Volume 4

Capítulo 184: Trigésima Sétima Página do Diário – Parte 2

Chegar ao nosso destino foi mais difícil do que eu imaginava. Principalmente quando adentramos a região montanhosa, o que impossibilitou de continuarmos na carroça. Soltamos os cavalos e seguimos a pé.

Entendi o motivo de chamarem aquele lugar de “Cordilheira Escaldante”, quanto mais subíamos, mais quente ficava. Normalmente, grandes altitudes remetem ao frio, mas não quando a maioria dos picos são vulcões, que mesmo adormecidos ainda liberam vapores ferventes.

Não era incomum encontrar formações rochosas de cor escura, certamente era o resultado do esfriamento de lava vulcânica, o que indicava que a maioria daqueles picos poderia entrar em erupção a qualquer momento e nos reduzir a memórias.

Obviamente, quando comentei a respeito disso com Zita, ela só riu e continuou em frente. Ela é imune a altas temperaturas, eu não. Ou seja, só eu ia morrer.

— Admiro seu pensamento positivo. — Ela disse.

Até sendo sarcástica, ela era bonita.

A cor escura daquelas rochas me lembrava a Montanha Solitária. Aquela construção feita em pedra escura, no meio de uma planície, poderia ser feita da mesma rocha vulcânica? Se fosse, deve ter dado o maior trabalho em carregar tudo até lá.

Talvez por isso chamassem a capital do Reino do Leste de “montanha”.

Após sofrermos andando no meio daquelas pedras gigantes, quentes e desnecessariamente íngremes, e quase morrermos de desidratação, finalmente chegamos até a tal Torre dos Sábios. Um lugar tão incrivelmente louco, que superava qualquer coisa que eu conseguisse imaginar.

Uma construção cilíndrica de uns cem metros de altura por cinquenta de diâmetro, parecendo ser feita em uma única rocha escavada. Não havia porta de entrada, mas uma escada espiral em torno da construção, indicando que a entrada ficava na parte de cima.

Também não tinha janelas ou quaisquer aberturas para ventilação, mas Zita garantiu que lá dentro seria perfeitamente confortável. E toda a sua superfície externa estava coberta por desenhos minúsculos de uma infinidade de coisas, que nem mesmo passando a vida toda olhando, eu seria capaz de ver tudo.

Após descansar um pouco na base, subimos. Lá em cima encontramos uma entrada, e alguém nos esperando. Felipe estava sentado no batente da porta, com um livro nas mãos, mas olhava para o longe, como se estivesse distraído.

— Finalmente! — Ele exclamou sem nos encarar — Achei que tinham se perdido.

— Quase isso... — Zita respondeu, desconfiada.

Preferi ficar em silêncio, por mais que não tivesse com vontade de matar ele naquele exato momento, ainda lembrava que foi Felipe que previu as minhas ações durante o período que estava resgatando pessoas escravizadas e montou uma armadilha para meus amigos.

Se não fosse por Felipe, muitos ainda estariam vivos. Mesmo que não tivesse tirado a vida de ninguém, ele ainda carregava a culpa por muitas mortes, inclusive as dos seus próprios aliados, que matei para proteger os meus.

Matei, e mataria novamente.

Mas naquele momento, achei que precisava dele vivo. E talvez ele pensasse da mesma forma a meu respeito. Era tudo um jogo de interesses, e eu abraçaria o diabo para chegar aonde queria. Aliás, já tinha topado ajudar um ser desconhecido em troca de continuar vivo.

O que é um arranhão pra quem já está fodido?

— Quando Haroldo disse que ia mandar vocês dois até aqui, até duvidei, eu confesso. — Felipe deu um sorrisinho de canto de boca — Aquele cara é incrível mesmo.

— Incrível foi a forma que ele macetou o Cavaleiro de Prata na porrada! — Falei.

— Não duvido. — Felipe finalmente olhou para mim — Sabia que foi ele quem treinou as duas pessoas mais perigosas desse continente?

