Volume 1 – Arco 1
Capítulo 4.1: Assalto
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6 de junho, 3222. Subterrâneo da torre central.
Assalto.
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Parte 1
Adrien levou Aurora até uma camada mais profunda da torre, abaixo do solo. A região era bem quente e espaçosa quando saíram do elevador que ficava no térreo. Havia uma grande ponte conectando o elevador até a estrutura de salas, que flutuava sobre um grande abismo abaixo. As paredes ao longe eram todas feitas de metal, tinham grandes canos soltando vapor cobrindo grande parte das paredes. O ambiente era um pouco alaranjado, com a maior parte da luz vindo do abismo abaixo. Lá no fundo, um calor e uma luz laranja forte subiam de um modo um pouco assustador. Era como uma fábrica bem abaixo da torre.
Aurora olhava ao redor, curiosa com todas aquelas novas informações. Os dois seguiram a ponte calados até então.
— Nós não vamos ficar muito tempo aqui. Nem eu e muito menos você temos permissão para entrar nesse lugar — disse Adrien, enquanto tirava o terno pelo calor. Acabou apenas ficando com a camisa branca que estava por baixo.
— Então por que você me trouxe aqui? — Aurora perguntou, em um tom mais suave do que com os outros. Ela parecia mais confortável ao lado de Adrien.
— Tem… uma coisa para você aqui embaixo. Acho que Elandor não vai se importar se for eu quem vai te mostrar.
Aurora concordou timidamente com a cabeça, e os dois continuaram seguindo pela ponte. Adrien pendurou seu terno atrás do pescoço para amarrar os cabelos em um rabo de cavalo. Aurora não tinha uma noção exata do quanto o calor poderia ser desconfortável, pois o máximo que podia fazer com aquele corpo androide era visualizar a intensidade do calor.
Após atravessarem a ponte, havia mais uma infinidade de caminhos a se seguir. Mas, por sorte, a sala que Adrien procurava estava na primeira porta à frente da ponte. Era uma porta de metal, que só poderia ser aberta por um painel que ficava ao lado. O painel estava coberto por uma pequena barreira azul.
Aurora apenas observou o painel, esperando que Adrien fizesse alguma coisa.
— Bem… eu não sei exatamente como desbloquear essa coisa. Mas acho que o passe de entrada é a marca do proprietário.
— Mas você é o proprietário, não é?
— No caso, seria o Elandor. Mas como sou o herdeiro, acho que deve servir.
Adrien se agachou na frente do pequeno painel. Colocando suas mãos na parte de trás do visor para vasculhar em alguma coisa.
— Veja, a maioria dos androides não sabem como isso funciona por questões de segurança, mas sempre que você ver uma barreira azul como essa, então ela tem um core de safira. A barreira vai desaparecer se você remover o core.
Com as mãos, sem muita dificuldade, Adrien retirou a pequena tampa atrás do painel, enfiou a mão pela parte de dentro e cuidadosamente retirou uma esfera de lá. Era brilhante, um cristal redondo com uma energia azul escura dentro.
Assim que o core foi removido, a barreira azul que bloqueava o painel desapareceu.
— O que… é essa coisa? — perguntou Aurora, se agachando para ver de perto também.
— Um core de safira. Você já devia ter vindo com a informação de fábrica sobre como funcionam os core…
Após ouvir isso, Aurora acabou se sentindo rebaixada. Ainda mais por lembrar dos avisos de Lyra sobre ser substituída.
— M-Me perdoe!
— Hum… — Adrien se levantou para verificar o painel. — Tanto faz. Você pode pedir ao Ucho para te ensinar como eles funcionam depois. Inclusive… — Ele apontou para o peito de Aurora, onde havia um brilho rosa que conectava seus circuitos. — O seu core é de ametista. Pela lógica, isso deve te tornar mais veloz que os outros.
Aurora não respondeu, mas ficou observando a luz rosa que irradiava entre os seus peitos, como se aquela fosse uma informação fascinante.
Em seguida, Adrien ficou bem à frente do painel, e antes que ergue-se sua mão para fazer alguma coisa sobre ele, o visor se desmontou em duas partes e lentamente foi se desdobrando para cima, se abrindo amplamente quase como um guarda chuva diante de Adrien. Eram vários pequenos monitores diferentes, cada um mostrando um código contínuo e logo exibindo uma tela com informações novas.
