Volume 2

Capítulo 86: A Decisão de Jaiane

Mais um dia de treino terminava no reino de Aço, Jaiane e Raniely estava saindo da antiga sala de treino das duas heroínas do Reino de Aço quando viram soldados de armadura e segurando armas de fogo, uma cena repetida nos últimos dias.

Desde que as tropas da AI sob o comando do Cavaleiro de Prata chegaram na Cidade de Aço muita coisa havia mudado. A primeira mudança foi a adoção das armas de fogo, depois o general Nogueira foi nomeado conselheiro de guerra do rei. Então uma semana atrás o Cavaleiro de Prata havia chegado acompanhado pelos soldados restantes e mais todos os sobreviventes do exército vermelho do Reino de Bronze.

Era muita informação e reviravoltas para Jaiane conseguir acompanhar. A garota fantasma sentia dificuldade em assimilar tudo aquilo, ela havia voltado apenas para garantir que o reino ao qual havia se dedicado anos atrás estaria a salvo, mas agora estavam se preparando para uma guerra.

E o pior, ninguém sequer sabia o motivo dessa guerra, apenas haviam notícias dos outros reinos se preparando e avançando lentamente. Nove dias antes havia chegado a informação de que o Reino do Sul avançou em direção ao Reino do Leste, quatro dias depois uma nova informação anunciava que acabara a guerra civil no reino de bronze, inclusive, alguém desconhecido havia unificado as forças opostas sob suas ordens.

Como se não fosse suficiente na noite anterior havia chegado a noícia mais inacreditável, Esmeralda, a regente do Reino de Cristal se autodeclarou rainha e convocou o exército a marchar para a guerra. 

Se até a mais pacifista das pessoas, Esmeralda, e o mais covarde, Jonas, estavam se preparando para a inevitável batalha, não havia outra saída. Talvez essa fosse a verdadeira batalha para a qual os heróis foram convocados.

Jaiane respirou fundo e olhou para sua parceira, dizendo:

— Não está sendo suficiente.

— O quê? — Raniely perguntou um pouco confusa.

— Treinar em uma sala de treino. — Jaiane respondeu — Depois de uma guerra de verdade sabemos que esse tipo de treino não é suficiente.

— Eu sei.. 

— Os outros devem estar mais fortes, e nós não temos a Amanda aqui dessa vez…

— Nem me fale daquela inútil! Onde já se viu? Um poder que controla vidro, que coisa mais idiota.

— Se fosse o André controlando vidro seria assustador…

Raniely respirou fundo, imaginando o terror que o filho do Leste poderia causar com um elemento tão simples.

— Mas não precisa se preocupar, ele não tem mais poder algum, inclusive a Zita também não tem, certo? — Raniely disse tentando animar a conversa — E o Wagner também perdeu os dele, que foram para o Ritter, então são três inimigos a menos.

— E quem garante que eles não vão recuperar se voltarem para esse mundo?

— Mas eles não vão conseguir vir, ou esqueceu do plano?

— Claro que não, a ideia de “convidar” o André era apenas para fazer ele tirar a oitava chave do esconderijo secreto, já que ele não confia em ninguém, e vamos precisar dela para voltar para casa.

— Exato, mas nunca foi o plano trazer ele ou a Elizabeth para cá.

— Eu sei… Se eles vierem… Estamos ferradas!

— Então apenas relaxe e siga o plano.

— Mas Rany, esse é exatamente o problema! — Jaiane disse — Todos os outros estão sendo incluídos diretamente na elaboração de planos e estratégias, podendo opinar e decidir cada passo, mas nós somos apenas duas bonequinhas que fazem o que os outros mandam, nunca tomamos as decisões, sequer temos autonomia de recusar ordens.

— É Jay, eu entendo o que você quer dizer. — A arqueira disse desviando o olhar — Mas o que podemos fazer? Greve? Não vai funcionar nesse mundo, aqui não existem leis trabalhistas.

— Podemos tomar as rédeas do nosso próprio destino, somos adultas agora, não aquelas crianças medrosas de doze anos atrás. Vamos meter o louco.

— Meter o louco? Onde quer chegar?

— Confia em mim?

— Confio, mas…

— Sem “mas”, confia? Sim ou não?

— Sim. Confio!

