Volume 2

Capítulo 73: A Primeira Ruína

Seguindo as instruções que André deixou, Felipe e Valmir caminharam pelo deserto, as vezes tendo que se esconder na areia para evitar as caravanas dos povos habitantes daquela região árida, e finalmente chegando à Motog.

Exatamente no meio do deserto congelante do Reino do Sul, em meio às dunas quilométricas de areia acinzentada, protegido apenas pela falta do que ser explorado naquela região, ao menos na superfície.

A entrada era discreta, e mesmo que alguém acabasse passando por ali ao acaso, dificilmente descobriria que aquela construção em arenito e argila seria na verdade a entrada para um dos maiores segredos naquele mundo.

Os dois exploradores pararam em frente a entrada, um portão de pedra em formato de arco, ou pelo menos, o que sobrou de um. Parecia ser o resto de uma casa, como se com o tempo se acabaram o teto e as paredes, restando apenas algumas colunas e um piso desgastado.

Valmir passou a vista pelo lugar, observando sinais de fogueira e marcas da presença humana, sinais claros de que o local servia constantemente de abrigo a viajantes que cruzavam o deserto.

Após um pouco de tempo procurando, Felipe achou o mecanismo secreto que abriu uma passagem em formato de escada para o subsolo. Enquanto entravam Valmir foi surpreendido pela ausência de cheiro de mofo, ao contrário do que ele esperava de um lugar velho, também não existiam teias de aranhas ou lodo, como é visto tipicamente nos filmes. Em parte se devia ao fato de que a ruína era bem lacrada e fica em um dos ambientes mais inóspitos daquele mundo.

Quando finalmente chegaram no subsolo, Felipe moveu um outro mecanismo e a entrada se fechou lentamente. Enquanto olhava para o céu azul sumindo por detrás da porta de pedra em movimento, Valmir perguntou:

— O que exatamente é esse lugar mesmo?

— Uma torre invertida criada para ser uma ruína….

— Que sabedoria desbalanceada! — Valmir reclamou enquanto pegava uma espécie de lanterna rústica de sua bolsa e entregava a Felipe — Os caras fizeram uma torre e enfiaram no chão com a ponta pra baixo apenas para ela se tornar uma ruína?

— Não… — Felipe esfregou as têmporas — Milhares de anos atrás, quando não existia papel, livro, PDF ou qualquer outra forma de armazenamento de informações, a única opção para registrar a história foi escrevendo em baixo-relevo em tijolos de argila ou pedras esculpidas. Para proteger esses escritos, os antigos criaram locais secretos e dos tijolos e pedras ergueram as paredes, assim nasceram as ruínas desse mundo…

— Ah! — Valmir fez uma cara de admiração — Então as ruínas não apenas guardam as informações, elas “são” as próprias informações?

— Pode se dizer que sim!

— Retiro o que disse sobre a sabedoria dos antigos! — O segurança olhou para os corredores que pereciam ser infinitos, todos com centenas de símbolos nas paredes, chão e teto — Mas qual a importância real dessas informações?

— As sete ruínas escondiam as sete chaves ao longo dos séculos, e cada uma registrava a história de um dos sete reinos, mas todas elas faziam referência a uma oitava ruína, que na verdade deveria ser considerada a ruína primordial…

— Isso é confuso.

— Não é, na verdade é até simples se pensarmos em ordem cronológica: Primeiros deuses criam uma ruína invertida, Motog, o Templo do Mortos. Nessa ruína deixam os segredos da origem do universo e a chave mestra que permite atravessar o tecido da realidade e viajar por entre os mundos. Muito tempo depois os primeiros reis criam uma ruína cada, contando a origem dos seus respectivos povos e guardam as chaves secundárias, que podiam ser utilizadas apenas uma vez cada.

— E por que eles fizeram isso?

— É exatamente o que quero descobrir! Se entrarmos nesse lugar estaremos a um passo de sabermos a verdade e os segredos do início do mundo!

— E por que a origem desse mundo é tão importante?

— Não percebeu? — Felipe estalou os dedos e fez uma cara de sabichão — As pessoas desse mundo tem feições similares às do nosso mundo, não percebi isso por muito tempo devido ainda ser uma criança inocente quando cheguei, mas comecei a pensar sobre as similaridades e encontrei muitas.

— Pensando bem, nunca tive dificuldade em conversar com ninguém aqui… — Valmir coçou o queixo — Como eles falam a mesma língua que nós? No nosso mundo existem centenas de línguas diferentes, mas as pessoas daqui falam português!

