Volume 2

Capítulo 174: Convívio Amoroso; Adeus

 

Muitos dias se passaram naquele mundo onde exista apenas Qin Xa e sua mãe. Muitos dias mesmo. 

Qin Xa, agindo como a criança que escolheu ser e decidiu se fazer para satisfazer Liu Qin Xa, correu por aquele prado ilimitado até que suas pernas estivessem exaustas. Se banhou na luz cálida do sol eterno que permanecia brilhando mesmo quando deveria ser noite. Comeu como a princesa que era e dançou como se a vida por alí fosse uma eterna festa.

Sua mãe, por suas próprias razões que ela não compreendia — queria, mas sabia que não deveria perguntar — compartilhou do seu momento enquanto estava constantemente num estado de espírito etéreo. 

Hora estava compartilhando uma refeição, apenas para começar a murmurar suas próprias compreensões sobre o Dao e cair em transe, hora propunha um piquenique para terminar com as duas cobertas de frutas por conta de pequenas desavenças que gerou uma guerra. Quando isso ocorria, Qin Xa aproveitava ao máximo a atenção de sua mãe. 

Porque horas depois ela voltava a cair em transe e começava a refletir sobre o Dao... e sua vida.

Assistir isso rendeu uma pequena teoria para Qin Xa. Pequena, afinal não queria fazer de sua mãe um objeto de experimentos.

Sua teoria era a de quê: A Terra e esse universo tinham "graus" diferentes, por assim dizer. Como se esse mundo fosse inerentemente superior a terra, de uma forma muito mais absurda do que em escala, nível de poder ou presenças sobrenaturais.

Sua teoria se baseava no detalhe de que quanto mais tempo passava, mais "sólida" a presença da mulher se tornava para ela. E sempre acontecia quando Katarina se perdia profundamente em pensamentos. 

Era uma sensação estranha, porque Qin Xa não fazia ideia do que era isso, e nem mesmo sua mãe percebeu. Quando perguntou para a criatura invisível, a resposta que obteve não confirmou nem negou suas reflexões. Porque não houve resposta. 

Aquela pessoa havia sumido. E nem mesmo sua mãe conseguia mais vê-la por perto. 

...

Um dia, Katarina estava sentada no sofá da pequena casa na árvore, olhando para o teto, quando Qin Xa saiu do seu quarto vestindo nada mais que um vestido longo e branco, folgado. Suas pernas esguias estavam à amostra, o que lhe causou certa estranheza. Apesar de estar acostumada a usar vestidos, não tinha costume de expor grandes áreas do corpo quando estava vestida. Na maior parte do tempo suas roupas eram compridas e lhe cobria toda.

O cabelo pesado entregava que ela saiu do banho a pouco tempo.

Ela do jeito mais desleixado possível sentou ao lado de sua mãe, e deitou a cabeça em suas pernas. Isso atraiu um olhar confuso de Katarina, que por um momento hesitou, mas venceu sua resistência e passou a mão nos finos fios verdes que caíam sobre seus joelhos e coxas.

— Você não acha que está velha demais para ficar desse jeito?

— Não... Como uma Prata Branca, meu nível de cultivo também fornece uma vitalidade que garante uma expectativa de vida de pelo menos 500 anos. Numa visão geral das coisas, pode-se dizer que eu nasci ontem. 

A menina fechou os olhos. Sua barriga subindo e descendo a cada respiração. Ela levantou a mão esquerda e cobriu os olhos.

— 500 anos... poderes sobrenaturais... Qi... deuses e demônios. É como se todas as fantasias da Terra se juntassem num mundo só. É difícil acreditar que um lugar desses existe mesmo... — Katarina murmurou.

— Hmm. Parece uma fantasia, mas basta pisar na planta errada e você pode perder a vida... para os fracos, viver aqui é uma tortura. Para os que tem algum talento é uma luta eterna. Para os fortes é um parquinho...

Katarina olhou para baixo, vendo Qin Xa franzir os lábios. Sorriu, passando na sua cabeça e começou a entrançar o cabelo dela. 

