Volume 13
CApítulo 2: Ver o rosto um do outro
Este Capítulo foi traduzido pela Mahou Scan entre no nosso Discord para apoiar nosso trabalho!
A investigação sobre o Actaeon estava apenas começando, então levaria tempo até que notícias oficiais fossem repassadas ao exército e à população. Ainda assim, dois dos oficiais do Esquadrão de Ataque haviam sido presos. Os membros do Esquadrão de Ataque precisavam de uma explicação sobre o que havia acontecido. E suas reações ao que ouviram foram expressões de um desgosto sem palavras.
— Então foi por isso que encontramos laboratórios e mesas de operação nos campos de internamento durante a Expedição de Socorro da República — cuspiu Siri amargamente.
— Primeiro, escutas humanas, e agora um vírus-bomba suicida. O que diabos a República está pensando...? — resmungou Marcel.
— Era originalmente para ser uma pesquisa sobre fertilizantes — disse gravemente o chefe da equipe de pesquisa Reginleif. — É realmente... ofensivo, sabe?
Como uma potência agrícola, a República era especialista em para-biotecnia. Pesquisar enzimas de bactérias fixadoras de nitrogênio fazia sentido, já que produziam fertilizantes úteis, mas acabaram criando o vírus-bomba humano como subproduto dessa pesquisa. Para os pesquisadores que inicialmente se dedicaram a proporcionar abundância de alimentos ao povo, desviar-se para uma direção tão horrível era, de fato, uma blasfêmia.
Por acaso, os outros subprodutos dessa pesquisa eram as plantas de crescimento agrícola que vinham sendo usadas na República, no Reino Unido e na Aliança desde antes da guerra, mas isso não vem ao caso.
— Ah, e, Segundo-Tenente Marcel, as células Dear não são realmente um vírus, então elas não são contagiosas. Pelo menos, até onde sabemos.
Diferentemente de um vírus, as células Dear não se autorreplicavam, mas sim produziam nitroglicerina. Como resultado, elas não se espalhavam pelo corpo dos Actaeon nem infectavam outras pessoas.
— Ainda estamos esperando que os documentos que apreendemos sejam totalmente examinados, mas, até onde sabemos, elas não foram feitas para ser contagiosas, então não se espalhariam pela República. Armas biológicas infecciosas não distinguem entre amigo ou inimigo, tornando difícil seu uso. E, especialmente com células que transformam um corpo em uma bomba, a República não as tornaria contagiosas, mesmo que houvesse um tratamento profilático ou uma cura para elas. Seria um risco para os próprios cidadãos da República.
— …? — Marcel ficou chocado por um momento, mas então assentiu. — …Ah, entendi. O povo da República não iria querer ser infectado pelas células, e mesmo que fossem, o risco de as pessoas ao redor se tornarem bombas significaria que poderiam ser pegos na explosão, então eles também iriam querer evitar que outras pessoas fossem infectadas.
— E os Actaeon viveram com suas novas famílias por um ano, e ficaram bem. Um ano é um período de incubação muito longo para uma arma biológica, e como o Primeiro-Tenente Shion acabou de dizer, uma operação foi necessária para introduzir as células, então é altamente improvável que sejam contagiosas… Ah, mas, Primeiro-Tenente Shion, você se lembra de algum detalhe sobre essas instalações? Pode explicar o que viu? Ou talvez tenhamos imagens de câmeras das armas que possamos usar…
O chefe da pesquisa se inclinou ansiosamente, provavelmente esperando obter informações. Siri fez uma careta ao responder, e, sentindo-se incapaz de permanecer ali por mais tempo, Dustin levantou-se silenciosamente de sua cadeira e deixou a sala de conferências.
Depois de sair, Dustin vagou cegamente pelos corredores da base, mas isso não o levaria até a pessoa que ele queria encontrar. Ainda assim, algo o impulsionava, e ele andava sem rumo com passos rápidos.
Uma das garotas que estavam em fuga, uma das Actaeon que causou os atentados em série, era sua amiga de infância, Citri Oki.
Dustin nunca soube que ela havia encontrado refúgio na Federação. Ele havia assumido inconscientemente que ela tinha morrido e nunca a procurou, mas agora ela provavelmente havia sido transformada em uma das armas suicidas Actaeon.
Onde estava Citri agora? Por que os Actaeon estavam causando esses atentados? Será que ela estava por aí, em algum lugar, pedindo ajuda?
Eu… Será que eu não deveria estar lá fora? Será que eu não deveria encontrá-la, impedir que ela exploda e realmente salvá-la desta vez…?!
Impulsionado pela impaciência, ele virou uma esquina sem olhar para frente e quase esbarrou em alguém. A Segunda-Tenente Perschmann, que conseguiu desviar dele no último segundo, lançou-lhe um olhar de reprovação. No entanto, a expressão em seus calmos olhos verdes logo se transformou em preocupação.
— O que houve, Segundo-Tenente Jaeger? Você parece péssimo.
— Nada… Desculpe.
Ele devia estar realmente abalado para ela dizer aquilo, mas não fazia ideia de como explicar. Apenas balançou a cabeça vagamente, e Perschmann pareceu entender sua confusão. Com uma expressão preocupada, ela tirou um doce de caramelo embrulhado do bolso, colocou-o em sua mão com firmeza e foi embora.
Anju, que o alcançou enquanto ele permanecia parado, ergueu a voz em vez disso.
— …Dustin.
Nesse momento, ele não queria se virar para encarar aquela voz. Dustin ficou imóvel, de costas para ela. Ele não tinha dúvida de que ela o observava com seus lindos olhos azuis, mais azuis que o ponto mais alto do céu, enquanto falava em um tom gentil, como se estivesse tocando levemente uma ferida aberta.
…Muito parecidos com os olhos de Citri. Aqueles belos olhos violeta que lembravam o céu ao amanhecer.
— Você conhece algum dos Actaeon? É aquela garota que você mencionou antes? Citri.
— Ela era minha amiga… Minha vizinha e amiga de infância.
Dustin acrescentou aquela explicação distraidamente, mas isso ainda fez Anju engolir em seco silenciosamente. Dustin não percebeu.
— Ela sempre foi uma garota muito boa. Não há como Citri querer fazer algo como um atentado. Ela deve estar por aí, pedindo ajuda. E mesmo que não esteja…ela não iria querer morrer em uma explosão.
Sim.
— Eu quero… salvá-la, de alguma forma.
Mesmo que ele não soubesse onde Citri estava ou se ela ainda estava segura. Sem perceber, ele havia apertado e esmagado o doce de caramelo em sua mão.
Cauteloso com um contra-ataque do Kampf Pfau, que tinha um alcance semelhante ao deles, o Morpho disparava apenas rajadas curtas e esporádicas todas as vezes, mas mesmo essas rajadas curtas representavam uma grande ameaça para os civis que viviam nos territórios. Isso significava que, diferente da primeira ofensiva em larga escala, uma operação para eliminar o Morpho não foi imediatamente emitida.
O estresse de se sentir impotente diante de disparos inimigos que poderiam vir a qualquer momento assombrava os civis dos territórios sem descanso. Multidões de evacuados independentes fugiam de seus territórios em direção à área central e à capital, consideradas mais seguras.
Uma fila de veículos transportando reservistas a caminho do campo de batalha encontrou evacuados que, ao viajar pelas estradas desconhecidas da região central com caminhões sobrecarregados de materiais de suprimentos, haviam atolado seus veículos em uma vala. Os reservistas desceram para ajudar.
— …Parece que vocês não vão conseguir tirar isso sozinhos. Ei, tragam um carro aqui. Vamos ajudá-los a rebocar isso.
— De que território você é, senhor? Ah! Eu sou de lá também. De que vila?
— Oh, obrigado, bom soldado. Você realmente nos ajudou. Imagine encontrar um conterrâneo tão longe daqui…
Enquanto tiravam o caminhão da vala ruidosamente, conversavam sobre sua vila natal.
— Certo, senhor, todos vocês cuidem-se na jornada!
— Você também, bom soldado. Cuidem-se!
Eles acenaram uns para os outros como se fossem família. Os evacuados e os reservistas seguiram caminhos separados, refletindo sobre como era bom encontrar um conterrâneo.
— Ora, ora, senhor! Aproveitando a vida, hein? Cercado por tantas princesinhas fofas esperando por você. O que foi, é o filho ilegítimo do falecido imperador?
Enquanto procuravam abrigo sob uma ponte, descobriram que um senhor já estava instalado ali, cumprimentando-os de forma brincalhona. Este foi o primeiro morador local com quem Yuuto e seu grupo interagiram desde que se mudaram do território de Nareva para uma cidade provincial.
Comparado à capital e às cidades das áreas centrais, Nareva estava mais próxima de um território remoto ao longo da fronteira, mas, como o território de Vesa ficava entre ela e o campo de batalha, ainda estava longe da frente ocidental.
Claro, com as frentes recuando após a segunda ofensiva em larga escala, o território ainda não havia recebido uma ordem de evacuação. Talvez as pessoas daqui tivessem partido por conta própria.
— Vejo que você está vivendo com classe apesar da sua idade, também. Parece que o povo daqui evacuou. Houve ordens para isso? Ou…
— Ah, obrigada, jovem príncipe. Sim, um daqueles monstros de sucata, um Morpho, atacou a área. Aqui ainda está seguro, mas a cidade vizinha foi bombardeada, e isso assustou todo mundo, que fugiu para a capital.
O bombardeio de que haviam ouvido falar mais cedo realmente foi um ataque do Morpho, ao que parecia. As notícias sobre esses bombardeios estavam se tornando mais frequentes no rádio do que as menções aos Actaeon, então os danos provavelmente eram severos. As coisas estavam piores do que Yuuto imaginava.
De qualquer forma, Yuuto franziu a testa.
— Você provavelmente deveria fugir também. Um ataque do Morpho realmente poderia destruir esta cidade. Os disparos dele têm uma velocidade extremamente alta, então, se ele atingir esta cidade, você não terá tempo de escapar.
— A capital pode ser grande, mas não é grande o suficiente para todos. Uma mulher da minha idade não tem muitos anos restantes. Pode muito bem ficar aqui.
…Você é uma mulher?
Talvez por estar tão magra e queimada de sol, Yuuto presumiu que fosse um homem. Sentiu-se culpado.
Citri inclinou-se timidamente.
— M-mas, senhora, você ainda deveria fugir. Se ficar aqui… você vai morrer.
— É verdade. Mas escolhi viver com essa elegância, com os flocos de neve como minhas flores de funeral e os corvos para cantar meu elogio fúnebre. Uma boa forma de partir. Melhor do que ser enforcada com um nome que descartei.
A velha riu alto. Seu rosto e lábios estavam queimados pelo sol e enrugados, mas seus olhos brilhavam em vermelho.
— E o mesmo vale para vocês, não é? Vocês vieram até aqui, onde podem morrer. Não sei que tipo de passeio vocês estão fazendo, mas vieram até aqui por escolha própria, certo? Então essa é uma boa jornada. É melhor aproveitá-la, doces princesas e você, jovem príncipe encantador.