— Magia!

— Uma magia de google tradutor?

— Só que mais eficiente.

— Uau…

— Pense em uma magia capaz de traduzir automaticamente tudo que você diz, não importa a língua que fale originalmente, e o ouvinte vai entender na língua nativa dele.

— Então creio que não exista a profissão de tradutor nesse mundo.

Felipe riu e respondeu.

— Aí é o ponto chave! As línguas ancestrais e os escritos de uma era onde a magia era controlada apenas pelos deuses não são afetados pela tradução simultânea mágica.

Os dois coçaram o queixo simultaneamente e ficaram se encarando como se tentassem entender o motivo, em seguida ambos deram de ombros e continuaram a explorar a ruína.

Seguindo por um dos corredores que pareciam mais chamar atenção, Felipe estava totalmente focado em desvendar os escritos das paredes, enquanto Valmir se preocupava mais com possíveis armadilhas, ou em encontrar um tesouro escondido, como nos filmes.

Como lá dentro a única fonte de iluminação eram as lanternas rústicas que Valmir levou, os dois acabaram perdendo a noção de tempo. E se não fosse pelo chefe da segurança ter marcado o caminho por onde entraram, poderiam ter acabado se perdendo totalmente.

Assim, com o tempo a animação de Valmir foi se transformando em total tédio e letargia, enquanto Felipe parecia cada vez mais fascinado com as descobertas. Valmir até estava ficando preocupado como o fato que o seu chefe não estava dormindo direito, na verdade Felipe não havia dormido desde que entrara na ruína.

Mas Valmir não se importava, ele sabia que Felipe era assim mesmo quando se tratava de conhecimento, e sabe-se lá que habilidades estranhas Felipe teria por causa do seu poder. Talvez não dormir por dias a fio fosse uma delas, André, por exemplo, dormia apenas umas quatro horas por noite e estava bem com isso.

Se bem que os problemas sociocomportamentais de André fossem um reflexo de sua falta de uma boa noite de sono de vez em quando.

Enquanto pensava isso, Valmir ouviu um som ecoar pelos corredores, o que lhe causou arrepios, parecia uma risada diabólica. Se levantando rápido de sua cama improvisada, ele correu na direção em que a risada parecia vir. Coincidentemente, a mesma na qual Felipe estava.

Para a surpresa de Valmir, a risada vinha do próprio Felipe. Talvez a falta de sono estivesse o afetando, no final das contas.

Valmir não era de se intrometer na vida dos outros e sempre respeitava as escolhas de Felipe, mesmo que elas fossem, na maioria das vezes, estranhas. Mas como era o responsável pela segurança do herói, e queria sair daquela ruína o quanto antes, apenas dessa vez ele ia intervir.

— Ah… Chefe… — Valmir ficou em dúvida por um instante se deveria ou não perguntar, mas no final tomou coragem — O senhor está bem?

— Bem? — Felipe segurou a risada e respondeu — Estou perfeito!

Mais uma vez a risada desenfreada de Felipe inundou os corredores, causando um leve arrepio em Valmir, ele nunca havia visto o seu chefe rindo daquela forma antes.

— Aconteceu alguma coisa? — Valmir insistiu.

— Sim! Um milagre! — Felipe parecia querer abraçar a parede — Eu descobri um segredo incrível!

— Incrível quanto?

— Um segredo que até mesmo André desconhece. — Felipe falou abrindo os braços para cima — Isso me faz o primeiro dentre os humanos a conhecê-lo em séculos!

— Isso parece legal…

— Legal é pouco… — Felipe falou com muita felicidade — Eu acabei de conhecer o segredo dos deuses e dos heróis, agora não há mais nada nesse mundo ou em qualquer outro que possa ser escondido dos meus olhos!

Valmir se assustou um pouco com a forma estranha de Felipe falar, já que normalmente seu chefe era bem mais silencioso.

— E agora? — Perguntou o segurança meio confuso — Voltamos para a Montanha Solitária?

— Minha jornada ainda não chegou ao fim, meu próximo destino é o extremo leste!

— A praia? — Valmir perguntou temendo a resposta — Ou o mar?

— Mais ao leste… — Felipe esboçou um sorriso psicótico — Vou até a morada dos deuses!

Um frio subiu pela espinha do segurança, e um tornado parecia se formar em seus intestinos. Pela primeira vez em anos trabalhando para Felipe, Valmir sentiu medo de verdade.



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