Volume 2

Capítulo 88: Os Filhos do Leste

As notícias de que os reinos estavam mobilizando seus respectivos exércitos havia se espalhado como fogo em palha seca, não havia um cidadão naquele continente que desconhecesse o fato de que uma nova guerra em proporções épicas estava prestes a estourar.

A iniciativa de Jonas de atacar o grupo de patrulha do Reino do Sul também já era conhecida, as notícias diziam que Long-Hua, o lorde do Sul, não deixaria barato, inclusive havia deslocado quase um terço de seu exército para atacar Jonas.

E agora chegava a notícia de que o Reino de Bronze estava estabilizando-se rapidamente após a crise da guerra civil. E para piorar, o Reino de Aço estava espalhando boatos de que havia desenvolvido armas avançadas que superavam as armas e magia daquela era. Como se não fossem muitas as notícias desagradáveis que chegavam, o Reino de Cristal estava enviando o seu exército inteiro para o centro do continente.

Enquanto avaliava essas notícias, Renee, herdeiro da posição de Miraa como Senhor do Leste, estava sentado em seu trono, ao lado do misterioso trono de pedra que simbolizava o poder vazio do Leste. Encarando a escultura marrom-acinzentada e a coroa pavorosa que descansava no assento, ele se perguntava o que deveria fazer.

Desde que Miraa havia partido em sua jornada rumo ao desconhecido, Renee era o responsável pelas decisões principais no Reino do Leste. Mas ele nunca quis ser o líder, essa era a posição que deveria ser ocupada por seu irmão mais velho, e apenas um mero capricho do destino tirou a vida de Yobaa, impedindo-o de ser, atualmente, o Senhor do Leste.

Decidir o futuro de todo um reino era demais para Renee, assim ele havia convocado seus irmãos para decidir qual a melhor forma a se agir. Por mais que todos confiassem nele, e ele soubesse disso, Renee jamais tomaria qualquer decisão arbitrária.

Naquele dia Renee não usava seu manto de líder, mas sim sua armadura de guardião, essa era a sua verdadeira posição dentro da Montanha Solitária. Ele também havia solicitado que fossem trazidas cadeiras para cada um dos outros e que fossem distribuídas em círculo, cada cadeira estava marcada com o nome de um dos filhos de Miraa e ordenadas por idade de adoção. Haviam cadeiras até para Deco, Surii e Yobaa, por mais que eles não fossem participar.

O primeiro dos irmão mais novos a chegar foi Kai, o responsável pela parte de mecânica e logística do reino, ele parecia estar sempre de mau-humor, mas sua concentração no trabalho e dedicação ao reino eram de longe, inspiradoras. Kai apenas cumprimentou Renee e sentou-se.

Logo depois chegou Shiduu, ela parecia misteriosa como sempre. Não era de esperar menos da pessoa responsávelpor cuidar de toda a parte chata do trabalho de governar um reino, ela era a responsável por executar secretamente pessoas que ameaçavam a segurança do Reino do Leste.

Atrás dela vinha Tibee, a responsável por salvar vidas. Como médica, Tibee chefiava toda a estrutura sanitária do reino, treinava outros médicos e ainda fazia atendimentos a feridos.

— Olha quem está aqui! — Tibee abraçou Shiduu por trás, entrelaçando seus braços na cintura de sua irmã mais velha e mais alta — Como está a minha assassina favorita? Nunca mais apareceu no setor médico com um osso fraturado ou ferimento precisando de sutura. Assim a irmãzinha aqui fica triste.

— Que nada. — Shiduu respondeu — Saudade mesmo você deve sentir do Deco, aquele sim gostava de se machucar.

— Nem me fale… — Tibee suspirou — Tive que ir além dos meus conhecimentos básicos algumas vezes… Surii também era outra que me dava muito trabalho.

— Por falar em Surii, alguma notícia dela? — Shiduu perguntou — Ela também gostava de conversar com você, achei que pudesse manter contato..

— Nada até agora, soubemos dela ter passado por alguns lugares, mas nada que indique uma rota ou destino previsível. Menos ainda qual o objetivo dela em desaparecer quando o mundo inteiro está à beira de uma crise.

As duas cumprimentaram Renee e se sentaram em seus devidos lugares. Só então Renee percebeu que Gouroo já estava sentado, o arqueiro era bom em se ocultar, e havia chegado sem despertar atenção.

Udoo, o explorador, e Baruu, a diplomata, entraram logo, cumprimentando os que haviam chegado primeiro, e indo para seus respectivos lugares, quase ao mesmo tempo Malii, a feiticeira, entrou apressada cumprimentou os demais e se desculpou por ter sido a última a chegar.

Renee olhou para seus irmãos, em seguida para as três cadeiras vazias. Yobaa estava morto, Surii desaparecida, e Deco em outro mundo. Agora era o momento que ele tanto temeu chegar.

— E a prisioneira? — Kai perguntou, quebrando o silêncio — Já decidiu se vai colaborar?

— Nada. — Renee respondeu, tentando se focar na reunião e assumir o seu papel de líder dentre os irmãos.

— Nada até agora? — Tibee questionou.

— Ela é uma dos 33! — Shiduu explicou — Mesmo que estejamos conseguindo restringir seu poderes, não podemos simplesmente matá-la por supor que ela seja a traidora dentre os heróis.

— Lembrando que não é uma suposição “nossa”, mas um conjunto de suposições de Deco e Felipe. — Lembrou Renee.