Nina vestiu as roupas mais pretas do seu armário e foi com sua tia, trajada em roupas de luto, ao cemitério nacional nos arredores de Sankt Jeder, onde os mortos de guerra repousavam.
Elas estavam indo a um funeral do marido de uma amiga da escola de sua tia. Ele havia sido convocado para o exército e morreu. Como Sankt Jeder ficava no norte do continente, os túmulos estavam todos cobertos de neve durante o mês de dezembro. Era tudo de um branco puro e ligeiramente brilhante, com um manto de neve fria cobrindo tudo, exatamente como naquele dia em que ela visitou o túmulo de seu irmão e viu um soldado da idade dele.
O amigo de seu irmão, Marcel, disse que aquele era outro amigo de Eugene, chamado Shin. Seu brinquedo favorito, um grande boneco de gato, foi um presente de seu irmão e de Shin. Ela pediu a Marcel para dizer a Shin que viesse visitar o túmulo de Eugene junto com ela da próxima vez, e sua tia disse que os levaria na próxima folga dele, mas essa folga nunca chegou.
Os ataques da Legion se tornaram mais intensos, e o exército da Federação finalmente perdeu. Desde então, muitos adultos estavam lutando com muito esforço… e morrendo, assim como seu irmão e o homem para quem era esse funeral.
O caixão sendo baixado no buraco na terra era especialmente leve. Provavelmente não havia ninguém lá dentro. Quando seu amado irmão morreu no verão passado, o caixão teve que permanecer fechado, mas agora Nina, mesmo tão jovem, entendia que eles tinham sorte de ter algo para enterrar.
— …Por que tantas coisas terríveis precisam continuar acontecendo ao mesmo tempo?
Ela ouviu alguém que também assistia ao funeral murmurar, e aquelas palavras soaram especialmente pesadas em seus ouvidos.
Como um dos soldados voluntários da República, o irmão paterno de Claude, o Primeiro-Tenente Henry Knot, fazia parte de uma unidade mista de tropas da Federação e voluntários da República. Após múltiplas operações de suprimento, eles haviam se tornado bastante familiares uns com os outros.
— …Esta posição está realmente sob ataque concentrado…!
As trincheiras estavam terrivelmente frias, cheias de água enlameada misturada com neve derretida. Henry cuspiu essas palavras enquanto puxava uma correia de munição de uma caixa para recarregar uma metralhadora pesada estacionária. O som estaccato de tiros intermitentes, destinado a evitar o superaquecimento dos canos das armas, podia ser ouvido em todos os cantos do campo de batalha.
A dezenas de quilômetros atrás deles, o acampamento de artilharia despejava um inferno de fogo sobre a onda metálica que avançava, mas novas unidades logo esmagavam os restos da Legion caída, continuando o ataque incessante. Os preciosos e poucos canhões antitanque de 88 mm disparavam repetidamente, atacando os Löwe, que avançavam em números superiores.
Essa posição estava sob ataque há apenas alguns dias, mas, na mente de Henry, parecia que isso já durava para sempre.
Um soldado da Federação próximo riu em tom de zombaria.
— A Legion costumava ser composta pelos Eighty-Six; talvez tenham uma rixa com vocês, Primeiro-Tenente!
— Pode ser! Pena que vocês têm que ser pegos no fogo cruzado, então!
A excitação e o tumulto do campo de batalha estavam no auge. Suas provocações e brincadeiras eram todas feitas aos gritos e talvez fossem um pouco extremas demais para parecerem simples piadas, mas o fato de que conseguiam trocar essas farpas pesadas era evidência de sua boa relação. E era melhor extravasar a frustração com o estado desesperador do campo de batalha do que simplesmente suportá-lo em silêncio.
— Quero dizer, nós, soldados da República, somos ótimos alvos! Nosso cabelo prateado brilha e tudo mais! — disse um dos subordinados soldados da República, em tom de brincadeira, provavelmente falado em completo desespero.
— Ah, não podemos deixar o grande país da justiça usar vocês como isca!
— Se vocês são o país da justiça, deveriam arranjar um herói para aparecer e explodir tudo!
— Um herói seria ótimo agora.
— Talvez eles estejam trabalhando em um num instituto secreto de pesquisa.
— Mas falando sério, onde está nosso reforço?! O que os lobinhos de Vargus estão fazendo?!
— Será que o eintopf que pedimos está atrasado?!
(N/T: Eintopf é um ensopado alemão tradicional feito em uma panela, com uma variedade de ingredientes. A palavra Eintopf significa literalmente "uma panela")
A lama nevada os congelava até os ossos enquanto a Legion à sua frente continuava avançando, não importando quantos deles fossem derrubados. Eles tinham que brincar e fazer piadas para aliviar o medo e a frustração. Por mais frios e exaustos pela batalha que estivessem, ver seus homens ainda com ânimo e moral para rir e conversar fez o Primeiro-Tenente Nino Kotiro, o membro mais experiente do batalhão apesar de ter o mesmo posto de Henry, esboçar um sorriso amargo.
— Por estarmos constantemente no foco, o apoio de fogo e a ajuda são sempre enviados para nós, enquanto as unidades ao redor são desgastadas. Só aguentem um pouco mais. Quando tudo terminar, eu vou garantir para vocês café quente e eintopf!
— Sim, senhor!
— Mas, cara, eu não aguento a receita de ensopado caseiro do primeiro-tenente; é sempre tão apimentada!
— O que diabos você acabou de dizer?! É o melhor prato da minha esposa!
— Como é o eintopf na sua casa, Primeiro-Tenente Knot?! Aposto que você coloca muita carne de porco!
As tropas ignoraram a resposta relativamente séria do Primeiro-Tenente Knot.
Henry quase caiu na risada com a piada e respondeu, já que sua madrasta frequentemente fazia ensopados.
— Desculpem, mas usamos peixe e enguias em vez disso! Um dia eu faço para vocês; vão se surpreender com o quanto é bom!
Como Jonas mencionou, Lena e Annette não tinham permissão para sair da suíte nos alojamentos anexos ao quartel-general militar. Seus telefones, terminais de informação e Dispositivos RAID foram confiscados. Em vez disso, podiam assistir ao noticiário e ler jornais, e, de fato, quando exigiram um jornal, receberam a edição completa do dia. Ou seja, pelo menos os superiores não estavam impedindo o acesso às informações públicas e tinham a intenção de deixá-las voltar à linha de frente assim que o incidente fosse resolvido.
...O que fazia Lena, sentada no sofá elegante daquela suíte oficial, pensar amargamente que eles poderiam, ao menos, permitir que entrassem em contato com Shin e o resto. Nos poucos dias desde que ela e Annette foram levadas para lá "para sua própria proteção", examinaram portas e janelas em uma tentativa de escapar, mas tudo estava trancado. Por conta disso, sempre havia alguém no canto do quarto vigiando-as, seja Jonas ou uma das soldadas que trabalhavam sob seu comando.
— Quero dizer, foi tudo tão repentino; tenho certeza de que todos estão preocupados conosco. Eu também estou. Rüstkammer é perto do campo de batalha, e a ofensiva da Legion continua.
Shin esperava vê-la em breve, mas agora isso lhe era negado, então ele devia estar preocupado. Mas mesmo assim.
— Mesmo que saibam onde estamos, eles não são imprudentes ou apressados o suficiente para invadir aqui. Esses superiores estão subestimando eles! — disse Lena, irritada.
— Hmm, não sei se é bem assim... — sussurrou Annette, cansada.
Especialmente quando se tratava de Shin, Annette podia imaginá-lo apressando-se para lá como um cão leal correndo ao encontro de seu dono. Shiden também era suspeita. E Theo, que estava indignado com Annette sendo levada, como se ele fosse o afetado pela situação... Ele era menos um cachorro e mais um gato mal-humorado, no entanto.
(Azure: Acho engraçado como a autora adora comparar eles com animais ksskskskask)
— …Está me ouvindo, Segundo-Tenente Jonas?! Pelo menos devolva nossos Dispositivos RAID! — Lena finalmente se virou para encarar Jonas, incapaz de ignorá-lo por mais tempo.
Depois de ignorar os insultos cortantes que Lena intencionalmente disse alto o suficiente para ele ouvir, Jonas respondeu com indiferença:
— Receio que não posso fazer isso por razões de segurança.
A mensagem de Yuuto levou muito mais tempo do que o esperado para ser levada a sério, então Amari decidiu, depois de alguma hesitação, entregar o bilhete a Dustin. Sentia que, se esperasse mais, as coisas poderiam sair completamente do controle, e isso era preferível a fazê-lo sentir que havia abandonado Citri sem saber.
— Dustin… Escute.
Ela o chamou por trás no escritório comum dos Processadores. Dustin se virou, seus olhos prateados encontrando os dela com confusão.
Como membro do 1º Batalhão, Dustin nunca havia falado com Amari antes. Ele era o único membro do Esquadrão de Ataque vindo da República, o que o tornava um pouco famoso. Então fazia sentido que Amari o conhecesse, mas, dado que havia mais de cem membros de outros batalhões, Dustin não a conhecia.
— Hmm…?
— Amari Mill. Do esquadrão Scramasax do 4º Batalhão. Tenho uma mensagem para você de Yuuto.
Ela se perguntou se, talvez, ele também não conhecesse Yuuto, o capitão do 4º Batalhão, mas, felizmente, parecia reconhecer o nome. Ele deu um “ah” e acenou com a cabeça, ainda parecendo incerto sobre o que se tratava.
— Você foi hospitalizado com ele, então… O que é isso? E, espere, Yuuto não está com você? — perguntou, percebendo que algo estava errado.
Os únicos que sabiam que Yuuto havia partido com as garotas eram os comandantes e oficiais de estado-maior do Esquadrão de Ataque, além do chefe da equipe de pesquisa, e essa informação não teria chegado aos membros de outro batalhão. O comandante de operações, Shin, que conhecia tanto Yuuto quanto Dustin, provavelmente não estava em um estado mental para compartilhar esse tipo de informação, tampouco.
— Yuuto teve que ir para outro lugar, então me deixou uma mensagem. Só que... você é um cidadão da República, então, se isso piorar sua situação, pode fingir que não me ouviu. Se não puder ir, é compreensível.
— Hã? Do que você está—?
— Você conhece uma garota chamada Citri?
Seus olhos prateados se arregalaram de surpresa e congelaram.
— Ela tem cabelos cor de linho e olhos roxos, e é bonita como uma boneca... Você a conhece, não é?
Vendo sua reação, Amari assentiu. Ótimo. Yuuto disse que Dustin não poderia ir, mas Citri disse que ele a conhecia. Então, Amari achou que, como amigos, eles deveriam se encontrar uma última vez antes do fim.
— Yuuto está com ela. Ela é uma Actaeon e... não vai durar muito. Ela fugiu de casa para que ninguém fosse envolvido nisso, mas queria encontrar o amigo de infância dela... você... uma última vez antes de morrer. Então Yuuto achou que talvez você pudesse ir vê-los. Uou?!
Amari se assustou quando Dustin segurou seus ombros com força.
