86: Eighty Six Japonesa

Tradução: Jeff-f


Volume 10

Capítulo 2: Fragmental Neoteny: Misericorde

Ele puxou a pistola do coldre em sua perna direita e usou a mão esquerda para movimentar o ferrolho. Com esta, ele não precisava se preocupar com a segurança. Era uma pistola de dupla ação, mas ao puxar o ferrolho para trás, o martelo era armado.

Com o poder de uma mola, o ferrolho saltou de volta ao lugar, retirando a primeira bala do cartucho e carregando-a na câmara. Essa série de ações transformava a pistola de um pedaço de metal de 845 gramas em uma ferramenta para assassinato.

Na extremidade do cano estavam as miras dianteira e traseira. Olhando entre elas, ele podia ver seus camaradas se espalhando pelo campo de batalha. Isuka não podia chamar isso de uma arma.

Afinal, uma pistola automática não era algo que os Eighty-six pudessem apontar para seus inimigos, a Legion. Não, essa arma tinha apenas um propósito. Matar seus companheiros Eighty-six.

Ele disparou sua arma sem cerimônia. Três tiros, certeiros. Como essa pistola foi projetada para ser portátil, seu cano era curto, tornando-a uma pistola com força de penetração e precisão não confiáveis. Mas quando focado em um alvo caído aos pés, ela não erraria.

Nenhuma de suas balas se desviaria e acertaria o idiota bem ao lado do alvo. Aquele que teve o trabalho de arrastar um imbecil moribundo para fora de seu Juggernaut para o campo aberto.

O garoto provavelmente não tinha ideia do que Isuka estava fazendo quando sacou uma pistola contra seu amigo que estava morrendo. Ele ficou olhando para o movimento fluido de sua mão de Isuka engatilhando a arma, o que beirava a curiosidade, seus olhos vermelhos sangue se arregalaram quando o sangue começou a se acumular no concreto.

Provavelmente, ele não sabia que, uma vez que o coração parasse, o sangue não jorrava mais do corpo. Provavelmente, ele não percebia que aquela pessoa acabara de morrer.

"O quê...?" murmurou o garoto.

"Da próxima vez, não pegue ninguém assim, Shin," Isuka disse abruptamente, olhando para baixo para ele.

Com a pistola tendo cumprido sua tarefa, ele colocou o martelo de volta no lugar e a guardou. A batalha com a Legion havia acabado, parecia. Mesmo que houvesse uma bala ainda na câmara, isso não importaria.

O soldado mirim sentado no chão continuava olhando fixamente para o novo cadáver estendido ao seu lado. Fazia sentido que ele estivesse perplexo. Apesar de sua estrutura física pequena, mesmo para um garoto de onze anos, ele tinha arrastado um Processador mais velho e mais pesado para fora de sua unidade. E Isuka havia casualmente tornando todo o seu esforço em vão.

Ou talvez ele estivesse chocado de maneira inútil ao ver alguém morrer. Isuka não sabia realmente. Ele já havia abandonado esse tipo de sentimentalismo há muito tempo, então só podia arriscar um palpite.

Após olhar para ele por um momento, Shin gradualmente torceu aqueles distintos olhos vermelhos sangue em um olhar repreensivo, acusador. Eles eram a cor única de uma linhagem nobre de Rubela — os desprezíveis Pyropes da nobreza do Império. Olhos rubi, de um vermelho bonito. "...Por quê?"

"Ha," Isuka respirou indiferentemente, curvando os lábios em um sorriso, como se dissesse que a própria pergunta era absurda.

Mas então, subitamente, Isuka alcançou bruscamente a fina garganta de Shin.

"…!"

Nas duas semanas desde que Shin foi designado para seu esquadrão, Isuka aprendeu que Shin odiava quando as pessoas tocavam em sua garganta e reagia visceralmente quando alguém a tocava. Isuka não sabia o motivo, e honestamente, ele não se importava. Tudo o que ele sabia era que era uma maneira conveniente de manter o garoto sob controle.

Aproveitando-se de Shin congelando, ele o pegou pela gola e o puxou para baixo, mostrando-lhe o cadáver. As pernas deste Processador, que certamente estavam lá antes de partirem para a batalha naquele dia, foram arrancadas. E ele forçou Shin a encarar a ferida grotesca.

Shin engoliu nervosamente, e Isuka sussurrou em seu ouvido.

"Vou te dizer porquê, então preste atenção, imbecil. As pessoas têm essas coisas chamadas veias e artérias. Acho que novatos como você nunca foram à escola, então você não sabe. De qualquer forma, são esses vasos sanguíneos grossos."

Todos os novos soldados mirins enviados ao esquadrão de Isuka — a segunda unidade defensiva do quinto setor, Stiletto — eram crianças que foram jogadas nos campos de internamento cinco anos atrás, quando tinham sete ou oito anos. Não havia escolas humanas em um chiqueiro para subumanos. Isso significava que crianças da idade de Shin, que estavam apenas entrando na adolescência agora, nunca tiveram uma educação adequada.

Isuka não se importava com isso, mas parte da educação que eles não tinham incluía conhecimentos vitais. E ele já tinha visto muitos idiotas que o atacavam por esse tipo de sentimentalismo. Ele continuou falando, lançando um olhar venenoso na direção dos colegas de esquadrão, onde os responsáveis por ensinar os novatos estavam.

"E esses vasos sanguíneos correm pelos braços e pernas. Então, se esses vasos sanguíneos se rompem..."

Quando um vaso sanguíneo que transporta grandes quantidades de sangue é danificado, leva a uma grande quantidade de sangue vazando do corpo.

"...as pessoas morrem. Se não imediatamente, então logo depois. Dolorosamente. É por isso..."

...nós os poupamos da agonia.

Depois de cuspir essas palavras, como se as estivesse gravando na mente do garoto, ele o empurrou para longe. Isuka tinha dezoito anos, e Shin tinha onze, então suas fisionomias e forças eram totalmente diferentes. Shin caiu impotente com as mãos afundando na poça de sangue, então ele olhou para Isuka gravemente. Desesperadamente.

