Volume 4
Capítulo 187: Terceiro Dia de Escuridão
Já estava no terceiro dia de escuridão total.
O medo havia se implantado no coração das pessoas comuns e a sede de sangue dos guerreiros cada vez mais se reduzia. Com a notícia de que os deuses estavam livres, todo o continente entrou em estado de alerta máximo.
Ninguém sabia o que poderia vir agora.
Também circulavam boatos de que alguns heróis haviam morrido, outros haviam perdido seus poderes, e até mesmo os bravos soldados de outro mundo, com suas armas estranhas, foram derrotados.
A história mais comovente era sobre a heroína do fogo, a mais amada entre todos os trinta e três. Sua morte foi um choque para qualquer um que já tivesse a conhecido pessoalmente.
Como se não bastasse isso tudo, relatos de diversos portais se abrindo em locais aleatórios pelo continente inteiro, não paravam de surgir. Todos diziam ter visto soldados com roupas camufladas e armas de fogo saindo dos portais.
Não parecia ser mentira quando pessoas diferentes contavam a mesma história, a única informação que destoava era a localização que afirmavam ter visto os tais portais. E, que muitos diziam ter visto objetos gigantes, parecendo serem de metal, serem arrastados para fora dos portais.
O pânico se espalhou rapidamente por todas as cidades. Diversas caravanas podiam ser vistas indo em direção aos locais mais isolados, levando pessoas que buscavam um local seguro.
No acampamento das Pessoas Livres, as tendas estavam sendo desmontadas. Parte dos integrantes, principalmente os que tinham menor aptidão à batalha, estavam se retirando para locais mais seguros.
Foi tudo às pressas, mas após uma reunião entre Miraa, Long-Hua e Adênia durante a madrugada, ficou acertado um acordo de não agressão entre as partes. Além de combinarem em proteger os civis e dispensarem os heróis.
Quando a ameaça dos deuses se tornou real, estar próximo de um dos heróis era o mesmo que ter um alvo estampado no meio da cabeça. No meio dessa confusão toda ninguém percebeu ou se importou com a ausência de ninguém, cada um deveria pensar apenas na sua própria segurança.
Assim, Anne conseguiu fugir sem muito esforço. Iffy fez questão de acompanhá-la, mesmo sabendo que era muito perigoso. As duas tiveram ajuda de pessoas da cidade de Parva, que eram amigos de Iffy. Assim foi fácil sair do olhar constante dos guardas de Adênia.
Conforme o grupo ia se dividindo ao longo da estrada, para não chamar atenção de possíveis inimigos, Anne e Iffy permaneceram indo em direção ao norte. Elas tinham ouvido falar sobre uma região tranquila ao norte do Reino do Leste, onde Van-Nee viveu tranquilamente por anos.
Aquele poderia ser um bom lugar para fugir de todas as merdas do passado.
— E se vierem atrás de nós? — Iffy perguntou.
Anne guiava a carroça de madeira puxada por dois bois. Além das duas garotas, havia mais um casal com duas crianças, talvez uma família jovem, que dormia devido ao cansaço da viagem. Logo atrás vinha outra carroça semelhante com pessoas idosas e um guarda-costas.
— Se alguém vier, eu protejo todos nós. — Anne disse baixo, sem querer chamar a atenção do resto do grupo.
— Não enquanto estiver com isso aí no pescoço... — Iffy fez menção de tocar no colar que restringia o poder de Anne, mas foi impedida.
— Não toque! — Anne segurou a mão de Iffy — O efeito que anula meu poder é o mesmo que impede que a nossa localização seja descoberta.
— Mas e se...
— Não pense demais nisso. Tudo que precisamos é fugir dessa merda toda e deixar o passado para trás. Vou esquecer esse papo de heróis e deuses, viver uma vida simples e fazer o possível para pagar o erro que cometi.
Iffy tinha uma expressão amargurada, seus olhos estavam lacrimejando.
— Por que fez aquilo? Digo, por que ajudou o Cavaleiro de Prata? Você sabia que ele era um cara mau...
— Por causa do André! — Anne respondeu sem nem pensar — Eu sempre odiei aquele cara, desde antes de virmos para esse mundo...
— Você conhecia ele de antes? — Iffy estava chocada.
— Eu conheci o André quando tínhamos cerca de sete anos. — Anne deixou o olhar vagar pelos céus, como se assistisse sua própria história — André era um moleque bobão, um completo idiota... Eu era mais velha do que ele, mais inteligente, mais alta...
Sua voz parou por alguns segundos, mas ela continuou.
— Não importava em que fosse, eu era melhor do que ele, menos em ser feliz. Ele tinha uma família legal. O pai dele, Haroldo, era um cara cheio de histórias para contar. A mãe, Sônia, era uma mulher bonita e inteligente. E a irmã, Julia, sempre o protegia quando alguém puxava briga com ele.
Iffy prestava bastante atenção às palavras de Anne.
— Eu comecei a odiar a minha vida e invejar a dele... Até o dia em que, por um acidente no trabalho da mãe, o André entrou em coma. O pai e a irmã tinham desaparecido, a mãe entrou em uma crise psicológica. Aquilo me fez sentir bem.
Anne parecia estar com nojo de si mesma enquanto contava aquela história.
— Então, — ela continuou — após três anos, eu fui trazida para esse mundo. Qual foi a minha surpresa ao ver aquele cara bem na minha frente. Ele conquistou o coração de Zita, que era minha melhor amiga. Conquistou fama e glória, um poder muito roubado... E do nada, me aparece Haroldo, o pai de André, bem na minha frente!
Anne puxou um cantil, tomou um gole de água e continuou a contar sua história:
— Foi quando eu entendi que nada daquilo foi por acaso. Tudo foi um plano de Haroldo para trazer seu filho para esse mundo. Tudo foi orquestrado para que André fosse o herói. Até Jonas foi manipulado para mandar jogar André na Grande Falha, e assim ele receber seu poder. Tudo foi um plano miserável de Haroldo, e agora ainda fiquei sabendo que Miraa é a irmã dele...
— Isso foi mesmo uma surpresa. — Iffy concordou.
— A questão é que eu estava com muita raiva e acabei indo para o lado oposto. Quem era a pessoa que André e Haroldo mais odiavam? Cavaleiro de Prata, por isso me aliei a ele, e no final fui apenas usada e jogada na lata de lixo.
— Então você se arrepende? — Iffy encarou Anne.
— Do que adianta me arrepender? — Anne perguntou, mas parecendo que o questionamento era para si mesma — Eu reconheço que fiz merda, mas não vou implorar por perdão, isso seria como assumir que André estava certo, e ele também cometeu erros. A minha decisão é de seguir em frente, ser uma pessoa melhor e não tornar a repetir os erros do passado.
— Posso estar ao seu lado? — Iffy fez uma carinha de cachorro com fome.
— Claro que pode. — Anne passou o braço em torno do pescoço de Iffy — Vamos torcer juntas para que o André salve esse mundo, mas não vamos mais nos meter nisso.
— Então me diz o que eu quero ouvir... — Iffy sussurrou no ouvido de Anne.
— Eu te amo, e nada vai nos separar. — Anne disse ao ouvido de Iffy. Em seguida deu um beijo no topo da cabeça da garota.
A carroça continuou seguindo lentamente em direção ao norte.
Até que o sol brilhasse no oeste, e depois também.
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