— Yuuto está com ela, certo...? Você sabe onde a Citri está agora?!
Ela ficou impressionada com o desespero nos olhos prateados dele fixos nela e assentiu, tremendo.
— Sei, claro.
Yuuto havia contado para ela. Como ele faria Dustin encontrá-la de outra forma? Por isso, ela não contou a ninguém sobre a mensagem que Yuuto confiou a ela, nem a ninguém, muito menos à polícia militar. Afinal, se eles os encontrassem, a fuga de Yuuto do Esquadrão de Ataque para proteger aquelas garotas teria sido em vão.
Ela mencionou que estavam indo para a República, mas falou assumindo que ninguém acreditaria, dado que a República estava firmemente no território da Legion agora. E depois de uma década de guerra e isolamento, era provável que a polícia militar não soubesse disso. Porque, atualmente, o território da República se limitava aos limites das muralhas de Gran Mur e aos oitenta e cinco Setores administrativos. Mas antes disso, as terras da República faziam fronteira com o Império, o predecessor da Federação.
Portanto, seria na borda dos domínios da Federação — não exatamente próximo à linha defensiva da atual frente ocidental, mas além dela.
— O objetivo deles é Neunarkis, na ponta leste da República. Para chegar lá, estão atravessando o território de Vesa para os territórios de combate Niva Nova, Noidafune e Niantemis. Se estiverem no cronograma, devem estar em Vesa agora.
A frente ocidental estava atualmente posicionada no acampamento defensivo estabelecido ao longo da linha Saentis-Historics, que cortava os territórios de combate ocidentais. Um trecho dessa linha estava na fronteira entre o território de combate de Niva Nova e o território de produção de Vesa, que agora se estendia diante de Yuuto e seu grupo.
Vesa havia sido evacuada durante a segunda ofensiva em larga escala, tornando-se uma base para a linha de apoio logístico da frente ocidental, mas não havia sinais de combate em sua borda oriental, onde fazia fronteira com o território de Nareva. Tudo o que viam eram campos de grãos abandonados, colhidos às pressas antes da evacuação, e as colinas ondulantes típicas do interior ocidental da Federação se estendendo até onde a vista alcançava.
Estava tudo silencioso, exceto pelo som do vento soprando pelos campos e balançando o topo das árvores dos bosques próximos. Citri engoliu em seco enquanto observava as colinas invernais em silêncio.
As cidades e vilarejos de Nareva, pelos quais haviam passado no caminho até ali, estavam desertos, já que seus habitantes também haviam saído voluntariamente. Mas a visão de Vesa, completamente evacuada e sem qualquer vestígio de sua população, era um tipo diferente de silêncio. Em meio a um quietude que parecia seguir o fim de toda vida humana na região, a única coisa que restava eram rebanhos de ovelhas, libertadas de seus cercados por seus donos, pastando nas colinas distantes como nuvens fofas de inverno brilhando sob a luz pálida do sol.
O rádio havia parado de receber transmissões fazia algum tempo. Com as evacuações voluntárias, era provável que as instalações de transmissão estivessem fechadas. O fato de não conseguirem acompanhar o progresso da guerra era um pouco preocupante, mas Yuuto achava que era melhor assim para Citri e os outros. Ouvir sobre as mortes de outras garotas Actaeon e as pessoas que haviam sido feridas no processo só traria mais dor, e eles não precisavam desse tipo de sofrimento para seguir com a jornada.
De qualquer forma, logo se aproximariam das linhas de frente, onde haveria instalações de transmissão funcionando, e, quando chegassem lá, as outras Actaeon provavelmente já teriam fugido para um lugar livre de pessoas. Se as coisas pudessem simplesmente se estabilizar assim…
— Vamos.
— Sim.
Citri assentiu, segurando seus longos cabelos cor de linho contra o vento gelado.
Yuuto não havia levado nenhum equipamento de comunicação, incluindo seu RAID Device. Mas, se Dustin soubesse para onde estavam indo, poderia enviar algum tipo de sinal. Uma bomba de fumaça ou um sinalizador seriam suficientes para informar sua localização. Na verdade, até mesmo iniciar um fogo para produzir fumaça poderia funcionar.
Isso seria o bastante para mostrar a Citri que ele estava lá. Que ele veio para salvá-la.
Impulsionado por esse instinto, Dustin se levantou. Ele deixou o clipboard cair de suas mãos sem nem perceber, e Amari o chamou, surpresa.
— Espere! Ei, Dustin!
Os olhos de Dustin estavam fixos apenas no portão da base de Rüstkammer, que não era visível da saída do primeiro alojamento. Ele estava com o uniforme e as botas, o que era suficiente para a longa caminhada. Não tinha tempo para juntar materiais para acender um fogo, mas poderia conseguir isso no local. Quanto a uma lâmina — ele tinha consigo sua faca multifuncional. Ele havia aprendido a se orientar olhando para as estrelas, então não precisava de bússola ou mapa. Precisava sair e encontrá-la, agora, imediatamente.
De qualquer forma, ele tinha que ir. Ela pediu para ele encontrá-la, afinal. Então ele precisava chegar até Citri, que ele achava que nunca mais veria nos últimos dez anos.
Desta vez, ele a salvaria.
Mas então, uma voz fria e clara o tirou de seus pensamentos fervorosos.
— Dustin, espere!
Ela chamou sem pensar, parando-o no meio do caminho. Mas Anju não conseguiu encontrar mais palavras para dizer. Não suportava a ideia de vê-lo partir. Tinha ouvido o que Amari lhe contou e sabia que não podia deixá-lo ir pelo bem dele mesmo. Isso ia além da preocupação de Yuuto sobre o fato de Dustin ser um cidadão da República, o que poderia colocá-lo em uma posição desfavorável.
O território de Vesa ficava logo atrás de Niva Nova, onde a linha defensiva da frente ocidental estava posicionada. Yuuto e a garota, Citri, estavam bem atrás da zona de batalha ativa com a Legion.
Além disso, o território de Silvas, onde ficava a base de Rüstkammer, não fazia fronteira nem com Vesa nem com Niva Nova. Então, mesmo que ele partisse agora, não era provável que os alcançasse. Na melhor das hipóteses, ele se reuniria com eles em seu destino, Niantemis, a última parada antes de Neunarkis, na extremidade leste da República. E essa área também estava sob controle da Legion agora.
Ela não podia deixá-lo ir.
Um Eighty-Six ou uma Sirin talvez conseguissem fazer aquela jornada… mas não Dustin.
Com o nível de habilidade dele, não apenas era improvável que ele voltasse, mas era duvidoso que sequer completasse o caminho de ida.
Mas, apesar de saber disso, Anju ficou parada, incapaz de encontrar as palavras. Porque sabia que, se ele não fosse, isso o machucaria. O fato de abandonar Citri seria uma cicatriz em seu coração. Ele a chamava de amiga. Dizia que queria ajudá-la. Abandoná-la, apesar disso, deixaria uma marca irreparável na alma gentil e meticulosa de Dustin.
E, sabendo disso, Anju não conseguiu dizer mais nada. Não queria que ele fosse, mas ao mesmo tempo, não queria machucá-lo dizendo isso. Então, não conseguiu escolher entre uma coisa ou outra.
Mesmo assim, a expressão de Anju, enquanto estava ali parada, foi suficiente para trazer Dustin de volta à razão. Ela havia pedido para ele não morrer, e ele disse que não morreria. E, uma vez que se acalmou, percebeu o quão imprudente era tentar partir sem nenhuma preparação, sem entender que aquela seria uma jornada difícil mesmo com todos os preparativos possíveis.
Por não perceber que, se saísse como estava, não voltaria vivo.
Anju ficou imóvel, com a expressão contorcida de ansiedade e conflito. Sabia que não podia deixar Dustin ir, e, embora não conseguisse dizer mais nada, sentia que precisava dizer que ele não devia fazer isso, mas todas as palavras falharam.
Ele não queria traí-la… Não conseguia se forçar a fazer isso. Então conseguiu esboçar um sorriso, de alguma forma.
— Me desculpe. Eu não vou… Não posso ir sozinho.
Ele nunca conseguiria marchar pelo território da Legion. Nem mesmo chegaria à frente ocidental, porque, antes de alcançar o território de Vesa, o tráfego caótico das estradas — com todas as linhas de suprimentos e soldados indo e vindo — o impediria. E ele também não podia relatar a situação ao exército da Federação, pois isso seria expor o que Citri, uma Actaeon viva, e Yuuto, um desertor, estavam fazendo.
De qualquer forma, ele não podia ir. Ele sabia disso.
— Não se preocupe. Eu não esqueci minha promessa. Não vou morrer. Não vou caminhar para a morte.
Mas, se Citri deixou aquela mensagem, ela realmente queria que ele fosse ajudá-la. Se ela lhe disse para onde estava indo, ela realmente pretendia esperá-lo. Ele poderia abandoná-la, então?
Em troca de proteger o desejo da Bruxa da Neve?
(N/T: Estou tentando ser mais fiel ao nosso idioma deixando “Titulo/Nome de guerra deles” em portugues porem se n gostarem eu volto a colocar em ingles)
— Vou encontrar um jeito de ser discreto nisso… Eu tenho permissão para ser injusto dessa forma. Então, não fique com essa cara de que vai chorar.
Essas palavras finalmente fizeram a expressão de Anju se contorcer em tristeza.
Os moradores da vila conheciam-se como uma família, e raramente havia forasteiros, então provavelmente não previam a possibilidade de roubo. O máximo que faziam era trancar a fazenda com um cadeado para impedir que corvos e gatos causassem bagunça.
Yuuto arrombou a porta do celeiro da fazenda abandonada com um chute. Não era um cadeado resistente para começar, mas, por estar velho e enferrujado, ele quebrou e voou para longe, abrindo a porta com uma facilidade surpreendente.
Talvez fosse para bloquear intrusões violentas, mas as portas fechadas tentavam manter os intrusos do lado de fora. Quando a porta se abriu rangendo, ele a empurrou com a mão e olhou para dentro. As lâminas e enxadas usadas para cuidar dos campos estavam brilhantes e em bom estado, em forte contraste com o cadeado enferrujado. Provavelmente tinham sido bem cuidadas até pouco antes de os proprietários evacuarem.
Esse pensamento fez Yuuto sentir-se culpado enquanto pegava essas ferramentas, escolhendo um machado. Até aquele momento, ele havia evitado as pessoas, já que não tinha armas, mas uma lâmina como aquela era útil de se ter.
Citri olhou curiosa para dentro do celeiro por trás dele. Ela sabia que iriam invadir para pegar coisas lá dentro, mas não esperava que ele arrombasse a porta com um chute.
— Isso é para lutar contra ursos ou lobos ou algo assim? — perguntou ela.
— Claro que não. — Yuuto balançou a cabeça lentamente e apontou para os campos colhidos que se estendiam à frente com o machado ainda preso na bainha.
