Volume 2
Capítulo 170: Convívio Amoroso; Simples e Único
Katarina pensou por alguns segundos... encarou Qin Xa, que de algum jeito parecia medir suas palavras, e franziu a testa.
— Você jogava pedras no cemitério?
— Eu não! — levantou as mãos, seus grandes olhos parecendo inocentes, mas querendo esconder uma repressão silenciosa por falar demais.
— E que exemplo foi esse? Você não podia comparar com algo mais normal? — Katarina não poderia revelar o que sabia para sua filha.
Essa era a cruz que ela carregaria sozinha, e fará sem pensar.
Então, por agora, irá fazer os desejos de sua querida e agir como a mãe amada que ela tanto desejou...
Katarina não tinha poder para salvar Qin Xa de seu futuro... mas tinha a capacidade de fazer seu presente ser feliz. E para ela, mesmo que isso não fosse nem de longe o suficiente — seria o que ela faria de todo o coração.
— O que importa é a mensagem, não a forma como eu falo. — Qin Xa fez bico, estalou os dedos, e martelou a palma da mão numa cena caricata.
— Sim! Assim, mãe, por quanto tempo você cultivou?
— Nunca fui agricultora.
— Isso não... espera! — Qin Xa encarou sua mãe intensamente, franzindo os lábios. — Mãe, que língua você fala?
Katarina se preocupou. Apertou o lençol que cobria suas pernas e falou com cautela: — Português? Por quê?
— Impossível. Esse mundo não permite que nenhuma língua seja falada além da que já existe. Por que a mãe está falando num idioma que nem deveria existir nesse mundo?
Sua filha perdeu o ar de brincadeira que carregava e pareceu pensar nisso com seriedade, enquanto Katarina guardou seu suspiro que não saiu.
— Desde que eu cheguei nesse mundo que eu falo português... mas a garota que me trouxe me deu o poder de entender o que os outros falavam. Esse mundo é muito conveniente... ou era apenas ela que era muito poderosa?
Qin Xa não se demorou em pensar em suas dúvidas, respondendo sua mãe com naturalidade. — É esse mundo que é conveniente. Se existissem muitos idiomas, a coisa mais fácil que teria seria aprender todos eles. Essa é provavelmente uma técnica de ilusão que faz com que a senhora entenda o que as pessoas falam com base nas ondas de Qi delas ao falarem. É um tradutor automático que funciona independente da sua vontade. Não é difícil de fazer, se entender como o Dao das Ilusões funciona. Mas é bem poderoso... se não fosse a senhora falar sobre "agricultura" quando ouviu "cultivo" eu não teria percebido.
Ao lado da cama, a garota que estava invisível para os olhos de Qin Xa rebateu, apenas para Katarina ouvir:
"Eu não fiz essa técnica muito poderosa, mas a ***** ainda é fraca demais para perceber que está em uma ilusão com base apenas em uma palavra, *****. Ela é uma gênia!"
— Aquela garota disse que você é uma gênia por perceber que eu tenho essa coisa.
Qin Xa juntou as sobrancelhas numa expressão confusa.
— Não precisa ser um gênio para perceber isso. Só precisa conhecer os dois idiomas e fazer uma pequena relação entre as palavras. Se não fosse o bloqueio de inteligência que tem nesse mundo, eu teria percebido assim que falei com você.
A garota no canto pareceu se atentar à essas palavras e Katarina também.
— As pessoas desse mundo são burras?
— Não é para tanto. — Qin Xa sacudiu as mãos, respirando fundo, e tentando disfarçar. — Mas aqui você não pode pensar em coisas maiores do que você. Tipo: Um ferreiro que não tem nenhum cultivo nunca poderia pensar em construir uma arma capaz de destruir um país inteiro, apesar dele ter essa capacidade.
— Por que você pensou em algo tão horrível? — Katarina franziu as sobrancelhas e Qin Xa sorriu. — Eu também tenho esse bloqueio de inteligência. É uma herança genética que mais parece uma maldição, então na maior parte do tempo meus pensamentos são guiados para pensar: ou em coisas muito poderosas, ou em coisas muito perigosas. É como se o universo batesse na cabeça das pessoas toda vez que seus pensamentos se desviam de buscar por seus objetivos. E eu herdei isso da minha família.
