Volume 2

Capítulo 87: Conversa no Deserto

Felipe pôs a cabeça para fora do buraco da passagem secreta. Lentamente ele foi olhando os arredores até garantir que não existisse mais nenhum outra alma no lugar que não fossem ele e Valmir.

Dois dias antes, ao tentar sair das ruínas os dois haviam se deparado com os soldados do Sul, Felipe achou mais prudente permanecer escondido até que os perigosos possíveis inimigos fossem embora.

E finalmente parecia seguro voltar a respirar o ar puro, seco e frio do deserto. Uma penas que os dois dias a mais acabaram por esgotar a pouca reserva de comida da dupla. Eles precisavam sair dali, e com urgência.

— Eles tinham que passar dois dias aqui? — Valmir reclamou.

— Bem… — Felipe respondeu — Aqui é obviamente um ponto de parada de diversas caravanas, então é de esperar que o exército do Sul também pare aqui para um descanso.

— Mas um descanso de dois dias? — Valmir resmungou.

— Vai você carregar todo aquele peso em um deserto e vê se aguenta.

— Será que eles deixaram alguma coisa por aqui? Tou numa broca medonha.

— Sério? — Felipe bateu na própria testa.

— Vai dizer que passar esse tempo todo comendo apenas carne seca não te deu vontade de comer uma coisa diferente.

— Um pouco, talvez…

— Pois eu quero virar vegano depois dessa, nunca mais como carne seca!

— E carne fresca?

— Aí tudo bem, principalmente se for um churrasco. Mal passado por favor, sangrando…

— Mas carne fresca não é comida de vegano.

— Você entendeu o que eu quis dizer.

Felipe deu uma risada alta e sentou em um bloco de pedra da ruína, enquanto Valmir vasculhava o local na tentaviva de encontrar alguma possível sobra de comida ou água dos soldados do Sul..

Após alguns minutos de busca inútil, o segurança de Felipe voltou até onde estava seu chefe, encontrando-o contemplando o nada e com com uma expressão de quem estava com o pensamento em outra dimensão. 

— Tá pensando no quê aí, chefe?

— Foi daqui que o André abriu o portal para voltar ao nosso mundo.

— Como sabe?

— É o que diz na última página do diário dele. Ele estava em Motog, sem água ou comida, perdido e sem esperanças. Mas lá não diz o que extamente ele encontrou nas ruínas exatamente, apenas comenta que encontrou uma forma de voltar.

— E daí?

— Já pensou que ele pode ter tido acesso a tudo que descobrimos ali dentro?

— Acha que ele sabe o segredo dos deuses?

— Se tratando do André, eu acho até que ele sabe mais do que os deuses. Aquele cara era um espião do Leste, não há nada que possa ser ocultado dele. Por isso deixei aquele livro para a Lídia entregar pra ele, eu tenho certeza que ele vai entender e virá pra cá.

— Não entendo esses joguinho de vocês…

— Não precisa entender, apenas escolha um lado e jogue.

— Eu estou do seu lado.

— Ótimo, só é uma pena que o nosso lado está sem provisões suficientes no momento…

Os dois deram uma risada se graça, um pouco triste. Mas em poucos segundo haviam recuperado o ânimo.

— Mas uma coisa ainda não faz sentido. — Valmir comentou — Se a origem do poder dele é realmente o que diz ali, por qual motivo o André quis se livrar de algo tão… tão…

— Incrível? Exatamente por isso. — Felipe explicou — É algo incrível, e ao mesmo tempo horrível, majestoso, porém, podre. Um poder magnífico, digno de inveja, mas que corrompe a alma e danifica o corpo. E ele suportou por onze anos.

— Então ele não estava errado em se livrar do poder?

— É uma questão de perspectiva, e na do André, ele sofreu por causa daquele poder. Eu não o condeno por ter feito isso, mas não foi culpa apenas do poder em si.

— Sim, afinal era ele quem estava no controle.

— Isso é discutível, aliás, se qualquer um não conseguir controlar o seu poder, ele pode ser controlado pelo próprio poder. Chegamos a levantar essa hipótese antes de eu encontrar o André pessoalmente, isso foi logo depois dele se tornar famoso por todo o continente.

— Então… Ele estava ou não no controle?

— Nem sim, nem não.

— Como assim?

— A cabeça dele estava um caos, ele não falava coisa com coisa, parecia um tipo de animal selvagem… Mesmo assim, as ações que ele tomava pareciam seguir um tipo de propósito.

— Eu não entendo.

— Nem eu.

— E se você não entende… Aí fica difícil.

Valmir sentou em outro bloco e ficou olhando para o céu azul

— E agora chefe? O que faremos? — O segurança perguntou.

— Agora só nos resta uma opção. — Respondeu Felipe.

— Pé na areia e cara no vento?

— Não, morreríamos de fome antes de sair desse lugar.

— Ficar aqui e esperar que algum deus mande uma garrafa de água?

— Eu nunca esperaria algo tão bondoso por parte de algum deus desse mundo.

— Sinal de fumaça?

— Teletransporte…

— Quê? — Valmir quase engoliu a pópria língua no susto — Isso é possível?

— Teoricamente… — Felipe desviou o olhar — Mas se a Victoria consegue, eu posso tentar imitá-la.

— Se é possível teleportar, por que tivemos que vir até aqui a pé?

— Primeiro, uma magia de teletransporte é tabu. Uma das três magias proibidas pelos deuses, mas é possível de realizar se souber o encantamento correto. Mas só pode te levar a um lugar predestinado.

— Deixa ver se eu entendi. — Valmir estava com uma epressão filosófica — Vamos tentar usar uma magia proibida, que quebra as regras desse mundo. E ela tem algumas limitações, e então devo imaginar que so podemos ir a um lugar aonde já estivemos.

— Muito inteligente, não foi a toa que te escolhi como meu chefe da segurança.

Valmir empinou o nariz demonstrando orgulho da sua própria inteligência.

— Geralmente se usa um marcador para indicar o local aonde queremos ir. — Felipe continuou explicando — Pelo que sei,  melhor seria se tivéssemos algum objeto que pertença a alguém, a marcação energética da pessoa passa para o objeto e assim fica fácil de ir até onde a pessoa está.

— Aaaaaah… — Valmir fez uma careta.

— Um fio de cabelo é o melhor.

— E você tem o fio de cabelo de alguém ai?

— Claro que não! — Felipe deu de ombros — Mas imaginei que talvez Shiduu tenha te dado algo dela…

— Bem… — Valmir desviou o olhar — É melhor tentar outra coisa. 

— Deixa de ser idiota, Valmir. — Felipe estendeu a mão — Seja lá o que ela te deu, passa pra cá.

— Mas chefe… — Valmir fez uma cara triste — É algo pessoal…

— É isso ou morrer nesse lugar!

Valmir pôs a mão no bolso e, muito relutante, puxou de lá um pedaço de pano branco dobrado, respirou fundo e entregou para Felipe.

Ao receber o objeto, Felipe perdeu a voz. Abrindo a peça e vendo do que se tratava, ele olhou para Valmir que estava corado e de cabeça baixa.

— Tá me zoando! — Felipe disse depois de alguns segundos — Ela te deu ou você roubou?

— Me deu… — Valmir respodeu sem olhar para Felipe.

— Porque ela te daria uma calcinha?

— Porra chefe, só faz a tal magia e tira a gente daqui… — Valmir reclamou — E por favor, não conta pra ela ou eu estou ferrado.



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