A vista era típica da paisagem agrícola dos territórios de produção, com cidades pontuando o horizonte. Isso também era verdade para os territórios de Miana e Nareva, que eles haviam atravessado no caminho até ali. No entanto…
— O território de Vesa é atualmente a área onde está implantada a unidade de apoio logístico do exército da frente ocidental. Eles derrubaram quaisquer cidades e casas que pudessem atrapalhar o trabalho deles, então podemos ter dificuldades em encontrar estruturas para nos proteger da chuva e do vento. Vamos precisar de lâminas para construir uma barreira contra o vento.
Eles não podiam acender uma fogueira em um clima ventoso. E um abrigo improvisado não ajudaria muito a afastar o frio, então ele evitava isso sempre que possível. Mas, não havendo outra opção, era melhor do que nada.
— Entendi... — murmurou Citri, com os olhos arregalados de surpresa.
As meninas então trocaram olhares e assentiram corajosamente.
— Você disse que precisa de uma lâmina, certo?
— Eu carrego para você. Podemos ajudar a fazer o abrigo.
Yuuto olhou para elas surpreso, pego de surpresa pela sugestão repentina.
— Quero dizer, se você também tiver que fazer os abrigos, isso será um peso a mais para você, certo? Precisamos ajudar.
E era exatamente como a velha havia dito. Elas estavam naquele caminho porque escolheram estar ali e, já que tinham chegado tão longe, poderiam ao menos fazer dessa jornada algo significativo.
Afinal, esta era a primeira e última jornada delas.
— Queremos experimentar tudo o que você está fazendo.
Parece que Lena teve seu RAID Device e todos os seus dispositivos de comunicação confiscados durante sua "prisão". O mesmo aparentemente aconteceu com Annette quando ela foi "colocada sob proteção".
A audácia de usar a palavra proteção, pensou Shin indignado enquanto passava seu tempo livre após o trabalho no espaço de espera de Fido. Ele escolheu permanecer ali para não ser visto por seus subordinados naquele estado mental.
Quando ficou tarde e o toque de recolher se aproximava, ele voltou ao alojamento, onde encontrou Frederica parada pensativa no corredor.
— …O que houve, Frederica?
Ela se virou para olhá-lo.
— Não sou eu. São Dustin e Anju...
Shin assentiu. Yuuto havia informado, através de Amari, que Dustin conhecia uma das Actaeon… o que o lembrou de que ele se esqueceu de contar isso a Dustin. Frederica pareceu notar a mudança em sua expressão e deu de ombros.
— Você está preocupado demais para pensar em Dustin neste momento. Pode pedir para Kurena, Claude ou Tohru cuidarem disso.
— ...Obrigado.
Ela tinha razão; ele honestamente não estava em um estado emocional para se ocupar com aqueles dois.
— Não se preocupe, eu cuidarei disso. Se necessário, jogarei Dustin aos Legion em seu lugar.
Quando Shin ouviu isso, seu humor finalmente melhorou um pouco.
— Certamente, não posso deixar isso para você... Daiya me repreenderia se eu fizesse isso.
Provavelmente, ele ficaria bravo com Shin por deixar uma criança fazer seu trabalho por ele. Daiya, que agora era mais jovem que ele, sempre levava esse tipo de coisa a sério.
Ele estava certo em presumir o pior e começar a trabalhar cedo. Graças a isso, apesar de Citri e as outras garotas manusearem o machado e outros equipamentos com certa dificuldade, conseguiram montar o abrigo antes do pôr do sol.
— Uau, parece uma casa...!
— Não acredito que fizemos isso com galhos e árvores.
Era algo que só serviria para passar uma noite, e com galhos cobertos de folhas, mal poderia ser chamado de cabana. Mas Kiki e Karine olhavam para aquilo com olhos animados.
Shiohi e Citri de alguma forma conseguiram acender uma fogueira e tiraram as latas de comida, enquanto Ashiha e Imeno saíram para juntar gravetos, mas claramente estavam brincando juntas. Elas arrancaram a casca de árvores nuas e deram risadinhas ao encontrar joaninhas hibernando embaixo dela, e se assustaram sempre que um camundongo ou algo parecido fazia barulho no mato.
— Ei, parem de brincar. O jantar está pronto — disse Citri, emburrada.
Era apenas comida enlatada aquecida e pão frito duro e pesado, mas, como conseguiu manter a fogueira acesa sozinha, isso contava como um “jantar” perfeitamente válido aos olhos dela.
As outras quatro voltaram e se sentaram ao redor da fogueira que haviam cavado no chão. Karine se ofereceu para preparar o chá da sobremesa, fazendo-o com agulhas de pinheiro. Relaxando, Yuuto abriu o mapa para confirmar o percurso do dia seguinte.
— No momento, estamos em Vesa. A noroeste está o território de combate Runiva, e ao sudoeste faz fronteira com Niva Nova. Ambos têm posições do exército da frente ocidental montadas ali. Como eu disse ao meio-dia, Vesa é uma área onde as unidades de apoio da frente ocidental estão desdobradas. Não há mais civis por aqui, mas teremos que ficar atentos aos soldados daqui em diante.
Eles não seriam mortos se fossem capturados, mas com certeza seriam presos e levados sob custódia. E, como Yuuto era um desertor foragido, isso definitivamente o colocaria em sérios problemas.
As garotas se agruparam ao redor do mapa, que tinha a rota planejada marcada com um marcador colorido.
— Podemos passar pela posição da Federação e pela linha de patrulha da Legion indo para a floresta virgem no norte de Niva Nova. Esse caminho vai levar o maior número de dias para atravessar. Depois disso, vamos para o sul, atravessando o território da Legion até Noidafune, e depois vamos para o oeste até Niantemis.
Ele baseava sua suposição de que a jornada exigiria menos cautela depois de cruzar a linha de patrulha da Legion nos eventos de dois anos atrás. Naquela época, quando Shin e seu grupo atravessaram os territórios. Isso, e as várias incursões das Sirins no território da Legion, também provaram que pequenos grupos de criaturas de tamanho humano eram capazes de infiltrar e operar atrás das linhas da Legion. Com a República destruída, a Legion tinha suas forças concentradas na frente ocidental e não deixava tropas apenas vagando pelos seus territórios.
Nesta vasta wilderness que se estendia por quatrocentos quilômetros de norte a sul, um pequeno grupo de humanos, com suas assinaturas térmicas baixas e tamanho diminuto, seria difícil de detectar com tantas colinas onduladas, florestas sem nome e áreas de capim alto para se esconder.
— Tem mais alguma coisa com a qual devemos nos preocupar? — perguntou Imeno, inclinando a cabeça.
— Tem algumas coisas. Como estamos nos aproximando das posições da Federação, vocês vão precisar ficar quietas, especialmente durante a noite. Isso vale também para os territórios da Legion. O som viaja muito longe, especialmente depois que escurece. Se precisarem acender uma fogueira sozinhas, certifiquem-se de cavar um buraco como eu fiz e acender o fogo dentro dele.
Isso era algo que Yuuto e apenas alguns Eighty-Six ouviram falar, mas havia uma velha anedota de Vargus sobre um sentinela noturno que acendeu desnecessariamente um cigarro, e sua luz fez com que fosse alvejado por um atirador. Recordando isso, Yuuto acrescentou brincando:
— Então, se vocês forem fazer barulho procurando por insetos ou pequenos animais, é melhor tirarem isso da cabeça enquanto ainda têm uma chance.
Imeno e as outras responderam com um "sim". Citri bufou de raiva e lhe deu um tapinha nas costas, mas o tapa teve toda a força de um pequeno pássaro e nem chegou a fazer seus ombros se mexerem.
Tendo que garantir que os dois oficiais da República estivessem protegidos significava que Jonas estava longe do lado de seu mestre, mas ele manteve contato com ele. Perguntou sobre a investigação em andamento sobre o Actaeon enquanto se perguntava quanto deveria contar a Lena e Annette. Ao mesmo tempo, estava preocupado com a leve exaustão na voz de Willem, que apenas ele perceberia, devido ao longo tempo de serviço.
— Também encontramos o corpo de uma das meninas fugitivas. Foi suicídio. Embora não seja tão útil quanto um espécime vivo, o corpo foi enviado ao departamento de armas biológicas do instituto de pesquisa técnica para ser dissecado sob a desculpa de uma autópsia. Eles estão trabalhando nisso agora.
“...”
Jonas teve que se perguntar se realmente foi suicídio. Mesmo com o inverno e a polícia e as forças estacionadas ao redor da capital ativamente procurando por elas, era difícil acreditar que alguém encontraria o corpo de alguém suspeito de cometer suicídio enquanto ele ainda estivesse fresco o suficiente para ser investigado.
Willem parecia perceber a desconfiança de Jonas e riu de forma sarcástica. Falou com tom repreensivo, um tom que Jonas ouvira quando ainda era uma criança no início de seu serviço, mas que raramente escutava nos últimos anos.
— Foi suicídio, Jonas. Não estamos em uma situação onde podemos deixar nossas tropas cruzarem essa linha... e é de mau gosto duvidar da coragem e da determinação de uma garota que escolheu voluntariamente tirar a própria vida antes de se tornar uma bomba viva.
Como o vírus usava a atividade celular para sintetizar nitroglicerina, as células não funcionais de um cadáver eram inúteis para esse propósito. Mas mesmo sabendo disso, escolher a morte ainda seria uma decisão aterrorizante e difícil de tomar para uma garota que não foi treinada para ser uma soldado ou servir como um escudo de seu mestre.
Jonas fechou os olhos de vergonha. Ser racional e ser cruel eram coisas diferentes, assim como examinar informações com cuidado era diferente de uma desconfiança que interpretava tudo da pior maneira possível.
— Minhas desculpas... Então, vamos divulgar as informações precisas à imprensa mais cedo do que o esperado?
— Honestamente, eu preferiria não revelar isso, se possível, mas infelizmente não podemos fazer isso.
— Desinformação e rumores irresponsáveis apenas causaram inquietação e pânico, especialmente entre as massas. Isso foi ainda mais verdadeiro agora, com o crescente descontentamento público em toda a sociedade devido ao agravamento da guerra. Isso significava que fornecer notícias precisas era a melhor solução para evitar isso, mas... divulgar a informação estava sendo difícil. Informações falsas sobre novas minas autopropelidas ou armas biológicas eram muito semelhantes aos rumores. Talvez devêssemos ter proibido a exibição daquele programa.
— Isso é irrelevante. Qualquer um poderia pensar nisso. O verdadeiro problema é que, de todas as coisas, a República é responsável por isso.
Jonas piscou com a resposta surpreendente. Incomum, seu mestre soltou um suspiro baixo, mas profundo, do outro lado da Ressonância.
— Isso daria às massas um mal claro para colocar toda a culpa... e, na nossa situação atual, isso poderia levar a coisas problemáticas.
Com o bombardeio do Morpho em andamento, o número de evacuados dos territórios de fronteira crescia constantemente, e até mesmo os territórios centrais ao redor de Sankt Jeder estavam ficando sem espaço para acomodá-los. Quase todas as vagas em hotéis e edifícios de apartamentos estavam preenchidas quando a segunda ofensiva em larga escala começou.
Por enquanto, as instalações públicas foram abertas e convertidas para aceitar os evacuares, mas até essas instalações eram limitadas em número. As necessidades diárias e os alimentos também estavam se tornando um problema.
