Volume 4

Capítulo 188: Trigésima Oitava Página do Diário

Felipe e eu fizemos a aposta mais idiota possível. É claro que tudo aquilo não passava de uma brincadeira, até porque ele não era louco o suficiente de se matar só por achar que eu salvaria o mundo. Sem contar que eu nem sequer sabia do que o mundo precisava ser salvo.

Passamos um dia descansando na Torre dos Sábios, lá era como uma biblioteca enorme, cheia de livros nas cavidades das paredes, que pareciam ter sido escavadas na rocha apenas para servirem de estantes.

Seja lá quem fez aquilo, trabalhou muito.

Zita explicou a Felipe que estávamos indo a Campo Sul, e ele se ofereceu para ir conosco. Aparentemente, no lugar existia uma ruína pouco conhecida, e Felipe achava que lá poderia encontrar algo importante.

Eu não me importava com ruínas, apenas queria ir para lá porque o tal Haroldo disse que seria importante. Mesmo que eu não conhecesse ele, o cara tinha espancado o Cavaleiro de Prata, isso era motivo suficiente para eu confiar nele.

Por falar em confiança, parecia que em todo lugar que eu chegava, tinha alguém da minha rede de informações que eu nem sabia que existia. Uma das pessoas que trabalhavam na manutenção da torre veio até mim e se apresentou como um ex-rato, se prontificando a me informar de tudo que acontecia.

Era incrível como aqueles caras conseguiam trocar informações tão rápido.

Segundo ele, a situação na Cidade de Prata tinha se estabilizado, mas a comoção ainda estava visível. Aparentemente, eu tinha me tornado inimigo público número um deles. E a minha cabeça estava valendo um bom saco de moedas.

Com a morte do rei, o príncipe Flek assumiu o trono como regente. Seu irmão mais novo, Tud, não tinha apoiado sua ascensão tão rápida perante a morte de seu pai, mas como Flek teve apoio amplo das famílias nobres, Tud fugiu no meio da noite com alguns poucos soldados.

Quem tem cu, tem medo.

Não havia nenhuma evidência de que Haroldo fosse culpado parcial pelos acontecimentos, inclusive, ele era tratado como uma lenda urbana. Quando eu perguntei ao meu informante se ele sabia o que tinha acontecido com Haroldo, ele só respondeu:

— Esse nome é de alguém que nunca sabemos de nada.

O tom sério que ele usou foi tão imponente, que resolvi respeitar e não mexer mais no assunto. Então mudei o foco da conversa para notícias do Leste.

Segundo o informante, o Leste estava calmo. Parva estava terminando de ser reconstruída, e as Pessoas Livres haviam fechado um acordo de comércio entre os reinos tendo Parva como centro da maioria das rotas, o que levaria a cidade a um estado de neutralidade política.

Fiquei muito orgulhoso da capacidade de Adênia em tomar decisões importantes. Eu mesmo não seria capaz de fazer tudo isso, no máximo conseguiria causar mais problemas e matar uma dúzia de pessoas.

Vendo que meus inimigos estavam com problemas e meus amigos estavam bem, pude descansar minha cabeça. Era a primeira vez que as minhas ações descuidadas davam um resultado positivo, mas podia ser por causa da intromissão de Haroldo.

Quando perguntei a Felipe e Zita sobre Haroldo, ambos deram informações muito vagas. Ou como dizíamos no Leste, falaram muito e não disseram nada. Haroldo era uma pessoa misteriosa, mas isso parecia não chamar atenção de ninguém.

Se nem mesmo Felipe sabia de nada sobre o homem, mesmo dizendo que o conhecia, então tinha algo de muito errado. Estamos falando sobre o herói que mesmo tendo me visto umas três vezes apenas, e por poucos minutos, foi capaz de prever minhas ações a bolar um plano contra o meu.

Haroldo deveria ser alguém muito esperto para conseguir não revelar suas intenções e nem chamar a atenção de Felipe. Mas ele tinha me deixado uma pista, e nós estávamos indo investigar justamente isso.

Não sabia o que deveria achar em Campo Sul, mas, se Haroldo disse que deveríamos ir até lá, então tinha algo. A parte chata é que a nossa viagem durou quase um mês...

A merda da Cordilheira Escaldante era o pior lugar para se viajar. Não tinha como usar nenhum meio de transporte, então fomos a pé. O terreno era muito irregular, o que atrasava nosso ritmo. E o calor era horrível, tirando a resistência de Zita a altas temperaturas, Felipe e eu quase morremos por desidratação.

Quando chegamos ao local, não tínhamos nenhuma dúvida de que aquele era o nosso destino.

No meio das montanhas rochosas, uma planície visualmente artificial. Era possível ver que pessoas haviam escavado o local para criar o que antes deveria ter sido uma incrível civilização.

