Volume 1

Capítulo 9: Primeira Página do Diário

Estava frio, os sons que eu podia ouvir estavam longe, sentia meu corpo como se estivesse flutuando, cada vez mais ficava silencioso, até que quase não podia ouvir nem mesmo meus pensamentos.

Eu estou morto?

Estar morto era a única explicação, mas eu estava errado… Senti como se estivesse sendo puxado para cima por uma força misteriosa, senti uma luz quente me tocar, e quando abri os olhos eu estava lá…

Eu estava em pé, seminu, tinham outros lá também, mas eles estavam vestidos de diversas maneiras. Todos me olhavam, uns pareciam felizes, outros tristes, outros pareciam não se importar, eu era o único que estava apenas confuso.

Tentei andar, minhas pernas tremeram, caí…

Fiz força para levantar, era como se não lembrasse como andar, cada vez estava mais confuso, até que vi uma mão aberta em minha direção, e logo depois dela um sorriso brilhante.

— Vem, eu te ajudo! — Disse um menino…

Ele era loirinho, olhos claros, parecia ter a mesma idade que eu, mas não estava com medo, nem confuso, eu apenas estiquei o braço, e segurando a sua mão perguntei:

— Eu morri?

As outras crianças riram da minha pergunta, mas ele mantinha aquele sorriso calmo enquanto me falava:

— Não! Apenas estamos em outro mundo, mas estamos todos vivos. Nós fomos chamados a esse mundo para evitar a guerra!

Era incrível como ele conseguia dizer isso com tal facilidade, como se fosse apenas um jogo. Com certa dificuldade fiquei de pé, meus joelhos ainda tremiam um pouco, o garoto loirinho ainda segurava minha mão, aproveitou para se apresentar.

— Meu nome é Leonardo, mas pode me chamar de Léo!

— Eu sou André… Lima…

Eu estava muito confuso, mas consegui lembrar meu nome.

— Prazer, Lucas! — Disse outro garoto se aproximando ao lado de Léo.

Peguei na mão de Lucas, enquanto olhava para os lados, tentando descobrir onde estava. Só então que percebi, estávamos no meio de um campo, coberto de grama, tudo era plano, o céu estava azul e o sol brilhava acima das nossas cabeças, era lindo.

Vi então, longe, ao horizonte, uma cidade não muito grande, com um castelo gigante bem no meio, tinha torres e muralhas, era de tirar o fôlego, talvez o que Léo disse era realmente verdade… ou eu estava sonhando!

Da direção da cidade vinham várias pessoas com roupas brancas e longas, usavam chapeis esquisitos, e andavam lentamente com a cabeça erguida de uma forma arrogante. Quando chegaram onde estávamos, o que vinha na frente falou:

— Sejam bem vindos, heróis! Há muito aguardávamos pela vossa chegada.

— Somos os representantes dos deuses. — Explicou um segundo — Cada um de nós é um sacerdote que serve a um deus diferente, e cada um de vocês foi escolhido por um desses deuses para receber um dom…

— Temos uma profecia de que em muito breve uma guerra cairá sobre esse mundo, e vocês, os escolhidos, serão os heróis que nos protegerão. — Disse um terceiro.

— Cabe a cada um usar o seu dom para lutar contra um mal que surgirá, salvando esse mundo das garras do caos e da dor. — falou um quarto.

A partir daí não prestei mais atenção. Todos nós estávamos confusos, mas Léo parecia estar a par do que acontecia, ele simplesmente se adiantou e disse:

— Meu nome é Leonardo, eu tenho 12 anos e sou o escolhido do deus dos raios!

Léo parecia bem tranquilo enquanto dizia aquilo, como se soubesse algo que os outros desconhecia. Todos ficamos espantados, até mesmo os sacerdotes aparentavam não entender o que acontecia.

— Então você tem consciência do que está acontecendo, criança? — Interrogou um sacerdote que aparentava ser bem idoso.

— Sim! — Respondeu Léo — Ele falou comigo antes de me trazer parar cá, disse que eu fui escolhido para herdar uma fração dos seus poderes, e liderar os outros heróis na guerra que se aproxima.

O sacerdote idoso sorriu e estendeu a mão para Léo, que a segurou, e logo na sequência caminhou junto com o velho em direção à cidade, antes de saírem, o garoto ainda olhou para trás e sorriu, naquele momento eu senti que ficaria tudo bem.

Assim que Léo e o sacerdote idoso saíram, um outro sacerdote, dessa vez, uma mulher, com tatuagens estranhas no rosto e nas mãos, se aproximou de um menino moreno com o cabelo liso, cortado em formato de tigela. A Sacerdotisa não falou nada, apenas estendeu a mão, ele pegou sem dizer nenhuma palavra, os dois saíram, esse nem olhou para trás.

A cena foi se repetindo várias vezes, um sacerdote se aproximava de uma criança, mas não parecia escolher, era como se soubesse exatamente quem estava procurando, em seguida levava essa criança em direção à cidade. Alguns se apresentavam, outros apenas sorriam, haviam ainda aqueles que preferiam manter o silêncio.