Após ser enviado para ajudar na construção de instalações, distribuição de alimentos e ter que lidar com demandas, queixas e apelos que teve que atender durante dias a fio, Theo estava exausto. Com a falta de combatentes na linha de frente se tornando crítica, não eram apenas os reservistas sendo chamados para lá. Soldados estavam sendo retirados das unidades de apoio, deixando unidades como a de Theo com falta de pessoal.
Então, ele cambaleou até o refeitório da base, com a intenção de tomar algo doce na forma de café com caramelo. Foi quando percebeu.
— …Hã?
Tanto o café para o qual ele estava indo, quanto a rede de fast food ao lado dele, e, de fato, todas as lojas no refeitório… haviam aumentado seus preços de maneira geral, embora de forma ligeira. Ele se perguntou o motivo enquanto fazia seu pedido de café com caramelo, e enquanto o bebia, a dúvida continuava rodando em sua mente até que, de repente, ele se deu conta.
— Certo... Os territórios...
Após a linha de frente recuar devido à segunda ofensiva em larga escala, parte dos territórios produtivos teve de ser evacuada, o que significava a perda da produção de terras agrícolas, fazendas de gado e fábricas. O impacto disso foi sentido dois meses depois, com a queda no abastecimento em Sankt Jeder e o aumento dos preços em toda a região da capital. Isso afetou não apenas as colheitas, que estavam fora da temporada, mas também os laticínios, carnes e itens de necessidade diária.
— Ouvindo uma reportagem que informava que alguns itens essenciais teriam de ser racionados, Lena sorveu o chá sintético preparado por Annette.
Esses itens de luxo foram os primeiros a ser substituídos pelo amido cultivado nas plantas de produção. Isso significava que, dali em diante, eles se tornariam extremamente raros ou seriam produzidos em massa nas fábricas, que priorizavam números em vez de qualidade. Era algo muito parecido com o quão terrível eram o café e o chá sintéticos na República, com exceção dos produtos vendidos em algumas lojas raras nos grandes magazines de Liberté et Égalité.
— Duvido que comecem a servir aqueles explosivos plásticos como comida tão cedo, mas... — murmurou Annette, aparentemente pensando a mesma coisa.
Lena esboçou um leve e tenso sorriso. Durante os dois meses da primeira ofensiva em larga escala, Lena teve de comer os blocos de alimentos sintéticos servidos no Setor Eighty-Six. Pareciam argila branca e tinham gosto de vazio, a ponto de chamar aquilo de comida parecer um ultraje. Annette provavelmente sentia o mesmo e não queria comer aquela coisa de novo pelo resto da vida.
— A Federação é muito maior e mais rica em recursos do que a República era, e as coisas nunca chegaram a esse ponto enquanto a República estava dentro das muralhas. Então, duvido que aconteça aqui.
— Pode ser, mas isso só significa que a população da Federação é muito maior. Se a evacuação dos territórios produtivos não parar e mais fazendas e fábricas forem abandonadas, a produção continuará caindo, e a escassez vai piorar. Não é impossível.
Lena refletiu sobre isso por alguns segundos. Annette estava certa. E então Lena estremeceu.
E se aquilo voltasse a ser a principal fonte de alimento deles?
As evacuações voluntárias após os ataques do Morpho colocaram a rede de transporte militar, que já estava congestionada, em uma situação ainda pior. Grupos viajavam pelas estradas sem supervisão ou regulamentação, sem instruções sobre quais caminhos seguir ou seus destinos. Passavam por trilhas em que não tinham permissão para entrar. Estradas de uso exclusivo militar e trilhos de trem estavam congestionados com refugiados, que se aglomeravam em depósitos de suprimentos em busca de ajuda, o que obstruía o transporte de mantimentos militares.
Tudo isso fez com que soldados fossem designados para escoltar e orientar os refugiados, o que sobrecarregou ainda mais a unidade de suprimentos, que já estava operando no limite.
Como resultado, a segunda frente norte, sob o comando da Tenente-Coronel Niam Mialona, assim como outras frentes, enfrentaria atrasos na entrega de suprimentos. A munição, o combustível, os medicamentos e os reforços necessários não chegariam a tempo. Isso obrigava as unidades que solicitavam suprimentos a fazer pedidos maiores para compensar os atrasos, o que aumentava ainda mais a carga sobre a unidade de logística.
Sem as tropas e os suprimentos necessários, posições que normalmente resistiriam começariam a cair, e soldados feridos, que poderiam ter sobrevivido com medicamentos suficientes, morreriam. Isso resultaria em mais soldados feridos e mortos devido à pressão constante exercida pela Legion, o que levaria as unidades a pedir mais reforços, agravando ainda mais a sobrecarga das unidades logísticas.
Dito isso, com o estado da guerra como estava, reservistas morriam pouco depois de serem enviados para a linha de frente, o que resultava em uma constante falta de tropas.
— Isso é um problema. O que devemos fazer? — A Tenente-Coronel Mialona finalmente suspirou.
Fosse pela falta de suprimentos ou reforços, sua única graça era que o mínimo essencial de alimentos estava chegando a tempo. A Federação priorizava o exército na entrega das melhores provisões, já que refeições de alta qualidade ajudavam a elevar o moral. Era por isso que as cidades na retaguarda estavam sofrendo com a falta de comida e a queda na qualidade dos alimentos, enquanto os soldados na linha de frente ainda não enfrentavam esses problemas. Em breve, luxos como doces, cigarros e bebidas alcoólicas se tornariam preciosidades na retaguarda.
A jovem operadora da unidade, ao lado da Tenente-Coronel Mialona, falou com um tom sério e rígido.
— Você pode fazer uma boa refeição no exército. Talvez isso devesse se tornar o slogan de recrutamento militar da Federação, Princesa.
— De que século você tirou essa ideia? — Ela não pôde deixar de sorrir amargamente diante de seu humor negro.
Pessoas se alistarem no exército por não terem outra forma de encher o estômago era algo que jamais acontecera em toda a gloriosa história do Império. Sentindo o tom de brincadeira no ar, o tenente ao seu lado acrescentou em um tom jovial:
— Talvez devêssemos reunir todos esses evacuados e usá-los como reservistas. Isso aliviaria a falta de soldados, diminuiria a pressão sobre os suprimentos e resolveria a escassez de alimentos na retaguarda.
O sorriso desagradável da Tenente-Coronel Mialona se aprofundou. Ela sabia que era apenas uma piada, e mesmo assim...
— Não diga besteiras, Hisno.
Ao que parecia, a grande maioria do grupo Actaeon havia se escondido em locais despovoados. As notícias sobre incidentes de bombardeio, que antes eram quase diárias, haviam diminuído e em grande parte sido esquecidas. Isso não significava que não fossem mencionados, mas simplesmente não havia incidentes a relatar.
— Foi por isso que fugiram de casa, segundo o que Yuuto disse... Acho que, ao menos, isso é bom — murmurou Kurena.
Shin e os outros Processadores não conheciam as garotas do Actaeon, mas elas ainda eram companheiras Eighty-Six. Todos estavam preocupados com elas de alguma forma, então acabavam assistindo às TVs nos salões e refeitórios em busca de informações sobre elas. Contudo, agora, as notícias focavam apenas na dura batalha nas linhas de frente e no caos causado pelas evacuações.
— Duvido que nenhuma delas tenha considerado se vingar da República, mas o local para onde foram evacuadas não foi divulgado — disse Raiden enquanto comia seu café da manhã típico da Federação, com feijão cozido e bacon. — Nesse caso, elas provavelmente não querem envolver pessoas inocentes em seus problemas. E, se puderem evitar isso, é o melhor a se fazer.
— Sim, pelo menos isso — concordou Kurena.
— ...Mas se for esse o caso... — murmurou Shin para si mesmo, enquanto Raiden e Kurena o observavam de relance, sem dizer mais nada. Shin sequer percebeu.
O grupo Actaeon havia se escondido, e os incidentes de bombardeio haviam desaparecido das notícias, mas Grethe mencionou que a investigação ainda estava oficialmente em andamento. Ainda assim... Por alguma razão, não ter as pessoas que deveriam estar ao seu lado causava um impacto em seu apetite. Porém, sua natureza adquirida como guerreiro o instruía a comer para manter sua resistência, então ele segurou o garfo firmemente. Já havia engolido sua indignação antes, mas a falta de progresso esfregada em sua cara fazia essa indignação ressurgir.
— Por que Lena não está sendo trazida de volta?
Yuuto disse a eles que, segundo a própria confissão do grupo Actaeon, assim como minas reais, havia um limite de tempo configurado para sua autodestruição, a fim de eliminá-las após um determinado período.
— As garotas que fugiram têm o limite de tempo configurado para este dezembro. Isso condiz com o testemunho do Segundo-Tenente Crow.
O chefe da equipe de pesquisa foi ao escritório de Grethe para apresentar os resultados da investigação sobre os documentos apreendidos relacionados ao Actaeon. Afinal, isso não era algo que eles poderiam contar aos Eighty-Six como estava.
— Além disso, colocando de forma bem cruel, elas são apenas cobaias, não armas completas. Eles simplesmente usaram essas garotas sem lavagem cerebral ou condicionamento, e elas também querem evitar ferir outras pessoas. Se nenhum outro incidente acontecer, podemos esperar até o Ano-Novo para divulgar os fatos discretamente e declarar que tudo está seguro.
Assumindo que, ao longo deste mês, as garotas continuariam escondidas e se autodestruiriam em segredo. Grethe suspirou suavemente. De fato, era uma forma cruel de colocar as coisas e, mesmo assim...
— Parece que tudo vai se resolver de forma tranquila. Suponho que os relatórios sobre o Morpho terem abafado essas notícias foram uma bênção disfarçada.
Se nada mais, pelo menos essas garotas não seriam forçadas a terem seus nomes manchados.
— ...Mas dito isso, mesmo que tenhamos que esperar até a situação se resolver naturalmente, quero que a Coronel Milizé e a Major Penrose sejam devolvidas a nós. Acho que a paciência do Capitão Nouzen com relação à Coronel Milizé está no limite.
Grethe sabia que Lena e Annette estavam sob a proteção de Willem, o que implicava que elas estavam seguras e sendo bem cuidadas... Mas Grethe não havia revelado a Shin que Willem estava por trás disso. Shin estava fazendo um bom trabalho em se conter até então, mas, se descobrisse que era Willem, certamente perderia a calma.
— Bem, sei que você não gosta do Louva-a-Deus Assassino, mas entendo por que ele tomou essa decisão — disse o chefe da equipe de pesquisa, tomando um substituto de café extra-cafeinado, espesso como lama.
Ele vinha da outra família que desenvolveu o Reginleif — em outras palavras, o negócio familiar de Grethe — e era um amigo de infância dela, com quem tinha um vínculo inseparável.
— Você está no mesmo barco, Grethe. Quando as coisas dão errado, é o rei quem acaba enforcado. Heróis que falham são enviados à forca... Embora heróis vitoriosos também sejam enviados à forca, no final das contas...