— Sabe, para você parece normal viver com seus pensamentos correndo em todas as direções ao mesmo tempo. — Katarina falou. — Eu ouço uma voz dentro de mim gritando alguma coisa. Ela grita por horas e quando eu consigo distinguir o que é, minha mente se desprende da realidade...

Qin Xa não disse nada. Essa descrição não fazia parte da técnica de concentração. Muito menos fazia parte das percepções sobrenaturais dela.

Isso eram as próprias percepções de Katarina. Sua visão do Qi era muito mais mística, com ela vendo as maravilhas e o lado sobrenatural das coisas. 

Era justo que sua forma de cultivar fosse esquisita comparada a Qin Xa, que era prática e via o Qi como pura energia, capaz de dobrar as leis da natureza e modificar a estrutura do mundo.

— Para você parece ser normal se envolver em conflitos para resolver problemas, e eu ouço aquela voz gritando para eu criar um conflito entre a gente. Diz ela que isso vai fortalecer nossos laços... 

— Ou destruir eles de vez para que você foque no avanço da sua vida. — Qin Xa completou sem hesitar. 

— Se na Terra a sociedade forçava as pessoas a seguir um molde, aqui o Dao nos força a construir nosso próprio molde e transformar ele em uma parte de nós que levaremos pelo resto de nossas vidas. 

— O que acontece se eu me recusar a seguir esse instinto?

— Não sei. Mas se o seu caminho em direção a perfeição diz para brigar comigo, em algum lugar dentro da mãe tem razões para isso. Comigo eu posso dizer que só tem uma coisa me corroendo de verdade desde que eu cheguei aqui... Quando eu soube da sua morte eu não conseguia pensar em mais nada naquela época. Era como se eu visse minha vida pelos olhos de outra pessoa.

— Eu sei como é. Eu vivi o suficiente para saber da morte do seu pai, da sua avó, do seu avô. Dos meus irmãos. Só porque não tive a melhor relação com eles não significa que aquilo não doeu em mim, mas eu nunca pensei em fazer o que você fez...

Um movimento curto foi a resposta de Qin Xa, que ainda cobria o rosto.

— Sabia que eu nunca chorei pela sua morte? A minha mãe morreu e durante anos a única coisa que eu nunca fiz foi derramar uma lágrima por você! — franziu os lábios, rouca. Seu peito apertava a cada palavra, assim como os nós de seus dedos.

Talvez pela primeira vez na vida não sabia encontrar palavras e muito menos conseguia continuar essa conversa. Era ridículo que no único momento em que sua boca precisava se mexer, ela não tinha o que falar, mesmo quando queria.

— Eu sinto que sou o pior filho do mundo...!

Katarina não parou de acariciar sua cabeça. Logo os soluços começaram a ecoar pela sala. No silêncio, observou com um leve sorriso nos lábios. 

Qin Xa não viu aquilo, e mesmo que visse não mudaria nada.

— E daí? Eu nunca gostei de ver meu filho chorando e não vai ser com a minha morte que eu quero que você faça isso. — Katarina tirou a mão que estava sobre o rosto da garota e beliscou seu nariz.

— A sua mãe sou, e sou eu que digo se você é ou não uma boa filha. E você é maravilhosa. Mesmo que você diga que não, eu nunca vou esquecer que foi você que cuidou da nossa família. Não vou esquecer que eu cuidei e te dei amor desde o dia que você nasceu, mesmo quando você era uma peste que me fazia raiva o dia todo. 

Qin Xa respondeu com silêncio, sem conseguir respirar baixo. Olhou no rosto de sua mãe, enquanto a mesma sorria e lhe dava um peteleco na testa.

— Então pare de chorar, e não esqueça de que eu disse que você é o melhor filho do mundo. Bem, agora é a melhor "filha"... Quem é você para passar por cima da minha palavra? 

Mais uma vez a resposta foi o silêncio. 

Katarina, assim como há alguns minutos atrás, voltou a olhar para o teto. Não estava em transe, mas estava pensando em algo.

