiki tinham acabado de voltar. Shiohi estava recolhendo lenha, enquanto Citri e Kiki carregavam vários punhados de maçãs nos braços.
— Podemos adicionar algumas maçãs… — Citri inclinou a cabeça animadamente. — E fazer um bolo com o resto. Ainda temos um pouco de açúcar e pão; talvez possamos cozinhar algo parecido.
— Podemos cortá-las em fatias, fritá-las e colocá-las no pão com açúcar para dar uma aparência mais parecida com bolo. O que acha, Yuuto?
Yuuto até pensou que, com tudo isso, eles tinham colhido maçãs demais… Mas então piscou surpreso com a pergunta de Shiohi. Um bolo?
— Não me diga que esqueceu. — Citri riu.
— Você é surpreendentemente distraído, Yuuto! — acrescentou Shiohi.
— …Desculpa. Do que vocês estão falando?
Vendo que ele realmente não fazia ideia, as meninas trocaram sorrisos travessos e então disseram juntas na contagem de três:
— “““Hoje é o Aniversário Sagrado!”””
Durante a última década, o exército da Federação tentou preparar refeições especiais até mesmo na linha de frente durante o Aniversário Sagrado. Bifes moldados de carne com o tradicional molho de maçã e bolos pesados salpicados com frutas secas.
Mas agora não havia mais como mascarar a realidade das coisas.
Um dos soldados da infantaria blindada, Vyov Katou, observava o bolo sofisticado, normalmente feito com açúcar e ovos, o tipo de coisa que ele nunca vira em sua cidade natal, e comentou com reprovação. Mesmo que, antes, tivessem se deliciado com esse tipo de luxo.
— Por mais arrogantes que sejam, os moradores da cidade, os nobres e os Eighty-Six não fazem nada por nós. É tudo culpa deles; é por isso que as pessoas continuam morrendo sem parar.
Alguns de seus camaradas, sentados por perto, assentiram em concordância, irritados. Os recentes ataques da Legion lhes custaram muitas vidas, tudo por causa da divisão blindada inútil que ficou para trás e das forças de artilharia covardes que não lhes deram suporte de fogo suficiente. Mas aqueles caras sobreviveram, apesar de tudo. Alguns deles eram amigos ou conhecidos da família de Vyov, vindos de sua cidade natal.
— Alguém tem que ser culpado por isso. Só pode ser culpa deles.
— Honestamente, essa guerra já devia ter acabado até este Aniversário Sagrado.
Sem perceber, Ishmael percebeu que vinha ouvindo esse tipo de conversa cada vez mais, palavras carregadas mais de rancor do que de esperança.
— A gente devia ter bombardeado tudo. Teríamos vencido se tivéssemos lançado as bombas. Já devia ter terminado.
— Dizem que aquilo era a nova arma secreta do instituto técnico. Se tivéssemos usado, teríamos queimado aqueles monstros de sucata. Mas aí o leviatã teve que se meter.
— E os povos dos Países da Frota eram colaboradores.
Esse boato surgiu do caso do Regimento Hail Mary, distorcido de forma maliciosa para alimentar a desconfiança. Com o ar já denso de dúvidas e suspeitas por todo o campo de batalha, esse rumor se espalhou como fogo selvagem pela frente norte.
Os povos dos Países da Frota eram todos estrangeiros. Eles guardavam rancor do Império por tê-los invadido. Eles não eram realmente humanos, mas sim descendentes monstruosos de leviatãs.
Essas ofensas, ditas pelas costas mas em um tom alto o suficiente para serem ouvidas, carregavam mais medo do que desprezo, e isso era o que os povos dos Países da Frota achavam mais inquietante. Essas pessoas agiam como animais feridos e assustados, paralisados pelo desconhecido.
E, como estavam feridos e aterrorizados, não havia como prever o que o medo e o instinto de autopreservação poderiam levar esses animais encurralados a fazer em seguida.
— Cara, deve ser bom ser um soldado ferido. Ao contrário da gente, eles não precisam lutar!
Dessa vez, Theo não foi o alvo direto dessas palavras; quem as ouviu foi um cabo com uma perna protética, ocupado com papelada. O reservista que disse isso o fez com um tom desdenhoso.
(Azure: “Protética” basicamente e “Prótese” o significa em si e outro mais ai o sentido foi dizer que ele tinha uma prótese.)
O cabo apenas lançou um olhar silencioso e reprovador em resposta, e o reservista voltou para seus amigos com uma expressão de orgulho satisfeito. Foi recebido com entusiasmo, enquanto os outros o elogiavam por ter dito o que pensava.
Theo já estava acostumado a ver cenas como essa. As pessoas na base falavam desse jeito fazia algum tempo.
Eles são diferentes. Diferentes de nós. Devem ter trapaceado de alguma forma para aproveitar esse privilégio injustamente. Nós somos forçados a arriscar nossas vidas, e são esses impostores que nos obrigam a isso. Isso faz deles traidores—são eles que deveriam estar lá fora, morrendo.
Theo mordeu o lábio. Ele pensava que a República, o país que criou o Setor Eighty-Six, era de alguma forma única em sua crueldade. Mas até mesmo a Federação, um país que ele acreditava ser normal, se revelou assim quando a situação ficou ruim o bastante.
Não era apenas a República. Era simplesmente a natureza humana. Assim que as engrenagens da sociedade começavam a se desajustar, as pessoas eram facilmente levadas a desprezar e excluir seus semelhantes. Na ânsia de evitar que elas próprias ou aqueles próximos sofressem a morte ou o desconforto, começavam a jogar todos os problemas sobre os outros como se isso fosse justiça.
— …E isso é simplesmente—
Enquanto lia uma proposta enviada ao Senado sugerindo que os refugiados a caminho da capital fossem enviados de volta para a linha de frente como reservistas, acompanhada de editoriais apoiando a ideia, Lena sentiu a respiração falhar.
O argumento da proposta era que essa medida evitaria a tragédia de recrutar civis. Afinal, os refugiados eram inúteis, pois haviam abandonado suas funções nos territórios produtivos e agora não passavam de parasitas ociosos, consumindo os poucos suprimentos de comida restantes.
Como a Federação não era uma república democrática havia muito tempo, muitos de seus cidadãos ainda não sabiam ler ou escrever, especialmente aqueles vindos dos territórios, onde as escolas eram raras. O jornal que Lena lia era impresso na capital, voltado para a classe educada, e por isso tratava o assunto abertamente—afinal, a maioria dos refugiados nem sequer seria capaz de entender o que estava escrito.
Uma certa frase veio à mente de Lena: Se ninguém vive de acordo com seus valores, a bandeira de cinco cores não passa de um pedaço de pano. Aqueles valores de liberdade, igualdade, fraternidade, nobreza e justiça não passavam de ilusões vazias. A imagem do homem que cuspiu essas palavras em seu rosto surgiu em sua mente.