— ...Sim.
Grethe baixou os olhos. Era por isso que Willem e o alto escalão militar estavam agindo com cautela e mantendo as duas sob custódia.
— Dependendo de como as coisas se desenrolarem, elas — especialmente a Coronel Milizé — ainda podem estar em perigo. Podem acabar envolvidas no fogo cruzado... e isso só pioraria as coisas.
O abrigo de Yuuto e do grupo naquele dia era uma pequena vila deserta, escondida no meio da floresta, provavelmente evacuada após a segunda grande ofensiva. Ao ver as expressões das garotas, cheias de tentação por dormir em uma cama pela primeira vez em muito tempo, ele parou, escolheu uma das casas civis e forçou a porta pregada a abrir.
Felizmente, a vila estava fora da rodovia e cercada por uma floresta densa, tornando-a pequena demais para servir como base para uma companhia de tropas, o que reduzia as chances de serem descobertos ali. Com o cair da noite, Yuuto cobriu as janelas de madeira com panos e acendeu uma lamparina abandonada, já que a vila aparentemente não estava conectada a uma rede elétrica.
Citri olhou ao redor, curiosa com o visual desconhecido de uma casa no interior da Federação, mas claramente aliviada.
— Então é assim que é uma casa rural da Federação.
— É bem diferente da capital. E da República também.
Eles se sentiam um pouco culpados por invadir a casa de outra pessoa, mas fazia muito tempo desde que podiam sentar-se em uma cadeira, ao redor de uma mesa, cercados por um chão, paredes e teto de madeira. A lenha do fogão parecia utilizável, então Karine logo tratou de acendê-lo. Enquanto Yuuto observava as garotas, desajeitadas ao acender o fogão e usar a panela para preparar o jantar com comida enlatada, afundou em pensamentos.
Dustin, no fim, não conseguiu chegar. O plano era encontrá-lo ali em Vesa, mas ele não recebeu a mensagem ou a ouviu tarde demais, assim como o exército da Federação demorou a reagir ao Actaeon.
E, embora Vesa ainda estivesse dentro das linhas da Federação, ao cruzar para Niva Nova, eles estariam no campo de batalha propriamente dito, tornando o encontro impossível. Mesmo que Dustin perdesse a compostura e viesse correndo, alguém o impediria.
...Yuuto gostaria que eles se encontrassem, se possível. Dustin... e Citri também desejavam isso.
Citri esperava a panela ferver com uma expressão satisfeita, alheia aos pensamentos de Yuuto. Kiki, Imeno e Shiohi estavam ao seu redor.
— Parece uma casa de conto de fadas. Como a casa da vovó doente.
— Verdade! Ou talvez a história dos anões trabalhadores ou dos irmãos cabritinhos.
— E aí teria um burro com uma galinha nas costas chorando lá fora.
Todos olharam casualmente para a janela de madeira e, como se fosse um sinal, ouviram algum tipo de animal chorando do lado de fora.
— ...Isso é um burro?
— Não sei...
Yuuto ponderou, aliviado por não ser um lobo, e que o som vinha de longe da janela, mas ele não fazia ideia do que era. Também não entendeu o que queriam dizer com um burro com uma galinha nas costas.
Ashiha, que tinha o cabelo avermelhado e cortado de forma irregular, sendo a mais animada do grupo, disse:
— Ah, mas é assim que minha bisavó vivia! Quando era pequena, as vilas ainda não tinham eletricidade, então usavam lenha para cozinhar!
— Sério?
— Porque eu morava no interiorzão. Quando era pequena, tínhamos que andar o dia inteiro para chegar à próxima vila — Ashiha sorriu, os olhos se fechando enquanto se deliciava com as memórias.
...Memórias da terra natal que os Eighty-Six, incluindo Yuuto, haviam esquecido ao longo de seu tempo no campo de batalha. Yuuto conseguia lembrar-se apenas de fragmentos, então sua cidade natal não tinha muito valor nostálgico para ele.
— ...Como era? — A pergunta escapou de seus lábios sem que percebesse.
Yuuto provavelmente foi o mais surpreso por tê-la feito.
Será que eu... já quis fazer esse tipo de pergunta?
Enquanto os olhos das garotas — cada um de uma cor diferente — se voltavam para ele, Yuuto evitou olhar nos olhos violetas de Citri. Ele fixou o olhar na lamparina e continuou:
— Suas cidades natais... Os lugares para os quais vocês querem voltar.
Como comandante das operações e seu tenente, Shin e Raiden — assim como Kurena e Anju, que também estavam entre os primeiros Eighty-Six acolhidos pela República — eram reconhecidos como líderes, o que os mantinha muito ocupados. Isso incluía gerenciar as divisões blindadas e planejar a próxima operação em segredo.
Embora não pudessem substituir completamente os líderes, os outros comandantes de pelotão do Esquadrão de Ataque, incluindo Claude e Tohru, assumiam as pequenas tarefas que os quatro não conseguiam realizar.
Como, por exemplo, cuidar de Dustin, o mais frágil dos Processadores.
Parado na entrada do quarto de Dustin, onde ele havia se trancado e se recusava a sair, Tohru disse:
— Tente comer algo, Dustin. Pelo menos saia na hora das refeições.
Sentado em seu pequeno quarto, apertado como um corredor, Dustin permaneceu sentado na cama, sem levantar a cabeça.
— Não estou com fome.
— Coma mesmo que não tenha apetite. Coma mesmo que estejam servindo aquelas rações sintéticas horríveis ou que você tenha acabado de ver algo sendo despedaçado. Se não comer, não terá forças quando precisar.
Era assim que as coisas funcionavam no Setor Eighty-Six. As monstruosidades de sucata continuavam atacando, não importava o quão doente alguém estivesse ou quantas pessoas morressem. Eles sabiam que precisavam encher o estômago com algo para poder lutar quando necessário. Isso sem dúvida seria o mesmo no campo de batalha da Federação, e Dustin era um Processador, assim como Tohru e o restante. Por isso, Tohru precisou ir ao quarto de Dustin para garantir que ele fizesse o que precisava fazer.
— Se não gosta que se preocupem com você e fiquem chamando, posso trazer o Claude para ficar aqui com aquela cara amarrada dele. Vamos lá, vai comer alguma coisa.
— ...Você está preocupado comigo também.
Tohru deu de ombros.
— Sim, sou um capitão no Esquadrão de Ataque preocupado com um soldado que pode lutar. Não fique se fazendo de mimado, idiota.
Ele o tratava como um colega Processador, mas Tohru não estava disposto a fazer amizade com ele. Trancar-se no quarto por um dia era equivalente a um comportamento egoísta no campo de batalha, especialmente para alguém que recebia comida todos os dias sem reclamações.
Dustin olhou para ele com um sorriso fraco e amargo.
— É, você tem razão... Então, já que estou sendo mimado, vai ignorar o que eu vou dizer?
Ele não podia contar isso para Anju. Tampouco para Kurena e Frederica, já que poderiam contar para ela, e Shin, Raiden e Vika estavam ocupados demais. Marcel ouviria, mas levaria essa história sem sentido mais a sério do que Tohru faria.
Tohru deu de ombros e se virou, indiferente, como quem dizia: Eu vou ouvir, então manda ver. Dustin começou a falar, tropeçando nas palavras.
— …Ela era uma garota gentil e bonita. Um pouco como uma princesa.
— Você quer dizer a Citri? — perguntou Tohru, sem se virar, ainda caminhando à frente.
— É.
Ela era como uma princesa que amava heróis de contos de fadas. Quando Dustin era mais jovem, era como um cavaleiro que jurava lealdade a essa princesa.
— Ela era uma princesa que eu tinha que proteger... Era o que eu pensava.
Mas—
— Dustin. Você não deve olhar para fora esta noite.
Quando sua mãe disse essas palavras, ele percebeu que algo estava errado ao olhar para o rosto pálido e esguio dela, então obedeceu e foi dormir naquela noite sem abrir a cortina. Ele se lembrava disso até hoje. O silêncio inquietante da manhã que se seguiu.
Quando saiu de casa, Citri não veio cumprimentá-lo, e tanto ela quanto seus pais haviam desaparecido.
Quando viu que não havia ninguém nas ruas ou nas lojas, correu para a escola. Correndo pela cidade deserta, ele rezava, torcendo para encontrar alguém lá, que o lugar onde passava tempo com Citri e seus colegas de classe ainda estivesse lá, inalterado.
Mas, mesmo ao chegar na escola, não havia ninguém. Ele nunca se importou muito com as notícias antes, mas começou a assisti-las desesperadamente… e elas diziam todo tipo de coisa estranha. Que pessoas de outras raças eram inimigas. Que Citri e seu povo eram traidores. Diziam mentiras óbvias como se fossem verdades absolutas.
Contrariando a crença de Dustin, todos ao seu redor começaram a acreditar nas coisas estranhas que a TV dizia. Que os "manchados" nem eram humanos para começar. Uma espécie inferior não evoluída. Porcos em forma humana. Peças de reposição para drones que lutavam contra a Legion.
Mesmo que Citri e todos os outros fossem realmente humanos.
Na época, Dustin não sabia as palavras certas para corrigir todos. Tudo o que podia fazer era observar impotente e chocado um mundo que havia enlouquecido. Ele não conseguiu cumprir o papel de cavaleiro de conto de fadas quando mais precisaram dele. Por isso…
— Desta vez… Eu quero salvá-la.
Foi por isso que ele se voluntariou para se juntar ao Esquadrão de Ataque, para expiar os pecados da República — era a penitência que ele precisava pagar.
Os Eighty-Six foram expulsos da República para o Setor Eighty-Six, e apenas alguns milhões sobreviveram. Eles vinham de diversos lugares, e, da mesma forma, os Actaeon tinham origens variadas.
Kiki disse que nasceu em uma cidade com muitos campanários antigos. Shiohi nasceu em uma vila de onde era possível ver as montanhas da Aliança. Karine cresceu na vice-capital do sul, Euztiria. Imeno falou de mares dourados de trigo balançando, enquanto Ashiha contou, divertida, sobre os dias cuidando de ovelhas. Todos tinham famílias e amigos.
A vez de Citri chegou por último. Ela falou sobre se mudar para uma nova e bela cidade e, eventualmente, sobre o amigo de infância com quem cresceu — o garoto gentil e confiável da casa ao lado, que era como um príncipe de contos de fadas. Sobre como se despediu de seu melhor amigo um dia e nunca mais o viu.
— ...É por isso que eu queria vê-lo. Para que ele não se preocupasse comigo.
Com um sorriso tênue, saboreando uma doce lembrança, Citri abaixou os olhos e terminou sua história.
...Você já ouviu falar de um homem chamado Dustin Jaeger?
Dustin era Alba, mas também de descendência imperial, então ela estava preocupada que ele pudesse ter sido enviado para os campos também. Mas, enquanto vivia à margem das regras, ela ouviu pesquisadores falando sobre os eventos do Festival da Revolução e mencionando o nome dele, o que só a deixou mais preocupada.
