Volume 1
Capítulo 44: Nona Página do Diário (2)
— A garota de cabelo colorido que estava com você, é mesmo a princesa do Leste?
A pergunta de Zita me acertou com força, me tirando dos pensamentos sobre passos de dança. Eu pensei em mentir e dizer que Lilás era Surii, mas antes que falasse algo percebi que a expressão de Zita denunciava que ela já sabia a resposta. Lembrei então que ela havia conhecido Lilás há um ano atrás.
— Não, aquela é Lilás, da Toca dos Ratos…
— Sabia que eu a conhecia de algum lugar! Mas onde está a princesa do Leste? E por porque a Lilás está se passando por ela? Vocês estão fazendo perigoso, sabia?
Devo admitir que ela é uma pessoa esperta, foi a única notar algo errado ali. Pelo menos até aquele momento. Achei que seria mais seguro não mentir, então contei a Zita tudo sobre o plano, mesmo que fosse arriscado, mas eu confiava nela.
Ao terminar de contar o plano Zita ficou em silêncio por mais alguns segundos, e enfim disse:
— Tudo bem, eu não vou interferir nem ajudar, mas não posso garantir pelos outros… Tudo que posso fazer é dar cobertura para a fuga de vocês! Em troca eu só peço um favor…
— Qual é o favor?
— Victoria, a heroína que está acompanhando a Princesa Esmeralda está usando um colar com um rubi, quero que roube a pedra por mim, não precisa me entregar, na verdade seria melhor que você destrua a pedra.
Não entendi bem o que ela queria dizer, mas se dessa forma eu garantisse apoio para a nossa fuga depois de roubar o tesouro, melhor ainda. Quem rouba um, rouba dois.
Infelizmente fomos atrapalhados por uma das damas de companhia de Zita, que lhe informou sobre a formação de uma fila de jovens nobres que desejavam ter a honra de dançar com a sacerdotisa ruiva da montanha de fogo.
— Sacerdotisa? Não era heroína? — Perguntei atônito.
— E você agora é um príncipe! Estamos todos evoluindo. — Zita disse enquanto se afastava, e realizava um cumprimento nobre agradecendo pela dança.
Era visível o quanto ela tinha mudado nos últimos dois anos, não apenas os cabelos estavam diferentes, mas ela estava maior, seu sorriso menos infantil, sua postura mais elegante, com 14 anos ela era quase uma adulta. Após nos despedirmos com cumprimentos ensaiados ela voltou para o seu assento com a desculpa que estava cansada e assim dispensou todos na fila. Enquanto isso eu fiquei no centro do salão, com cara de bobo sendo alvo de um milhão de olhares de ódio dos seus admiradores.
Realmente uma pena que dessa vez não teve um beijo, mas tudo bem, fica para uma próxima. Além do mais estava na hora de me concentrar no plano e eu estava nervoso, e sempre que ficava nervoso me dava vontade de ir ao banheiro.
Perdi alguns minutos me preparando espiritualmente para pôr o plano em ação, ao longo dos últimos dias a ação havia parecido fácil, pelo menos na teoria. Mas agora seria o momento, depois de tanto tempo eu finalmente estava encontrando o meu lugar no mundo.
Não podia deixar que nada desse errado. Me concentrei o máximo possível, juntei todas as minha memórias ruins, lembrei principalmente que foi há exatamente um ano nesse mesmo lugar que Jonas, por motivos que eu ainda não entendia, mandou me matarem.
Apenas esse pensamento foi o suficiente para me acalmar e trazer à tona a minha sede de sangue. Arranquei a capa presa ao meu ombro e escondi, em seguida invoquei o rancor e criei uma semelhante em aparência, mas muito diferente em termos de funcionalidade.
Quando voltei do banheiro percebi que estava na hora de iniciar a ação, haviam começado os discursos e cada representante estava esperando sua vez de falar. Naturalmente eu me coloquei no espaço reservado para a delegação do Leste, sentando entre Baruu e Victoria.
Quem estava discursando, segundo Baruu, era Long-Hua, o patriarca do clã da areia e representante do Reino do Sul, ao seu lado estava uma jovem sorridente, Baruu disse que era Van-Nee a filha do patriarca da floresta, ela era uma das maiores promessas em termos de magia. A lado de Van-Nee estava Leonardo, o herói dos raios.
Após Long-Hua seria a minha vez de discursar, eu tinha passado o dia inteiro repetindo o texto então sabia exatamente cada palavra, cada entonação, não havia espaço para erros, tudo tinha que ser perfeito. Mas antes que chegasse a minha vez o momento solene foi atrapalhado por um alvoroço, muitos gritos e sons de passos que interromperam o discurso de Long-Hua, mas ele não se irritou, apenas olhou com uma expressão séria para as pessoas que se aproximavam fazendo tamanha arruaça dentro do castelo real.
