Volume 1

Capítulo 43: Nona Página do Diário (1)

Com todos os preparativos feitos, partimos em direção ao Oeste. Eu, Surii, Baruu, três guardas para cada um de nós, e mais três ajudantes para os serviços gerais, não excedendo o limite máximo de pessoas permitidas. A viagem foi tranquila, durou três dias desde a Montanha Solitária até o Castelo de Prata, não tínhamos pressa em chegar, o mais importante era não estar cansado para a missão.

Chegamos um dia antes da festa, o que era normal por sermos os que vinham de mais longe. Havia uma mansão reservada para nós três e nossos guardas, haviam inclusive serviçais designados para cuidar da nossa estadia. Eu estava muito impressionado, mas Baruu explicou que era tudo uma forma de nos vigiar.

Foi difícil mas consegui sair da mansão sem ser notado, com a desculpa de que iria tirar um cochilo da tarde para recuperar meu corpo do cansaço da viagem, me tranquei no quarto e pulei a janela. Aqueles serviçais jamais pensariam que um “nobre” como eu seria um rato experiente em escalar paredes para roubar bolos.

Era a primeira vez que uma delegação oficial “nobre” do Leste vinha visitar a Cidade de Prata, por isso ninguém desconfiaria que algum de nós seria capaz de se esgueirar pelas ruas de cidade com tanta facilidade. Somente quem conhecia bem o local conseguiria tal feito, e para minha sorte tudo ainda estava exatamente como eu lembrava.

Relembrando tudo que aconteceu um anos atrás eu caminhei pelas ruas, reconhecendo uma certa mansão, não me controlei. Com um sorriso eu saltei o muro, sentindo meu corpo mais flexível do que tempos passados, me esgueirei pelo jardim passei pelos guardas com facilidade, entrei na cozinha e roubei um bolo. Ainda mais fácil do que um ano atrás.

Aquele bolo seria o meu presente para os meus irmãos, os ratos. Não perdi tempo e fui direto para a toca, eu queria muito saber o que havia acontecido depois que eu saí.

Lilás estava na parte de fora tentando controlar o mato que crescia em torno da barraca, que estava mais destruída do que eu lembrava, fiquei alguns segundos olhando ela trabalhando pesado, era apenas uma criança mais nova do que eu e já tinha tanta responsabilidade.

— Lilás! — Eu falei engrossando a voz para que ela não reconhecesse de primeira — Eu tenho algumas contas para acertar com você!

A pobre garota se virou assustada, dando passos para trás se preparando para fugir, antes mesmo de me reconhecer. Deu um pequeno aperto no peito pelo que eu tinha feito, eu já fui um rato, sabia como era viver com medo constante. Levantei o bolo mais alto do que a minha cabeça, e disse:

— Aqui um bolo que eu estava devendo!

Os olhos lilases da ratinha brilharam junto a um sorriso de felicidade, ela havia me reconhecido. Lilás correu em minha direção com os braços abertos, mas não me abraçou, notei que ela não quis sujar as minha roupas, então eu tomei a iniciativa e a prendi entre os braços. Ela finalmente se rendeu e me abraçou de volta, chorando, e sujando a minha roupa de terra, lágrimas e ranho.

Aquela tarde eu passei com os ratos, matando a saudade e explicando para eles um plano que mudaria a nossa vida para sempre. Eu tinha um plano, e eles faziam parte.

Flor de Pedra me apresentou os dois novos ratos: Mosquito de 9 anos e Guba de 7, mosquito havia perdido sua família para fome, e Guba, que por acaso tinha o nome de um pássaro estranho, era filho de escravos que nasceu livre, quando seus pais foram vendidos ele não tinha onde ficar. Apenas mais duas histórias tristes em um mar de histórias que a nobreza não se importava.

Em seguida me contaram o que aconteceu nesse último ano. O Cavaleiro de Prata veio pessoalmente trazer a comida que eu tinha separado para eles, com a desculpa de que eu tinha sido adotado na festa e enviado para uma região distante. Uma história fraca, porém, próxima do que tinha acontecido realmente, exceto pela parte que tentaram me matar.

Olho de Peixe havia deixado a Toca dos Ratos pouco tempo após o meu sumiço, ele tinha entrado em um grupo de aventureiros, e viajava por diversos lugares servindo de segurança a mercadores. Já tinha retornado à toca por duas vezes trazendo presentes.

Todo o resto continuava igual, o casebre quase caindo, a vida difícil, os trabalhos insalubres… Mas eu estava disposto a ajuda-los a mudar isso. Em muito breve.