"Mas se o motivo era ele sangrar, poderíamos ter parado o sangramento. Se o tratássemos, poderíamos ter salvo...!"

Isuka não pôde deixar de rir da insensatez dele. Que garoto burro, desatento. Ele não entendia? Os outros colegas de esquadrão observando não interferiram para parar Isuka. Eles assistiram indiferentes, como se fosse algum tipo de espetáculo chato que eles já tinham visto inúmeras vezes.

"Tratá-lo...? Você acha que há tratamento médico no Setor Eighty-Six?"

"..."

Não havia médicos militares neste inferno. Afinal, era um campo de batalha "humanitário", onde "drones" fazem todo o trabalho em vez de humanos. Um campo de batalha de zero baixas — onde apenas porcos em forma humana morriam no lugar de pessoas — não tinha necessidade de médicos ou hospitais militares.

É claro que seria um problema se os Processadores não pudessem participar da batalha devido a ferimentos não letais, e assim cada uma das bases de frente tinha máquinas automatizadas chamadas unidades médicas. Mas essas só tratavam ferimentos leves — ferimentos que não impediriam o retorno ao serviço ativo. E qualquer ferida que não fosse crítica e só exigisse repouso e recuperação era considerada não ameaçadora à vida e, de outra forma, ignorada.

Como Shin disse, se tivessem conseguido parar o sangramento e tratar esse Processador, talvez ele teria se recuperado. Por mais azarado e idiota que ele fosse, na verdade, teria sido bastante possível salvá-lo.

...Pelo menos, teria sido, se os Eighty-six ainda fossem considerados humanos.

Sentindo aquele pensamento estranhamente sentimental invadir sua mente, Isuka estalou a língua. Nojento. Falar com Shin o lembrava de emoções que era melhor esquecer.

Com esse comentário, casual demais para soar como um deboche, ele encarou os olhos vermelhos sangue de Shin e disse:

"Se você ainda não entendeu, vou explicar mais uma vez, moleque. Nós, Eighty-six, somos porcos em forma humana. Não somos humanos. Então, não traga de volta sensibilidades da época em que você era humano, ou então..."

Ele virou as costas, pisoteando a poça. Os Eighty-six não tinham túmulos, então não podiam recuperar nenhum cadáver. Essa era uma limitação que os porcos brancos da República impunham a eles, mas Isuka na verdade era grato por isso.

Os Eighty-six não precisam de túmulos. Eles partem para a batalha apenas com seus caixões de alumínio e absolutamente nenhum suporte, e a cada vez, morrem sem sentido. Essa é a sua sina. Cavá-los túmulos e lamentá-los... só resgataria os tipos de emoções que perderam quando lhes foi tirada a humanidade. E se ele fizesse isso...

"...você morrerá."

Ao ouvir subitamente o som de água respingando do lado de fora dos alojamentos, Isuka parou no meio do corredor. Olhando pela janela do primeiro andar, viu o Processador mais jovem do esquadrão, por alguma razão, parado como um rato molhado no pátio em frente aos alojamentos.

Um balde grande de água tinha sido despejado sobre sua cabeça. Mirei, um colega Processador, jogou o balde fora e murmurou um pedido de desculpas claramente falso e hipócrita.

"Oh, desculpe por isso, Shin. Eu escorreguei."

Esse balde tinha sido colocado na frente do hangar para coletar água alguns dias atrás, quando estava chovendo muito. Ele foi deixado sem vigilância no hangar por dias. Nenhuma quantidade de descuido teria levado esse balde para a frente dos alojamentos, onde espirraria toda água em cima de Shin.

Mirei continuou suas desculpas desonestas para Shin, seus olhos violetas observando-o como um gato brincando com um rato, enquanto outros Processadores e a equipe de manutenção observavam ao redor deles, alguns zombando, outros indiferentes.

"..."

Shin limpou a água suja de si mesmo. Ele não parecia incomodado com isso, mas principalmente cansado. Ele se acostumou com isso depois de tantas vezes. Sendo espirrado com água no frio da primavera, encontrando lâminas de barbear escondidas na maçaneta da porta de seu quarto, se aproximando de sua cama apenas para descobrir que estava encharcada com água suja, vendo as palavras "praga ambulante" e "traidor" rabiscadas em seu Juggernaut...

Ele olhou para essa pessoa, que estava um cabeça mais alta que ele, com desprezo e crueldade que pareciam não naturais para um menino de onze anos.

"Você não precisa se desculpar... Você provavelmente vai esquecer disso e fazer a mesma coisa comigo em cinco segundos de qualquer maneira. Você é tão burro quanto uma galinha."

Cabeça de vento, esquecido, só sabe fazer barulho e se encolher mesmo quando cacareja com o resto de seu grupo... Nada mais do que gado que obedece ao seu mestre.

"...O que você disse?"

A expressão de Mirei escureceu. Ele era exatamente como Shin o descreveu. Obcecado, boca suja e só capaz de repetir palavrões que ouviu de outros. Vendo que ele estava prestes a dar uma bronca em Shin como sempre, Isuka virou-se para sair.

Se fosse uma briga, bem, ele não poderia deixá-los se machucar e teria que intervir. Mas apesar de sua aparência jovem, Shin era bastante forte. Ele sabia onde mirar e como aplicar sua força, e não hesitava em socar as pessoas. Mesmo com essa diferença de físico, Mirei provavelmente estava prestes a sentir dor. Foi por isso que nem Mirei nem seus comparsas, apesar de estarem irritados, realmente ousaram levantar a mão para ele.

Talvez Shin tenha aprendido a se defender quando foi intimidado assim nos campos de internamento ou em um de seus antigos esquadrões. Ou talvez alguém que o abrigou tenha ensinado a ele como lutar por capricho.

Em algum momento, a atiradora da esquadrilha de Isuka, Ruliya, observou a discussão e falou. Ela era uma garota pequena e magra, aproximadamente do mesmo tamanho que Shin, apesar de ter cinco anos a mais que ele, e tinha um rosto tímido.

Fora da janela, as mesmas velhas palavras de baixo calão eram gritadas para Shin unilateralmente. As mesmas palavras antigas. Praga. Verme. Covarde que só sobrevive escondido atrás de seus amigos. Maníaco de combate. Cachorro imperial. Traidor.