Kai se levantou, indo até próximo do centro do círculo, dizendo em voz alta e agitando os braços:

— Já não bastava o desaparecimento de nossa mãe, aí Surii resolve dar um passeio pelo continente e não envia notícia alguma, Deco manda um monte de problemas para resolvermos, e ainda temos que ficar cuidando de uma heroína traidora.

— Se o Yobaa estivesse vivo… — Renee disse.

— Ele morreu, e não foi culpa de nenhum de nós! — Baruu rebateu — Agora você é o primeiro irmão, então assuma a liderança.

— Podemos ser os filhos do leste, mas você é o Senhor do Leste, no final das contas a sua decisão será a que prevalecerá. — Tibee disse.

— E vamos seguir as suas ordens, mesmo que não concordemos com elas. — Gouroo falou com um sorriso de canto de boca.

— Então a maior questão é..? — Renee disse passando a vista pelos seus irmãos presentes.

— Vamos marchar também em direção a essa guerra? — Gouroo completou.

— Se for o desejo do senhor do Leste, iremos. — Shiduu respondeu olhando para Renee.

O mais velho ainda vivo entre os filhos de Miraa dedilhou o apoio da sua cadeira e fez uma careta pensativa.

— Mas foi exatamente por isso que reuni vocês aqui. — Ele disse.

— A decisão é sua. — Disse Kai.

— Eu não vejo outra saída. — Malii que ainda não havia falado finalmente se manifestou — Nossos campos agrícolas são um alvo em potencial para saqueadores, e em uma guerra sempre há escassez de alimentos… A melhor defesa é o ataque!

— Sempre há outra saída! — Baruu respondeu — Em vez de entrar na batalha, poderíamos apenas reforçar as nossas fronteiras. Deixamos os outros se matarem e ficamos de fora.

— Ah, claro… — Malii revirou os olhos — A demagoga sempre quer resolver tudo na diplomacia. Mas entenda, irmãzinha, palavras não salvam vidas, e nem mesmo podem proteger o nosso lar e os cidadãos!

— E você quer sempre resolver as coisas na violência! — Baruu cruzou os braços e fechou a cara.

— Calem-se as duas! — Renee gritou — Eu chamei vocês aqui para conhecer as opiniões de vocês, e com base no que cada um disser, eu tirarei a decisão que irá ou não pôr o nosso reino nessa guerra.

— Então faremos uma votação? — Shiduu perguntou — Porque se for, eu voto por guerra. — Ela disse pondo a perna por cima do apoio de braço da sua cadeira.

Renee olhou para Gouroo, esperando a sua decisão. Como Renee era o segundo filho, e Shiduu a terceira, ele era o quarto. Gouroo mudou de posição, se inclinando mais para a frente.

— Não que eu esteja tão ansioso, mas não vejo opção que possa evitar a guerra, então deveríamos nos adiantar e ir para a batalha. Eu voto por guerra.

Renee olhou para Malii, a quinta dos filhos, sentada ao lado de Gouroo.

— Guerra! — Ela disse.

— Eu me abstenho. — Tibee disse logo em seguida, antes mesmo que Renee lhe cedesse a vez.

— Essa guerra não tará nada para nós que não seja morte e sofrimento, eu voto por paz! — Udoo disse com a cabeça apoiada no braço.

— Paz também! — Baruu disse — Existe mais de uma forma de resolver as coisas.

— E eu não quero me envolver nos problemas que os outros causaram… — Kai disse, se sentando — Quero paz.

Renee ficou olhando para eles por alguns segundos, e em seguida disse:

— Os três mais velhos de vocês votaram por guerra, os três mais novos por paz, e a do meio se absteve… — E juntando as mãos, concluiu — O que significa que cabe a mim a decisão de uma forma ou outra…

— Reunir a gente aqui não serviu de nada. — Kai resmungou.

— Serviu sim! — Renee rebateu — Eu pude ouvir pontos diferentes e avaliar a situação sob diferentes perspectivas.

— E o que concluiu? — Malii perguntou.

— Que não ficaremos neutros nessa guerra. — Quando Renee disso isso Malii fez um gesto de felicidade — Mas também não iremos nos arriscar nas linhas de frente.

— Isso não faz sentido! — Malii reclamou.

— Faz sim! — Renee disse se levantando — Como Baruu disse, existe mais de uma forma de resolver as coisas, então eu proponho intervir indiretamente nessa guerra. Já estamos dando apoio indireto aos heróis dessa vez mesmo, por que não nos posicionarmos politicamente a favor deles e usar nosso poder como frente de ameaça aos demais reinos.

— Enquanto os outros vão para a guerra, nós os ameaçamos invadir seus territórios, assim desestabilizando as suas estratégias? — Baruu perguntou.

— Não ameaçando, nós não temos tempo para guerrinhas de nervos! — Renee levantou os braços — Vamos atacar o primeiro reino a chegar na linha de frente. Isso vai fazer os outros pensarem duas vezes.

Renee sorria triunfante perante os olhares assustados de seus irmãos.

— Essa é a estatégia mais sem noção que já vi… — Disse Shiduu.

— Você é louco… — Balbuciou Udoo.

— Isso vai ser do caralho! — Malii parecia ser a única feliz.

No dia seguinte o continente inteiro já sabia que o Reino do Leste estaria na guerra, mas ninguém sonhava qual a estratégia que eles abordariam.



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