Finalmente chegou a noite da festa, nos aprontamos e fomos de carruagem, a capa da minha roupa era um pouco desconfortável já que ficava presa apenas sobre o lado esquerdo do meus corpo, cobrindo todo o meu braço. Sem contar a calça folgada nas coxas e apertando as panturrilhas, e o colete coladinho .Eu estava me sentindo um idiota, mas um idiota com preparo. E muito nervoso.

Baruu conduzia as apresentações, primeiro fomos cumprimentar o rei Guts, depois os seus dois filhos, Flek o primeiro príncipe, e Tud o segundo. Na verdade as pessoas da realeza do Oeste tinham nomes longos e quase impossíveis de se pronunciar, então se usava apenas a primeira sílaba dos seus nomes, por uma questão de conveniência.

Na sequência fomos cumprimentar os heróis, acho que era devido as minha roupas estranhas e o cabelo penteado, mas a maioria pareceu não me reconhecer, e como eu estava sendo apresentado como Deco, e não André, nenhum deles imaginaria quem era eu. Mas eu não me importava com isso, apenas queria ver uma certa ruiva.

Zita estava sentada em um tipo de trono, usava um vestido longo cheio de detalhes, parecia difícil se mexer dentro daquilo. Ela estava com uma expressão apática e não percebeu a minha chegada até que eu caminhasse até a sua frente e fizesse uma reverência, mas diferente dos demais, eu me mantive com os olhos nos dela.

Quando ela me reconheceu um sorriso largo se formou em seu rostinho, seus olhos brilharam e ela até se levantou. Mas uma das damas ao seu lado e segurou pelo ombro, fazendo ela se sentar novamente. Zita sentou contra a vontade, ficando emburrada, cruzou os braços e fez beicinho.

Eu queria ir até ela, mas tinha que seguir o plano. Seguimos pelo salão nos portando como nobres, esbanjando egocentrismo e arrogância. Baruu me arrastou discretamente, apresentando os convidados mais importantes. Notei que é difícil ser diplomata, ela sabia o nome de muita gente e fingia estar feliz em falar com eles, 

Enquanto Baruu apontava para as pessoas falando seus respectivos nomes e titulações, eu observei alguém muito chamativa, um garota de cabelos e olhos verdes e vestido de uma cor clara, quase branco destacando ainda mais o verde. Os cabelos vermelhos de Zita eram muito chamativos, mas com certeza cabelos verdes chamavam muita atenção.

Ao lado dela havia alguém que reconheci como sendo uma dos 32, mas não conseguia lembrar o nome. O que era normal, já que não conheci todos os heróis, mas a cara de dor-de-barriga e os cabelos quase brancos eram difíceis de esquecer.

A garota de cabelos verdes não parava de olhar para a minha acompanhante, mal imaginava ela que a garota ao meu lado não era uma princesa e sim uma órfã. Na verdade, nenhum dos convidados poderia supor que uma simples órfã ao se vestir como uma dama nobre poderia passar como uma princesa do Leste. Era isso, Lilás estava se passando por Surii, Surii estava disfarçada de dama de companhia de Lilás, e a dama de Surii estava escondida na carruagem, pronta para lavar o tesouro para fora da cidade.

Eu falei que tinha um plano.

A heroína que acompanhava a garota de cabelos verdes veio em nossa direção, fiquei com medo de ter sido reconhecido e de que ela estivesse com Jonas, mas Baruu vendo que eu tinha ficado um pouco alterado me puxou, deixando Lilás entre eu e a heroína.

— Eu sou Victoria, uma heroína! — Ela se apresentou para Lilás — Aquela pessoa de cabelos verdes é a princesa Esmeralda, ela deseja conhecer você, não se preocupe com nada, é apenas uma conversa entre duas princesas.

Lilás olhou assustada para mim e Baruu, e após a minha irmã diplomata se oferecer para ir junto, ficou mais calma. Assim as duas se foram e eu resolvi voltar até Zita.

Chegando em sua frente fiz um movimento com um dedo apenas lhe convidando para dançar sem que as suas acompanhantes percebessem. Zita não perdeu tempo e s moveu em minha direção, quando a mão da dama de companhia tocou seu ombro ela já estava segurando a minha mão.

— Desculpe, mas eu já aceitei dançar com ele! — Zita disse com um sorriso sarcástico enquanto chegava seu corpo junto ao meu para nos movermos ao ritmo da música.

Girei Zita algumas vezes e rapidamente nos movemos até o centro do salão, ficando o mais longe possível das suas damas de companhia, elas me davam medo. Aproveitei para lembrar de cada detalhe do que aprendi sobre dança com Baruu, foi uma das coisas que mais prestei atenção.

— A garota de cabelo colorido que estava com você é mesmo a princesa do Leste? — Perguntou Zita, me tirando das lembranças do ensaio de dança.



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