Havia rumores circulando sobre como os dois esquadrões nos quais ele estivera até agora foram totalmente exterminados - e como ele lutava de maneira que não condizia com sua idade e experiência. As pessoas também criticavam as cores de seus olhos e cabelos.

"Não está na hora de você intervir, Isuka?"

"Se isso te incomoda tanto, por que você mesma não intervém, Ruliya?" Isuka respondeu bruscamente.

Ruliya fez uma careta, e Isuka virou-se para olhá-la. O corredor não era limpo há muito tempo e estava coberto de poeira e entulho. Um cheiro desagradável vinha da cozinha não utilizada do nível inferior.

"Desde que ele apareceu, você tem observado tudo de longe, agindo como uma espécie de santo... Acho que isso é bom para você. Dessa forma, você não precisa ficar bebendo lama ou sendo alimentado com insetos".

"..."

Sua expressão se endureceu, e ela ficou em silêncio. A pele escura de Ruliya era prova de sua herança como uma mista de Deseria. Eles eram uma minoria na República e constituíam um pequeno grupo étnico mesmo dentro dos Eighty-six. A grande maioria da população da República era Alba mesmo antes da guerra. Mas a maioria deles, até mesmo os Eighty-six, tinha a pele clara dos Vespertina.

Por exemplo, Isuka tinha cabelos prateados de Celena e olhos dourados de um Heliodor, e mesmo assim tinha a mesma cor de pele pálida. Mirei tinha raízes Viola, seus amigos eram de origem Violidia e Ferruginea, e Shin era metade Onyx, metade Pyrope. Esses povos todos compartilhavam a pele branca dos Vespertina.

Mas Ruliya, que tinha a pele mais escura, se destacava. Assim como os Orientas com sua pele de marfim e os Meridianas com sua pele negra, os Deseria eram "outsiders" que não apenas tinham cores de olhos e cabelos diferentes, mas também diferiam na tonalidade da pele. E, como tal, eram odiados e ostracizados tanto nos campos de internamento quanto nas bases da linha de frente.

Assim como a maioria dos Albas discriminava os Eighty-six, a maioria dos Eighty-six perseguiam os próprios companheiros, apenas como uma forma de descontar suas frustrações com a vida em outro bode expiatório.

E os mais odiados de todos eram as raças nobres imperiais, as duas raças que estavam envolvidas na linhagem imperial do Império Giadiano, que iniciou esta guerra. Os Onyx e os Pyrope. Ninguém os considerava como Eighty-six companheiros ou até mesmo como Vespertina companheiros.

Eles eram os descendentes do maldito inimigo que desencadeou esta guerra, e o ódio por eles ficava em segundo lugar apenas aos Alba. Eles eram vistos como infratores que carregavam parte da culpa pelo destino dos Eighty-six, como estranhos a serem odiados e punidos.

E por algum acaso do destino, Shin era de sangue tanto Onyx quanto Pirita. E assim era natural que a beligerância dos Processadores e da equipe de manutenção se transferisse de Ruliya, que tinha sido bode expiatório puramente por causa da cor da pele, para Shin, que tinha o sangue do inimigo correndo em suas veias.

“De qualquer forma, ele não terá tanta dificuldade quanto você. Ao contrário de você, ele é forte.”

Shin era habilidoso e capaz, tanto dentro quanto fora do Juggernaut, e tinha sagacidade suficiente para saber como insultar dolorosamente Mirei depois de apenas alguns dias. Todos tinham medo de que ele se vingasse, então só lançavam insultos de longe ou o assediavam de maneiras pequenas. Tudo o que faziam era ostracizar e ignorar Shin, mas não faziam muito mais.

Shin sabia disso, e se precisasse, não hesitaria em recorrer à violência. E aparentemente estava ficando cansado de reagir aos tipos relativamente inofensivos de assédio, então ele os ignorava na maior parte do tempo.

“Ainda quer defendê-lo? Por um garoto com sangue Imperial? Você tem um coração de ouro, Ruliya. Vai em frente, ajude-o. Faça isso agora. Vá separar aquela briga. Diga: 'Parem com isso, pessoal.' Você sabe que não pode.”

“...”

Discórdia, hesitação, medo e um toque de raiva se agitam por um momento em seus olhos castanho-avermelhados antes de ela baixar a cabeça e ficar em silêncio.

“...Uma toalha”, ela eventualmente disse.

Ao encará-la, Ruliya desviou o olhar de maneira constrangida.

“Se você deixá-lo molhado assim, ele pode ficar doente. E se ele desmoronar, será um problema para você, não é mesmo? Ele é o seu precioso bode expiatório, afinal de contas...”

Depois de dizer isso com malícia, Ruliya virou as costas e saiu. Vendo-a se afastar, Isuka riu. Era essa a maneira dela de ser sarcástica?

“O que você está dizendo? Ele é um bode expiatório para você também.”

Para ele, para Ruliya, para toda essa base. Isuka sabia tudo sobre como Shin estava sendo intimidado, assim como sabia que Ruliya estava sendo intimidada antes, e em ambos os casos, ele não fez nada para impedir. No início, ele até incentivou os outros, preparando o terreno para que isso acontecesse.

Porque se ele não fizesse isso, nenhum deles sobreviveria.

Eles viajavam em caixões de alumínio mal blindados, com pouca potência de fogo e sistemas de suspensão fracos. Para sobreviver naqueles veículos, precisavam de uma coordenação e cooperação perfeitas. E o método mais fácil e certo de formar solidariedade dentro de um grupo... era marcar um membro como inimigo de todos.

Todos criticaram, atiraram pedras e ostracizaram aquele bode expiatório, formando um denominador comum e um sentimento de camaradagem que todos - exceto um deles - poderiam compartilhar. Todos se opunham a um inimigo comum, e isso criaria um poderoso efeito de união no grupo.