— Então... isso não deixa as pessoas loucas?
Uma coisa era herdar uma herança capaz de torná-la muito mais focada. Outra coisa era herdar uma maldição que estava constantemente forçando seus pensamentos a irem em direção de tudo aquilo que você desejava.
E mesmo que não desejasse, desde que sua família tivesse desejo por algo, você herdaria aquilo também.
Enlouquecidor... verdadeiramente enlouquecedor.
— Talvez. Nunca vi ninguém insano o suficiente por causa disso. Mas eles devem monitorar seus pensamentos assim como eu. As vezes as coisas se tornam bem violentas na minha cabeça.
"*****, ela é realmente uma gênia. Eu demorei 15 anos para perceber isso, e olhe que eu sou incrível!"
A garota bateu palmas, dando pulos alegres e correndo para sentar-se na beirada da cama, perto de Qin Xa e ao lado das pernas de Katarina, que não conseguiu evitar um sorriso ambíguo.
"*****, diz para ela falar mais sobre o cultivo! Ela é tão boa nisso que você pode ficar muito forte apenas ouvindo sobre o que ela aprendeu. Esse mundo pode ter muitos defeitos, mas ele não é mesquinho quando se trata de fazer gênios parecerem maiores do que precisam!"
Katarina tentou levantar, mas a mão de Qin Xa chegou em seu ombro rápido demais.
— O que foi? Eu vou ver como está aquela torta...
— Não! O desvio de Qi que a mãe teve pode acontecer de novo se a mãe não ficar quieta. Eu sei onde estão todos os seus meridianos, mas eu não tenho a capacidade de selar eles e fazer o Qi parar de se mover. Imagine que você acabou de passar por uma cirurgia e os pontos foram feitos usando macarrão molhado. Eu olho a torta.
Qin Xa levantou, encarando sua mãe sem demonstrar seu sorriso estúpido de sempre, o que só fez Katarina ter que deitar-se quietamente e estalar a língua.
— Você acha que eu quero ficar deitada numa cama depois de fazer isso todo dia por mais de 3 anos?
Qin Xa abriu e fechou a boca, procurando palavras e não as encontrando de imediato. Então ela só pôde abaixar os olhos — Katarina sentiu um nó na garganta por ver aquele mesmo olhar que Elan tinha — era o olhar de quem se sentia impotente demais para fazer alguma coisa, apesar de querer ajudar com todas as forças.
Ela quis falar algo, mas...
— Se eu pudesse usar meu Qi nesse lugar eu podia ajudar a mãe a se recuperar. Mas como aqui eu tenho só uma parte da minha mente, só posso usar o poder da minha mente para comandar o Qi. Eu tenho o poder de ajudar você... só não está comigo agora. Mas não se preocupe, em umas 10 horas a senhora vai poder se levantar, ficar deitada é apenas porque o Qi entra mais rápido no corpo quando você se move.
— Não se preocupe, — Katarina sorriu, levantando a mão para alisar o cabelo de Qin Xa. Era realmente um cabelo muito bom de tocar. — eu só não entendo como que essa magia funciona.
— Não é magia, se chama Cultivação.
— E qual a diferença? Vi alguém fazer fogo do nada, é magia.
Qin Xa pensou um pouco, vendo seus cabelos serem alisados. — Na cultivação o artista marcial busca a melhor e mais perfeita versão de si mesmo através da compreensão do seu coração e do Dao. E não se chama magia, acho que isso é mais importante. Nesse mundo não existe magia.
*****
Qin Xa deixou sua mãe deitada naquela cama estranhamente fofa demais, e foi para a cozinha, encontrando a torta ainda assando no forno — exalando um cheiro tão suntuoso que mesmo não estando com fome, seu estômago apertou.
— Hee, — desligou o forno e tirou a torta de lá, com um sorriso alegre e um brilho no olhar.— parece até que você sabe que vai ser comida e ficou cheirosa desse jeito, só para me deixar mais feliz!
