Volume 2

Capítulo 56: O Artilheiro

Shiduu estava no meio de seu treino diário, uma sequência de artes marciais, corrida, escalada com salto, arremesso de facas, esgrima, e um pouco de alongamento. Após finalizar o processo, alguns minutos de descanso eram necessários antes de recomeçar, parte do treino é garantir que seu corpo não será sobrecarregado.

Após finalizar a sequência pela terceira vez, a assassina do Leste olha para o paredão íngreme onde está Valmir pendurado, tentando saltar para o outro lado, porém longe de finalizar o exercício.

Shiduu olhou para o homem que havia se vangloriado por ser um soldado altamente treinado em seu mundo original, porém não conseguia finalizar um exercício básico dos soldados do Leste um vez sequer.

Enquanto aproveitava seus minutos de folga, ela foi olhar o espaço para treino de arquearia, onde Gouroo ensinava noções básicas de arco e flecha para um grupo de adolescentes, estes seriam a próxima geração de arqueiros de Leste, treinados diretamente pelo melhor de todos naquele reino.

Vendo todas aqueles jovens entusiasmados em competir e demonstrar serem superiores aos demais em habilidades de tiro, Shiduu se perdeu em pensamentos, relembrando o seu passado, quando foi salva por Miraa, uma jovem destinada a governar o Leste.

Suas memórias mais antigas eram de estar acordando em um deserto onde um vento frio soprava, contrastando com o calor de tendas e corpos em chamas. Todo o acampamento estava destruído e os cadáveres espalhados pelo chão. Parecia que ela era a única sobrevivente, mas um choro de criança a chamou atenção.

Shiduu correu em direção ao som, e encontrou uma mulher caída, com o pescoço cortado, muito sangue ao redor do seu corpo indicando que não havia mais vida naquela pessoa. Embaixo da mulher estava um bebê, seu filho, ela havia morrido protegendo sua criança.

Shiduu retirou a criança e a carregou pelo que sobrou do acampamento em busca de algum alimento e água para ambos. Até que ouviu passos e alguém falando.

— Aqueles malditos querem começar uma guerra? Tudo isso por causa de uma criança? Esperem até eu pôr as mãos naqueles pescoços gordos…

Era uma voz feminina, porém desconhecida, que fez Shiduu se esconder com medo, mas o choro do bebê denunciou a sua posição. Shiduu encolheu seu corpo abraçando o bebê, com medo e frágil, essa era a sua única defesa.

Mas o ataque esperado não veio, apenas uma voz doce.

— Que sorte a de vocês, se eu não viesse, os dois morreriam de fome e sede nesse deserto.Shiduu olhou para cima e viu uma jovem que parecia ter pouco mais de vinte anos, pele morena, cabelos pretos esvoaçantes e sorriso acolhedor.

— Eu sou Miraa, a senhora do Leste. E vocês?

— E-Eu sou… sou… — A garota tentou lembrar seu nome — Shi-Dhu… E não sei o nome do bebê…

— Clã do oásis, né? Parece que seu acampamento foi destruído… — Miraa olhou ao redor e pensou — Vou te dar duas escolhas, você pode escolher ir para o seu clã e te levarei até lá em segurança, ou pode vir comigo e te farei forte para que nunca mais ninguém faça nada assim com aqueles que você ama.

— E o bebê? — Shiduu perguntou ainda com medo.

— Deixo ele sob a sua responsabilidade! Você decidirá o futuro dessa criança…

Shiduu não pensou duas vezes, se levantou segurando o bebê e disse:

— Eu vou com você, e levarei ele!

— Ótimo, apenas me siga. Ah, pense em um nome para ele, não podemos apenas chama-lo de bebê para sempre.

— Gou-Ro! — Shiduu quase gritou.

— É um nome diferente de tudo que já vi… — Miraa ponderou um pouco — Podemos chamar de Gouroo, se adequa melhor ao Leste.

Um sorriso preencheu o rosto da garotinha que seguiu a senhora do Leste em direção ao sol.

