Volume 1
Capítulo 2: O Último a Chegar
Era pouco mais de 7 da noite, várias crianças brincavam na praça correndo umas atrás das outras sob os olhares doces de suas mães, os adolescentes trocavam olhares e sorrisos, jovens se enamoravam nos bancos que ficavam nos locais mais afastados e escuros, os idosos fofocavam enquanto aguardavam a missa das 7:30, era uma calmaria em um ambiente bucólico, em um bairro afastado do centro da cidadezinha de pouco mais de 15 mil habitantes, localizada em um estado de pouca relevância.
Era uma cidade boa para se viver, pouca poluição, baixa criminalidade, no máximo alguns roubos de celulares, raramente acontecia algo mais grave como homicídio ou assalto a banco, tornando-se o assunto principal da cidade por semanas a fio. A fábrica de cimento, era a única indústria da região, e garantia emprego e renda para manter a cidade funcionando corretamente, mesmo enquanto o resto do mundo estava passando por uma crise financeira.
Um lugar maravilhoso para se viver quando comparado com os grandes centros urbanos, metrópoles, e outras formas de aglomeração humana. Talvez por causa de toda essa calmaria ninguém estivesse preparado para uma mudança repentina de situação.
Uma das crianças que brincava parou de correr ficou olhando para o lado da praça, ao ver que ele tinha parado de correr seus coleguinhas de brincadeira foram ver o que havia acontecido. Mas ele não dizia nada, apenas apontava para um local onde começava a se formar uma distorção na luz, semelhante a uma ilusão de ótica, parecia que tinha água flutuando.
Aos poucos aquilo foi chamando a atenção dos adultos, que se aglomeraram em torno das crianças, todos estavam admirados com aquele fenômeno, porém cada um expressava reações diferentes, as senhoras de idade se benziam, os jovens tiravam fotos, as mães buscavam seus respectivos filhos em meio à multidão que ia se formando, até alguns carros que passavam na rua pararam para ver o que estava acontecendo.
Era uma situação tão diferente, talvez única, que a mistura de medo e curiosidade era incontrolável, alguém até mesmo tomou coragem e se aproximou da massa de distorção que se formava, ao cutucar com um graveto que encontrara no chão ali perto nada aconteceu.
Todos que assistiam ficaram mais aliviados, mas alguns ainda diziam que aquilo podia ser perigoso, após tocar a massa com o graveto, o rapaz estava se sentido incrível, ele foi o primeiro a ter coragem de tocar aquilo, e ao mesmo tempo lhe passava na cabeça as coisas horríveis que poderiam lhe ocorrer, com base é claro, nos filmes que já tinha assistido.
O jovem estava prestes a se voltar a multidão e declarar que tudo estava bem, quando um som de descarga elétrica ecoou como se estivesse saindo do estranho fenômeno flutuante, todos começaram a se afastar daquela coisa desconhecida, dando largos passos para trás.
O som estridente se repetiu, agora as mães já punham os seus filhos no colo e se afastavam quase correndo. Foi quando o som ecoou pela terceira vez, mas agora veio acompanhado de um pequeno raio que saiu do centro daquela coisa estranha, e foi em direção ao chão, foi rápido, mas todos puderam ver.
Os sons de descarga elétrica se tornaram mais e mais frequentes, acompanhados sempre de raios que iam nas mais diversas direções. Agora todos os espectadores já estavam a uma distância relativamente segura. O fenômeno estava se agitando, e conforme se movimentava mais barulho e raios saiam de lá.
Era como se algo estivesse lutando para sair daquele lugar, um demônio, um alienígena, um viajante do tempo… as suposições eram as mais diversas, haviam ainda pessoas que bradavam que era culpa do aquecimento global, por jogarmos as garrafas PET nos rios, agora a natureza estava se vingando.
De repente os raios pararam, mas o barulho continuou, enquanto os sons se tornavam mais espaçados as pessoas se entreolhavam como se previssem que aquilo estivesse chegando ao fim. Um momento de silêncio se fez por alguns segundos, até que um grito agudo chamasse a atenção de todos.
Uma senhora entre 30 e 40 anos olhava e apontava para o fenômeno, enquanto segurava o seu filho com bastante força, o que teria visto ela que os outros não? Pouco a pouco outras pessoas pareciam estar vendo algo novo também, até que ficou claro para todos.
Era como se houvesse um plástico translúcido flutuando sobre a praça e alguém do outro lado estivesse tentando rompê-lo. Podia se ver claramente que eram mãos que tentavam atravessar. Alguém havia chamado a polícia, que já chegou afastando a multidão que só aumentava, enquanto alguns policiais já apontavam suas armas para “aquilo”.
A primeira mão atravessou, era uma mão humana, esquerda, esquálida, ferida e pingando sangue, ficou parada por uns dois segundos, até que a segunda mão saísse. Era idêntica, exceto pelo fato de ser uma mão direita. Aos poucos foram se afastando, como se estivessem tentando abrir passagem para o resto do corpo.
O policial à frente da operação fez um sinal para que ninguém atirasse, todos entenderam que ao que tudo indicava, era um humano, e se não fosse, não haviam garantias de que armas humanas seriam capazes de protege-los, era assim nos filmes…
Quando as duas mãos se afastaram pelo menos 40 cm uma da outra, surgiu uma cabeça humana, pelo menos parecia ser, aos poucos o corpo foi se revelando, sua expressão era de dor e agonia, como se estivesse fazendo um esforço absurdo para sair.
O primeiro pé tocou o solo, estava descalço, sujo, imundo para ser mais exato, o segundo pé veio em seguida, agora a figura coberta de sujeira e sangue estava por inteiro fora enquanto o fenômeno se fechava rapidamente atrás dele. Não era tão alto, nem muito baixo, estava vestindo roupas sujas e rasgadas, com várias bolsas penduradas no seu corpo, barba desgrenhada, parecia um mendigo, e se não fosse pela sua forma de chegada, poderia ser facilmente confundido com um morador de rua.
Os braços caíram junto ao corpo como se o indivíduo recém-chegado tivesse perdido as forças, mesmo assim ele ainda caminhou uns três passos, começou a sair fumaça de seus braços, e nesse momento o ilustre visitante parecia chegar ao seu limite, caindo sobre os joelhos e olhando para cima.
O líder do destacamento policial se aproximou enquanto tentava entender o que ou quem era aquela figura magra, coberta de sujeira, e de braços fumegantes. Quando chegou perto o suficiente, viu que este sorria em meio a lágrimas.
Talvez por causa da fumaça dos seus braços ou que ele não tomasse banho há muito tempo, mas um fedor tomou conta do local, era similar a cabelo queimado, senhoras gritavam que o demônio fedia a enxofre e entoavam orações. Enquanto apontava a sua arma assustado, o policial ouviu o estranho dizer antes de cair desmaiado:
— Meu nome é André Lima… E-Eu finalmente… consegui… voltar…