Foi por isso que Isuka sempre escolhia um dos membros de seu esquadrão para servir como bode expiatório. Foi assim que ele estava lutando nesta guerra. Na maioria dos casos, era o membro mais fraco, mais pesado do grupo. Alguém com o tipo de conduta, aparência ou personalidade que atrairia a ira de todos. Alguém fácil de destacar como Ruliya, ou um Imperial como Shin.

Ele fazia exemplos de bodes expiatórios óbvios e claros, que todos podiam considerar com inimizade irrestrita, condenar à vontade e tratar autoindulgente como uma válvula de escape para suas frustrações.

Seus inimigos naturais eram os porcos brancos da República, é claro. Mas esses estavam escondidos a cem quilômetros de distância, atrás de muros e campos minados, e quase nunca apareciam no cenário infernal do campo de batalha. E inimigos que não pareciam reais e presentes eram iguais a inexistentes.

E apesar de quão avançados e impiedosos eram, a Legion eram máquinas automatizadas que se moviam de acordo com a programação...

Dirigir o ódio a eles parecia oco e tolo.

Algumas pessoas rejeitavam esse método no início, se apegando à justiça e a um senso de ética. Mas isso era só no início. Essas pessoas eventualmente atiravam pedras e zombavam tão alegremente quanto todos os outros. A violência em grupo fazia com que ninguém criticasse a justiça de suas ações, e essa falta de consequência tornava o prazer mais satisfatório de todos. Era talvez a única forma de diversão verdadeiramente disponível nesse campo de batalha selado.

Ia sem dizer que a maioria das pessoas transformadas em bodes expiatórios acabava morrendo cedo o suficiente. Seus camaradas não lhes ofereciam apoio na batalha, e a discriminação em suas vidas diárias corroía seus corações e espíritos. Logo, sua força de vontade e resistência seriam esgotadas, e eles morreriam em combate ou se matariam.

Tê-los morrendo tão facilmente seria um problema, e assim Isuka proibia todos de violência excessiva e não permitia que os bodes expiatórios portassem pistolas, com medo de que pusessem fim às próprias misérias. Infelizmente, muitos encontravam métodos alternativos.

Nesse sentido, Shin estava resistindo mais do que o esperado. Ele era forte, tanto dentro da base quanto no campo de batalha.

Isuka resmungou. Ele foi quem transformou Shin em um bode expiatório, então o fato de ele parecer mais resistente do que a maioria foi uma descoberta bem-vinda. No entanto...

"Infelizmente para ele..."

‘’Sobre o assunto, não recebemos uma demanda por um bode recentemente, Vulture."

 Ouvindo esse comentário do Manipulador que falava com ele através do Para-RAID do outro lado da parede, Isuka resmungou.

"O pequeno bode preto que conseguimos recentemente está durando mais do que o esperado."

Os Manipuladores eram pastores destinados a garantir que os Eighty-six não se rebelassem, mas muitos deles eram idiotas que negligenciaram seus trabalhos. O Manipulador designado ao esquadrão Stiletto era relativamente diligente, no entanto. Era principalmente a diferença entre um idiota negligente e um trabalhador.

Eles eram idiotas e porcos brancos nojentos, todos iguais. Ficavam atrás dos muros e pensavam que qualquer coisa que acontecesse neste campo de batalha não era da conta deles. A República não tinha a intenção de lutar nesta guerra. Para eles, drones simplesmente lutavam até a morte em algum lugar distante, e às vezes, esses drones se lembravam disso e os encaravam com desprezo nos olhos.

De qualquer forma, foi assim que Isuka, o capitão de longa data do esquadrão Stiletto, conhecia esse Controlador por um bom tempo, apesar de nenhum deles saber os nomes ou rostos um do outro.

E o Controlador, é claro, sabia sobre o motivo de Isuka pedir "bodes" de vez em quando. Membros fracos, inúteis, ou membros de minorias. E dada a frequência com que Isuka pedia que enviassem novos bodes, ele provavelmente tinha alguma suspeita de que os bodes estavam sendo tratados de maneira cruel o suficiente para morrerem tão rápido.

Mas entre os bodes que o Controlador havia enviado, Shin estava se mostrando uma presa e tanto. Ele claramente parecia ter sangue imperial nobre, mas na verdade era mais forte do que qualquer um dos bodes anteriores e, de fato, da maioria do esquadrão. Talvez o fato de suas origens serem tão óbvias o tenha feito perceber que precisava ficar mais forte para sobreviver.

E, como esperado, ele estava sobrevivendo muito mais tempo do que o bode médio. Ele aceitava a maneira como seus colegas de esquadrão o tratavam e, no entanto, em contraste gritante com o quão indiferente ele parecia, parecia se importar com eles.

Mirei, que havia brigado com ele não muito tempo atrás, morreu na batalha do dia anterior. Mas Shin sobreviveu. Isuka recentemente começou a se perguntar se Shin deixava o bullying de seus colegas de esquadrão passar porque sabia que eles estavam destinados a morrer antes dele.

"Vocês, porcos malditos, comem os seus - até as crianças", zombou o  Handler. "Vocês, Eighty-Six, são bárbaros. Esse é o tipo de comportamento vulgar que nós, nobres cidadãos da República, não conseguimos entender. Subumanos imundos."

"Como se você fosse alguém para falar, Handler One", zombou Isuka em resposta.

Os Eighty-six deveriam ser cidadãos da República da mesma forma. A República usava crianças soldados, como ele, Shin e Ruliya, como peças descartáveis de um drone.

Isuka sentiu um silêncio frio, quase aterrorizante, se instalar sobre a Ressonância.

"Não finja que somos iguais a você, mancha imunda."

Isso não assustou realmente Isuka. A República os trancava neste campo de batalha e os forçava a lutar, mas não era como se um simples civil como esse Controlador tivesse alguma autoridade especial sobre os Eighty-six. O máximo que ele fazia era enviar-lhes suprimentos, e se o esquadrão fosse dizimado, seria visto como culpa do Controlador.

Aparentemente, com o território da República tendo sido grandemente reduzido por causa da guerra, a taxa de desemprego aumentou bastante, e assim os Controladores trabalhavam em troca de um salário mensal. Mas parecia que os Controladores não estavam com falta de dinheiro a ponto de aceitar que um porco falasse de volta para eles.

