Volume 4
Capítulo 183: Trigésima Sétima Página do Diário – Parte 1
Para variar, minha cabeça estava confusa.
Era um fato recorrente desde que cheguei a esse mundo, sem memórias. Cada vez que eu achava que as coisas estavam começando a dar certo, uma nova merda acontecia. E em uma a cada três vezes, a culpa era minha.
Dessa vez eu tinha pirado na batatinha e tocado o terror na capital do Reino de Aço. Quando recuperei a consciência, tudo ao meu redor estava coberto de corpos sem vida, muito sangue e chamas negras.
Eu podia criar uma névoa negra, e Zita podia criar chamas, mas nenhum dos dois podia criar chamas negras. Isso me deixou um pouco confuso, mas estava acostumado a ver coisas sem sentido o tempo inteiro.
Zita parecia estar preocupada comigo, como alguém que já havia passado por isso de perder o controle, ela sabia muito bem como podia ferrar a mente da pessoa. Para uma mente já tão lascada quanto a minha, era pior.
Durante nossa fuga do segundo reino em dois dias, ela me contou o que havia acontecido na noite anterior:
Aparentemente, me levantei no meio da madrugada, falando coisas sem sentido, palavras desconexas, e até coisas que pareciam estar em outra língua. Então comecei a correr sem rumo, e ela me seguiu.
Daí foi só eu invadindo o Reino de Aço e destroçando tudo que passava em meu caminho. Segundo ela, não foi uma cena muito bonita. O mais incrível é que eu não conseguia lembrar de nada, como se não tivesse sido comigo.
Mesmo sabendo que corri igual um animal e causei um alvoroço sem precedentes em uma das sete maiores cidades do continente, não me sentia cansado, pelo contrário, estava com energia para fazer tudo de novo.
Achei melhor guardar essa energia para uma possível emergência, conhecendo o meu histórico de falta de sorte, iria precisar em muito breve.
O que mais me surpreendeu na história toda da noite anterior foi quando Zita me contou que ao usar seus poderes para tentar me parar, as chamas dela começaram a devorar a névoa de Rancor e “ter vida própria”.
Zita não soube explicar exatamente o que havia acontecido, mas era como se o fogo e o Rancor tivessem se fundido, se transformando em chamas negras que consumiam tudo pela frente.
Ela até me perguntou se seus olhos estavam vermelhos. Mas estavam na mesma cor de sempre: verdes. Eu só a vi com olhos vermelhos em duas ocasiões, quando Jonas mandou me jogarem na Grande Falha e na vez que ela perdeu o controle.
Achei melhor não comentar a respeito e trazer mais memórias tristes à tona.
Tinha decidido que Jonas morreria por minhas mãos, mesmo que a merda que ele fez tenha sido exatamente o que me deu uma família e um poder bem perigoso. Se bem que o poder é na verdade uma maldição que tenta me matar e me força a permanecer vivo ao mesmo tempo.
Minha vida era composta de momentos altos e baixos, mas estar ao lado de Zita em uma viagem, só nós dois, pelo mundo afora, era de longe o momento de maior felicidade da minha vida.
Pelo menos até onde eu conseguia lembrar.
Eu sabia que aquele sentimento de estar completo não seria para sempre, então resolvi aproveitar. Acho que é disto que se trata estar vivo, é aproveitar os pequenos momentos de felicidade ao lado de quem amamos.
E eu descobri que amo aquela garota.
Seus olhos, seu cabelo, sua voz, seu sorriso... Tudo nela é perfeito, e mesmo que não seja, não sou capaz de ver nela qualquer imperfeição que seja.
Falem o que quiserem, mas acho que estou apaixonado.
— Sabe... — Zita olhou para o céu — Lembra do nosso primeiro ano nesse mundo?
— Claro que lembro. Eu fui o melhor limpador de latrinas naquele ano... — comentei, lembrando as minhas aventuras nos tempos de Rato.
Zita deu um risinho.
— Eu fugia escondida do castelo, sempre que conseguia. — Ele comentou.
— Eu não tinha como fugir dos Ratos, a segurança daquele lugar era incrível. — Ironizei meu sofrimento.
— Eu sempre te procurava pela cidade... — nesse ponto ela abaixou a cabeça — Nas poucas vezes que consegui te encontrar, você estava sempre fazendo algo. Na maioria, era trabalho perigoso ou fugindo de alguém...
Eu até queria fazer uma piada, mas não tive palavras.
— Mesmo passando por tudo aquilo, você sempre estava feliz, por quê?
— Porque eu sabia que você cumpriria sua promessa.
Não havia hesitação na minha voz, eu sequer pensei na resposta, porque aquela era a única resposta.
— Desde o começo eu tinha fé que aquela garotinha assustada, que conheci no meu primeiro dia nesse mundo de merda, seria a pessoa que ia me tirar dali.
Zita me encarou por alguns momentos, seus olhos marejados refletiam a luz do sol, dando a eles um brilho único. Até achei que ela queria me beijar, mas ela me agarrou com força, encostando sua face em meu peito e soluçando sem controle.
Ela chorou muito, me pediu desculpas por não ter conseguido me proteger no primeiro ano, nem me proteger de Jonas, ou das batalhas que tive que enfrentar. Naquele momento eu entendi que não deve ter sido fácil para ela também.
É claro que não passamos pelas mesmas coisas, mas a quantidade de responsabilidades que ela teve que assumir como heroína, sem contar a pressão psicológica que Zita deveria estar sentindo, isso não era fácil.
Para ela ter tomado a decisão de aceitar a proposta de noivado do príncipe de merda apenas para me proteger, isso já era o suficiente para eu perceber o quão madura ela estava. Enquanto isso, eu queria resolver as coisas apenas com violência.
Minha vida até ali tinha sido um ciclo infinito de ódio, agressão e morte.
Enquanto Zita me abraçava, eu compreendi que existem formas mais eficientes de resolver algumas coisas do que simplesmente matar seus inimigos. E para alguns, o pior castigo poderia ser continuar vivendo nesse mundo de merda.
Foi por isso que Finii escolheu morrer. A morte, para ela, era a única forma de ser livre. O que para uns é um castigo terrível, para outros é a verdadeira liberdade. E no final, é para isso que vivemos, para sermos livres.
Liberdade é a resposta.
Finalmente as coisas estavam começando a fazer sentido. Somos livres para fazer o que quisermos, mas sofreremos as consequências. E se soubermos usar essa liberdade, podemos atrair pessoas boas para o nosso lado.
Essa era a resposta à pergunta de Miraa: O que significa ser um espião do Leste. Significa ser livre, mas ser responsável para com as suas pessoas.
Ter essa compreensão me deu uma felicidade reconfortante. Envolvi Zita em um abraço, retribuindo o seu gesto, beijei o topo de sua cabeça e pensei em voz alta:
— Acho que te amo.
— Acha? — Ela me encarou, com olhos avermelhados e ainda marejados.
— Não. Eu não acho, eu tenho certeza. — Não consegui evitar de sorrir — Eu te amo. E não sei o que faria se te perdesse.
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