Já que voltou a ter sentidos de mortais, Qin Xa resolveu aproveitar cada segundo dessa experiência. Mesmo que no fundo de sua mente não conseguisse se livrar da sensação incômoda de que era errado estar nesse lugar.
Não que sentisse que aqui fosse perigoso, mas não era seu costume ignorar a realidade.
E querendo ou não, essas sensações, esse encontro, todo o mundo que estava do outro lado da janela redonda pendurada na parede — era uma ilusão.
Isso não era seu corpo, esse estava no Pavilhão das Flores Sorridentes à sabe-se lá quantos dias.
— Fujir de lutar é minha natureza... — murmurou, começando a cortar a torta para pôr em dois pratos de vidro, que a fazia lembrar de décadas atrás, quando Katarina chegava em casa com conjuntos dessa coisa.
"Mas fugir da realidade não é algo que eu prezo..."
Respirou fundo, sentindo o cheiro maravilhoso da comida que a fez se arrepiar e babar. — Hehe, você realmente gosta de provocar, não é?
Lambeu a faca que usou e a jogou na pia, apenas com isso sabia que iria saborear algo delicioso feito pelas mãos de sua mãe! Mais uma vez.
De repente uma rajada de luz se materializou no ar, com as palavras:
"E o meu pedaço?"
Qin Xa paralisou, fazendo uma expressão de confusão. — Como assim?
"Eu dei os ingredientes e o fogo. Não posso nem provar?"
— Essa é a comida que a "minha" mãe fez para "mim"... — a expressão de deboche que ela fez ao dizer isso enquanto colocava os dedos no peito — sem saber — causou uma crise de risos na outra parte.
"Como você consegue ser tão mesquinha? Eu quem dei os ingredientes que eu mesma cultivei!"
— Mas não foi você quem fez. — Qin Xa cruzou os braços, e as palavras pararam por um momento. Foi então que a forma onde estava a torta tremeu e Qin Xa rapidamente a segurou, assustada. Mais de 70% da torta ainda estava lá!
Quem era essa maldita que ousava roubar bem na sua frente a comida que a sua mãe preparou?
— O que você está fazendo?!
"Pegando minha parte! Não é só você que quer comer!"
— Você não tem vergonha de roubar comida?
"E você não tem vergonha de negar comida?"
Qin Xa deu de ombros. — Não quando é a comida da minha mãe!
— ELAN! — Katarina gritou do quarto, assustando Qin Xa que estava prestes a correr antes de ouvir a próxima parte: — PARE DE FAZER PALHAÇADA E COLOQUE PARA ELA TAMBÉM! SE NÃO EU MESMA VOU ME LEVANTAR DAQUI E JOGAR ESSA TORTA NO LIXO!
Qin Xa quase abriu a boca, olhando para as letras que surgiram no ar.
"Ganhei!"
— Covarde. Desde quando está liberado jogar sujo desse jeito? — que pessoa descarada essa viajante do tempo era!
"A covardia é a desculpa dos perdedores! Toda vitória é válida desde que você esteja ganhando!"
Dessa vez até mesmo uma carinha sorridente surgiu no ar. Qin Xa só conseguia pensar que quem quer que fosse essa pessoa, tinha o espírito de uma adolescente.
Uma adolescente daquelas que mereciam uns puxões de orelha... pelo menos daqueles que deixava logo surdo.
"Mas essa filosofia faz muito sentido. Até no argumento eu fui derrotada."
— MAS MÃÃÃÃÃEEEEEE....
— EU VOU CONTAR ATÉ 3! 1...
— JÁ VOU! JÁ VOU! MAS MEU NOME É QIN XA AGORA!
Assim, Qin Xa, só pôde — com muita relutância — compartilhar a torta com o ser invisível e indetectável que dividia a casa com ela.
Ela sentiu que estava se desfazendo de um dos maiores tesouros da sua vida.
Assim que ela fez isso, o prato sumiu do balcão e novas palavras surgiram no ar.
"Obrigado!"
Mais uma vez houve um desenho de uma carinha sorrindo, mas dessa vez havia uma pequena mão fazendo um "V".
"Será que eu posso dar uma facada nela?"
Qin Xa resolveu tomar um copo de água antes de ir encontrar sua mãe.