No final, todos os cidadãos da República eram iguais. Eles se fechavam dentro de um doce sonho, tapando os ouvidos e fechando os olhos para alcançar uma paz falsa. Porcos brancos estúpidos e preguiçosos.

Isuka zombou novamente. Frio.

"Peço desculpas se pareci assim, estimado mestre humano."

Como se alguém quisesse ser seu igual, seu porco branco.

Lidar com idiotas era fácil, mas não era particularmente agradável. Assim que a Ressonância Sensorial se fechou, Isuka clicou a língua e se afastou da parede do hangar contra a qual estava apoiado.

As interações com o Handler deles eram seu dever como capitão. E cada vez, era irritante passar por isso.

Assim como os alojamentos, eles negligenciaram a limpeza do hangar. Estava cheio de peças sobressalentes e recipientes vazios, e o ar estava claramente empoeirado. O número de Juggernauts alinhados no hangar diminuíram drasticamente nos últimos poucos combates. A unidade de Shin estava agachada no canto, manchada com pontos de tinta vermelha que os companheiros de esquadrão encontraram em algum lugar.

Mas apesar de lutar em um campo de batalha urbano com essas cores absurdas em seu equipamento, Shin sobreviveu hoje também. Eles forçaram os papéis mais letais sobre ele, como servir de isca ou a retaguarda, e ele continuava usando um estilo de combate descuidado que empurrava o já fraco sistema de suspensão do Juggernaut até seus limites.

Para começar, o esquadrão Stiletto era responsável por um distrito muito disputado. Neste campo de batalha de zero baixas, onde as pessoas morriam para todos os lados, este era um setor que se destacava pelo número de vidas dos Eighty-six que reivindicava. E apesar disso, Shin sobrevivia.

E como se para contrabalançar a tendência de Shin de sobreviver, os outros companheiros de esquadrão pareciam ter começado a morrer com mais frequência desde que ele se juntou ao esquadrão. Isso estava se tornando um pouco problemático para Isuka. Tanto porque o potencial de combate do esquadrão estava diminuindo, tornando as batalhas mais difíceis... quanto porque a atmosfera no esquadrão estava piorando.

Os olhares e sussurros direcionados a Shin estavam gradualmente se transformando em inimizade clara. "Praga", eles diziam. Portador de ruína.

Você chama a morte para seus camaradas. O bullying estava escalando a cada dia, e estava se aproximando do ponto em que Isuka sentia que tinha que intervir pelo garoto.

Se um Processador escolhesse se matar ou fosse burro o suficiente para ser morto pela Legion, isso era uma coisa. Mas Processadores se matando era onde a linha precisava ser traçada. Era uma restrição final que nunca poderia ser permitida se desfazer. Se isso acontecesse, toda a ordem no esquadrão iria para o espaço.

Ele o fez de bode expiatório para que os Processadores sobrevivessem, mas consequentemente, isso só os fazia morrer ainda mais rápido.

Mas, enquanto fazia uma careta, ele sentiu algo passar por ele silenciosamente.

"Oh."

Ele não percebeu que estava ali. Olhando para baixo com um leve toque de surpresa, ele viu alguém com cabelos pretos distintos, usando um cachecol azul e um uniforme que era grande demais para sua pequena estatura. Shin.

Assim como um animal à espreita, ele andava sem fazer nenhum barulho. Ao ouvir sua reação, Shin virou seus olhos sem emoção, de cor vermelho sangue, na direção de Isuka, implicando que ele também não tinha notado a presença de Isuka. Isuka estava apoiado contra uma parede que ficava horizontal à entrada do hangar; era difícil de ser visto quando se estava andando. Shin estreitou os olhos, seu olhar fixado na parede.

A maneira como ele olhava para Isuka havia se tornado muito mais sombria e fria em comparação com a raiva que ele mostrou quando Isuka o repreendeu por tentar ajudar aquele idiota que teve as pernas explodidas. Ele olhou para Isuka como se fosse um inseto desagradável ou uma pedra no seu caminho e então se virou.

Parecia que ele estava determinado a ignorar esse capitão insensível que atirava em qualquer companheiro de esquadrão que se tornasse um fardo. Assim como ignorava seus companheiros de esquadrão, que apesar de serem discriminados Eighty-six, se uniam contra qualquer um mais fraco que eles.

Aqueles olhos frios pareciam olhar para ele, como se estivessem condenando... como se ele fosse uma pessoa que se reduziu a um estado miserável.

"Hey."

Isuka chamou por ele antes mesmo de perceber. Ele podia dizer que tinha um sorriso torto no rosto. A mesma expressão de deboche que ele sempre tinha quando interagia com seus companheiros de esquadrão. Um sorriso desinteressado que intimidava, afastava e coagia.

"Esse pedaço de metal é do Juggernaut do Mirei? Você realmente o pegou?"

Ele fez essa pergunta enquanto observava o pequeno fragmento metálico que Shin segurava nas mãos. Tinha a cor da placa do Juggernaut, a cor de osso seco. Até o esquadrão Stiletto tinha ouvido falar de como Shin gravava os nomes daqueles que morriam nesses fragmentos. Ele geralmente dependia de pedaços de madeira ou metal que conseguia encontrar. Mas ele usava retalhos da armadura do Juggernaut quando tinha sorte o suficiente para encontrá-los. Isso não acontecia com frequência, já que os frágeis Juggernauts eram frequentemente despedaçados.

Ele tinha vários fragmentos com nomes gravados neles na cabine do seu Juggernaut. Eles pareciam lixo, mas houve um momento em que um companheiro de esquadrão os tirou de seu Juggernaut e os jogou na lama, apenas para Shin espancá-lo até que seu rosto ficasse irreconhecível. Julgando por isso, esses pedaços pareciam ser importantes para ele.

Isso fazia parte do motivo pelo qual, apesar de ser um bode expiatório, era preciso tirar o chapéu para Shin. Os outros companheiros de esquadrão e a equipe de manutenção todos pareciam acreditar que ele fazia isso da mesma forma que os nobres imperiais enlouquecidos pela batalha reivindicariam as cabeças decepadas de seus inimigos como prêmio. Shin, sendo o deus da peste que era, em vez disso ostentava o número de aliados que ele matava em vez dos inimigos que ele abatia.

