Volume 1

Capitulo 34: Berserker

Um país, Windefel. Um local, as imponentes montanhas que rasgam o norte. Acima desses picos majestosos, encontra-se a clareira que abraça a cabana de Aldebaram, onde a neve se mistura ao cenário de árvores ao fundo. Uma feroz batalha se desenrola, com quatro enfrentando mil, mas ao lado desses quatro, um indivíduo solitário dilacera impiedosamente todos os seus inimigos.

Este homem era Dolbrian, o ancião. Seu manto, outrora marrom, agora ostentava tons vermelhos, tingidos pelo sangue daqueles que tiveram suas vidas ceifadas. Sua expressão era um misto de felicidade e confiança, enquanto nos rostos de seus inimigos, o pavor se revelava.

Sozinho, Dolbrian já havia dizimado inúmeros homens, revelando uma força inabalável, capaz de conduzir ainda mais almas ao gélido abraço da morte.

“Quem é aquele!? Parece até mais forte que Aldebaram!” Apavorado, Erne pensava, mas não havia tempo para isso, pois Aldebaram avançava em sua direção.

“Preciso pegar distância” 

Erne conduziu seu cavalo na direção oposta à de Aldebaram, visando ganhar distância. O guerreiro não compreendia a razão pela qual Erne fugia, mas persistiu em seu avanço, ansiando apenas pela cabeça de Erne.

Ao distanciar-se cerca de vinte metros de Aldebaram, Erne pegou uma lança e a posicionou ligeiramente à frente do corpo.

— O que vai fazer, velho general? Não tá pensando que uma lancinha irá me ferir né? — Aldebaram havia parado, posicionando seu machado à frente.

— Espere e verá, Aldebaram. — Ao terminar de falar, Erne avançou.

Seu cavalo avançava a uma velocidade absurda, cruzando rapidamente os vinte metros. Contudo, Erne reconhecia que apenas isso não seria suficiente, e por isso…

— Galope Veloz! — ao falar, seu cavalo adquiriu uma aura ou energia, triplicando sua velocidade. 

Aldebaram, então, firmou os pés no chão, preparado para aparar o golpe lançado e arremessar Erne para fora do cavalo.

— Lança de Magnus! — Sua lança transmutou, assumindo uma forma majestosa: a ponta dourada e o cabo todo em preto, adornado com escritas misteriosas.

Ao se aproximar de Aldebaram, Erne mirou no ombro esquerdo; a lâmina da lança aproximou-se do guerreiro, mas Aldebaram ágil a deteve com seu machado Misriam.

— Tá ferrado, Er- 

"O que aconteceu!?", silenciou Aldebaram, pois a lança ignorou o machado, passando por dentro dele como se não estivesse ali, acertando em cheio seu ombro esquerdo.

— Merda!! — Aldebaram começou a ser arrastado, com seu ombro preso na lança de Erne.

— Já lutamos tantas vezes Aldebaram, deveria conhecer minha lança. — Seus cabelos balançavam ao vento, enquanto semicerrava os olhos e erguia o queixo, revelando certa arrogância. — Hoje, você será derrotado. 

“Essa porcaria de lança!!” A Lança de Magnus, famosa por desconsiderar qualquer obstáculo à vontade de seu portador.

— Aldebaram!!! — berrava Gideon, ele estava ao lado de Astrid, observando todo combate. — Vovô!!

Gideon gritava para Dolbrian, incitando-o a ajudar Aldebaram, mas o velho ancião estava em apuros. Mesmo sendo um lutador habilidoso, enfrentar mil soldados começava a causar efeitos em Dolbrian, que tinha dificuldade em lidar com todos.

Enquanto berrava, não percebeu a aproximação perigosa de alguns soldados, que não pensaram duas vezes antes de desferir um golpe mortal contra Gideon.

— Vo- — Ao sentir a presença ao seu lado e verificar, seus olhos se arregalaram, suas pupilas dilataram e seu coração acelerou.

As espadas navegavam cortando o ar, em direção ao corpo do jovem. A cada milésimos uma barreira do ar era quebrada, marcando a proximidade com a pele de Gideon. 

— Gideon!! — Dolbrian berrava desesperado ao vislumbrar, de relance, as espadas deslocando-se em sua direção.  — Eu vou- — Ao ponderar correr na direção de seu neto, Dolbrian viu seu caminho ser obstruído por centenas de soldados.

Restava a Dolbrian apenas observar, impotente, seu querido neto sendo fatiado, dilacerado e perdendo a vida, engasgado com o próprio sangue..

— Eu não vou deixar! — Uma sombra obscureceu a visão do jovem, originada da garota antes tão tímida, mas que agora revelava uma bravura pouco comum neste mundo. — Vocês não irão encostar nele!

Os soldados, por um instante, se assustaram, mas ao avistarem uma garotinha diante deles, abriram enormes sorrisos confiantes e arrogantes, com um toque de malícia. Rapidamente, voltaram a deslocar as lâminas em direção a Astrid.

