Volume 1

Capítulo 42: O Poder Roubado

A vida pacata de André estava indo bem, sua mão direita estava lentamente se recuperando ao ponto de conseguir mover os dedos Polegar, Indicador e Médio, o que lhe permitia realizar tarefas simples, que antes eram impossíveis. Um exemplo era sua horta, finalmente ele foi capaz de realizar um semeio sem auxílio.

Em um dia normal, enquanto cuidava de suas plantinhas, ele viu uma pessoa que lentamente se aproximava, André apenas olhou de relance e continuou suas atividades agrícolas, ultimamente ele estava pondo em prática parte do conhecimento obtido nos tempos de estudo sobre agricultura, matéria básica no Leste.

A pessoa parou a poucos metros da casa e continuou lá, olhando fixamente para André, Zita percebeu a chegada e saiu imediatamente reconhecendo o rosto familiar. Um pouco alto, pele levemente bronzeada, cabelos pretos ondulados, olhos pretos, músculos definidos, se destacando sob o sol com uma roupa totalmente preta, porém um pouco mais abatido do que Zita lembrava.

— O que você acha que está fazendo aqui? — Zita se pôs em frente ao visitante — Não bastava ficar ao lado da AI, ainda tem coragem de pisar na minha frente, ou veio aqui a mando deles?

O rapaz ficou parado, em silêncio, seus olhos escuros fundos como se não tivesse dormido bem ultimamente, até por fim não conseguir mais encarar Zita, ele baixou a cabeça e uma lágrima caiu no chão, seguida por uma segunda, e uma terceira…

André ao ver o que tinha acontecido largou o seu trabalho e veio ficar ao lado de sua companheira, olhando atentamente para o seu visitante.

— Wagner… — A voz de André soou pesarosa — Quantas vezes tentamos matar um ao outro?

— 14 vezes… — Wagner falou em meio a soluços — Em cerca de 6 anos…

André assentiu com um sorriso amargo, respirando fundo e tentando manter a calma, segurando a mão de Zita para se impedir de avançar sobre Wagner e cometer um ataque na raiva.

Após conter suas emoções, Wagner tirou a camisa, ficando de costas para o casal e revelando uma tatuagem quase inexistente, com certa dificuldade era possível notar as duas lanças cruzadas sobre um escudo. Em seguida voltou a vestir a camisa, voltando-se de frente para André e Zita.

— Não me diga que anularam o seu poder…

Com a frase de André, Wagner tremeu e deu um passo para trás, olhando nos olhos de André, revelando uma expressão de angústia, com olhos vermelhos e lábios trêmulos.

— N-não… — A voz de Wagner tremia tanto quanto seus joelhos — F-foi pior… Eles… Eles roubaram… agora outra pessoa… tá com o MEU poder.

Zita olhou assustada para André, a possibilidade de que o seu poder tivesse sido roubado em vez de apenas apagado ainda não tinha passado pelo seu pensamento. Quando esse pensamento se formou em sua mente ela finalmente se desesperou.

— Isso significa que alguém pode estar por aí com o meu poder? — Rosnou Zita.

— O que também significa que é possível recuperar. — André tentava manter a calma.

As palavras de André acalmaram um pouco o coração de Zita, se ela ainda tivesse seus poderes era certeza de que estaria coberta de chamas. Wagner ainda olhava incrédulo para André, admirando sua positividade.

— Você não está entendendo, tem um cara perigoso com o poder do deus da guerra por aí… — Wagner tentava argumentar.

— Não me importo… — André deu as costas e caminhou em direção à casa — Nunca fomos amigos, e até onde sei sua relação com Zita nunca foi boa, então você não tem o que fazer aqui… Vá embora!

Zita seguiu André, pondo o braço em volta do corpo do seu amado, mas antes que entrassem na casa Wagner gritou.

— O real motivo de eu ter vindo aqui é para trazer um recado…

André parou, mas continuou de costas para Wagner, Zita olhava de canto de olho, o visitante não saiu do lugar apenas falou.

— A Conselheira Sônia deseja falar com você…

— Acho que a Aliança sabe onde me encontrar.

— Ela não quer que a Aliança saiba do que ela tem para te dizer.

— Se ela tem algo a me dizer que venha falar pessoalmente.

— Ela quer se encontrar você “onde você deveria estar se fosse desse mundo”…

Ao ouvir isso André franziu a cara, abrindo a porta para entrar em casa, Wagner ainda teve tempo de dizer:

— Cuidado, ela não confia em você…

— E eu não confio nela!

André entrou em sua casa, Zita ficou na porta olhando com tristeza para Wagner, 

— Por que está fazendo isso? — Perguntou ela — Desde quando é moleque de recado?

— Porque Sônia me estendeu a mão, ela foi a única pessoa desse mundo que me acolheu de verdade…

— Apesar de termos a mesma idade, você é muito inocente ainda. 

— Como assim?

— Não existem pessoas boas, seja nesse mundo ou no outro. — Zita tentou aconselhar Wagner — Sempre que alguém nos ajuda, essa pessoa quer algo em troca.

O silêncio de Wagner demonstrou que ele estava refletindo, algo raro para o herói herdeiro do Deus da Guerra. 

— O André não gosta de você, e tem muitos motivos. — Continuou Zita — Mas ele até conseguiu superar os problemas com o Jonas, então acredito que é possível que ele te perdoe um dia, basta você querer.

— Mas eu não quero, ele perdoou o Jonas porque o balofo não chegou a matar ninguém importante para André, mas o meu caso é diferente… Nós dois nunca nos demos bem, e eu ficaria muito feliz em nunca mais precisar me aproximar dele.

Zita suspirou e assentiu com a cabeça dizendo:

— Todos nós matamos e perdemos pessoas, eu admito… Mas para alguém que se diz o herdeiro do Deus da Guerra, você tá me saindo um fracasso.

Wagner tentou argumentar, mas apenas teve tempo de abrir a boca, antes que conseguisse falar algo, Zita continuou.

— André abriu mão de seu poder, mas não desistiu daquele mundo, eu perdi meu poder e mesmo não sendo meu passatempo favorito, vou fazer o possível para evitar o que está por vir, mas você… O “todo poderoso Wagner”, não é capaz de seguir em frente se não for com a porra de um poder emprestado? 

Vendo que suas palavras trouxeram aos olhos de Wagner um brilho existente em tempos de Outro Mundo, Zita sorriu e continuou.

— Agora vira homem, para de chorar, e alerte o resto do pessoal que ainda tem poderes sobre o que aconteceu a nós dois, para que não se repita. E afie suas armas, estamos indo para a última guerra…

Enquanto Zita entrava na casa, Wagner virou-se e caminhou de volta à estrada, ele não tinha aonde ir, mas não tinha problema, agora ele tinha motivação.

A palavra GUERRA trouxe à alma de Wagner um sentimento que há mais de 4 anos ele tinha esquecido, o desejo de matar percorreu suas veias, nervos, músculos e ossos, preenchendo o herói de outrora com o maior anseio que um guerreiro pode sentir.

Ele desejava o calor da batalha. E Elizabeth lhe prometeu uma em breve.

Se aliar ou não a André era o que menos importava, ambos causaram perdas um ao outro, não havia tempo para perdão e reconciliação, apenas deixar que o sentimento de matar pela primeira vez lado a lado trouxesse a reparação a tudo que aconteceu no passado.

Enquanto isso, dentro da casa, Zita perguntava a André:

— “Onde você deveria estar se fosse desse mundo”… O que isso significa?

— Morto… Isso significa que aquela mulher sabe demais.



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