Mas Isuka sabia que não era o caso. Antes, alguns companheiros de esquadrão que haviam sido relativamente simpáticos a Shin e agora estavam mortos disseram que ele fazia isso por causa de uma promessa que ele havia feito com o primeiro capitão de seu esquadrão. O último sobrevivente lembraria daqueles que morreram lutando ao seu lado e os levaria consigo. Foi assim que ele cumpria essa promessa.

Ele acabaria levando Isuka consigo também...?

... Isso é estúpido.

"Tenho certeza de que você não é burro o suficiente para esquecer o que o Mirei fez com você. E você ainda o está levando junto?"

A água que ele jogou nele, os insultos que ele lançava todos os dias, como ele sempre o usava como isca para retardar o inimigo. E ele ainda o estava levando junto?

"Você é realmente tão estúpido? Entre isso e como você continua tentando salvar os moribundos... Você curte ser um herói ou algo assim?"

“…Não é isso.”

A resposta de Shin foi indiferente, como se ele nem mesmo reconhecesse plenamente que Isuka estava ali. Provavelmente, ele estava olhando para quem forçou essa promessa sobre ele, alguém que já se foi. Qualquer pessoa irresponsável que o obrigou a fazer essa promessa antes de ir em frente e morrer primeiro.

"É porque os Eighty-six não têm túmulos. Se alguém não se lembrar daqueles que morreram, eles simplesmente desaparecerão. Então, eu só quero me lembrar de todos."

"Oh," Isuka disse com um fino sorriso de deboche. "Então, que tipo de cara era o Mirei? Um valentão mesquinho que intimidava e gritava com qualquer um menor que ele todos os dias, apenas para morrer como um idiota?"

Ninguém gostaria de ser lembrado assim.

Mas Shin não parecia reconhecer o deboche de Isuka, seus olhos escarlates afundando em reminiscência.

"... Ele era um brincalhão que sempre ria, sempre colocava uma cara corajosa mesmo quando estava difícil e sempre tentava manter seus amigos animados." O deboche desapareceu do rosto de Isuka.

"Ele nunca dirigiu esse comportamento a mim, mas apenas olhando de lado, eu podia dizer que era assim que ele tratava os outros... e isso é algo bom o suficiente para eu levar junto."

"..."

Isuka contorceu o rosto amargamente. Naquele momento, finalmente caiu a ficha do porquê esse moleque o irritava tanto.

"... Você acha que é algum tipo de santo, garoto? Aqui, em um campo de batalha onde ninguém é humano?"

O Setor Eighty-Six é o inferno. Ninguém pode se manter normal em um lugar como este. E Shin ainda estava se agarrando à sua dignidade, à imagem do que uma pessoa sã e decente deveria ser. Isso era algo que Isuka havia descartado, e ele não tinha interesse em pegá-lo novamente, mas parecia que Shin estava mostrando isso para ele.

"Só estou fazendo o que quero fazer e não fazendo o que não quero fazer."

Porque eu não quero acabar como você.

"Maldito moleque—," rosnou Isuka.

"Além disso," Shin o interrompeu.

Ele finalmente desviou seu olhar, vermelho sangue , demonstrando uma pitada de amargura pela primeira vez

"Mesmo eu tenho coisas que não faço, apesar de poder... Mesmo que eu te contasse, ninguém neste esquadrão acreditaria de qualquer maneira. Então, não tem sentido dizer nada."

Um Löwe apareceu repentinamente na frente do Juggernaut de Isuka.

O desempenho absurdo do Goliath de cinquenta toneladas permitiu que ele pousasse de seu salto com um silêncio que ninguém imaginaria dada seu tamanho. Ele balançou a parte da frente esquerda de suas quatro pernas grossas em direção a Isuka. Como Isuka estava muito perto da torre, ele escolheu chutar para longe o inseto feio em vez de atirar nele.

"Oh, mer—"

Então veio o impacto.

Quando Isuka abriu os olhos da próxima vez, percebeu que havia sido arremessado para fora de seu Juggernaut e para o concreto do lado de fora. Olhando ao redor, encontrou seu Juggernaut tombado a uma curta distância, sua estrutura rompida. Um rastro vermelho de sangue se estendia do Juggernaut, indo até onde Isuka estava deitado.

Era seu sangue.

...Eu estraguei tudo.

Suspirando, Isuka olhou para o céu, com as costas apoiadas no concreto. O tecido grosso e resistente à água de seu uniforme de campo o escondia, mas ele conseguia sentir o interior do estômago ficando quente. Seus órgãos internos haviam se rompido. E não havia médicos militares no Setor Eighty-six, então ele não podia esperar tratamento médico. Essa era uma ferida fatal.

Uma lesão no estômago não era como uma ferida na cabeça ou no peito. Mesmo que alguém não receba ajuda, a ferida não matará tão rapidamente. E ele não queria se contorcer de agonia, incapaz de morrer em algum canto do campo de batalha enquanto gritos e tiros ecoavam ao seu redor. Isuka tentou alcançar sua coxa direita para agarrar a pistola que estava lá...

…mas seus dedos passaram pelo ar vazio.

Ele não conseguia sentir a empunhadura da arma, mas pior ainda... ele não conseguia sentir a perna inteira. Olhando para baixo, percebeu que, sob sua camisa uniforme, suas pernas estavam completamente ausentes.

“...?!” 

Virando-se temerosamente, viu a metade ausente de seu corpo escorrendo para fora do cockpit aberto de seu Juggernaut tombado. A pistola estava apenas na sua bainha, pendurada um pouco sobre uma poça de sangue cheia de seus dedos decepados, balançando a pouca distância, fora de alcance.

Ele não conseguia dizer quanto tempo passou deitado ali perplexo. Uma risada inapropriada escapou de seus lábios, e toda força abandonou seu corpo. Ele não tinhas forças para rastejar até lá. Além disso, suas mãos estavam sem dedos, então ele não podia segurar ou disparar a arma de forma confiável.

Neste ponto, ele não se importava se vivia ou morria.