— Que interessante. — Mani que estava parada desde o início, colocou a mão no queixo. — Um ser de tal magnitude e linhagem tão poderosa… aqui.

Dorni, que estava imóvel ao seu lado por ordens de Erne, estranhou tal fala.

— Como assim?

— Você é bem limitado criança, mas vou explicar. — Cruzou os braços. — O rei dragão, progenitor da linhagem dragonoide, foi o primeiro ser criado neste mundo.

— Quer dizer que ela… É praticamente um ser divino?

Mani, ao escutar estreitou os olhos, e contemplou aquela criatura tão interessante à sua frente.

— Podemos dizer que sim.

— Quer dizer que as espadas….

Mani riu e continuou a observar. As espadas viajaram até a pele de Astrid, mas ao tocarem, suas lâminas estilhaçaram em vários pedaços, enquanto a pele da garota não sofreu nem um arranhão.

Aldebaram ainda era arrastado por todo o campo de batalha, mas então forçou seu corpo para baixo. Graças à força monstruosa que possuía, Erne não pôde impedir, e, assim Aldebaram firmou seus pés no chão, causando uma forte freada forçada que arremessou Erne do cavalo.

— Acabei com sua vantagem, Erne. — Enquanto falava, Aldebaram retirava a lança que ainda estava cravada em seu ombro. — Odeio essa lança. — Ao retirá-la, Aldebaram a arremessou, mas antes que tocasse o solo, ela se desfez em partículas de pó.

“É uma arma invocada, no final” Armas invocadas somem quando não estão nas mãos de seus donos.

Aldebaram estava certo ao afirmar que havia retirado a vantagem de Erne; como cavaleiro, sua maior vantagem era o cavalo, mas agora precisaria lutar a pé. Antes mesmo de Erne pensar em algo, viu Aldebaram erguer Misriam até onde aqueles braços musculosos alcançavam e soltá-la em direção ao solo.

— Abalo Sísmico! — Ao toque da lâmina do machado no chão, um tremor local iniciou, e rachaduras começaram a aparecer, originando do ponto onde o machado se chocou. Elas correram por toda a clareira, e os pedaços de terra começaram a subir, arremessando os menos afortunados aos ares. — Lide com essa hahaha!

Erne não tinha muitas opções, mas surpreendeu Aldebaram ao avançar em sua direção, mesmo com as placas de terra desprendendo-se do solo. Num movimento rápido, saltou. Seu corpo entrou à frente do sol, e em um gesto como se estivesse arremessando a enorme bola de fogo em direção ao guerreiro, arremessou a lança.

— Lança Veloz! — A lança adquiriu uma energia que piscou de relance e logo desapareceu, e sua velocidade quintuplicou. 

Aldebaram se viu sem muitas alternativas e, então, saltou em direção à ponta da lança. Parecia um ato desesperado, mas ele nunca agiria sem pensar em meio a uma luta.

— Divida-se Misriam. — Um intenso brilho irradiou do machado de lâmina dupla, fluindo até a outra mão do guerreiro, tomando a forma de um machado de lâmina única. Assim, Misriam transformou-se em dois machados de gume único.

Aldebaram lançou um desses machados, que girou pelo ar, colidindo com a lança, alterando seu curso. Foi tão rápido que Erne não teve tempo de fazer sua lança ignorar o machado. O guerreiro, sem mais impedimentos, avançou em direção ao general, que agora despencava dos céus. Parecia o fim para o velho general.

— Mestre!!! Preciso arremessar uma espada para ele!

— Esqueça criança, sua força é insuficiente.

Ignorando os comentários ácidos da deusa, Dorni pegou uma espada, estendeu uma perna para trás, a mão segurando a espada também, as veias de sua perna e braço começaram a saltar. Em um movimento rápido, lançou a perna para frente, junto ao seu quadril, e o braço seguiu. A lâmina saiu com uma velocidade incrível e alcançou Erne.

Uau, quem diria. — Mani surpreendeu-se, achava Dorni um ser tão fraco, mas isso a deixou embasbacada.

Dorni deu um sorriso irônico, satisfeito por ter deixado uma expressão atônita no rosto daquela deusa arrogante.

A espada alcançou a mão de Erne, que aproveitou a velocidade da lâmina como impulso no ar para girar seu corpo. Conservando o movimento da espada, utilizou seu corpo como redirecionador, fazendo-a curvar e voar na direção de Aldebaram.

— Multiplique-se — ao falar a espada se multiplicou em quatro espadas. — Adquira propriedades.

Assim como fez contra Mani, Erne dotou cada réplica de uma propriedade ou especialidade mágica distinta: fogo, gelo, eletricidade e a última era vento.

A espada de fogo foi a primeira a alcançar Aldebaram, que a rebateu com facilidade, mas a um custo: Misriam agora era uma única lâmina incandescente, sua mão queimava e o cheiro de carne assada pairava.