Talvez a democracia fosse uma ideia prematura demais para a humanidade.
E isso não se limitava apenas à República. Era verdade também neste país e, talvez, em qualquer lugar do mundo.
Mas então, uma voz baixa e desconhecida cortou seus pensamentos.
— Essa proposta ainda não foi aprovada pelo Senado, mas já recebeu aprovação nos bastidores. Vão recrutar aqueles vindos dos territórios menos produtivos e cidadãos pobres das áreas centrais que perderam seus meios de subsistência. De qualquer forma, serão os refugiados mais "inúteis", então nem o Senado nem o povo se oporão... Como se sente ao ouvir isso, Rainha Prateada da República?
Lena se virou e se deparou com um jovem oficial de cerca de vinte anos, parado silenciosamente à porta. Ele tinha cabelos e olhos negros, um olhar afiado e cruel e o porte de um guerreiro. No uniforme, carregava o brasão de uma mão esquelética segurando uma espada longa.
Jonas, que estava atrás dela, engoliu em seco audivelmente.
— Lorde Nouzen.
O homem, no entanto, ergueu a voz em um brado sem sequer lançar um olhar em sua direção:
— Quem disse que você tem permissão para latir?! Recolha-se, cão!
Jonas silenciou. Retirou-se para junto da parede, seu rosto se contorcendo — não de vergonha, mas provavelmente de preocupação com a posição de seu mestre.
Lena desviou o olhar dos olhos preocupados de Jonas e encarou atentamente o jovem à sua frente. Ele nunca sequer olhou para Annette desde que entrou na sala. Mantendo a voz baixa e cuidadosa, Lena respondeu:
— Não sei exatamente o que quer dizer com "como me sinto".
— Apenas me pergunto como isso lhe parece, como mulher da República, ver os próprios cidadãos da Federação clamando por algo que efetivamente marcará o fim deste país.
— Isso é sarcasmo?
Os lábios do jovem se curvaram em algo parecido com um sorriso de escárnio. Lena sentiu um alívio genuíno ao notar que, ainda que minimamente, aquele gesto não se parecia com Shin.
— Suponho que você interprete dessa forma. Minhas desculpas, então. Não, eu apenas queria sua opinião para referência futura. Para saber o que fazer quando os próprios civis admitirem, sem precisar dizer em palavras, que no fim das contas, nossos preciosos ideais não passam de vernizes frágeis. Liberdade e igualdade se revelaram nada mais do que instrumentos para que aqueles que têm tudo pisem sobre aqueles que não têm nada.
Os direitos humanos eram um privilégio concedido apenas aos que possuíam algo. Era isso que demonstravam àqueles que nada tinham. Assim, passaram a chamar abertamente, e com orgulho, os desafortunados — sem talento, sem educação, sem motivação — de um novo título: os inúteis. Com sua "sabedoria", sequer compreendiam que mesmo os inúteis e os ignorantes, os preguiçosos e os fracos, sentem descontentamento.
— No fim das contas, a Federação não valia nada. E como se sente você — uma cidadã da República, que conseguiu manter sua bandeira de cinco cores por três séculos — ao ver idiotas que se acham inteligentes enganarem outros idiotas para acreditar que a Federação transformou seus altivos nobres em cidadãos sábios e capazes?
Yatrai realmente acreditava que a democracia era um sistema incrivelmente problemático.
Todos devem ser seus próprios reis. Todos devem assumir a responsabilidade por suas próprias vidas. Mas, naturalmente, algumas pessoas não suportariam essa pressão. Especialmente aqueles que passaram a vida sendo derrotados, impotentes diante da responsabilidade de moldar seu próprio destino, tendo acabado por nascer sob os ideais de liberdade e igualdade.
Mas, se a Federação queria manter esses princípios — e todo o peso que vinham com eles — deveria criar um mecanismo para amparar aqueles que não conseguiam sustentá-los. Algo que desse aos fracos e incapazes uma ilusão de realização, que concedesse aos inúteis algum tipo de significado.
Fosse pela fé, pelo patriotismo ou até mesmo como parte de um espetáculo. Mesmo práticas militaristas do antigo Império — como execuções públicas, corridas de bigas e lutas em coliseus — proporcionavam ao povo um senso de justiça, pertencimento e entusiasmo.
Algo que não apenas saciasse seus estômagos vazios, mas também preenchesse o vazio de sua própria existência.
E se ninguém considerasse isso, mais cedo ou mais tarde, a sociedade desmoronaria.
Uma sociedade reservada apenas para aqueles dispostos a estudar e vencer seria, inevitavelmente, destruída por aqueles que não queriam essas coisas.
E isso terminaria com o povo enforcando o poderoso rei na praça da cidade. Com os necessitados executando os ricos, que possuíam tudo. Com aqueles que tinham tudo despertando a ira dos que não tinham nada.
Uma adaga pouco se importava com o que alguém possuía ao deslizar entre suas costelas. E qualquer um, por mais ignorante ou fraco que fosse, podia empunhar uma adaga.
E se alguém não entendesse isso... Se nenhum dos civis assumisse a responsabilidade e ao menos tentasse manter a fachada dos direitos humanos, sem perceber que estavam colocando em risco a própria segurança no processo...
— Pessoalmente, estabelecer um segundo governo imperial me parece mais problemático do que valeria a pena, mas... Diga-me, Rainha Prateada da República. O povo de Giad...
A humanidade como um todo...
— ...seria sábio o suficiente para suportar o peso da liberdade?
A liberdade e a igualdade deveriam ser concedidas? Lena refletiu por um momento e então respondeu:
— Acho que, no momento em que você chamou isso de tolice, provou ser tão tolo quanto aqueles a quem critica.
A mandíbula de Yatrai se contraiu levemente.
— …Oh?
— E eu também sou. Sim, as pessoas são tolas. Eu sou uma tola, também. Talvez nunca sejamos dignos de ser chamados de sábios. A liberdade e a igualdade podem ser ilusões impotentes que falharemos em transformar em algo concreto até o fim. Mas ainda assim...
Impulsionada a dar uma resposta, Lena sentiu que finalmente compreendia. Ela conseguia encontrar as palavras certas diante dessa pergunta.
Todos esses discursos sobre direitos humanos, liberdade e igualdade... Sim, eram ilusões, conceitos sem substância. E era por isso que os civis estavam falhando em proteger seu valor. Eram palavras vazias, desprovidas de qualquer valor inerente, e só adquiriam significado quando cada pessoa na sociedade lhes atribuía valor e agia para preservá-las.
Como fazer o esforço de viver, pois a igualdade em nome da liberdade significava igualdade também no dever. Como se esforçar para alcançar o outro, apesar de tudo, e viver com um senso de fraternidade, nobreza e justiça.