Adrien movimentou o braço apenas por um momento antes que uma leitura do seu corpo inteiro se iniciasse. O scanner azul refletiu sua imagem em um holograma, acompanhada de um gráfico que lentamente definia suas características e informações, como nome completo e data de nascimento.
— Uh… — ele resmungou, e no segundo seguinte um pequeno sibilar da máquina afirmou sua autoridade naquele lugar. “Protocolo de reconhecimento concluído, Adrien Louren.” Veio logo em seguida.
Aurora se assustou com o som estridente das portas de metal se abrindo de forma nada gentil. Eram três camadas de portas, que enquanto cada uma abria, fazia um som similar a alguém chutando um amontoado de baldes de lata.
Os dois entraram, e a sala adiante estava completamente afundada na escuridão. A única iluminação presente era a pequena faixa de luz no chão que se formava pela iluminação da porta aberta.
Adrien logo sacou um bastão de luz cinza, o dobrou no meio, e junto ao estampido do vidro partindo, a luz esbranquiçada surgiu, iluminando uma pequena área ao redor dos dois.
— O que você quer me mostrar aqui? — Aurora não demonstrava medo, mesmo no meio daquela escuridão que tampava o resto da sala. Sua expressão como sempre permanecia indiferente. — A sala está vazia.
— Não está não. Ela só é muito grande — respondeu, estava se guiando por três linhas diferentes no chão. Uma era preta, a outra verde, e a outra rosada. As três se dividiam logo à frente. — Bem grande, inclusive. Não tenho certeza se isso é um sistema de segurança ou é só mais um joguinho de estética.
Eles seguiram pelo caminho traçado pela linha rosada no chão. Fazia poucas curvas, mas mesmo assim era um caminho bem longo. Aurora não conseguia compreender exatamente como aquela sala podia ser tão imensa por dentro, enquanto por fora parecia ser só uma caixa um pouco grande.
Depois de um longo caminho, aparentemente não tão longo assim, eles chegaram ao final da linha rosada. O brilho da linha se intensificava um pouco mais enquanto se aproximavam do final… e ela levava até um pequeno altar negro. Acima dele, havia um bastão com “alças” para a passagem dos dedos. Era a empunhadura de algum tipo de arma, que estava acorrentada por alguma razão.
Ela emitia um chiado estranho, porém baixo. Quase inaudível, mas era estranhamente hipnótico.
— Essa coisa é bem especial. Um presente que o Falkmar… “deixou” para você. — Com uma chave de prata, Adrien retirou o cadeado e desenrolou as correntes sobre a empunhadura negra. Retirou-a do altar, e logo abaixo da primeira havia uma segunda que estava enterrada lá dentro. Com um pouco de esforço ele conseguiu retirar a outra também. — Mas primeiro veja se você… consegue ativar essa coisa.
Ele deu as duas empunhaduras nas mãos de Aurora, que a segurou como se já soubesse exatamente a forma de empunhá-las.
— Como eu faria isso? É um tipo de dispositivo?
— É uma arma de Alexandria. Não faço ideia de como essa coisa funciona. Mas se por algum acaso você souber de alguma forma… tome cuidado antes de ligar-
Antes que pudesse terminar de falar, um flash de luz cegou seus olhos. Ele deu dois passos perdidos para trás e acabou derrubando o bastão luminoso. Quando tirou as mãos do rosto para olhar, as empunhaduras agora estavam ativas. Duas lâminas púrpuras, de uma natureza parecida com eletricidade, porém com o formato de longas colunas de chamas fracas, os dois sabres iluminaram o ambiente com vigor.
— Eu disse para tomar cuidado!
— E-Eu não sabia! Eu só segurei firme e…
Quando Aurora aparentou sentir remorso, imediatamente a chama dos sabres cessou, e a única luz restante foi a do bastão luminoso que rolava lentamente em direção à escuridão.