Restavam apenas três, eu, Lucas e uma garotinha pequena, de cabelos castanhos, um pouco mais claros do eu os meus, ela estava claramente tremendo de medo, foi quando eu observei que só haviam dois sacerdotes restantes, um deles se aproximou de Lucas e o levou, a garotinha me olhou muito assustada, com certeza estava com medo, com tanto medo quanto eu.

O último sacerdote finalmente se aproximou, ficou parado olhando para nós dois, suspirou, coçou a testa, e falou:

— Acho que temos um problema…

Eu fiquei com mais medo ainda, olhei para o lado, ela estava chorando, eu sorri para o sacerdote tentando esconder meu medo.

— Acho que eu não serei escolhido… — Murmurei.

— Infelizmente você está certo — Respondeu o homem de aparência desnutrida e cheio de cicatrizes — Você não tem poder mágico, então… Claramente você não foi escolhido por um deus, e a sua chegada aqui foi mera coincidência.

Sorri forçadamente, mas chorava por dentro, o último sacerdote estendeu a mão coberta de cicatrizes para a garotinha, ela demorou alguns segundo mas acabou aceitando o convite de segui-lo, os dois caminharam lentamente, na minha cabeça passava muita coisa, mas eu não conseguia pensar em nada, eu era só uma criança de 12 anos abandonado em um mundo desconhecido. Se eu estava realmente morto, com certeza esse era o inferno, o que eu fiz para vir parar aqui?

Antes que eu me perdesse em devaneios senti uma mão tocar a minha, ela tinha voltado, a garotinha assustada tinha ficado com pena de mim…

— Vem também… — Ela disse.

— Eu sou André… — Foi a única resposta que consegui dar, era com se lutasse para não esquecer quem eu era.

— Eu sei… — Ela disse sorrindo, porém com os olhos cheios de lágrimas ainda — Eu sou Elizabeth, mas prefiro ser chamada de Zita…

Eu sorri, ela sorriu, o sacerdote sorriu e estendeu a outra mão para mim. Eu segurei as mãos deles e fomos em direção à cidade.

Enquanto andávamos, podia ver os outros ao longe, mantendo uma distância entre cada criança e sacerdote dos demais, nós éramos os últimos de uma longa e lenta fila. Enquanto isso, o Sacerdote começou a falar:

— Eu sou Nupac! Sacerdote ifrite da montanha de fogo, sirvo ao deus Fênix há décadas, recebi a mensagem de que deveria vir a este local buscar aquela criança que foi escolhida pelo deus do fogo, e que veio a esse mundo para trazer a paz, por 1 ano você viverá no castelo do Reino de Prata para estudar, e depois que aprender o básico sobre esse mundo, irá para a montanha sagrada…

Até esse ponto eu ainda prestava atenção, mas como ele se dirigia à Zita, eu comecei a divagar…

E eu? Poderei ficar no castelo? Vai me levar para essa tal montanha? Ou me abandonar?..

Acho que ele ouviu meus pensamentos.

— E você meu garotinho, infelizmente isso é tudo que posso fazer por você, se ficasse naquele lugar, morreria com o frio da noite, então o levarei para um lugar onde crianças abandonadas como você podem sobreviver, não é um bom local mas terá alguma chance se for forte o suficiente.

Fui levado pela cidade, atravessamos o portão, passamos pela parte nobre com suas mansões luxuosas, em seguida pela parte pobre com suas casinhas simples, pela parte miserável e seu amontoado de casebres em péssimo estado, até que chegamos em uma casa, se é que se pode chamar aquele amontoado de madeira podre de casa, era a última de uma rua cheia de mato, lama e buracos, onde várias crianças subnutridas se amontoavam, era uma cena triste, e pelo que entendi, eu me tornaria uma dessas crianças.

Nupac soltou a minha mão, e apontou para a casa que parecia que ia desmoronar a qualquer instante.

— Infelizmente, pobre criança, esse é o máximo que posso lhe oferecer, pelo menos aqui terá um teto, e se der sorte, futuramente alguém o contratará como servo.

Eu apenas aceitei o meu destino e abaixei a cabeça, confirmando. Zita apertou a minha mão com força e falou bem séria:

— Eu vou ficar bem forte, e quando isso acontecer eu volto para te buscar, e trago todos os outros…

Ela estava nesse mundo a tão pouco tempo quanto eu e já tentava ser forte.

Eu só consegui desabar, chorei, pus tudo para fora, toda minha tristeza em forma de lágrimas.

Fiquei olhando eles voltarem pela mesma rua esburacada que vieram, Zita foi olhando para trás, como se estivesse se culpando por me deixar ali, acenei uma última vez antes que eles sumissem na esquina.

Estava prestes a me perder em devaneios novamente, mas senti então alguém tocar meu ombro, e ao me virar vejo uma figura esquelética, com cabelos espetados, olhos arregalados e dentes para fora, sorrindo de uma forma desleixada.

— Bem-vindo à toca dos ratos — disse ele — Eu sou Olho de Peixe!

Senti então que eu poderia sobreviver naquele lugar.

Eu teria amigos para me ajudar.



Comentários