…Eu sei que, no fundo, também já agi dessa maneira antes. E sei exatamente onde fiz isso—na República. Em algum lugar dentro de mim, desprezei as pessoas que se enclausuraram em um sonho doce, vivendo em um país que fechava os olhos e tapava os ouvidos. Pensei mal delas tantas vezes. E, ao fazer isso... Eu também fui uma tola.
— O que precisamos não é de sabedoria, Lorde Nouzen.
Ela se referiu a ele com um título que não era usado na República, mas que, atualmente, era empregado apenas pelos antigos nobres da Federação. Mas Lena fez isso de propósito. Porque estava falando com um nobre imperial anacrônico, que ainda se via como superior aos outros, aplicando uma lógica aristocrática ultrapassada nos dias de hoje.
As pessoas precisavam tentar viver por si mesmas. Precisavam tentar salvar aqueles que podiam ser salvos. E—tentar não odiar aqueles que não podiam ajudar. Precisavam se esforçar para não arrastar para baixo aqueles que ainda podiam ajudar os outros. Para não expulsar e eliminar aqueles que lutavam para sobreviver ao seu lado.
— O que precisamos não é sabedoria—é bondade. Ter a determinação e a coragem de manter ao menos um resquício de bondade, o suficiente para não desejar que os outros simplesmente desapareçam, mesmo que os desprezemos e os odiemos de verdade. E, de fato, a Federação carece disso agora. E... você também não tem essa bondade no presente e provavelmente não a terá no futuro.
Lena olhou diretamente nos olhos de Yatrai enquanto falava. Seus olhos prateados ardiam ao encontrarem os olhos nobres imperiais, da cor da noite.
— Saiba qual é o seu lugar, nobre imperial. Esse seu coração frio... é a maior tolice que existe.
A extremidade oeste do território de combate de Noidafune realmente tinha pouca presença da Legion, mas isso não significava que estivesse completamente livre dela.
Enquanto Yuuto, Citri e seu grupo se moviam furtivamente pelos intervalos das rotas de suprimento e pontos de reunião da Legion, atravessaram para o território de combate de Niantemis. No passado, aquele território pertencia à República, mas fora anexado pelo Império cerca de um século atrás.
Sentados ao redor de uma fogueira, escondidos no coração de uma floresta, Yuuto e Citri observavam as chamas enquanto Shiohi ria. As folhas sobrepostas no alto dispersavam a fumaça ascendente, e, como a fogueira havia sido cavada em um buraco, sua luz não se espalhava demais. No fundo daquela floresta escura...
— Finalmente chegamos até aqui, Yuuto... Obrigada.
Quando o sol nasceu na manhã seguinte, ela havia desaparecido em algum ponto da escuridão entre as árvores.
A mansão abandonada de um antigo casal nobre que acolhera uma criança usada como escuta clandestina foi incendiada. Afinal, a nobreza era inimiga do povo da Federação e poderia ter conspirado com a Legion.
Soldados da Federação que conseguiram escapar das caçadas da Legion retornaram à linha de defesa do exército da Federação, apenas para serem rejeitados por todos os acampamentos e acabarem morrendo para a Legion de qualquer forma. Afinal, e se eles não tivessem realmente escapado, mas fossem, na verdade, traidores enviados de volta pela Legion?
— Uma posição que cedeu sob a pressão da Legion e enviou um pedido de socorro foi abandonada pelas unidades vizinhas da Federação e deixada para morrer. Era uma posição que contava com muitos reforços, a maioria composta por soldados da República e voluntários.
— Afinal, os soldados da República e aqueles que lutaram ao lado deles poderiam ter sido transformados em bombas humanas.
— Em uma certa unidade na segunda frente do norte, todos os soldados que haviam sido servos no passado foram mortos. Eles foram fuzilados por companheiros soldados da Federação enquanto defendiam crianças evacuadas, resgatadas durante a operação de restauração do rio Roginia.
— Afinal, os evacuados e aqueles que os defendiam poderiam ter sido “contaminados” pela Legion de alguma forma.
E.
Não foi, de fato, uma cena dramática.
Não houve um bombardeio massivo que obscurecesse o céu. Nenhum relâmpago caindo do horizonte. Nada grandioso o suficiente para marcar a chegada de uma catástrofe.
Era uma batalha comum, o mesmo exército metálico avançando contra as linhas de defesa, sob o mesmo bombardeio de artilharia do dia anterior e do dia que veio antes dele. E as sombras infinitas, incontáveis, de máquinas surgindo repetidamente no horizonte eram um lembrete sombrio de que tudo continuaria igual no dia seguinte e no outro depois dele.
Não aconteceu com uma unidade na linha de frente da primeira posição defensiva, onde os combates eram mais intensos. Foi uma unidade que estava a caminho da linha de frente como reforço que sucumbiu primeiro ao desespero. Ao contrário daqueles que lutavam diretamente contra a ofensiva da Legion, imersos no zunido constante dos bombardeios, com a moral elevada pelo fervor e pela adrenalina da batalha, esses soldados ainda estavam calmos—e, justamente por isso, estavam mais propensos a ter seus espíritos quebrados.
— É para lá que estamos indo agora?
Era como se marchassem para a morte. E, de fato, muitos morreram sob aquela onda avassaladora de aço. Eles não queriam ir. Eles não queriam morrer. Não. Não. Não.
Afinal, eles eram…
— Apenas cães dos nobres.
Eram súditos. Vargus. Estrangeiros. Servos. Falantes de outras línguas, pertencentes a outras raças. Tolos, fracos e inúteis. Fortes o suficiente para lutar, mas ainda assim inúteis por se acomodarem na própria fraqueza.
Era por essas pessoas que estavam lutando?
Pelos fracos e tolos que não faziam nada além de esperar que outros sacrificassem suas vidas?
Pelos fortes e preguiçosos que não os salvariam, mas ainda assim os usariam como bucha de canhão?
— Eu não vou morrer por eles.
E então.
E assim.
— Não deveríamos ter que lutar por eles.
Mas de forma alguma esses eram seus verdadeiros sentimentos.
Eles simplesmente perderam a coragem. Ao invés de priorizar os soldados que lutavam ferozmente para conter o inimigo, ou os civis indefesos da linha de frente, da pátria, de suas cidades natais… eles escolheram a si mesmos. Apenas isso.
Todas aquelas desculpas não passavam de justificativas que contavam para si mesmos—e para mais ninguém—para que não tivessem que encarar a verdade. Uma mentira para não enfrentarem a própria covardia. Uma desculpa que repetiam para si mesmos.
Eles se justificaram dessa forma por causa da turbulência dentro da Federação, que havia irrompido como resultado da derrota na segunda ofensiva em larga escala e dos muitos erros da República. Na verdade, porém, isso foi apenas a culminação de incontáveis divisões, hostilidades e rancores que fervilhavam sob a superfície desde a formação da Federação.