— Bem, você tem que tomar cuidado com essa coisa. Isso é totalmente carregado com energia branca, e isso não pode, de forma alguma, entrar em contato nem comigo e nem com o Elandor. Eu não sei o efeito que isso daria em nós, mas todos os humanos que tiveram contato com essa praga acabaram viciados nela e se tornaram aqueles zumbis esquisitos do mundo lá embaixo…
Sentindo culpa, Aurora concordou com a cabeça e continuou o seguindo quieta.
Após Adrien recuperar o bastão de luz caído no chão, os dois percorreram todo o caminho para sair daquela sala escura. Adrien claramente não era o tipo de pessoa mais falante, por isso os dois permaneceram calados. Isso acabava deixando Aurora um tanto nervosa, estava com as mãos apertando o tecido de sua saia, que era conectada aos quadris. Fazia isso enquanto olhava para baixo.
Os dois estavam quase chegando até a saída quando Adrien finalmente decidiu quebrar o gelo.
— Aurora… — ele parou e caminhar, se virando para ela de um jeito mais tímido e uma voz mais contida.
— Sim? — ela estava nervosa perto dele como sempre, o que era meio estranho.
— Você… — ele ergueu o olhar, encarando-a de um jeito penetrante. — Me ama?
Os dois se encararam com aquela pergunta esquisita e completamente repentina. Adrien ajeitou a própria postura para demonstrar um ar de confiança. Aurora deu um passo para trás, hesitante e lentamente ficando desesperada. Seu corpo tremia quase como se estivesse sendo assediada.
— Mas que tipo de pergunta é essa?! — sussurrou uma voz com indignação, por trás da porta de metal.
Eram Atlas e Lyra, bisbilhotando a conversa dos dois por fora da sala.
— Mas assim do nada? O que ele está pensando? — ponderou Lyra, compartilhando da mesma indignação que Atlas.
Aurora pensou por um instante, parou de tremer e olhou para ele. Ainda bem tímida.
— Eu… sim.
Na mesma hora, Adrien abriu um sorriso petulante, se aproximando um pouco mais de Aurora.
— Que porra ela está pensando?! Eles acabaram de se conhecer! — Atlas berrou alto demais, com indignação. Lyra teve que tapar sua boca. Por sorte, provavelmente Adrien não teria ouvido.
— Shh! — Lyra o repreendeu. — Talvez ela só tenha dito por medo…
Adrien estendeu a mão para segurar na cintura de Aurora, mas ela se afastou com um pouco de urgência. Ele praticamente gelou na hora, percebendo que ela talvez não estava no mesmo clima que ele.
— Bem… deixa pra lá. Já confirmei o que eu queria saber mesmo.
Percebendo que os dois estavam prestes a sair da sala, Lyra e Atlas se apressaram para voltar ao elevador. Correram pela ponte e praticamente se jogaram lá dentro.
Atlas estava prestes a apertar o botão para subir, quando Lyra o impediu.
— Vamos ficar aqui! Se não Adrien vai ver o elevador subindo e descobrir que alguém estava aqui embaixo…
Ela o puxou para perto dela, impedindo-o de fazer alguma coisa por instinto. Atlas não fazia esforço nenhum para se conter, ia contra seu próprio sistema. “Ser teimoso” era algo quase que programado.
Quando finalmente se acalmou, Lyra o soltou e ele se recostou ao fundo do elevador de braços cruzados. Seus cabelos alaranjados faziam uma sombra pelo rosto, deixando seus olhos azuis mais destacados com a cabeça abaixada.
— Ele deve ter programado ela para ser um brinquedinho que ele possa usar. Ela por padrão deveria adorar ele… — Atlas deu um chute na parede às suas costas enquanto dizia.
— Para de drama! Você está bem mais incomodado do que deveria. Está com ciúmes dela? Vocês também nem se conheceram direito.
Os dois se encararam com um olhar predatório. Lyra soltou um audível resmungo incontente, e Atlas acabou baixando um pouco a bola.
— Eu também não sei porque as coisas são assim — disse ele, em um tom mais controlado. — Eu só… sinto como se já tivesse visto esse “episódio” acontecer antes.
Antes mesmo que os dois se dessem conta, Aurora e Adrien já estavam abrindo a porta do elevador para voltar à torre. Ao se depararem com os dois parados ali, Adrien banhou-lhes em uma espreita perigosa de suspeita.
— Por que vocês estão aqui?