— Você disse que o motivo de você está aqui é um teste, não é?

Qin Xa grunhiu.

— Apenas me disceram que eu iria me encontrar com você e poderiamos ficar juntas nesse mundo, sem ninguém para atrapalhar seu reencontro comigo. Até quando você pretende ficar aqui, Qin Xa? Acho que chegou a hora...

— De eu ir embora? — sinceramente não havia negação em seu tom. Por mais que ela quisesse passar muito mais tempo nesse mundo. — Mas você disse que tínhamos um tempo indeterminado. Eu não quero me separar de você de novo.

Qin Xa se levantou do colo de sua mãe, passando as mãos nas bochechas. Katarina, a encarou com aqueles olhos castanhos, num olhar tão certeiro quanto confuso.

Certa de que essa era a ação correta a se tomar.

Confusa com toda a situação em que se encontrava, confusa com o desenrolar que o futuro aguardava. Confusa com a voz que gritava dentro da sua mente para encerrar esse reencontro de uma vez por todas.

Para começo de conversa, nem para ela nem para Qin Xa esse era o desenvolvimento correto das coisas. Mas aconteceu, e estava na hora de parar de acontecer. 

— Sim, o tempo que podemos ficar aqui não tem um limite. Mas como sua mãe eu não quero isso para você, mesmo que seja a sua vontade. Você tem uma nova vida, conhece novas pessoas e sabe novas coisas que em sua vida passada nunca sonhou em entender... Se eu deixasse que você ficasse aqui seria o mesmo que tirar sua vida de você. 

Um riso gentil lhe escapou ao completar essas palavras, as rugas de sua pele flácida por conta da idade se curvando para completar a pintura do seu sorriso. 

Pegou as mãos de Qin Xa, respirou fundo, e falou com confiança:

— Eu sou sua mãe, é claro que eu não quero que você viva uma vida tão sem sentido apenas para te manter perto de mim. Eu quero que você seja feliz vivendo a "sua" vida. A vida de 500 anos que você diz que terá, e que poderá ser de milhares se você usar seus talentos com sabedoria. Mas que vida você teria se ficasse aqui comigo? Eu já estou morta, é seu dever como meu filho ou filha, superar isso e viver mais feliz do que eu vivi. É o dever dos filhos herdar o legado dos pais e ser melhor que eles. 

No final, tudo sempre se tratou da felicidade. Qin Xa podia estar satisfeita de encontrar sua mãe e viver com ela. Mas ela seria feliz com apenas isso?

Talvez... Qin Xa não era uma pessoa de natureza gananciosa. Pelo contrário, o que possuía era o suficiente para satisfazê-la desde que fosse confortável. Ela era preguiçosa, isso sim.

Mas era possível ser feliz vivendo nesse mundo vazio por vários anos? Apenas ela e sua mãe? Isso era realmente a felicidade que ela queria encontrar, ou era a realidade desse sentimento nojento que dizia que isso era uma fuga do mundo real?

Valia a pena ser "feliz" nesse lugar, sendo que lá fora havia um mundo que ela desejava explorar, e um mundo que sua mãe merecia aproveitar sem viver com o peso de tê-la como um saco inútil?

Isso não era vida. 

Mas existia outra razão para que a mãe de Qin Xa não quisesse que as duas ficassem juntas. Pelo menos por agora. 

— Além disso, os mortos e os vivos não devem ficar juntos. E mesmo que eu não entenda como, me disseram que minha ressurreição não está completa. Eu só pude me encontrar com você porque existiam poderes maiores por trás disso tudo. Eles quiseram nosso encontro por suas próprias razões também... 

Qin Xa finalmente se lembrou — porque escolheu esquecer — que existiam poderes aterrorizantes. Ou melhor, um bando de gente poderosa demais e que queria ainda mais poder. De animais fantásticos à deuses fanáticos que queriam o extermínio de raças.

A mulher na poltrona foi capaz de mandar sua alma para esse corpo, e além disso, disse que existiam pessoas muito mais fortes do que ela. Só que no seu segundo encontro ela disse que era onipotente. E mesmo assim disse que havia seres mais poderosos?