O verdadeiro gatilho foi o fato de que cada cidadão da Federação desviou os olhos do título de "terra da justiça", ao qual a Federação se apegara durante uma década de guerra.
Os soldados pararam onde estavam e acenaram uns para os outros, confirmando entre si o descontentamento e o instinto de autopreservação.
— Por que deveríamos morrer por eles? Não podemos sacrificar nossos preciosos companheiros por eles.
— Sim, é isso mesmo. É exatamente isso.
— Então estamos certos em abandoná-los. Não devemos ter que salvar essas pessoas.
Essas mesmas palavras e sentimentos se espalharam de pelotão para companhia, ecoando como gritos em uma câmara de ressonância. Eles passaram a se referir não mais como "eu", mas como "nós", à medida que as linhas entre o indivíduo e o grupo se tornavam turvas, e os medos pessoais se misturavam ao descontentamento coletivo até que já não era possível distinguir um do outro—e tudo foi se amplificando.
— Afinal, eles não são como nós. Eles não estão do nosso lado.
— Eles não são como nós—então, o que acontecer com eles não é problema nosso.
Eles traçaram uma linha.
E, à medida que se tornaram um grupo chamado "nós", uma única criatura tomada pela mesma fúria, sua decisão se espalhou rapidamente, sem qualquer contestação. A vontade de um indivíduo, no fim das contas, não passava de um ruído insignificante diante da vontade coletiva do grupo. Especialmente quando se tratava de coisas como justiça e dignidade.
Alguns dos reforços que estavam a caminho da linha de frente recuaram. Eles os abandonaram pelo bem de "nós". Alguns pelotões e companhias começaram a fugir do campo de batalha.
Uma única borboleta, branca e fina como uma sombra, flutuou na escuridão nevada.
†
Através dos olhos de um Rabe voando a vinte mil metros acima do nível do solo, as unidades comandantes da Legion perceberam como a linha de frente da Federação começava a se desfazer sutilmente. Não estava acontecendo em apenas uma frente—estava acontecendo em todas. Com alguma diferença de tempo, todas as dez frentes da Federação estavam começando a ruir, desde as primeiras linhas até as formações de retaguarda e até mesmo os reforços que se dirigiam para lá.
Eles não foram pegos de surpresa pelo fogo de artilharia, nem atacados por trás por um Löwe. Também não foram forçados a se deslocar para outras trincheiras. As tropas posicionadas na retaguarda da linha defensiva podiam fugir se assim desejassem—e foi exatamente por isso que foram as primeiras a sucumbir ao medo.
<<Segunda fase da pressão concluída.>>
É claro que a frente da Federação era vasta, com apenas a frente ocidental se estendendo por quatrocentos quilômetros, então ainda não havia sido completamente derrotada. Alguns pelotões ou companhias de infantaria se desviando eram apenas gotas no oceano em meio a toda a linha de frente.
Se a Legion pudesse exterminá-los neste momento…
<<Mudando para a terceira fase—formação de uma brecha. Enviando unidades blindadas pesadas.>>
(Azure: Sempre que traduzo as falas do “No Face” eu fico arrepiado porque lembro da voz dele no anime sksksk Em especifico a dublagem em Japonês.)
†
A autopreservação era um instinto humano. Com a ameaça metálica da Legion avançando contra eles, era natural que alguns corressem para se proteger. Quando uma companhia fugia, outra a seguia. Ao ver a infantaria deixando suas trincheiras para escapar, os soldados das trincheiras adjacentes faziam o mesmo. Soldados que aguardavam fogo de cobertura de um bunker atrás deles fugiam ao perceber que o bunker estava vazio.
A primeira linha defensiva da formação abandonou suas posições no calor da batalha, deixando para trás as armas antitanque e as posições de artilharia que deveriam fornecer fogo de cobertura.
Certas posições em cada frente, já enfraquecidas pela ofensiva prolongada da Legion, começaram a se desfazer pouco a pouco, a partir da retaguarda.
E foi exatamente nesses pontos fragilizados que a Legion lançou sua ponta de lança—suas unidades blindadas pesadas—que avançaram com intensidade e precisão cirúrgica.
†
Era uma parte da linha defensiva que já havia sido gravemente danificada pelos ataques da Legion e que precisava desesperadamente de reforços. Esses reforços, no entanto, não chegaram e, para piorar, as posições das armas antitanque na segunda linha foram abandonadas, deixando as trincheiras da primeira linha sozinhas para lidar com um enxame de Dinosauria.
Eles não tinham a menor chance de resistir a um ataque como aquele.
Algumas posições foram rompidas, incapazes de suportar o impacto da investida dos Dinosauria, cedendo sob a pressão da ofensiva. Assim como rachaduras em uma represa que, pouco a pouco, vão se alargando até o colapso total, as unidades blindadas pesadas da Legion esmagaram as trincheiras, invadindo a primeira linha defensiva e criando uma cabeça de ponte, começando a engolir as formações e trincheiras ao redor pelos flancos.
Não havia reforços.
A segunda linha, que deveria fornecer fogo de cobertura para as forças que interceptavam os invasores, havia fugido. A formação de artilharia, incapaz de visualizar diretamente a primeira linha devido à ausência de sua equipe de reconhecimento, não podia disparar por medo de atingir tropas aliadas. E as unidades blindadas, que serviam como defesa móvel e poderiam ter repelido a Legion, também não chegaram.
— Não dá, Capitão... Para onde quer que olhemos, todas as saídas estão bloqueadas por tropas aliadas!
— Merda...
O comandante da divisão blindada rangeu os dentes ao ouvir o relatório do batedor. Ele liderava a unidade encarregada da defesa móvel, posicionada na segunda linha, logo atrás da infantaria na linha de frente.
Os soldados que fugiam da primeira linha precisavam passar pelo setor onde estava a divisão blindada, bloqueando os caminhos por onde tentavam escapar. O pânico e a desordem tornaram o deslocamento da divisão blindada impossível, e, espalhados por toda a zona de combate, os soldados em fuga obstruíam o tráfego em todas as direções.
A maior força da divisão blindada era sua capacidade de combate móvel, a habilidade de se deslocar continuamente pelo campo de batalha. Mas, cercados por soldados aterrorizados correndo ao redor, estavam reduzidos a pouco mais do que torres estacionárias—incapazes de deter o inimigo.
A divisão blindada, que possuía grande mobilidade e poder de fogo, foi neutralizada por seus próprios companheiros em fuga.
Sem reforços, sem suporte de fogo e sem unidades blindadas para interceptar os invasores, a abertura criada pela Legion permaneceu sem resistência, permitindo que mais unidades inimigas avançassem. Temendo que sua rota de fuga fosse cortada quando a Legion começasse a manobrar para cercá-los pelos flancos, as unidades vizinhas começaram a recuar—e, ao vê-las fugindo, outras unidades ao redor seguiram seu exemplo, com medo de serem deixadas para trás.