O Festival da Revolução final, pouco antes da ofensiva em grande escala. O nome do aluno que fez o discurso de formatura.
— Por quanto tempo isso vai continuar?!
Ele disse isso diante de todos os cidadãos da República. E se ela foi a razão para ele dizer aquilo, se ele sentiu que a havia abandonado ou falhado em protegê-la e, por isso, se opôs abertamente à República...
— Eu queria encontrá-lo, ter certeza de que isso não seria uma maldição para ele... mas se encontrá-lo agora o sobrecarregaria com uma maldição de outra forma, acho que talvez seja melhor não nos encontrarmos.
Só de saber que ele estava seguro, que ele sobreviveu tanto a esta ofensiva quanto à anterior...
— Eu... fico satisfeita com isso.
— ...
Yuuto teve que se perguntar se isso era verdade. Se não havia mais nada que ele teria feito, caso estivesse no lugar de Dustin. Ele, que nem sequer conseguia carregar uma única maldição.
— Ei, você é o último da fila... — Imeno inclinou-se. — Como era sua cidade natal, Yuuto?
— Eu mal me lembro. Não tive tempo para isso.
Imeno deu um pequeno "ah" e ficou em silêncio, mas Yuuto continuou. Ele tentou juntar os pedaços do que restava daquela paisagem em sua memória.
— Acho que minhas raízes vêm de uma região distante da República. Pelo que me lembro, tínhamos costumes diferentes do resto da cidade. Então, éramos... não exatamente ostracizados, mas...
Por exemplo, o tipo de contos de fadas que ele ouvia. O jeito que faziam chá. Ele mal se lembrava dos rostos de sua mãe e de seus parentes, mas, por algum motivo, o forte e doce aroma daquele chá permanecia em suas memórias.
Ele teve que abandonar tudo para sobreviver. A taxa anual de sobrevivência no Setor Eighty-Six era de 0,1%, mas os Portadores de Nome viviam mais, o que significava que lutar ao lado dos mesmos Portadores de Nome por anos era relativamente comum. Como Shin e os outros quatro membros do esquadrão Spearhead, ou Shiden e o esquadrão Brísingamen, ou Claude e Tohru.
Mas Yuuto estava realmente sozinho. Os membros de seu último esquadrão e os conhecidos que ele tinha antes morreram. Ele realmente se juntou ao Esquadrão de Ataque sem nenhum de seus companheiros ainda vivos.
— Provavelmente eu só não tive sorte. Para começar, os Portadores de Nome — soldados veteranos sobreviventes — tendem a ser enviados para as áreas mais disputadas, e acho que nem eu nem as pessoas ao meu redor éramos fortes o suficiente para proteger os outros além de nós mesmos.
E assim, ainda tão fraco quanto era, sem proteger ninguém ou sequer tentar proteger alguém... ele sobreviveu sozinho.
Como ele nunca tentou proteger ninguém, nenhuma morte o machucou, e, embora se lembrasse dos outros, ele nunca realmente sentiu algo por eles. Sem nunca perceber a solidão distorcida que sentia.
Talvez seja melhor não encontrá-lo, para não sobrecarregá-lo com uma maldição.
Não tenho certeza sobre isso. Nunca precisar se ferir, mas também não ter ninguém para lembrar com carinho. Se é assim que eu tenho que viver minha vida, talvez...
— Carregar o fardo da maldição de alguém... teria sido melhor.
Raiden pensou que talvez Theo, que estava estacionado em uma base em Sankt Jeder, soubesse onde Lena estava, mas a resposta que recebeu do outro lado da Resonance foi uma má notícia.
— Eles levaram a Annette também...?
— Se nada mais, eles não estão na minha base. Acho que estão no quartel-general do exército, mas não consigo inventar uma razão para conseguir permissão para ir lá, e não conheço ninguém lá que possa verificar... Lena e Annette entraram em contato com vocês?
— Não... E isso está deixando o Shin inquieto. Para ser honesto, está ficando irritante.
Não era completamente terrível, porque Shin sabia que não podia deixar transparecer na frente dos outros membros, mas, como ele não se importava com aparências perto de Raiden, fazia nenhum esforço para esconder seus sentimentos ali. Anju estar deprimida por causa de Dustin era uma coisa, mas ele mantinha a compostura na frente de Kurena, provavelmente como um último bastião de orgulho. Contudo, Kurena percebeu seu mau humor e estava preocupada com ele.
— O que ele é, um cachorro de estimação ansioso? — Theo riu, divertido. — Gostaria de estar aí para ver o Shin assim.
Devido à longa convivência entre eles, Theo conseguiu pensar em uma metáfora bem apropriada.
— Acho que entendo como ele se sente, no entanto. Ver Annette sendo levada daquele jeito também me deixa preocupado. Pensar nisso agora me irrita.
— Hum. Eu não sabia que vocês dois se davam tão bem.
— Nós realmente não nos damos. Deus, por que todo mundo continua dizendo isso…?
Theo parecia estar em bons termos com seus colegas em sua nova base, e, aparentemente, isso também era dolorosamente óbvio aos olhos deles. Theo então respirou fundo e abaixou a voz.
— …Mas, por mais que isso me irrite, estou começando a pensar que fazer aquilo com eles pode ter sido a decisão certa. Olhando para as coisas agora.
— Hmm?
— A cidade ao lado da sua base já foi evacuada, então você não notaria, mas… Aqui em Sankt Jeder, a atmosfera tanto na base quanto na cidade está horrível.
Enquanto falava, Theo lançou um olhar ao final do corredor, encarando alguns soldados que pareciam ter algo a dizer. Ele não ligava se estavam analisando sua amizade com Annette ou tratando-o como um informante por ser um Eighty-Six. Após o incidente de espionagem, as críticas direcionadas ao governo após a primeira ofensiva em larga escala foram transferidas para os cidadãos da República e os Alba.
— Com tantos soldados mortos e refugiados chegando, todo mundo está apontando o dedo, procurando alguém para culpar. É irritante. Estão falando do Esquadrão de Ataque também, dizendo que vocês deveriam simplesmente derrotar o Morpho de uma vez. Basicamente, querem dez Shins, dez Anju, Kurena, você—basicamente dez de cada Processor—para vir e resolver as coisas. E Lena, Sua Alteza e a Coronel Grethe.
— Theo, calma. Especialmente com o Vika. Imagine ter que lidar com dez dele—seria um pesadelo.
— Só falta adicionar dez do padre e dos clãs do Mar Aberto, e seria perfeito… De qualquer forma, é por coisas assim que pessoas da República como a Annette estão melhor longe dessa base. Todo mundo está em frenesi, e eles definitivamente descontariam nela.
— …O bombardeio do Morpho foi tão ruim assim? — perguntou Raiden, abaixando a voz.
— O bombardeio em si não foi tão ruim; o problema é que, além de haver muitos refugiados, agora há pessoas que evacuaram voluntariamente e estão fugindo para cá. O descontentamento e a oposição das pessoas contra eles são bem grandes.
— Hmm? Por que estão se opondo às pessoas que evacuaram?
Faria sentido se fossem os evacuados a demonstrar descontentamento, mas antes que esse pensamento chegasse aos lábios de Raiden, ele suspirou. Fazia sentido. Theo também não esperava que isso acontecesse.
— As pessoas que já viviam aqui não param de reclamar…! Falam que os evacuados não sabem o idioma ou não conseguem ler as placas, que as lojas estão lotadas de gente, que todas as bibliotecas e parques estão sendo transformados em abrigos. Basicamente, estão dizendo que essas pessoas são um incômodo e deveriam ir embora. Chegou ao ponto de começarem a dizer que os sotaques do povo da fronteira são estranhos e que parecem pobres e sujos. E os evacuados não gostam de ouvir isso, então acabam acontecendo mais brigas e discussões.
E brigas e discussões significavam mais pessoas feridas, fossem os civis que começaram as brigas, os evacuados sendo hostilizados ou pessoas que simplesmente estavam no lugar errado na hora errada.
Mesmo sem essas razões, os moradores da capital sentiam que sua paz diária estava sendo perturbada por esses refugiados.
— As pessoas sentem que o sustento de suas famílias está em perigo, então, mesmo aqui na base, muitos acabam vendo os refugiados—e, honestamente, a essa altura, todas as pessoas dos territórios e da fronteira—como criminosos e pragas. Já ouvi gente dizer claramente que o governo deveria mobilizar o exército para expulsar esses agricultores e estrangeiros de volta para a fronteira.
Parecia que a Federação, e o mundo em geral, estavam sendo irreversivelmente… distorcidos em algo diferente.
A rede de transporte do exército estava em estado de caos devido ao tráfego desordenado de evacuados e à subsequente redução da capacidade de combate nas linhas de frente; a queda na produção; e os conflitos entre os cidadãos da capital e dos territórios centrais com os refugiados.
— …Era isso que eles queriam — resmungou Yatrai, amargamente.
Havia muitas questões sem resposta em torno do bombardeio do Morpho. Com o desenvolvimento do Kampf Pfau, o propósito original do Morpho—realizar ataques concentrados em fortificações e acampamentos inimigos—ficou difícil de ser alcançado. Isso fez com que os canhões ferroviários se tornassem apenas enfeites superdimensionados e caros, ocupando espaço, mas, em vez disso, o Legion os relegou para um método de ataque muito mais sinistro.
— A Legion fez outra jogada cruel. Usando a fraqueza do Império contra ele.
A Federação e sua predecessora, o Império Giadiano, eram países multiétnicos. Isso significava que suas pessoas pertenciam a diferentes raças, culturas e falavam línguas distintas. Além da disparidade entre a classe dominante do Império e o povo, havia inúmeras outras fraturas na sociedade.
Além dos cidadãos e dos Vargus, havia as pessoas da cidade e os fazendeiros, o centro e a periferia, as raças conquistadoras e as subjugadas. Por muitos anos, o Império foi dividido em vários pequenos grupos. Isso foi intencional por parte da nobreza, para impedir que o povo se unisse e se revoltasse.
Com a transição do Império para a Federação, todos receberam o título de "cidadãos", o que mascarou essas divisões. Mas elas apenas foram escondidas, não eliminadas, e agora estavam reaparecendo de forma perturbadora. Os habitantes da capital olhavam com desprezo e desdém para os moradores das áreas periféricas, considerando-os desatualizados e sem educação. Estes, por sua vez, estavam furiosos e desconfiados dos cidadãos da capital, que viviam no conforto e luxo de um mundo completamente diferente de suas vidas simples no interior.
Embora isso pudesse ser apenas uma coincidência, a deficiência no fornecimento de suprimentos causada pelo recuo das linhas de frente coincidiu com o influxo de evacuados—uma combinação de tempos catastrófica. As pessoas buscavam razões e culpados para os problemas em suas vidas, e culpar aqueles que precisavam receber parecia uma causalidade clara e simples.
…Muito parecido com o quão terrível foi o timing dos ataques de Actaeon, embora esses tenham terminado silenciosamente com a morte das meninas, forçando o alto comando militar a adiar a divulgação da verdade até que os cidadãos se acalmassem.
Yatrai suspirou, irritado.