Mas isso era inevitável, pensou, enquanto seu sentido amortecido de dor começava a ressurgir. Ele foi um Processador por mais de três anos. Ele tentou manter seus esquadrões unidos para garantir sua própria sobrevivência, e fazer isso consumirá a vidas de muitos de seus camaradas.

Tantos haviam morrido, seja pelas mãos da Legion ou por suicídio. Presos em um campo de batalha onde eram estrangulados pela maldade tanto da Legion quanto da República, seus corações ficaram desgastados e doentes ao ver até mesmo seus companheiros Eighty-Six os olharem com desdém.

Isuka fez com que fosse assim.

E esta foi a retribuição que recebeu.

Parecia que o resto do esquadrão Stiletto ainda estava lutando, embora estivessem na retaguarda. Provavelmente não estavam em condições de vir resgatá-lo. Ou ele morreria aqui, sem que nenhum deles soubesse... ou seu esquadrão seria simplesmente dizimado e a Legião o levaria como despojo de guerra. Seja qual for o caso…

...não terei uma morte fácil...

Mas foi então que o mundo monótono do cinza opaco dos destroços e as nuvens prateadas da Eintagsfliege foram invadidos por um vermelho vívido.

Isuka se virou por reflexo, e seus olhos o avistaram. Havia um tom de preto como se a escuridão da noite tivesse sido refinada em cor. Um tom de carmesim, mais vermelho que o sangue.

"Nouzen..."

O sussurro de Isuka foi tão silencioso que Shin não pareceu ouvi-lo. Mas Isuka podia ver seu Juggernaut agachado na borda de seu campo de visão. Seu cockpit se abriu, e Shin desembarcou, apressando-se em direção à unidade de Isuka. Ele estava tão completamente indefeso que nem Isuka pôde deixar de se preocupar. Se houvesse apenas uma única mina autopropelida por perto, ele certamente teria morrido.

Ele carregava seu fuzil de assalto, que era muito grande para sua pequena estrutura. Ele não tinha uma pistola, no entanto. Isuka nunca o deixou ter uma, pois não queria que ele tirasse a própria vida como tantos bodes expiatórios antes dele.

Ele se aproximou do Juggernaut de Isuka, tão silencioso quanto os próprios passos da Legion, e inspecionou o quanto estava danificado. Aparentemente, Shin fez isso porque havia quebrado seu próprio Juggernaut. Observando, as metralhadoras pesadas em ambos os braços de agarramento estavam gravemente danificadas. Os canos estavam tortos, como se ele os tivesse batido contra o inimigo. Além disso, o Juggernaut dele não parecia que permaneceria equilibrado adequadamente quando estivesse parado. Uma de suas quatro pernas frágeis teve a junta dobrada e quebrada.

Ele havia perdido seus armamentos secundários, e sua unidade não era capaz de mobilidade normal, então ele decidiu mudar para outro Juggernaut, mesmo que seu cockpit estivesse levemente danificado. Infelizmente para ele, o cockpit do Juggernaut de Isuka havia sido destruído de cima a baixo, e a unidade não era operável.

Ao ver isso, Shin balançou a cabeça, e então ele percebeu que os restos espalhados do estômago de Isuka estavam se derramando do cockpit. Ele engoliu nervosamente, depois seguiu a trilha de sangue, eventualmente descobrindo Isuka.

Seus olhos vermelhos como sangue - a tonalidade de carmesim mais clara e pura do que o sangue e vísceras espalhados pelo chão - se fixaram em Isuka. Em seu estômago danificado e cortado. Em suas mãos, que tinham menos dedos do que deveriam ter. No fato de que, apesar de tudo, ele estava infelizmente, tragicamente ainda vivo. Assim como o colega de esquadrão que ele uma vez atirou diante dos olhos de Shin, infelizmente, tragicamente ainda estava vivo.

Inicialmente, Isuka estava completamente preparado para ver Shin se virar e o deixar ao seu destino. Afinal, Isuka o havia tratado terrivelmente. Por que ele o salvaria? E Isuka não se rebaixaria a implorar por misericórdia. Ele não faria isso, e ele não tinha o direito de fazer isso de qualquer maneira.

Os olhos vermelhos fixos nele congelaram. Como se hesitantes, dilacerados por algum conflito interno.


 O que diabos você está fazendo?  pensou Isuka amargamente. O que há para ficar confuso? Eu te machuquei tanto. Que outra opção você tem além de me abandonar? Apenas me deixe aqui para morrer. Vá. Apresse-se e vá embora. Pedir por misericórdia seria humilhante. Não me faça fazer algo tão patético quanto pedir ajuda a alguém que machuquei...!

Mas então Shin franzia os lábios...

...e retirou a pistola do coldre ensanguentado de Isuka.

"...O quê?"

Isuka ficou sem palavras por um momento. E então Shin virou o cano em sua direção. Ela estava tremendo levemente, mas ainda estava fixa em sua cabeça. Na do outro lado de sua mira havia olhos cheios de conflito - medo lutando com uma determinação instável.

Ele estava hesitando. Não sobre a probabilidade de salvá-lo. Mas sobre a escolha insensível de matá-lo a tiros sem nem mesmo tentar tratá-lo, mesmo que fosse em nome do fim de seu sofrimento. sofrimento...

Mas a surpresa de Isuka logo se dissipou. E, em seu lugar, ele sentiu uma raiva inexplicável. Ele não tinha certeza absoluta do motivo da raiva, mas a emoção obscureceu seu campo de visão.

Maldição.

Maldição. É isso que eu recebo, não é? É isso que eu tenho que ver no no final

Sem que Isuka percebesse, um sorriso auto-depreciativo se formou em seus traços.

Que droga. Se este é o castigo que recebo...

Ele levantou sua mão direita, que parecia muito mais pesada do que deveria, e cutucou o osso exposto no final de seu polegar restante entre os olhos.

Se você tiver que fazer isso, aponte para cá.

"Você sabe como usar isso, certo? Puxe o ferrolho..."