Me assustei quando vi o segundo príncipe seguido por uma dúzia de guardas carregando Surii, não tinha como não lembrar o que me aconteceu um ano atrás.
O segundo príncipe esbravejava:
— Essa pessoa é uma ladra! O Leste enviou uma ladra para dentro do nosso castelo! — E olhando para mim e Baruu completou — Exijo que seja dada uma punição à altura.
Eu olhei para Surii assustado, não era possível que o nosso plano fosse descoberto tão rápido. Ainda não estava na hora de agir, o que teria acontecido?
— Seu principezinho de merda! Você é muito mentiroso! Tentando me abusar, e como eu não me rendi à você, vem me acusar de roubo…
— Calada!.. Sua criada desprezível… — O rosto de Tud se contorcia em ódio e sarcasmo, demostrando a obviedade na acusação de Surii.
Por mais que fosse um príncipe acusando alguém que achavam ser uma criada, os convidados ainda levantaram suspeitas, principalmente por Tud ter atrapalhado um dos momento mais importantes da noite. Esse era um problema a ser resolvido nos bastidores, e não na frente das pessoas mais importantes do continente. A não ser que o objetivo fosse trazer problemas à comitiva do Leste, conforme me explicou Baruu.
— Aqui está a prova! — Tud puxou a bolsa de Surii e tirou de dentro uma coisa estranha, parecia um ovo gigante coberto de escamas.
— A semente da Mãe Terra! — Gritou o rei.
— Você… É muito burro! — O olhar de ódio de Surii foi aos pouco sendo substituído por um sorriso de vitória.
— É o tesouro que vimos buscar — Baruu falou baixinho para que apenas eu ouvisse.
Olhei para aquela coisa esquisita na mão do segundo príncipe enquanto ele fazia um discurso eloquente sobre como o reino de Prata abominava serventes que se voltavam contra os nobres que os acolhiam com tanto amor, o que me enojou um pouco pois já conhecia bem como os nobres da cidade tratavam os seus empregados.
Até que não me controlei e resolvi tomar uma atitude.
— Já que sou a distração, hora de agir, vamos improvisar e torcer para dar certo. É hora do show. — Pensei.
— Realmente, segundo príncipe Tud… Eu pedi a ela que afanasse tal item do castelo! — Eu estava improvisando e Baruu me olhando como se estivesse quase para enfartar — E agradeço à vossa alteza por pessoalmente trazer tal tesouro como compensação por tentar tocar em uma Filha do Leste.
— O… Quê…? — Tud parecia tentar entender as minha palavras — Filha? Ela não é apenas uma servente?.
Apenas fiz uma careta de desaprovação, e com a postura mais nobre que consegui manter, balancei a cabeça em negação. Os olhares se voltaram para Surii, compreendendo que ela era uma filha de Miraa, a quem ninguém deseja irritar. Depois para Tud, se apiedando de seu erro mortal. E por fim para mim, esperando para ver qual atitude eu tomaria em seguida.
Antes que alguém conseguisse agir, Baruu aproveitou a distração que causei e se aproximou do príncipe e chutou sua mão fazendo-o soltar o objeto, que voou acima das cabeças dos representantes, mas Surii foi mais rápida, se desvencilhando dos guardas, correu por cima da mesa, e antes que a “coisa” caísse ela pegou ainda no ar e jogou para mim.
— Obrigado pelo presente, segundo príncipe Tud! — Subi na mesa com a coisa esquisita nas mãos, e falei bem alto para que todos ouvissem — Economizou-nos o trabalho de procurar por isso aqui… Seja lá o que for esse ovo…
Todos os convidados olhavam assustados para aquela coisa esquisita na minha mão, mas de repente todos os olhos se voltaram para o Rei Guts, como se o incriminassem por algo. O representante do Reino do Sul então gritou:
— Então você achou que poderia esconder um tesouro sagrado? Guts, você merece a morte por violar um tratado internacional…
Pensei em aproveitar o momento para fugir, mas antes que pudesse fazer o primeiro movimento senti um golpe forte no meio das costas, quando me virei vi um dos heróis com uma espada na mão enquanto duas lanças flutuavam em torno de seu corpo.
Uma terceira lança estava presa na minha “Capa de Rancor”, adentrando levemente a minha pele, se não fosse pelo meu poder eu estaria morto, uma capa de tecido comum jamais pararia uma lança daquelas. Meu sangue gelou, minhas pernas tremeram, e eu agradeci aos deuses por ter ido ao banheiro minutos antes.