Durante o interrogatório de Zelene, eles conseguiram confirmar quais líderes da facção real haviam se tornado Shepherds. Para sua surpresa, o primeiro-ministro e os generais sob seu comando não haviam sido integrados à Legion. Além disso, apesar de haver várias unidades de comando, elas não eram compostas por membros da facção imperial. Eram apenas comandantes regionais naquela base.
Portanto, se nada mais, esse ataque não foi orquestrado por generais da facção imperial. Ao mesmo tempo, era improvável que um civil ou um Shepherd Eighty-Six—em sua maioria crianças-soldados—tivesse planejado algo assim.
Na melhor das hipóteses, os Shepherds Eighty-Six sabiam como liderar uma única divisão blindada, sendo difícil imaginar que eles compreendessem as complexidades de linhas de suprimento em escala militar. Era duvidoso até mesmo que tivessem um entendimento adequado das linhas de comunicação, muito menos das fraquezas de uma sociedade grande, multicultural e fragmentada.
Se a Legion sabia disso e disparou com essa intenção…
— Deve ter sido um soldado, e um de alta patente, de algum país vizinho…
Yatrai era apenas uma criança quando a guerra começou, então ele não conhecia os comandantes de alta patente de seu próprio país, muito menos de outro. Seus olhos negros brilhavam enquanto ele encarava com raiva o brilho azul da holo-tela.
— …Quem é essa pessoa?
A Legion estava claramente concentrando seus ataques em formações com muitos reservistas, soldados de minorias conquistadas de outras terras e Alba. Cada vez que conseguiam romper e desorganizar essas formações, uma unidade veterana tinha que vir retomar o território perdido. Esse ciclo se repetia continuamente, e, gradualmente, os sentimentos dos veteranos em relação aos reservistas, às minorias e aos Alba, pelos quais seus camaradas haviam morrido, mudavam de simpatia para descontentamento.
Reservistas inúteis. Os povos conquistados sempre serão estrangeiros, no fim das contas. E, Repúblicaanos desgraçados, os antigos Eighty-Six transformados em Legion estão vindo atrás de suas cabeças por vingança, e a Federação tem que pagar por isso.
Por que sempre sobra para nós?
Os grupos diretamente visados pela Legion eram os que sofriam as maiores baixas. Ataques concentrados eram repetidos, causando grandes perdas, e o ciclo continuava.
Isso não acontecia com formações compostas por soldados veteranos da Federação de diferentes raças. Apenas eles estavam constantemente expostos a esses ataques terríveis, morrendo, e, com isso, os novos soldados começaram gradualmente a acumular ressentimento não apenas contra a Legion, mas também contra os veteranos do exército da Federação.
Eles deviam estar usando-os como isca, posicionando-os nos lugares onde era mais provável que morressem. Os veteranos não queriam morrer, então colocavam os outros nos pontos mais perigosos. Eles os conquistaram e depois os trataram como cidadãos de segunda classe.
Por que sempre sobra para nós?
A tia de Nina não tinha permitido que ela saísse de casa por um bom tempo. Sempre que saíam, ela escondia Nina com seu corpo ou debaixo de um casaco, tomando cuidado para evitar lugares mais tumultuados—onde as pessoas estavam mais exaltadas.
Nina já entendia o que sua tia estava fazendo e o porquê—o motivo pelo qual ela tentava protegê-la.
— …Weißhaare.
Alguém murmurou essa palavra enquanto passava por elas a caminho do mercado. A pura hostilidade que emanava dessa pessoa fez Nina se encolher de medo. Cabelo branco. Era uma antiga gíria imperial usada para zombar dos cabelos prateados dos Alba. Crianças de outras turmas ou alunos mais velhos também diziam essa palavra na escola de vez em quando. O professor sempre as repreendia por dizerem algo ofensivo, mas elas nunca paravam. Na verdade, um professor mal-humorado até chamou Nina assim uma vez.
Uma princesa mimada, um weißhaare, covarde demais para lutar.
Mas Eugene foi para o exército e morreu lá. Ele não era covarde.
As ruas estavam quase inteiramente cheias de pessoas que pareciam ser evacuados vindos dos territórios, balançando os punhos e gritando sobre algo. Eram pessoas baixas, mas robustas, com a pele bronzeada e enrugada. Suas roupas pareciam antiquadas para Nina, simples e pobres.
Eles erguiam suas vozes, tentando chamar a atenção dos cidadãos que passavam, mas estes os encaravam com olhares de irritação e desprezo. Os evacuados, aparentemente, eram cidadãos do território da fronteira logo atrás da segunda frente sul. Estavam descontentes porque a construção de uma posição de reserva atrás da linha de frente levou à destruição de suas cidades e campos.
— O exército só precisa resistir e não recuar! Não têm coragem de nos proteger; são covardes!
— Estas são nossas casas, nossos campos! Vocês apoiam essa atrocidade?!
Logo, alguns dos transeuntes começaram a responder às suas acusações. Com zombarias.
— Não é porque vocês, bestas-feras Vargus, não conseguiram nos proteger? Ação e consequência.
A expressão dos evacuados se contorceu instantaneamente. Essa reação encorajou mais pessoas a gritarem palavras de escárnio. Eram parte da multidão, escondidos no meio dela, mas falavam com orgulho, como se representassem a opinião de todos.
— Isso mesmo, ação e consequência. Você colhe o que planta. Isso não teria acontecido se vocês tivessem feito seu trabalho e protegido a fronteira. Parem de agir como vítimas, seus inúteis. E por que estão reclamando dos seus campos enquanto cidades ao lado da capital estão sendo bombardeadas? Agora já são terras descartadas, de qualquer forma.
— Quem você está chamando de bestas-feras?! Não nos comparem a animais!
— Terras descartadas…?! Vocês nos invadiram, tiraram os nomes, as plantações, as terras e os direitos de nossos antepassados, e agora as chamam de terras descartadas?! Seus invasores!
Em sua raiva, alguém começou a mencionar um rancor de séculos. Isso fez outra pessoa rir abertamente.
— Isso mesmo, então ajoelhem-se diante de seus mestres imperiais, seus bárbaros perdedores.
— …Vamos, Nina.
Sua tia a puxou, a expressão rígida. Ela virou-se e se afastou dali enquanto gritos começavam a explodir atrás delas. Nina segurou a mão de sua tia, áspera de tanto trabalho doméstico.
Essas vozes eram tudo o que Nina ouvia na capital ultimamente. Ela estava assustada, mais pelo fato de que isso se tornara tão comum do que pelos gritos em si.
Com o interrogatório sobre o Actaeon concluído, Primevére e seu grupo foram deixados em um centro de detenção em Sankt Jeder. Ela assumia que a investigação sobre a biologia do Actaeon ainda estava em andamento, com base nos documentos que a Federação confiscou, e eles estavam sendo mantidos detidos para evitar que fugissem caso os resultados dessa inspeção exigissem alguma confirmação adicional.
Sentada em seu quarto, Primevére apertava as mãos em punhos cerrados. Não havia rádio ou televisão ali, mas ela podia imaginar a situação do lado de fora com base na atitude do oficial que trazia sua comida e nas conversas que ouvia pelo corredor. Não eram apenas os Alba que estavam sendo discriminados; o próprio povo da Federação estava dividido e cada vez mais irritado uns com os outros. E todos estavam procurando o alvo certo para descarregar todas essas frustrações.
— Então, se, nessa situação…
Primevére murmurou, com o olhar vazio.
— A República for marcada como culpada pelo Actaeon…
Ela se sentia enjoada.
Havia um mercado comemorando o Aniversário Sagrado em frente a Sankt Jeder. A garota estava sentada na parte mais movimentada, sobre uma plataforma de tijolos onde uma grande árvore de abeto havia sido colocada, observando as luzes brilhantes passarem. Mesmo ao meio-dia, as luzes elétricas, as decorações cintilantes de estrelas, os enfeites de vidro e os sorrisos das pessoas brilhavam intensamente.
Ela havia fugido de sua nova casa e vivia secretamente em Sankt Jeder. Na última vez em que esteve ali, antes de ser acolhida, jamais teria imaginado que a atmosfera naquela cidade pudesse se tornar tão tensa. Naquela época, Sankt Jeder parecia pacífica, como um paraíso, uma cidade gentil. Mas, uma vez que a fina camada de aparência foi retirada, não era diferente do laboratório no Octogésimo Sexto Setor.
Mas, mesmo assim, aquele mercado do Aniversário Sagrado brilhava intensamente. Muitas pessoas passeavam, parecendo felizes e alegres.
E por isso ela não podia evitar achar lamentável que todas aquelas pessoas acabassem envolvidas em sua situação.
— …Mas eu não posso mais fazer nada… Não consigo me mover.
Ela se sentia tão enjoada. Sua visão estava turva, e sua mente nebulosa não conseguia formar pensamentos coerentes, o que a impedia de se mover. Por todo o seu estômago e peito, as células Dear haviam despertado e estavam a transformando em uma bomba, mas ela simplesmente não conseguia se mover.
E por isso… por isso ela estava ali. Nesse festival repleto de pessoas, todas parecendo felizes. Pais caminhavam com seus filhos, amigos andavam de mãos dadas, amantes se aconchegavam em felicidade.
— Não há nada que eu possa fazer para mudar isso, não é…?
O que ela estava prestes a fazer ali, sem dúvida, seria uma maneira muito eficaz de se vingar da República. Levantou-se, abraçando a grande bolsa de pregos que carregava contra o peito, sem vestir o casaco. Sua nova irmã mais velha tinha comprado aquele casaco para ela, depois de arrastá-la pela cidade o dia inteiro em busca de um que lhe caísse bem. Ela não teve coragem de levar o casaco para o que pretendia fazer e o deixou para trás antes de vir para cá.
— A visão dela caminhando com passos vacilantes, sem um casaco nesse frio, chamou atenção. Algumas pessoas apontaram; outras se afastaram, horrorizadas, ao reconhecerem seu rosto pelas fotos dos suspeitos exibidas em todas as notícias.
Mas agora já era tarde demais.
— Me desculpe.
Ela não deu ouvidos aos amigos de sua cidade natal, que imploraram para que ela se juntasse a eles e voltasse para casa antes que fosse tarde, para que fosse a algum lugar onde ninguém se machucaria. Ela nunca respondeu às mensagens deles.
Kiki, que mantinha o sorriso mesmo naquele infernal laboratório de pesquisas.
Karine, a irmã mais velha responsável do grupo.
Citri, que era gentil, amável e bonita como uma princesa de contos de fadas.
Ela as odiava.
Odiava o fato de que conseguiam sorrir, comportar-se como irmãs mais velhas, permanecer gentis e bonitas mesmo naquele inferno de laboratório. Elas poderiam ter odiado e guardado rancor contra os pesquisadores, mas não fizeram isso, e ela odiava isso. Odiava o fato de que a ideia de vingança sequer lhes passava pela cabeça, que sua pureza e integridade altruístas fossem tão profundas.
E porque ela odiava tanto isso…
…sua vingança destruiria até mesmo aquela pureza e integridade altruísta.
— Me desculpem, todos vocês.
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