Aurora não estava surpresa, já tinha ouvido suas vozes há um tempo pela sua audição sobre-humana.
Quase que imediatamente, os dois se posicionaram um do lado do outro no meio do elevador e abriram um grande sorriso amarelo para disfarçar.
— Acabamos de descer! — exclamou Atlas. — Viemos verificar se estava tudo bem, vocês… demoraram um pouco. Sabe, essa parte é bem quente para humanos.
Adrien lentamente deu seus passos para dentro do elevador junto de Aurora, apertou o botão para subir e pôs as mãos à frente da cintura, encarando-os por cima, daquele mesmo jeito arrogante.
Eles ficaram em silêncio por um momento…
— E… quem foi que te contou, lata-velha, que esse lugar seria perigoso para humanos?
Atlas provavelmente engoliria seco se tivesse saliva para engolir.
— Fui eu! — Lyra interveio enquanto Atlas pensava em uma resposta. — Você sabe, preciso cuidar do Elandor… Claro que eu saberia que aquele subsolo era quente demais para vocês ficarem ali.
— Elandor é muito zeloso quanto a sua segurança, Lyra. Ele não te daria permissão para vir aqui nem se ele próprio estivesse em perigo. Nenhum de nós quatro tem permissão para ir até lá.
— Então por que você foi? — interveio Atlas, quando teve a chance.
— Uma exceção, é claro.
— Se você, que é quem mais corre riscos entre nós, pode abrir exceções sem consultar o Elandor, então acho que é justo que seus seguranças também possam abrir uma exceção para tomar conta do filho irresponsável que ele tem.
Após o argumento, a discussão ficou silenciosa. Lyra e Aurora estavam contidas nos cantos do elevador, esperando que chegassem à torre logo. Atlas e Adrien se encaravam como dois cachorros separados apenas por um portão semi-aberto.
Adrien abriu a boca para dizer alguma coisa, mas foi ocultado pelo som das portas do elevador se abrindo ao chegarem ao térreo. Ele espiou por cima dos ombros, e voltou a olhá-los de um jeito mais calmo.
— Assunto encerrado. Aproveitando que você está aqui, eu quero que vocês façam uma outra coisa para mim.
Sendo assim, Adrien guiou todos para o topo da torre. Permaneceram calados o caminho todo, e Atlas estava sempre bem perto de Aurora, como se estivesse tentando protegê-la de qualquer perigo que Adrien pudesse oferecer. Mesmo não tendo exatamente intenção de atacá-lo.
Chegando no topo da torre, a sala de estar que Elandor costumava ficar. Com um grande sofá vermelho cercando uma mesa de vidro extensa. Em uma estante ao lado de uma das poltronas, havia um toca discos dourado. Um pouco à frente, um grande telão conectado à parede. Um tapete branco e dourado abaixo da mesa de vidro. Tudo isso cercado por dois degraus de escadas que levavam até as vidraças, que davam visão a boa parte da capital de Douceur Voile.
De frente para a vista, Adrien começou a explicar os planos que tinha para eles.
— Veem aquela esfera? — ele apontou para o Andriene, o globo do festival de Adrien. — Está sendo construída… para comemorarem o meu aniversário. Se chama Andriene.
— Que nome ridículo — comentou Atlas para as outras duas, pensando que estava sendo discreto.
— É, também acho — Adrien respondeu, finalmente concordaram em alguma coisa. — Mas o ponto é que isso vai ser um tumulto. Ainda mais com o fato de que eu sempre vou ser a estrela principal daquele evento, fazer discursos na frente deles... ter que ver um bando de engrenagens soltas celebrando por mim não é exatamente uma sensação que eu gostaria de ter.
— Nós vamos explodir aquela coisa?! — exclamou Atlas, seus punhos cerrados com excitação.
— Não é uma má ideia, mas Elandor não gostaria nada disso. Eu quero que vocês arranquem uma substância necessária para fazer aquela coisa funcionar… vocês vão fazer um assalto por mim.
Lyra ficou meio atordoada com a ideia de fazer um assalto. Isso nunca aconteceu antes em Douceur Voile pela inocência e harmonia entre os androides de lá.
— Por mim tudo bem — concordou Aurora, sem hesitar. Atlas sorriu de canto para ela. — Como podemos fazer isso?