Conversar com idiotas era muito desgastante — mesmo que ela não estivesse desgastada em nada.
Sério que esse foi seu encontro com um ser com o poder de um deus, e uma autoridade incompreensível sobre o universo?
...
Qin Xa levou para o quarto dois pratos com a torta, e ela não conseguia tirar os olhos daquela coisa colorida, cheirosa, cremosa, saborosa... que tanto lhe chamava a atenção na última hora.
Nunca que ela chegou a imaginar que apenas uma torta chamaria mais sua atenção do que todos os tesouros e técnicas marciais que encontrou durante toda a sua vida. Ela sorriu quando comparou as duas coisas — e pegava um travesseiro para pôr nas costas de sua mãe, afinal não era normal comer deitada.
Parecia até um desrespeito... comparar o valor dessa maravilha inestimável com meras técnicas marciais que só serviam para causar destruição.
...
Katarina recebeu sua parte e Qin Xa trouxe uma cadeira da cozinha para o lado da cama, saltitando como se fosse um esquilo que encontrou suas castanhas.
— Pela sua cara parece que a última vez que você comeu foi ano passado. — o comentário de Katarina atraiu o olhar de Qin Xa, que cuidadosamente cotou um pedaço da torta.
Sua maneira de segurar o garfo atraiu um olhar estranho de Katarina — era uma pegada leve e cheia de graça, mesmo quando Qin Xa parecia querer devorar a comida, seus movimentos não continham pressa alguma e muito menos deixava qualquer som incômodo sair do prato — parecia muito que a educação que essa criança recebeu nesse mundo foi de alto nível.
— Eu comi tem uns dias. Mas faz 15 anos que eu não como a comida da minha mãe. — com um sorriso doce que iluminou o quarto e fez Katarina se sentir aquecida por dentro, mesmo que quisesse recusar esse sentimento, Qin Xa mordeu.
Mastigou.
Enquanto Katarina olhava seu rosto naturalmente cheio de fofura de repente ficar ruborizado, junto com as orelhas que agora estavam segurando seus finos cabelos cor verde.
Qin Xa corou, querendo abrir um sorriso mas se contendo, e fazendo seus lábios subirem e descerem enquanto ela engolia e comia outro pedaço.
Katarina ergueu as sobrancelhas, confusa pela repentina vergonha de sua filha.
— O que foi?
— Nada... — sua voz estava fina, escondendo um sorriso e desviando o olhar para focar na refeição, e Katarina encarou a garota que sentou-se na beirada da cama e começou a comer depois de Qin Xa.
E ela também estava toda alegre enquanto aproveitava. Mas diferente de Qin Xa ela não ficou toda envergonhada.
"O que é que está acontecendo com meu filho?"
Katarina fez igual sua companhia e provou da torta...
A massa estava tão suave e elástica quanto se lembrava, a quantidade de sal e açúcar lhe trouxe lembranças de quando preparava a mesma refeição para Elan mais de 25 anos atrás, quando o homem era um garoto.
Katarina mastigou.
O gosto da carne do frango ainda era a mesma de sua vida passada, que aconteceu poucos dias atrás — mas que quase lhe confundiu com 10 longos anos.
O queijo continha o cheiro dos sábados noturno em que seu filho voltava para casa após um dia de estudo.
Katarina sorriu, saboreando o gosto da comida que a anos ela se viu incapaz de fazer.
Olhou para Qin Xa, assistindo a garota sorrir.
Olhou para a outra garota, que lhe era tão estranha, vendo ela sorrir também.
A torta não tinha o gosto extraordinário de uma aventura com reencarnação, deuses e poderes mágicos além da compreensão dela.
Não detinha a autoridade de alguém que cruzou universos, ou a presença dos seres sobrenaturais desse mundo.
Era uma simples torta de frango e queijo.
Katarina viu Qin Xa começar a secar as lágrimas enquanto comia, e o peso que carregava ao saber do futuro de sua filha pareceu diminuir.
Podia ser uma torta simples. Mas era feita pelas mãos de sua mãe. A única.
E agora sua mãe estava alí por ela. Seria por pouco tempo, mas ela estaria de corpo, alma e coração.
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