Antes mesmo que ele pudesse terminar a frase, Shin puxou o slide para trás com suas mãos pequenas e colocou a primeira bala na câmara... Alguém realmente havia lhe ensinado a fazer isso. Depois de puxar a arma até o Depois de puxá-la até o fim, ele a encaixou de volta no lugar.

Quem quer que o tenha ensinado a manusear uma arma provavelmente não provavelmente não o havia treinado para atirar em pessoas.

"Você não precisa se preocupar com um dispositivo de segurança com essa. Ele arma automaticamente o martelo quando você carrega a primeira bala. Você só precisa mirar e atirar."

Ele disse isso, é claro, sabendo que essa parte final era a mais difícil. Shin teria que atirar em Isuka, que ainda estava vivo e se mexendo, enquanto o olhava nos olhos. A visão disso provavelmente ficaria gravada em sua mente. O instinto humano naturalmente detestava a ideia de tirar outra vida, tornando-a o ato mais aterrorizante que se possa imaginar.

Mas se esse garoto idiota não fizesse isso agora, provavelmente seria assombrado pelo arrependimento pelo resto de sua vida. O arrependimento de não ter acabado com esse idiota que não conseguia nem morrer direito.

"Tem espaço para quinze balas. Isso significa que você pode atirar até catorze vezes e não se preocupar com isso. Vai em frente. Atire."

"…?"

Shin forçou suas respirações ofegantes a se acalmarem, a dúvida obscurecendo seu olhar anormalmente duro. Isuka balançou a cabeça com um sorriso doloroso.

"Mas não use essa última em mais ninguém. A última bala é para quando você estiver prestes a morrer. Dessa forma, você pode se tranquilizar. Isso é uma coisa que você nunca... jamais deve deixar alguém fazer por você."

Shin pelo menos tinha que ser tão egoísta... ou então Isuka, alguém que viveu sua vida de maneira completamente egoísta, nunca descansaria em paz.

Tendo dito tudo o que precisava, Isuka fechou os olhos. Shin pelo menos poderia fazer isso muito. Depois de alguma hesitação, Shin expirou, e a atmosfera ao seu redor ficou fria e sombria...

Vamos lá, idiota. Não deixe isso te abalar.

O primeiro tiro errou Isuka por uma grande margem e perfurou o asfalto ao lado de sua cabeça. O segundo tiro arrancou uma de suas orelhas. O fato de ele tê-lo atingido de raspão em sua segunda tentativa foi elogiável, de certa forma.

O pensamento de que Shin iria levá-lo junto com ele passou pela cabeça de Isuka.

Como ele se lembraria de mim, então? Ele não vai pegar o que eu disse e o fato de eu ter dado a ele algumas dicas de como usar uma pistola e chamar isso de bondade, vai? 

Por um momento, um sorriso inadequado se formou nos lábios de Isuka.

Se for esse o caso, então ele realmente é um idiota.

Ele pensou ter ouvido o terceiro tiro. E essa foi a última coisa que Isuka ouviu antes que seus miolos fossem dispersos: o toque final de misericórdia

Os dois primeiros tiros erraram o alvo, mas o terceiro acertou sua testa, exatamente como ele havia pedido.

A pistola priorizava a mobilidade como seu fator mais importante e, por isso, seu cano era curto, o que tornava sua precisão e força de penetração insignificantes. Pode ser uma pistola militar, mas um calibre 9 mm nem sempre é suficiente para acabar com alguém, então Shin disparou mais dois tiros para garantir a morte.

Ele atirou nele, como lhe foi ensinado, e só então Shin percebeu que Isuka não estava mais se movendo. Agora que seu coração havia parado, o sangue começou a se acumular. Era de um vermelho escuro, misturado com algo que não era sangue.

Shin abaixou lentamente a pistola e afundou no chão, como se não conseguisse suportar o peso dela, embora pesasse menos de um quilo. Seu corpo estava encharcado de suor frio. Percebendo que havia prendido a respiração Percebendo que havia prendido a respiração durante todo esse tempo, ele finalmente expirou, repetidas vezes.

"H-haah...!"

Mas o tremor e a náusea que ele esperava nunca vieram. Não havia pânico ou descompostura. E a ausência deles foi o que realmente chocou Shin. Diante dele estava um cadáver fresco, produzido por suas próprias mãos. E, apesar de ter matado outra pessoa, isso pouco o abalou. E isso o abalou mais do que qualquer outra coisa.

Eu sabia. Eu...

Sua mão inconscientemente foi para a garganta. Sentindo o tecido de seu cachecol, ele retirou os dedos por um momento e depois agarrou sua garganta com força.

Levante-se. Pode não acontecer imediatamente, mas o som desse tiro vai chamar a Legion aqui. Volte para o seu Juggernaut antes que isso aconteça. Escape e viva. Lute.

Alguma força de vontade instintiva, algo mais profundo e mais primal do que sua própria vontade, o impeliu a se mover. Ele olhou para cima, seus olhos vermelho-sangue novamente iluminados com a intensidade fria de um guerreiro.

Quando se levantou, a pistola de quase 900 gramas não parecia mais pesada para ele.

Ele pegou um dos fragmentos do Juggernaut que estava na poça de sangue e começou a se afastar. Virou-se no último segundo, olhando para os restos abandonados e expirados de Isuka.

"...Capitão."

Ele era alguém por quem ele nunca teve qualquer respeito ou afeição. A única coisa que essa pessoa sempre dirigiu a Shin foi uma malícia irracional. Mas a maneira como ele nunca abandonou aqueles que estavam feridos e não podiam morrer, matando-os com um tiro... Olhando para trás agora, Shin percebeu que essa era sua maneira de assumir a responsabilidade por seus companheiros.

Isuka estava tão acostumado a isso que fazia com que parecesse casual. Ele havia acabado com tantas pessoas que se acostumou a isso. E isso provavelmente se devia ao fato de ele nunca ter empurrado essa responsabilidade para outra pessoa.

Shin podia se lembrar dessa sua determinação.

"Vou ficar com a pistola... e com seu dever. Até que eu encontre meu fim."

E ele se lembraria de seu nome e daquele sorriso final, fraco e doloroso que ele mostrou.

Com essa ideia em mente, Shin virou as costas para ele.


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