— Não faço ideia, por isso vocês vão ter que se virar. A coisa da qual estou falando se chama “éter”. É uma substância extremamente radioativa. É resumidamente um super-combustível. Sem esse éter, terminar a construção do Andriene não vai adiantar de nada, e eles vão ter que atrasar o festival até conseguirem mais cargas de éter. É uma matéria extremamente difícil de fabricar.
“Esse éter tem uma aparência… brilhante. Provavelmente vai estar separado em frascos pequenos, ele não pode se misturar em grandes quantidades para não entrar em estado ativo. Procurem por pequenos frascos com o líquido mais amarelo, brilhante e bem protegido que vocês encontrarem lá. Não acho que deva ter uma segurança muito grande, até porque…”
— Até porque ninguém nunca cometeu um assalto antes! — vociferou Lyra, estava segurando a raiva desde que começaram a falar sobre o assunto. — Vocês querem manchar a nossa história?! Os androides mais puros que existem, o verdadeiro paraíso na Terra?! Não posso permitir uma coisa dessas.
— Quero ver como você vai nos impedir — disse Aurora, com uma pontada de arrogância na voz.
Lyra olhou para ela, intimidada e também preocupada com sua irmã.
— Aurora…? Você… vai só escutar ele assim? Isso é um absurdo! O nosso paraíso… não pode haver esse tipo de coisa em um paraíso…
— Você não está em um paraíso. Nunca esteve. Esse não é o verdadeiro paraíso.
— Do que é que você tá falando?! — Aurora deu as costas para ela, caminhando apressadamente para os corredores. Atlas apressou-se para acompanhá-la, também não dando ouvidos ao que Lyra dizia. — Esse é o paraíso dos androides… você não pode manchar esse nome desse jeito!
— É verdade… pode até ser o “paraíso” dos androides. — Aurora olhou para ela, por cima dos ombros, com frieza. — O problema é que diferente de vocês, eu não sou uma androide.
Atlas não entendeu o que a frase significava, mas ainda assim seguia Aurora com grande admiração. Lyra continuava decepcionada, sentindo pura compaixão por sua irmã, não conseguia ficar irritada com ela. Por isso, decidiu segui-los por um tempo…
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6 de junho, 3222. Saint Arc.
No fim, Lyra acabou os levando para o Saint Arc. Eram estruturas similares a arcos na capital, conectadas a vários grandes prédios ao redor. Vários anéis em formato de arcos erguidos, passando um dentro do outro e criando uma estrutura extremamente sofisticada bem no alto da cidade. Os três estavam no topo desses anéis chamados de Saint Arc, onde teriam visão total do Andriene e de sua estrutura inacabada. Havia corrimões cercando os anéis, pois vários androides passavam tempo ali para receberem uma espécie de sorte celestial. Aquele lugar também servia como uma bela passarela.
— O que são aqueles hologramas no topo da esfera? — perguntou Aurora, finalmente mostrando interesse em algum assunto.
— Oh! — Lyra já havia esquecido a discussão de antes. — Não são hologramas comuns. É como uma planta da estrutura original quando for construída!
O globo estava em construção, o progresso era um pouco superior a 50%. O topo do globo, onde ainda estava em construção, tinha um grande buraco faltando, obviamente. No entanto, a cratera era preenchida por hologramas azuis escuros que completavam perfeitamente a construção, mostrando uma imagem de como seria quando estivesse completa.
— São hologramas feitos de energia de safira!
— Adrien disse que meu core era de ametista… — disse Aurora, olhando para o próprio peito, onde havia um brilho rosado.
— Exatamente! Vou te explicar; quando algum minério é diluído na energia branca, ele mudará a propriedade dela. Não sabemos exatamente o motivo dessa reação acontecer, mas diferentes minérios causam diferentes reações. Safira por exemplo, transformará a energia branca em algo meio… “elástico”. Você pode criar moldes holográficos com ela, e moldá-la como se fosse uma massinha. Esses hologramas são elásticos como se fossem uma tela flexível! Você não pode atravessá-los com a mão, e se fazer pressão ele vai afundar como um pano. Quanto mais pressão fizer a ele, a energia obterá carga e ele lançará a pressão de volta em você. Por isso fazem os moldes das construções com hologramas de safira! Não dá para atravessar, e são moldáveis para qualquer forma que você inserir.