Se o comando ainda estivesse operando adequadamente, esse colapso poderia ter sido contido. Mas, sem controle, a rachadura continuou a se alargar.
— Mamãe. Mamãe. Espera. Espera.
O choro de crianças ecoava pelo campo de batalha—um campo de batalha do qual todos os civis já haviam sido evacuados há tempos.
Um soldado de artilharia se virou por reflexo ao ouvir o som e viu a silhueta de uma criança correndo em sua direção e se agarrando a ele. Um instante depois, ela explodiu—era uma mina terrestre autopropulsada, modelo infantil.
Embora menos comuns na frente de batalha da Federação do que as minas-modelo soldados feridos, esse tipo de arma suicida da Legion circulava pelos campos de guerra há uma década.
Mas, apesar de serem uma visão relativamente conhecida, espalhavam um terror irracional no ar, junto com o sangue e os restos carbonizados de suas vítimas.
— U—uma criança acabou de explodir!
— Eles estão infectados! Conseguiram chegar até a linha de frente!
— Um novo tipo de mina autopropulsada! Parecem humanos! Eles realmente soltaram isso contra nós!
(Azure: Com certeza a Legion e muito FDP mano, usando este tipo de “arma” covardes.)
O pânico tomou conta das tropas. As teorias da conspiração que surgiram após o incidente de Actaeon—sobre um vírus artificial que transformava pessoas em bombas humanas e sobre novos modelos de minas que eram idênticas a humanos—se misturaram com a visão daqueles dispositivos de destruição, exacerbando ainda mais o medo e a paranoia dos soldados da reserva, que não estavam acostumados com esse tipo de ameaça.
As minas autopropulsadas, assim como a unidade comandante da Legion que as havia enviado para semear o caos, jamais poderiam ter previsto o nível extremo de pânico que causariam.
Inimigos que pareciam humanos e eram indistinguíveis de pessoas reais estavam infiltrados entre suas fileiras. Eles falavam, agiam e se comportavam como humanos—mas seu único objetivo era matá-los sem piedade.
E, se esse era o caso—
Em meio ao desespero, os soldados começaram a olhar ao redor, seus olhos enevoados pela suspeita. Procuravam alguém que estivesse fora do grupo, que não fizesse parte do "nós". Alguém que não era um dos seus. Alguém que poderia ser um inimigo.
Porque eles podiam ser minas autopropulsadas, bombas humanas.
Eles não eram potenciais inimigos. Eram inimigos reais, verdadeiros, que buscavam feri-los.
Mesmo com a linha de frente rompida e suspeitas equivocadas se espalhando, muitas unidades ainda mantiveram suas posições, e reforços correram para ajudar seus camaradas na linha de frente. No entanto, encontraram-se de frente com soldados em fuga e tropas derrotadas, além de unidades blindadas bloqueando as estradas. Ambos os lados obstruíam o caminho e a linha de tiro um do outro, ficando presos em um impasse.
Os soldados em fuga não deveriam estar ali, mas se recusavam a abrir passagem, e a situação estagnou. De ambos os lados, vozes exaltadas exigiam que o outro saísse do caminho. Todos estavam à beira do colapso—seja pelo medo e pânico, seja pela urgência e determinação—e logo os gritos se transformaram em insultos. O tumulto cresceu, alimentando ainda mais a agitação e a hostilidade.
E então, alguém sussurrou:
— Eles não são nossos camaradas de verdade. Pelo que sabemos... podem ser o inimigo.
— Eles abandonaram nossos companheiros. Pelo que sabemos... são desertores, traidores desprezíveis.
— Se vão atrapalhar nossa luta... faz todo o sentido eliminá-los.
Soldados, vestidos com os mesmos uniformes negro-metálicos, viraram suas armas uns contra os outros e puxaram o gatilho.
Os soldados em fuga atiraram em seus aliados.
Os soldados em retirada atiraram em seus aliados.
A notícia do que estava acontecendo chegou por meio de vários relatórios desesperados de soldados que presenciaram a cena. E como um incêndio descontrolado, o caos se espalhou em meio ao pânico da retirada. Mal-entendidos, desprezo e uma malícia latente se misturaram, crescendo até se tornarem irreconhecíveis.
Com o inimigo avançando diante de seus olhos, soldados começaram a se matar porque não conseguiam mais confiar em seus próprios companheiros. De repente, todos eram inimigos, e o medo constante da morte não era algo que a mente humana pudesse suportar por muito tempo.
Os soldados viram seus camaradas serem executados por forasteiros covardes que haviam fugido da batalha.
Os soldados viram conhecidos de suas próprias vilas sendo abatidos sem hesitação—não havia dúvidas, aquilo era obra de alguém de um vilarejo vizinho com quem nunca se deram bem.
Nossos companheiros foram mortos... por eles. Por nobres, por bestiais, por servos, por invasores, por forasteiros, por desertores, por veteranos arrogantes que deixaram a patente subir à cabeça, por reservistas imprestáveis. Eles nos mataram. Mataram nossos preciosos companheiros.
Eles são o inimigo. Como podemos lutar ao lado do inimigo? Eles nos trairiam, nos abandonariam, nos deixariam morrer. Assim como os monstros de sucata fazem. Nunca lutaremos com eles! Não conseguimos nem suportar respirar o mesmo ar que eles!
Os únicos em quem podemos confiar agora somos nós mesmos!
A gigantesca organização chamada Forças Armadas da Federação era composta por incontáveis soldados, vindos de diferentes origens, culturas e crenças. Por muito tempo, isso criou a ilusão de que estavam todos do mesmo lado. Mas agora essa ilusão se despedaçou—e o exército se fragmentou em incontáveis pequenos grupos.
†
Para o oficial da República, Václav Milizé, o vizinho Império Giadiano sempre fora uma ameaça latente. Como coronel, ele conhecia sua estrutura e suas fraquezas.
<< Terceira fase da oposição na frente leste da Federação concluída. Iniciar ataque total. >>
Observando sem emoção o exército da Federação desmoronar através do reconhecimento do Rabe, Sem Rosto deu a ordem.
Para impedir que a população se unisse contra eles, o Império havia sido estruturado de forma a dividir deliberadamente seu povo em múltiplos grupos, fomentando o antagonismo entre eles. Diferentes grupos eram subordinados a diferentes nobres, que se mantinham unidos por interesses comuns e laços de sangue.
Os nobres, que serviam como elo entre o povo e o governo, foram abolidos pela revolução. Mas as inúmeras fraturas entre a população foram deixadas como estavam, resultando em uma democracia apenas no nome—que agora desmoronava sobre si mesma.
Durante dez anos, a Federação resistiu à guerra graças à vastidão de seu território e grande população, mas no fim, sua "vitória" na primeira ofensiva em larga escala foi o que selou sua derrota. A guerra serviu de pretexto para que ignorassem as tensões internas que se acumulavam há meses e anos. A destruição do Morpho parecia um feito grandioso na superfície, mas no fim não significou nada.