As lembranças de Shiduu foram interrompidas por Valmir que chegou quase sem fôlego.

— Pronto! Terminei…

— Ainda falta o treino de mira. — Shiduu disse com tom ríspido sem olhar para ele, evitando que seus olhos marejados pudessem ser descobertos.

— Ao que parece todos os alvos de treino estão ocupados… — Valmir reclamou.

— ATENÇÃO! — Shiduu gritou chamando a atenção de Gouroo e seus alunos — Liberem vinte alvos! — E olhando para Valmir disse com um sorriso de escárnio — Assim que acertar todos os vinte na mosca pode ir tomar banho!

Valmir não respondeu, apenas se virou para os alvos e, sorrindo, sacou seu revólver de cintura, engatilhou e apontou para o primeiro alvo.

— Vai atirar daqui mesmo? — Shiduu parecia confusa — Está muito longe. Será que conseguirá com uma arma tão pequena?

— Não é a arma! É quem usa. — Valmir puxou o gatilho e um som alto ecoou pelo ambiente, fazendo com que todos tapassem os ouvidos assustados.

Shiduu olhou incrédula para o buraco no centro do alvo, mas não havia nenhum projétil preso ali.

— Nunca haviam contemplado um tiro de arma de fogo, não é? — Valmir abriu um sorriso maníaco enquanto disparava continuamente acertando os alvos em sequência, sem cometer um erro sequer.

Após acertar os vinte alvos, Valmir levantou o cano da arma que soltava uma fumaça acinzentada e soprou, depois girou a arma em seu indicador e a pôs no coldre preso à perna.

— Já posso tomar meu banho ou você irá me banhar pessoalmente? — Disse ele movendo as sobrancelhas de forma sugestiva.

— Realmente uma performance magnifica, mas você terá como disparar quantos tiros mais com essa arma? Que eu saiba, cada tiro consome uma munição, e elas não podem ser encontradas nesse mundo.

— Não esqueça que eu sou apenas o segurança do Senhor Felipe, esses tiros foram apenas para demonstrar o poder do meu mundo e o porquê de vocês temerem uma invasão, não dispararei mais um tiro sequer sem que seja para garantir a segurança do meu chefe.

Shiduu balançou a cabeça concordando, ela havia entendido que o que faltava a Valmir em condicionamento físico, sobrava em termos de armamento e precisão. Ele não seria um assassino como ela, ou combatente como André e Yobaa, mas um artilheiro, alguém que poderia lutar ombro a ombro com Gouroo.

— Talvez no outro mundo, as guerras sejam decididas por tiros disparados de longe em vez de combate corporal. Com armas desse tipo não há armadura que possa resistir ou treinamento que aperfeiçoe o corpo a ponto de se proteger.

Enquanto Shiduu ficava pensando em como seu mundo poderia estar ameaçado pelas armas modernas e perigosas do mundo de Valmir, o segurança de Felipe se retirou em busca de um banho.

Gouroo chegou até a sua irmã perguntando:

— Algo que lhe aflige irmã?

— Sim… Muita coisa. — Respondeu ela — Mas sofrer por antecedência não faz o nosso estilo, somos sobreviventes, somos guerreiros, somos filhos do Leste! Seja o que for, seja quem for, vamos enfrentar e vencer… Ou morrer tentando.

— Afinal, isso foi o que a nossa mãe nos ensinou. — Completou Gouroo.

— Isso mesmo! — Shiduu acenou com a cabeça concordando _ Agora preciso ir tomar um banho também.

— Não me diga que vai tomar banho junto com o senhor Valmir. _ Gouroo deu um sorrisinho malicioso.

— Seu moleque malicioso, eu e o Valmir somos apenas amigos…

— Seu rosto está vermelho, irmã.

— Eu ainda sou a mais velha aqui, me respeite!

Enquanto Shiduu caminhava para fora do ambiente de treinos, Gouroo a acompanhava com o olhar, pensando.

— Parece que finalmente ela achou alguém que abranda esse temperamento, espero que ele consiga tocar o seu coração e não apenas o corpo…



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