— Meu core é de diamente. Então minha energia… deixou de ser energia e se tornou algo sólido, tipo um cristal — acrescentou Atlas, orgulhoso.
— E o que a ametista faz? — questionou Aurora, ansiosa pela resposta.
— Bem… ela não é exatamente… ideal para ser usada em um androide. A energia de ametista apenas é mais veloz, queima com mais velocidade e é mais impulsiva. Normalmente usam em veículos, como carros e trens. Faz eles andarem mais rápido. A ametista em androides dá o mesmo efeito… só faz eles serem um pouco mais rápidos.
A excitação de Aurora desapareceu conforme Lyra jogava em sua cara que sua energia era inútil. Ela olhou para baixo, cabisbaixa e insegura.
— E-Ei! Mas sabe… — Atlas colocou um braço ao redor do pescoço de Aurora, puxando-a para perto. — Desde que você apareceu, você está sendo incrível. Sua agilidade é assustadora…
— Isso é verdade! — afirmou Lyra. — Você é rápida demais até para um androide com núcleo de ametista. Eu nunca na vida vi alguém se mover tão rápido quanto você se move!
— Tanto faz. — Aurora logo cortou a onda. — Vamos focar no que interessa, como entramos naquela coisa?
Os três começaram a analisar dali de cima. Na entrada do Andriene, havia uma marcação que mostrava o caminho que os transportadores deveriam percorrer. De dois em dois, os androides entravam e saíam carregando grandes caixas de metal um de cada lado.
— O que são aquelas caixas? — perguntou Atlas, se pendurando no corrimão para ver mais longe.
— São caixas florescentes. Você coloca uma caixa dessas no lugar da marcação dela, e ela se abrirá em várias camadas no chão ou na parede até criar uma parte da estrutura. Todo o Andriene é basicamente feito de caixas que abrem como se fossem flores.
— Talvez, se sequestramos um deles, ele pode nos dizer exatamente onde guardam o tal do éter… — sugeriu Aurora, maleficamente. Atlas não perdeu tempo e começou a analisar informações sobre cada um dos androides que passava por ali. Aos seus olhos, um gráfico mostrando as informações de cada pequeno alvo abaixo estavam sendo exibidas…
Atlas foi citando nome por nome de cada um dos androides, e Lyra acabou tomando um leve susto com um daqueles nomes…
— O quê? Qual foi esse último?
— OutRigels?
— Não esse! Esse daí é o irmão chato do OutVegha. O outro!
— WW - Aether?
— Isso! WW… esse androide não é de Douceur Voile!
— Como assim? — perguntou Aurora, perdida na conversa.
— Agora que você falou, eu notei também… WW é a marcação do juiz William Whitman, não é? Esse cara veio de Fortis Pelagos…
— Como raios ele chegou em Douceur?!
Os três ativaram o modo foco de som, direcionando suas percepções sonoras para apenas uma direção… eles podiam ouvir as conversas que vinham daquele lugar claramente.
Aether e outro androide carregavam caixas mais uma vez. Aether tinha uma expressão de cansaço misturado com tédio enquanto fazia o seu trabalho.
— A gente está o dia inteiro nisso… — murmurou Aether, entredentes. — Não dá para fazer uma pausa?
— Você pode parar se você quiser, ninguém é obrigado a fazer isso. Mas… — o androide se aproximou um pouco de Aether, para cochichar no ouvido dele. — Não era você quem queria impressionar a Capitã Celeste?
— Não tô nem aí pra isso mais. — Aether soltou a caixa de qualquer jeito, quase fazendo o outro androide cair com o peso dela sozinho. — Eu não vou me esforçar pra construir a bosta de um palco de governantes que não fazem merda nenhuma. Sabe o que eu acho? Que todos vocês são um bando de idiotas inocentes demais. Vivem nesse conforto de paraíso, mas nenhum de vocês tem coragem de ir lá embaixo ver como está o mundo que vocês abandonaram! Seus merdas.
Ele deu as costas para o seu companheiro, arrastando os pés.