Não havia urgência em resolver esses problemas, e foi por isso que o povo da Federação permaneceu cego para o fato de que seu país estava perecendo—até o exato momento de seu colapso.
O golpe final veio quando divulgaram ao público a existência das escutas e a traição da República. Com suas próprias mãos, semearam dúvida e ruína por todo o país. Fizeram com que seu próprio povo acreditasse superficialmente que seus compatriotas eram forasteiros—que os outros não eram dignos de confiança, fragmentando a sociedade em incontáveis pequenos grupos.
<< 1º Escalão, avancem. Persigam o exército da frente ocidental em debandada. >>
†
Os soldados haviam descartado o título de exército da Federação, junto com todas as suas ilusões e presunções, bem como seu valor como elo de união em grupo. Como organização, o exército da Federação se desfez e, talvez, ao mesmo tempo, a própria Federação como país também tenha ruído.
Enquanto essa cena sombria era exibida na tela holográfica do centro de comando, o chefe do estado-maior, Willem, virou-se para os oficiais superiores e comandantes do quartel-general da frente ocidental. A essa altura, o exército da Federação já não funcionava mais como um exército. Não havia mais resistência contra a Legion.
E ainda assim…
— Uma proposta, Tenente-General. Solicite que as reservas da região central e as unidades civis de Vargus sejam enviadas para a posição de reserva em Harutari. Com o apoio deles…
O exército da frente ocidental contava com centenas de milhares de soldados, incluindo o suporte logístico, espalhados horizontalmente por uma extensão de cem quilômetros. Se recuassem da linha Saentis-Historics, na extremidade oriental dos territórios de combate, todas as fazendas e fábricas do território para o qual se retirariam seriam destruídas e transformadas em um campo de batalha. Isso comprometeria sua capacidade de produção, incluindo alimentos, o que equivaleria a um ato de suicídio lento, mas inevitável.
Mas ainda era melhor do que serem completamente exterminados ali.
— Todas as forças da frente ocidental devem recuar para a linha Harutari.
Decisões semelhantes foram tomadas em todas as frentes da Federação. Todos os exércitos recuaram para suas posições de reserva. Suas atuais formações defensivas, já construídas no limite extremo dos territórios de combate, tiveram de ser abandonadas quando a ordem de recuar para os territórios produtivos foi emitida.
Todos sabiam que isso era um ato semelhante ao suicídio — mas não havia outra alternativa.
— Lorde Yatrai…
— Não temos escolha a não ser nos mobilizar, não é? Droga.
Yatrai caminhava rapidamente pelo corredor em direção ao hangar, seguido por seu tenso tenente. Sua unidade, a Divisão Ossos Loucos, deveria participar da Operação Overlord — ou seja, deveria permanecer em prontidão, sem ser enviada para combates defensivos em nenhuma frente.
Mas agora que todas as frentes haviam ruído, a Federação estava chegando ao seu fim. A Divisão Ossos Loucos e unidades de elite de outras casas nobres teriam que ser enviadas para retardar a derrota total, mesmo que isso significasse comprometer a operação que era sua última esperança.
— A Divisão Fogo-Fátuo da capital também será enviada? É… E imagino que os Brantolotes também terão que mandar sua unidade Leopardo de Fogo.
Cada facção mantinha unidades nos arredores da capital sob o pretexto de manter a ordem pública, mas com o propósito implícito de se manterem em cheque. No entanto, a situação havia chegado a um ponto em que realmente precisavam manter a ordem pública. Essas eram unidades que, no passado, conquistaram territórios próximos à capital imperial para conter facções adversárias e nunca deveriam ser enviadas para as linhas de frente, mas agora não tinham escolha a não ser sair da capital.
— Tudo bem. Ainda temos gente suficiente para manter a paz, e podemos cooperar nesse aspecto.
Se a Arquiduquesa Brantolote estivesse tão fora de si a ponto de priorizar disputas políticas num momento como esse, pessoas dentro de sua própria facção realizariam uma purga política. Afinal, era improvável que tivessem espaço para entreter qualquer coisa tola ou inútil daqui em diante.
Yatrai se conteve para não estalar a língua com desgosto, mas ainda assim falou com severidade. A Casa Nouzen se escondera à sombra do imperador fantoche do Império, apenas para depois escapar de uma morte inglória escondendo-se atrás do presidente que promovia a democracia.
Ela falhou em guiar essa democracia e seu povo sob a pressão da Guerra contra a Legion. Ou talvez tenha falhado porque seu filho mais velho fugiu para outro país, ciente da convulsão que essa escolha poderia causar.
— Eu te desprezo, Marquês Nouzen, Lorde Reisha. Desta vez, a Casa Nouzen realmente perdeu sua força.
Como as unidades de elite que haviam sido poupadas da batalha para proteger a região da capital agora precisavam ser enviadas, o Esquadrão de Ataque não tinha mais motivos para permanecer em prontidão. Foi ordenado que avançasse para o campo de batalha mais próximo: a frente ocidental.
— …Garantir uma rota de retirada? — perguntou Shin.
— Defender as rotas Sylvas número quatro a sete. Recuperar as unidades em retirada do território de combate Blanc Rose é nossa missão atual.
Sentada à mesa, Grethe continuou friamente enquanto olhava para Shin.
— A Coronel Milizé ainda não voltará. Mas isso não significa que você tem permissão para recuar por causa disso.
— …Sim. Eu sei.
Ele próprio dissera ao falecido Major-General Altner que era um soldado. Como um Eighty-Six, decidiu que lutar até o fim era sua honra.
Mesmo assim, suas emoções gritavam para que traísse, pois a Federação já o havia traído primeiro, e sua razão lhe dizia que ceder diante de atos injustos só incentivaria que exigissem cada vez mais dele.
— Não perdoe a traição. Lute com toda a sua determinação.
...Mas ele sabia que a situação não permitiria que seguisse seus próprios desejos. E assim, cerrou os dentes.
— Eu sei. Sou um Eighty-Six e um soldado.
Pela primeira vez, sentiu que esse título, Eighty-Six, era um fardo incômodo em seu pescoço.
Com as linhas de frente recuando para os territórios produtivos, a base do Esquadrão de Ataque, Rüstkammer — localizada na extremidade ocidental do território produtivo de Sylvas — tornou-se a nova linha de frente. Já não era mais um lugar que pudesse abrigar a realeza de outro país ou a filha de uma família poderosa.
Ao embarcar na pequena aeronave, enviada a Rüstkammer provavelmente sob grande pressão para essa missão, Zashya encarou os oficiais que haviam vindo evacuar ela e Vika da base.
Ela os enfrentou sozinha.
— Sua Majestade não virá. A Casa dos Unicórnios não pode suportar a vergonha de abandonar os companheiros e recuar para a segurança.
