Volume 4

Capítulo 182: O Que Eu Deveria Fazer

André estava caído no chão, seus músculos dando leves espasmos, suas mãos sujas de sangue, e os olhos pareciam ser os de um zumbi. Sua consciência só conseguia se manter pela maldição que o impedia de morrer.

Ao lado dele, o corpo sem vida de Josiley.

Desespero, alucinações, medo, ódio... Eram muitas as possíveis desculpas para ter tirado a vida de uma das poucas pessoas que nunca tentou matá-lo. Até o final, Josiley ainda acreditava em André.

Mesmo carregando a culpa de tantas mortes, nenhuma tinha afetado André àquele ponto. Não ser capaz de salvar uma vida era muito pouco comparado a ter tirado a vida de um amigo.

— O que você fez? — Uma voz conhecida veio ao lado dele.

André reconheceu a voz de Victoria. Ao olhar para ela, viu que a garota deu um passo para trás. Era normal que ela ficasse com medo, afinal, ela era uma das três que não o odiava, mas o outro estava ali, morto.

— Não tenho desculpas...

— E não existem! — Victoria estava trêmula — Estou definitivamente com medo de você pela primeira vez em doze anos.

— Treze... — André corrigiu — Amanhã fará treze anos desde que chegamos nesse mundo...

— Não aguento mais isso. — Uma lágrima descia pela face da garota.

— Eu também não aguento... — André jogou a chave para Victoria, que apanhou o objeto no ar por reflexo — Tem ideia da quantidade de responsabilidade que eu carrego?

Victoria não respondeu, apenas encarou a chave em sua mão.

— Eu só queria uma vida tranquila... só poder viver sem precisar me preocupar com quantos cadáveres teremos que enterrar ou queimar no dia seguinte... ou se eles eram meus aliados ou vítimas!

— Então, o que vamos fazer? — Victoria girou a chave entre os dedos.

— Não sei... eu... eu nunca sei!

— Está com raiva?

— Mais do que nunca!

— Então eu vou te colocar de frente com o seu maior inimigo no momento.

— E quem seria? — André mostrou um olhar afiado.

— Pensa comigo, — disse Victoria, — se nós tivermos que enfrentar dois inimigos ao mesmo tempo seria mais difícil do que um por vez, certo?

— Continue.

— Por que não atacamos um deles de surpresa?

— O que está tentando fazer? Me dar esperança? — André lançou um olhar desconfiado — Eu acabei de surtar outra vez e matei um amigo, vai me dizer que está apenas com pena de mim?

— Não. — Victoria engoliu em seco — Estou morrendo de medo, nunca tinha sentido medo de você antes, mas agora, pela primeira vez, senti como se você pudesse mesmo me matar. E pensei que você deveria usar essa raiva em quem realmente merece.

— E quem seria?

— Confia em mim? — Victoria estendeu a mão.

— Tanto quanto você confia em mim. — André segurou a mão dela — Mas primeiro vamos dar ao Josiley um enterro decente.

— É justo.

— E preciso comer alguma coisa...

Victoria concordou. Ela voltou ao acampamento, deixando bem claro que André não deveria sair de onde estava. Só então ele percebeu que tinha amanhecido, mesmo que a escuridão cobrisse o céu inteiro.

A região em que estava era bonita, com uma planície se estendendo por centenas de metros em todas as direções, formando um prado coberto de relva onde algumas borboletas esvoaçavam de forma bela, sem se importar com os problemas dos humanos.

Parecia que o tempo havia parado.

Era como conhecer outro mundo, estando em outro mundo. Igual àquela música que ele havia cantado para Zita anos atrás. Talvez Josiley quisesse mostrar isso a André quando o levou até ali. Mas também seria um ótimo local de descanso para um herói de verdade.

— Eu fui um péssimo amigo... — André murmurou.

Após cavar uma cova minimamente decente com uma pá de Rancor, André depositou o corpo de Josiley e cobriu com terra. Um enterro simples e rápido, bem menos do que ele merecia.