— Então apenas me siga e não se arrependa ou volte atrás na sua palavra.

— Nunca volto!

Jaiane ficou translúcida e flutuou silenciosamente até a sacada mais próxima, voltando ao normal ela apontou para os portões da Cidade de Aço, dizendo com entusiasmo:

— Vamos conhecer o mundo! Vamos em busca da nossa própria aventura!

— Mas não era isso que eu esperava…

— Vamos aproveitar que a maioria das pessoas não nos conhecem pessoalmente e andar por aí. — Ela continuou — Procurar brigas de taverna, buscar criminosos perigosos, acampar na floresta, escalar montanhas, nadar peladas em algum rio, caçar algum animal selvagem de carne saborosa… Sair dessa maldita zona de conforto que nos impede de sermos heroínas de verdade.

— Droga… — Raniely reclamou — Isso que está sugerindo parece perigosamento bom…

— Todos os outros tem cicatrizes para contar alguma história, sabia?

— Eu sei, só não entendo o que mudou tanto a sua mente.

Jaiane virou de costas para a sua amiga, e encarando a Cidade ao redor do castelo, começou a explicar:

— Anos atrás um monstro entrou nessa cidade, você e Amanda tinham saído para uma missão diplomática, então sobrou para mim a missão de proteger a capital do reino. Mas quando eu cheguei onde a informação dizia estar o tal monstro, tudo que encontrei foi uma pessoa tão assustada quanto eu, talvez até mais.

— É a primeira vez que ouço essa versão dessa história…

— Então ouça o restante. Era um garoto, estava sujo e fedia muito, seus cabelos bagunçados pareciam que não tinham visto um pente sequer na vida. Mas as roupas, por mais que estivessem sujas e esfarrapadas, eu pude notar que era uma costura de alta qualidade.

— Você prestou atenção nas roupas dele?

— Como eu estava com muito medo, fiquei na minha forma espiritual, e quando ele me viu… aquilo foi assutador, ele começou a falar consigo mesmo, perguntando se eram as almas dos que ele havia matado que estavam voltando para o atormentar. Então ele entrou em pânico e fugiu.

— E onde você quer chegar?

— Eu disse aos superiores que havia expulsado o invasor e tudo ficou bem, já que ninguém me perguntou nada a respeito dos detalhes. Mas o olhar que aquela pessoa tinha antes de me ver… aquilo era uma expressão assutadora.

— Tipo o que você fez na floresta? — Raniely disse confusa, mas rapidamente mudou de expressão, ficando assustada — Você disse que aprendeu com um velho inimigo, então imaginei que fosse o André, não me diga que era ele o tal monstro…

— Isso é algo que eu guardei até hoje. E estou contando apenas para você.

— Mas ainda não entendi onde tudo se encaixa.

— Por que todos temem o André?

— Porque ele é um monstro!

— E por que ele é um monstro?

— Não sei…

— Isso aí! Ninguém sabe, porque o motivo dele ser um “monstro” é apenas por causar medo. Mesmo assim ele também sente medo, eu já o assutei uma vez, então posso assustar qualquer um, foi o que ele quis me dizer no dia que fui até a sua casa. Para eu me tornar um monstro capaz de assutá-lo.

— Está dizendo que deseja se tornar um monstro? O que as pessoas do reino vão achar? Você é um “anjo” para elas.

— Acha que no Leste o André é um monstro? Só precisamos assutar nossos inimigos, é assim que um bom soldados surge, implacável para com os inimigos, doce e gentil para seus concidadãos.

— Faz sentido…

— Exatamente. Eu quero me tornar um monstro. Então, quer se tronar um monstro ao meu lado?

Raniely sorriu, ainda tentando organizar as informações recentes, mas concordou com a ideia louca de sua amiga. Depois de tanto tempo juntas ela não deixaria Jaiane embarcar nessa jornada sozinha.

Em seguida as duas subiram aos seus respectivos aposentos, e após um banho relaxante e um jantar caprichado, partiram juntas, em segredo, levando consigo apenas a roupa do corpo. Deixando para trás um reino protegido por muitos soldados e armas de fogo.

No quarto de cada uma ficou um bilhete, no de Jaiane dizia:

Fui em busca de mim mesma.

Já o de Raniely dizia apenas:

Eu também.



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