O quanto sua vida estava sendo manipulada por essas coisas desde que ela nasceu... ou até mesmo antes disso? 

"Poderes maiores... Se eu chegar no nível deles, eu não vou poder me reunir com minha mãe no futuro? Se aquela mulher pode manipular universos inteiros, eu também não poderia fazer isso?"

— Quem são esses poderes e o que eles querem? — Qin Xa finalmente tinha algo em mente, e retribuiu o gesto de sua mãe ao segurar suas mãos. 

O mundo não era tão simples quanto sempre pareceu na visão dela. Ou talvez ela mesma tenha escolhido ver somente a simplicidade e as coisas mais leves do mundo. 

Se aquela mulher lhe reencarnou, existia uma razão para isso. Mesmo que ela dissesse o contrário. 

— Bem, eu também não sei. — Katarina balançou a cabeça. Só que Qin Xa franziu os lábios. Mais uma vez sentiu que a verdade não era tão certa assim. Sua mãe estava mentindo.

— E mesmo que eu soubesse, de que adiantaria falar para você? Não tem motivo para você pensar nisso, nem precisa se preocupar comigo. Se a garota que me trouxe a esse mundo estiver falando a verdade, então eu estou no lugar mais seguro do mundo.

"Eu sou fraca... mas diferente da mentira dela não saber quem são os poderes que estão monitorando nossas ações, ela está muito feliz ao falar dessa garota. Mas... quem é ela?"

De repente Katarina deu-lhe um peteleco na testa, lhe tirando as reflexões e o silêncio. 

— Quando for a hora certa nos vamos nos reencontrar... — mentira.

— Então você nem pense em sacrificar o seu jeito de viver para buscar poder como fez na sua vida passada. Um dos meus maiores arrependimentos ao morrer foi ter que ver você trabalhar como um escravo, dizendo que era por mim. Eu só quero que você viva a sua vida, por você e para você. Seja o filho ruim que você diz ser e pare de me amar tanto. 

Qin Xa sentiu sua garganta apertar com essas palavras. Mas um sorriso conseguiu escapar de algum jeito, mesmo que o que sua mãe dissesse não fosse uma piada. 

— Tudo bem. Eu serei uma mulher maldosa, ingrata e ganaciosa a partir de agora.

— Não foi isso que eu mandei você ser- — um abraço apertado calou Katarina, que deu tapinhas nas costas pequenas da garota, e um beijo na sua bochecha.

— Mãe, obrigado por tudo o que você fez por mim durante todas as suas duas vidas. Você é a melhor mãe do mundo.

Katarina abriu um sorriso, enquanto seus olhos se tornavam tão molhados quanto os de sua filha. Estava preparada para ouvir isso mais uma vez — visto que seu filho nunca foi alguém de medir elogios e gratidão. 

Só que ouvir isso mais uma vez foi... diferente. Essas foram as palavras que mais lhe trouxe felicidade durante toda a sua vida e morte.

— Não tem o que agradecer, eu sou a sua mãe.

Qin Xa a soltou. Respirou fundo e se preparou para dizer as palavras que guardou durante muito tempo. Talvez até tempo demais.

— Adeus, Mãe!

Com um sorriso no rosto, Qin Xa finalmente sentiu que se livrou de todos os seus ressentimentos que trouxe da vida passada. 

Na sua frente estava a pessoa que ela deu tudo de si antigamente, mas não pôde agradecer ou dizer adeus durante muito tempo. Porém, enfim aconteceu.

— Adeus, minha filha. Que você seja feliz em sua nova vida. Além disso, não dê tanta importância a morte, ela não é sua inimiga ou sua aliada. A morte não passa de um lembrete de que tudo nesse mundo tem um fim.

O mundo ao redor se desvaneceu numa miríade de cores e clarões intensos, enquanto a melodia cativante de uma música encheu seus ouvidos.

Qin Xa abriu os olhos depois de muito tempo. O que se apresentou diante de seus olhos lhe deixou atordoada. 

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