André continuou sentado no chão, ao lado da cova de Josiley, admirando o local. Seus pensamentos estavam turvos, e pela primeira vez em anos, ele não sabia o que deveria fazer a seguir.

Talvez, confiar em Victoria fosse a melhor saída.

Como alguém que não fazia os planos, André estava acostumado a seguir as ideias dos outros e fazer dar certo, enquanto seus próprios planos tinham uma horrível tendência a dar errado.

O único que ele lembrava de ter dado certo foi quando salvou a cidade de Parva de uma invasão após roubar a semente da mãe terra. Aquilo quase terminou em guerra, se não fosse por Miraa ter entregado a semente a Long-Hua, as coisas teriam saído de controle.

André não evitou sorrir um pouco ao lembrar que naquela época ele não fazia ideia da relação entre Miraa e o futuro Rei do Sul. Nem mesmo fazia ideia de que ela se chamava Maria Julia e era na verdade sua irmã.

Muitas reviravoltas, que foram explicadas por seu pai, após André achar que tinha sido abandonado pelos heróis. Ele lembrou ainda que o motivo para aquilo tudo era seu pai, o homem que desafiou os deuses e venceu.

No fim, todos estavam apenas seguindo o plano elaborado por Haroldo.

O diário que André deixou para trás, o exército de pessoas livres que ele criou, os sete reinos, os deuses, o Guardião do Mundo... Todos, sem exceção, estavam dançando conforme a música que Haroldo tocou.

Um pai que ele sequer lembrava do nome por tanto tempo, e que de repente apareceu revelando um plano mirabolante para consertar tudo. Um pai que era praticamente imortal. Um pai que foi morto por seu próprio filho pelo bem do futuro de todos...

Os pensamentos de André foram interrompidos pela chegada de Victoria. Ele não disse nada, apenas jogou uma sacola de pano para ele e se afastou um pouco, se mantendo de costas.

— O que deu errado dessa vez? — André perguntou, enquanto abria a sacola e tirava algumas frutas de dentro.

— No pouco tempo que saímos, Felipe matou Ferdinand...

— Isso é bom! Um deus a menos para me preocupar.

— Alice assumiu o Reino de Prata...

— Isso aí é uma reviravolta interessante. Nunca gostei das pessoas daquele reino, e agora tenho motivos para destruir tudo!

— E Felipe cometeu suicídio!

André estava prestes a morder uma fruta, mas parou e olhou para Victoria.

— Como é que é?

— Todos estavam lá e viram... Até sua mãe, as duas, na verdade... se bem que uma é irmã...

— Repete a parte do Felipe! — André falou, sério.

— Ele matou Ferdinand e depois se suicidou.

— Filho da puta! — André deu um soco no chão — Tem ideia da responsabilidade que jogou nas minhas costas?

— O quê? — Victoria ficou confusa.

André se levantou e mordeu a fruta, com aspecto raivoso, e disse:

— Uma vez eu fiz uma aposta com ele sobre quem de nós salvaria o mundo... Felipe disse que se achasse que o meu plano fosse o melhor, ele se mataria.

— Sério isso? — Victoria não parecia estar acreditando no que ouvia — E agora.

— Agora estou pensando no que eu deveria fazer...

— Você disse que nunca sabe.

— Dessa vez eu sei. E é exatamente o que você queria que eu fizesse!

— E o que acha que seria?

— Acabar com a Aliança Internacional. — André liberou a névoa de Rancor, formando uma dúzia de armas flutuantes ao seu redor — Vamos voltar ao nosso mundo e resolver os problemas que deixamos para trás, de uma vez por todas.

Victoria finalmente se aproximou dele, pondo a mão no ombro de André, sorriu e disse:

— É um bom plano. Um pouco suicida, mas é bom. Uma pena que pensei primeiro... então ainda não é seu.

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