Seu tom e expressão eram frios, deixando claro que não tinha intenção de ceder. Ela estava de costas para a porta do quarto do príncipe, que estava vazio, mas sua postura silenciosa indicava que não deixaria ninguém entrar.
— Senhorita, por favor… — um dos oficiais tentou argumentar.
— Eu lhe dei permissão para falar, plebeu? — ela o interrompeu friamente, seus olhos brilhando com o tom fraco de um raio, a cor da casa real. — Irei sozinha, e vocês aceitarão isso. Isso deve ser suficiente para a Federação alegar que fez sua devida diligência.
Enquanto a pequena aeronave se aproximava, Vika levou Frederica consigo e se escondeu dentro do contêiner de Fido, observando atentamente o que acontecia do lado de fora.
— Já é difícil o suficiente para mim permanecer aqui, mas você não pode recuar também. Precisamos de todas as cartas possíveis nas mãos dos Eighty-Six para que eles não abandonem essa base tão facilmente.
A chave para salvar a Federação e toda a humanidade. A imperatriz era uma carta que precisava ser deixada nas mãos de seus companheiros, os Eighty-Six.
— …E ainda assim você manda Zashya embora?
— Ela é minha garantia caso algo aconteça, alguém para administrar as coisas no meu lugar… Contanto que apenas ela sobreviva, mesmo que eu e meu regimento sejamos perdidos, o Reino Unido poderá entender.
Se a Federação conseguisse manter esse mínimo de respeito, não precisariam suportar os pedidos egoístas de estrangeiros, mesmo que fossem da realeza.
A situação já não permitia esse tipo de concessão.
Frederica abaixou o olhar… Vika também acabara de descartar uma carta de sua mão. O príncipe-serpente lutara ao lado de Shin e dos outros, permanecendo com eles. Estava fazendo isso para que não tivesse que abandoná-los agora.
— Agradeço por isso.
Fido soltou um "pi" eletrônico em concordância. Vika zombou dos dois.
— Não há razão para agradecer. Você também, máquina de corda… Estou fazendo isso por vontade própria.
A sombra alta de uma garota se projetou atrás dele, mas antes que ela pudesse dizer algo, Dustin falou.
— Eu fiz minha escolha. Não vou te fazer chorar.
Mesmo assim, sabia no fundo do coração que apenas dizer isso já a machucaria. Mas não tinha escolha. Era um covarde preguiçoso e impotente, que se achava um santo e era incapaz de agir até que sua unidade fosse obrigada a se mover. Essa era a única escolha que podia fazer, e sabia que isso a feriria.
— Na cerimônia do Festival da Revolução…
Dois anos atrás, durante o Festival da Revolução, quando ainda não questionava a si mesmo.
— …Perguntei até quando isso continuaria. Até quando nós, a República, continuaríamos a perseguir os Eighty-Six. Na época, acreditei que nunca faria algo assim. Mas isso não era verdade. Somos todos iguais. Todos colocamos aquilo que mais prezamos de um lado da balança e todo o resto do outro. E como não tivemos força para escolher ambos, tentamos proteger aquilo que mais nos era querido.
Tanto a República quanto Dustin eram fracos demais, e só podiam escolher um.
— Escolhemos deixar os Eighty-Six de lado. A justiça. Citri. Lançamos fora coisas como o amor e as conexões. E ao descartarmos essas coisas que achávamos belas…
Coisas justas e corretas. Amor e conexões. E, ao jogá-las fora, também se livraram de algo igualmente belo, correto e indispensável.
— …As pessoas descartaram a justiça.
Anju não respondeu atrás dele. Em vez disso, ele sentiu um ar de desprezo irrestrito — algo que não parecia nada com Anju.
Dustin virou-se, confuso, apenas para encontrar Shiden parada ali.
Ele congelou de nervosismo. Os olhos índigo de Shiden se estreitaram, sua testa franzindo enquanto o encarava como se fosse lixo.
— …Escuta aqui.
— D-desculpa! Achei que fosse a Anju…
Dustin ficou ainda mais aflito ao perceber que confundira alguém que não deveria ter confundido. Ambas eram altas, sim, mas Shiden era visivelmente mais alta, além de ter uma estrutura diferente e o cabelo mais curto. Sem contar a cor da pele, do cabelo e dos olhos.
— Você teve sorte de eu não ser a Anju, imbecil. E de eu não ser a Kurena, a Frederica, o Pequeno Ceifador ou o Raiden.
— Eu não vou contar para eles, e nada do que você diga pode me machucar — ela cuspiu… e, casualmente, o fez perceber que ele queria machucá-la.
Dustin permaneceu imóvel, congelado, enquanto Shiden lhe dava as costas e acenava com a mão.
— Vou fingir que não ouvi essa merda… Pense bem em tudo isso até a gente voltar.
— …Anju.
Anju, que estava parada no vestiário, imóvel, mesmo com o horário da missão se aproximando, ergueu a cabeça vagarosamente ao ouvir seu nome ser chamado. Ela estava machucada desde sua discussão com Dustin. Tendo ouvido sobre isso por Frederica, Kurena se aproximou, mordendo os lábios.
Dustin era um idiota, e ele merecia levar outra ducha de água fria quando voltassem dessa operação. Ou talvez todo o esquadrão pudesse jogar tinta nele, como quiseram fazer no primeiro dia de Lena. Só lavar tudo provavelmente já lhe daria um resfriado.
Quando voltassem.
Anju esboçou um sorriso fraco enquanto seus olhos azul-claros refletiam Kurena. Os mesmos olhos cheios de amor por Dustin. Os mesmos olhos cuja cor Anju sempre odiou.
— Kurena… Me desculpe por ter te preocupado. Estou causando problemas para todo mundo, não estou?
Kurena balançou a cabeça, mas o sorriso de Anju permaneceu fraco.
— Me desculpe. Eu… eu provavelmente vou causar muitos problemas para você e para todos nessa operação. Provavelmente só vou atrapalhar. Digo, olha para mim agora. Eu deveria ser a capitã, mas simplesmente não consigo manter a calma… Me desculpe. Sinto muito. Sou fraca e indefesa, mas continuo fingindo que sou forte e capaz… e coloquei aquela maldição no Dustin, e foi por isso que…
Kurena teve que interrompê-la.
— Eu—!
Eu… eu sempre…
— Eu sempre achei você incrível, Anju. Porque você conseguia desejar ser feliz. Você conseguia desejar ser feliz com alguém e dizer a essa pessoa como se sentia.
Mesmo no campo de batalha de sangue e morte do Octogésimo Sexto Setor, onde a morte era uma certeza ao final de um período de cinco anos, onde não havia garantia de sobreviver ao dia seguinte.