— E quem seriam? — Perguntei — Vai dizer que uma é você?

— Não. — Zita interferiu — A única pessoa que aprendeu combate com ele fui eu, mas estou longe de me comparar aos melhores.

— Já deve ter ouvido falar de um cara chamado Long-Hua. — Felipe pôs o livro no chão e se levantou.

— Claro que já ouvi falar, ele foi colega de treino de Miraa. Por isso que ela mandou roubar a Semente e devolver para o Reino do Sul, ela devia uma a ele.

Felipe e Zita me encararam por alguns segundo, com uma expressão de desânimo, como se estivessem olhando para alguém muito burro.

— Ah, sim... — Como não percebi antes — Long-Hua e Miraa foram colegas de treino, e os dois são muito perigosos!

— Ambos foram alunos de Haroldo. — Felipe concluiu.

As coisas pareciam estar começando a se encaixar ultimamente. Cada vez mais, tudo parecia fazer sentido. Era como se o mundo estivesse ficando menor, e as relações de conflitos fossem todas interligadas.

E sempre havia algo do Reino do Leste no meio de tudo, mesmo que nenhum herói tivesse sido designado para lá. E talvez fosse exatamente essa a raiz dos problemas, a falta de um herói no Leste.

O desequilíbrio natural de forças antes da nossa chegada fazia o Leste ser muito mais perigoso em vista dos demais reinos, por isso era temido pelos outros seis. A chegada dos heróis foi uma oportunidade de balancear o poder militar no continente.

Mas isso me trazia uma dúvida.

— Felipe, todos dizem que você é o mais inteligente, então gostaria que me tirasse uma dúvida. — falei sem nem pensar.

— Diga.

Zita me olhou de canto de olho, acho que ela esperava que eu fosse partir para a agressão a qualquer momento, e dado o meu histórico, fazia muito sentido.

— O que é um herói? — perguntei.

— O que? — talvez Felipe não esperasse aquela pergunta — Essa é a sua grande dúvida?

— Sim, apenas essa.

— Heróis são pessoas que salvam o mundo! — Ele respondeu como se fosse uma coisa óbvia.

— Salvam de quê? — Questionei.

— De... guerras, por exemplo. — Felipe hesitou na resposta.

— Mas a maioria das guerras foram causadas por ações minhas, o que me faz o contrário de um herói, certo? Então eu seria o vilão?

Acho que eu tinha acabado de bugar o cérebro de Felipe. Ele ficou apenas me olhando, sem responder à pergunta. Sem mover um músculo que fosse.

— Um vilão seria uma representação do mal, só que “bem” e “mal” são concepções. — Zita comentou — O que é um herói para uns, é um vilão para outros.

— E o que você acha que é um herói? — Felipe me encarou.

— É alguém que busca fazer o seu melhor para proteger as pessoas, inclusive as que não conhece. — respondi.

Felipe sorriu como se já soubesse a resposta que eu daria.

— Você é mesmo diferente da maioria, — ele disse, — por isso queria fazer uma aposta com você.

— Que tipo de aposta? — Cruzei os braços e fiz cara séria.

— Uma aposta simples. — Ele deu de ombros — Se eu estiver certo sobre como é ser um herói, você vai seguir a minha liderança sem questionar.

— Tá bom. — Concordei, na esperança de eu estar certo — Mas se mostrar que a minha visão de como ser um herói é a verdadeira, você vai sair do meu caminho e não vai me atrapalhar em nada.

— Melhor do que isso! — Felipe sorriu como se já tivesse com a aposta ganha — Se um dia eu sequer imaginar que seu ponto de vista sobre o que é ser um herói seja melhor do que o do resto das pessoas, ou ainda, que você é o único capaz de salvar esse mundo, eu me mato!

Isso era uma aposta empolgante. Felipe acabara de provar que preferia morrer a estar errado, mesmo quando eu o deixei sem palavras. Isso vindo de um herói cujo poder era ser inteligente me deixava estranhamente atiçado. Não tinha como recusar.

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