Pelo diâmetro da planície, devem ter eliminado umas três ou quatro montanhas, e as rochas foram usadas nas construções. As montanhas em volta forneciam uma espécie de proteção natural, então ali deveria ser um local seguro.

Agora, tudo que restava era a base das construções, e algumas poucas casas em pedra. A pouca vegetação que crescia era um tipo de grama verde-amarelada, que reconheci como sendo uma espécie usada para fazer cobertura de casas no Leste.

Outro detalhe que relacionei ao Leste foi a arquitetura das construções. Diferente da maioria das casas que eu já tinha visto no mundo, no Leste era como se as pessoas fizessem casas circulares, semelhantes a ocas.

E ali estavam bases de construções no mesmo formato.

Com toda certeza havia alguma relação entre esse lugar e o Reino do Leste.

— Estas são as ruínas do Reino de Pedra... — Felipe comentou — Esse lugar estava fadado à extinção, mas seu último rei transferiu tudo para o extremo leste... tudo que sobrou foram ruínas.

Eu sabia. Esse lugar era uma espécie de antepassado do Leste. Por isso as pedras escuras da Montanha solitária pareciam tanto com as rochas desse lugar. Os habitantes devem ter levado até as pedras quando se mudaram, porque sabiam que não seria seguro construir um novo reino em uma planície.

Eles estavam acostumados com as montanhas, por isso construíram a “Montanha Solitária”. E isso explicava o trono de pedra, o único dos sete tronos que não possuía um rei.

Trono de pedra, Reino de Pedra... Faz sentido.

Continuamos explorando o lugar. Eu não entendia o motivo de Haroldo ter me enviado até ali. Se era para saber da conexão entre as ruínas e o Leste, ele poderia simplesmente ter falado.

E vendo como Felipe parecia procurar alguma coisa, desconfiei de que havia algo a ser descoberto.

Nos separamos para cobrir uma área maior, e não demorou muito para Zita achar algo. Era um tipo de porta no chão. Ao abrir, tinha uma escada que descia em espiral.

Zita comentou que sentiu a porta, como se fosse algo mágico que chamava por ela. Isso me causou arrepios, mas Felipe parecia estar muito ansioso para explorar o local.

Descemos pela escada até chegar em um salão enorme. Zita acendeu as tochas que estavam presas à parede, como se alguém soubesse que estávamos vindo.

Reparei que haviam uma infinidade de inscrições nas paredes, eram mais como desenhos do que palavras. Talvez tivessem algum significado, eu sentia, mas não conseguia entender o que era.

— Língua morta! — Felipe comentou — A primeira forma de comunicação escrita desse mundo.

— É um tipo de hieróglifo que não segue um padrão... — Zita assentiu com a cabeça.

Aquilo era muito mais esquisito do que deveria ser. Eu estava com uma sensação inquietante. Era familiar e distante ao mesmo tempo.

— Bora sair daqui? — Falei para Zita — Tem algo de muito errado.

— Não acho que tenha nada errado! — Felipe disse.

— Essa escrita toda, eu já devo ter visto em algum lugar, mas não lembro onde. Isso está me incomodando muito.

— Segura mais uns minutos, só preciso de um pouco mais de luz aqui. Vai ficar tudo bem, não confia em mim?

— Eu amo a Zita e não confio em você. — As palavras pareciam um pouco mais agressivas e diretas do que eu tinha planejado — Para falar a verdade, nem queria estar aqui, mas fiz um monte de merda, matei pessoas, quase morri e estou com muito medo...

Achei melhor parar de falar antes que me complicasse mais.

— Uau. Isso foi bastante sincero. — Felipe comentou — Mesmo tendo medo de você, eu tenho que admitir que foi corajoso da sua parte arriscar a vida para salvar as pessoas escravizadas.

— Então tem medo de mim? — Ambos parecíamos estar sendo mais sinceros do que gostaríamos — Espera! Você admite que eu estava certo em salvar aquelas pessoas, mesmo tendo armado o plano que quase nos matou?

Felipe me encarou confuso por alguns segundos. Parecia estar tentando entender a situação.

Cruzei os braços e esperei.

— Tenta mentir. — Felipe disse.

— Eu... — A frase não queria sair — Eu não consigo.

— Droga, eu não esperava por essa! — Ele pôs as mãos sobre a cabeça em desespero — Isso aqui é pior do que achávamos. Essa é a “sala da verdade”, aqui é impossível mentir por causa da origem “verdadeira” da magia, o que significa que a magia desse mundo teve origem aqui.

Isso deveria ser importante? Eu não entendia o problema.

— Se esse lugar é real, então Haroldo é o primeiro Rei do Leste, e não um descendente!

Até aí eu não estava entendendo muito, mas parece que nada mais fazia sentido. Eu não me achava burro, só que era meio difícil de acompanhar a lógica de Felipe.

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