— Nossa… — ele estava tentando aguentar o peso da caixa sozinho. — Você fala e fala de nós, mas e você? Já viu como é o mundo lá embaixo então?
Com isso, Aether parou de andar. Olhou para trás, e mostrou para aquele androide talvez o olhar mais mortífero que já viu na vida vivendo no paraíso. Para dar um soco nele, só faltava estar mais perto.
— Você não aguentaria um dia lá embaixo… um dia sequer. Você é fraco. — Ele se virou para ele, dando uma última olhada. — Vocês são fracos.
Foram suas últimas palavras antes de dar as costas e seguir seu caminho.
Aurora, Lyra e Atlas observavam, intrigados com aquele indivíduo.
— Pela revolta dele, com certeza ele não é de Douceur mesmo — comentou Atlas, cruzando os braços.
— Você viu como ele odeia o Andriene? — perguntou Aurora, com um pouco de indignação. Como se alguém não gostar de Adrien fosse um insulto para ela. — Enfim… ele pode nos ajudar com essa coisa toda. Certeza que ele não hesitaria em nos dizer onde está o éter para atrapalhar os esquemas da construção.
— É verdade. Mas nós ainda não sabemos como entrar.
— Por ali!
Lyra apontou para a cidade abaixo, ao lado do Andriene. Havia um túnel coberto por vidro no subsolo, era um túnel de trem. Os trens passavam por ali em uma velocidade absurda, cobertos por uma energia rosada. Provavelmente da ametista.
— Aqueles trens levam para baixo do Andriene. Eles fazem algum tipo de coisa lá embaixo, mas eu não faço ideia do que seja… vocês podem pegar o trem a noite, quando estiver vazio, e entrar lá!
— É um bom plano. — Aurora sorriu para sua irmã, gentilmente.
— Então, vamos esperar anoitecer…
Para passar o tempo, Lyra acabou levando os dois para conhecerem uma das maiores atrações de Douceur Voile: As gaiolas de pescas. Eram grandes estruturas esféricas, similares ao Andriene, porém totalmente feitas de painéis de vidros com algumas estacas de ferro. Lá dentro havia uma água amarelada, energia líquida. Com vários peixes artificiais nadando por ali na esperança de serem capturados.
Na beira da água, dentro das grandes gaiolas, havia uma multidão de androides. Como se fosse uma grande praia. Eles pescavam tanto com varas, quanto com redes, ou nadando para capturá-los. A caça de peixes por meio da natação era o esporte mais adorado da região. Arpões eram proíbidos.
— Lembra quando eu te disse que a habilidade de caçar os besouros serviria para pescar? Você pode ser uma grande atleta! O que você fez é extremamente similar aqui. Os peixes são tão rápidos quanto o meu besourinho.
— Zero interesse em me molhar — cortou Aurora, francamente.
— Oh…
Por outro lado, Atlas se jogou na água como se nunca tivesse visto uma lagoa na vida. As outras duas pegaram as varas e pescaram do jeito mais calmo e tradicional.
Após algumas longas horas pegando peixes, com Aurora não tendo quase nenhuma diversão, ao contrário de Lyra que gritava como uma trombeta a cada peixe que fisgava o seu anzol. Já estavam no meio da noite, e Aurora já estava cansada de ter passado o dia inteiro sentada com uma vara de pescar na mão.
— Por que exatamente… vocês amam tanto fazer isso?
— É cultural! E por ser cultural, está no nosso sistema ter total interesse nesse tipo de atividade.
— Cultural? Pescar?
— Hum-hum! Nosso querido paraíso foi fundado por um androide comum lá do mundo de baixo. Ele trabalhava como pescador para os seus humanos, no ínicio do apocalipse. Por algum motivo, os superiores aqui de Douceur proibiram que a história dele fosse exibida para os civis… então não fazemos ideia do que aconteceu com os humanos dele ou como ele fez para conquistar Douceur! Mas por ele ser um pescador nato, isso se tornou parte da nossa cultura.
— Proibiram… por quê?
— Não faço ideia! — Lyra dizia isso da forma mais autêntica e inocente possível. Até mesmo Atlas desconfiou… até se lembrar de uma coisa.