E mesmo depois de escaparem do Octogésimo Sexto Setor, ela perdeu Daiya. Vez após vez, enfrentaram a possibilidade de não conseguirem manter seu orgulho. Mas, ainda assim, ela era capaz de dizer a outro — Volte para mim. Eu voltarei para você.
— Isso sempre me assustou, e eu nunca consegui me sentir assim. Então, mesmo que você seja fraca… não, especialmente porque você é fraca…
Seus olhos cor de céu não vacilaram nem por um instante. Nada do que Kurena disse parecia ter chegado até ela. Mas tudo bem. Ela não precisava entender agora; poderia compreender mais tarde, quando doesse ou talvez quando finalmente estivesse em paz. Ela entenderia. Ela veria que ainda era a Anju que ela conhecia.
— …você é incrível, Anju. Eu realmente acho isso.
— Os civis que ainda estiverem na cidade de Fortrapide devem evacuar, se possível, ou, caso contrário, procurar abrigo dentro da base. Vamos posicionar nossas forças na faixa a oeste da Floresta Zasifanoksa — disse Shin, servindo como mensageiro de Grethe, que estava ocupada com os preparativos da operação.
— Estou bem ciente. Sou uma oficial de verdade, afinal — respondeu a Segunda-Tenente Perschmann com um breve aceno.
Como uma unidade ofensiva, o Esquadrão de Ataque deveria partir para auxiliar na retirada do exército da frente ocidental. Enquanto isso, a Segunda-Tenente Perschmann, junto com a equipe de manutenção e o pessoal da base, estaria empenhada em construir a linha defensiva a oeste da densa floresta ao redor da base.
Os engenheiros de combate já estavam em Harutari para estabelecer a posição de reserva, mas agora o Esquadrão de Ataque teria que se apressar para concluir a operação… o que significava que acabaria sendo um pouco rudimentar, mas era melhor assim do que incompleta. Ainda assim, o tempo era curto.
— Enviem um pedido para que os Wulfsrin ajudem na construção das fortificações… Se necessário, posso deixar Bernholdt ou alguém da unidade dele para ajudar com isso.
— Estaremos bem nesse aspecto. Tenho certeza de que as mulheres que criaram cinco garotos tão selvagens quanto lobos mostrarão do que são capazes.
Ela fez essa piada sem sorrir.
— Rezo por sua sorte, Capitão. Retorne em segurança.
Pela primeira vez, Shin viu a Segunda-Tenente Perschmann saudá-lo perfeitamente em seu uniforme de combate.
Os cidadãos da República haviam sido evacuados para um território chamado Montizoto, que fazia fronteira com as zonas de combate de Blanc Rose e Neugardenia, na extremidade sul da frente ocidental. Não era uma área que estivesse diretamente na linha de combate, mas com as frentes recuando e as posições de reserva precisando ser implantadas, agora estava no caminho.
Um chamado para evacuar ainda mais para o interior do país foi emitido por toda Montizoto. No entanto, era apenas um chamado—não havia trens ou carros preparados dessa vez. A Federação já não tinha mais capacidade para providenciar isso.
— O que significa que vocês terão que ir a pé—evacuar caminhando. Eu irei escoltá-los até um local seguro, então as crianças mais velhas devem segurar as mãos das mais novas. Tentem manter os pequenos sem chorar por enquanto.
Não havia outros policiais militares ali. Todos haviam se espalhado pela cidade para guiar os demais. O capitão da polícia militar, que era o responsável pela instalação, reuniu as crianças em um único local, e, como um dos garotos mais velhos, Miel assentiu com seriedade.
O exército inteiro de uma frente contava com centenas de milhares de soldados, veículos e canhões. Sua retirada, portanto, era difícil, especialmente enquanto os combates ainda estavam em andamento. Nem todas as unidades podiam partir ao mesmo tempo. As unidades de apoio, que estavam na posição mais recuada, foram as primeiras a se retirar, enquanto as unidades de reserva foram enviadas para garantir o caminho delas.
Para assegurar a segurança das unidades que recuavam da linha Saentis-Historics, as forças de reserva atravessaram o território de Montizoto em direção a Neugardenia, passando várias vezes por grupos de cidadãos da República que estavam evacuando.
E, ao passarem por eles, um pensamento surgiu.
— Não os resgatamos justamente para que servissem como reforços? Com as linhas de frente em colapso e tantas pessoas mortas, eles podem preencher as fileiras. Assim como estamos sendo usados agora como bucha de canhão.
E então começaram a deter grupos de cidadãos evacuando, obrigando-os — até mesmo crianças e bebês — a retornar ao campo de batalha. Durante dez anos, eles haviam recebido permissão para tomar decisões sem base legal sob o pretexto de "adaptação ad hoc", e agora esses poderes estavam sendo abusados.
Ainda assim, eram soldados armados forçando civis desarmados. Os civis não poderiam resistir… ou, pelo menos, não deveriam ser capazes de fazê-lo. Mas, por acaso, um grupo de tropas voluntárias da República passou por ali. E alguns entre os refugiados carregavam pequenas armas de fogo. Além disso, estavam ali pessoas da República que já haviam sobrevivido a duas ofensivas em larga escala e lutavam agora para sobreviver a um terceiro conflito.
A resistência deles foi feroz e violenta. As forças de reserva, que haviam apontado suas armas sem a intenção real de atirar, foram imediatamente contra-atacadas, engolidas pela multidão enfurecida e esmagadas antes que pudessem reagir.
Tudo o que restou após esse conflito foi a raiva contra a opressão do exército da Federação — e as armas descartadas da unidade de reserva.
Uma revolta de cidadãos da República estourou no território de Montizoto, ao longo da extremidade sul da formação de reserva de Harutari, na frente ocidental. Por volta do mesmo tempo, a líder dos Bleachers — Yvonne Primevére — e seus companheiros escaparam de sua prisão em Sankt Jeder, invadindo e tomando a residência particular de um alto funcionário da Federação. E, apesar de todos esses acontecimentos anômalos, nada disso foi relatado à imprensa.
Após tomar o presidente da Federação — Ernst — como refém, o grupo declarou independência como a Nova República de San Magnolia, estabelecendo o território de Montizoto e a zona de combate adjacente de Neugardenia como sua nova nação.
Nota Tradutor
Azure: Desculpa a demora pessoal dei uma leva desanimada no meio da tradução por conta de umas coisas q estão acontecendo comigo e sinceramente traduzir 86 n e facil pois demanda muito tempo pq sempre quero entregar algo bem feito para vocês e tbm pq eu amo muito essa obra no entanto a vida n e um morango e as vezes o desanimo bate ai por isso pedi ajuda a um amigo meu o Slag q tbm faz parte da Mahou Scan para me ajudar com a tradução eo Cap 4 foi ele quem traduziu e eu fiz a revisão então se vcs acharem qualquer erro por favor me marca no discord ou faz o report do erro no chat de report la no nosso servidor do discord!
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