— Androides em sua programação tem um sistema de segurança contra certas informações… não temos menor interesse no que é proibido de fábrica, e tratamos esse tipo de censura com naturalidade, pois é a nossa natureza. Lyra não é capaz de perceber que há uma informação importante sendo ocultada dela…
— Exatamente! — afirmou Lyra, muito contente. Dava a impressão de que ela era muito burra, mas era apenas como ela funcionava.
Após digerirem bem o assunto e expressar o máximo de empatia por Lyra, os três voltaram ao plano original.
— Vocês vão ir atrás do Aether agora, não vão? — questionou Lyra, observando as estrelas radiantes no céu.
— Sim. Você se lembra em qual residência ele estava registrado, Atlas?
— Bem no Saint Arc. Ele morava embaixo de onde estávamos pisando antes.
O Saint Arc também é uma estrutura residencial. Por dentro dos arcos, havia uma fileira de moradias com uma vista incrivelmente bela. Aether vivia em uma dessas moradias.
— Então para lá nós voltaremos agora.
Enquanto os Atlas e Aurora partiam da gaiola de pesca, Lyra os olhava de um jeito hesitante. Suas pernas juntas e suas mãos apertando uma a outra.
— Vocês… precisam mesmo fazer isso?
Nenhum dos dois respondeu, apenas continuaram seguindo juntos. Lyra estava com lágrimas de óleo nos olhos.
— Eu… vou ficar aqui, tá bom? Esperando vocês… não quero participar disso. Eu…
De repente, Atlas parou.
— Duvido você pegar um peixe maior do que o meu enquanto nós estivermos lá. Você vai ficar pescando, não vai?
— Eu… vou sim…
— Você vai conseguir — animou-a Aurora, dando um sorriso doce a ela. — Você tem umas mil qualidades, sabia? E a melhor delas é ser a androide mais otimista que eu conheço. Nós vamos conseguir, por você, irmãzinha.
Os olhinhos cabisbaixos de Lyra brilharam com emoção.
— C-Certo! Eu juro pra vocês que vou conseguir!
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6 de junho, 3222. Residências de Saint Arc, meia-noite.
Aether estava sentado em sua cama, observando uma foto que estava sobre a estante. Era ele próprio abraçado com alguma androide fêmea. Ela era um pouco mais alta que ele, e usava um tapa-olho. O cenário do retrato era cheio de árvores, parecia uma floresta. Porém, a floresta estava coberta por uma neblina esverdeada… algo meio tóxico.
Aether tinha cabelos castanhos bem claros e olhos amarelos. O brilho em seu peito também era amarelo, o que mostrava que seu core provavelmente era de topázio. O seu corpo era prateado, um modelo bem diferente dos vistos em Douceur.
— Nós ainda vamos… salvar o Ronan, minha querida Celeste… — ele estava prestes a abraçar o retrato, quando ouviu um som estranho vindo da janela.
Sem muita preocupação, ele ignorou o som e voltou a olhar para o retrato. Levantou-o devagar e o trouxe para o seu colo.
— Ainda acho aquela Lemoine mentiu para você… aquela mulher é uma cobra. Mas nós vamos sair dessa juntos, não vamos? — ele ergueu o retrato para mais perto do rosto. — Você vai continuar… nós vamos…
De repente, ouviu uma risada vindo do canto escuro do quarto. Olhou para lá rapidamente, e não viu absolutamente nada. Mas dessa vez ele não ignorou, colocou o retrato na cama, se levantou e foi até o canto… puxou a cortina, e não havia nada ali.
— Eu devo estar… ouvindo coisas. Não é, minha querida Ce-
Ele se virou para olhar para a cama, e viu um indivíduo de cabelos laranjas rindo enquanto olhava para a foto que antes estava na cama.
— Sim, sim, meu amor! — Atlas exclamou, segurando a risada.
— Porra! — Aether quase caiu no chão de susto, segurando-se na cortina. — Quem diabos é você?!
— Sou a personificação da Celeste!
— Como você entrou aqui?! Eu vou chamar a divisão de blindagem!
— Não vai não. — Uma mão de repente o segurou por detrás da cortina, aparecendo ali como se fosse uma assombração. Aurora foi o levando para a cama lentamente, deixando-o sentado ali com uma expressão de terror. — Você vai ficar bem quietinho onde está…
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