A segunda foi a de gelo; novamente, ele a rebateu com facilidade, mas Misriam havia congelado, e quando um material esquenta e esfria rapidamente, especialmente nos extremos de calor e frio, o material, especificamente Misriam, tornou-se quebradiço.

A espada seguinte foi a de vento, e ao rebater do guerreiro, soltou uma rajada na direção de Aldebaram. Este usou o machado como defesa, mas ao toque da rajada de vento, a lâmina se desfez em milhares de pedaços.

Agora sem nenhuma lâmina para protegê-lo, com a espada de eletricidade se aproximando em milésimos, Aldebaram viu-se em apuros. Contudo, Erne, ainda caindo à frente de Aldebaram, notou o guerreiro abrir um sorriso, no mínimo suspeito, dada a situação em que se encontrava.

— Você me levou a isso Erne, ao meu estado… — Aldebaram fechou os olhos. — Berserker! — ao falar os abriu abruptamente, agora eles eram dotados de uma coloração vermelha.

A espada bateu contra a armadura de Aldebaram, e como era de se esperar, sua velocidade não era suficiente para perfurar as placas de Mithril. No entanto, o plano de Erne nunca foi perfurar; e sim usar a eletricidade. A lâmina começou a lançar uma corrente elétrica que percorria todo o corpo do guerreiro... Mas Aldebaram, ele ria.

Hahaha! Mais, mais

Astrid, Gideon, Aldebaram, Mani, Dorni e até os soldados observavam aquilo atônitos. Nunca haviam visto algo igual; a aura emitida era bizarra e forte.

Astrid rapidamente acertou o rosto de todos os soldados ainda atordoados pela visão, fazendo-os serem arremessados para longe. Graças às unhas nas mãos de Astrid, seus rostos ficaram com cortes profundos.

— Vamos Gideon! — Astrid pegava na mão de Gideon o ajudando a levantar do chão.

— Porque!? 

— Meu pai, ele… está em estado…

Ao outro lado do campo de batalha, Mani observava em silêncio, mas atenta, a todo e qualquer movimento do agora ensandecido guerreiro.

— Estado Berserker…  O que é? — Dorni havia escutado o grito do guerreiro, mas não entendia o que estava acontecendo. Nunca tinha ouvido aquele termo.

— Estado Berserker é um estado que alguns guerreiros abençoados por Tyr podem atingir, uma condição em que seus corpos param de sentir dor e, na verdade, anseiam por ela, pois a dor os torna mais fortes. Nesse estado, a força se torna algo mental, não físico. Meus amigos deuses do oriente diziam que era parecido com o estado de nirvana, mas eu não acho... — Ela olhou para o garoto babando, não entendendo nada, e suspirou. — Ahh, é um estado em que ele fica forte demais. Esse era o medo do seu mestre, por isso me trouxeram aqui.

Dolbrian, percebendo que a situação ficaria complicada, decidiu recuar junto com Gideon e Astrid. Agora, Aldebaram possuía o poder para destruir tudo ao redor, e talvez não conseguisse distinguir amigo de inimigo.

Erne, não querendo ver onde isso levaria, virou seus pés para baixo e juntou as mãos ao corpo para atingir maior velocidade. Assim foi, com seus dois pés atingindo uma incrível velocidade, acertando em cheio o peito de Aldebaram. O guerreiro, ao ser atingido, sofreu um forte deslocamento no ar em direção ao solo, mas não cairia sem levar Erne consigo. Agarrou a perna do adversário e girou o corpo, Erne viu tudo girando sem poder fazer nada. No final do primeiro giro, Aldebaram soltou sua perna, lançando Erne em direção às árvores.

O General colidiu com a primeira árvore, destroçando-a, e não parou. Atingiu a segunda e a terceira, parando apenas na quarta, mas derrubando-a do mesmo jeito. Uma enorme quantidade de poeira foi levantada, ocultando Erne da vista de todos.

— Mestre!! — Dorni se preparava para avançar ao apoio de seu mestre, mas foi impedido por Mani.

— Não seja imprudente, ir lá só iria adiantar sua morte.

Dorni então fitou aquela montanha chamada Aldebaram, aquela aura, aquela imponência. Viu o guerreiro avançar contra os soldados indefesos; suas espadas se quebravam ao tocar em sua armadura. Ele ria enquanto quebrava cada pescoço e arrancava membros. Corria atrás deles, parecendo uma fera atacando sem qualquer pudor ou técnica, apenas golpeava de qualquer jeito. usava soldados já mortos como porretes. Saltava atrás de um e destroçava, saltava novamente em outro e fazia o mesmo, e assim prosseguia. Um verdadeiro monstro, sem qualquer piedade. Naquele dia, Dorni entendeu algo.

“Aldebaram é um guerreiro muito poderoso, dizem ser capaz de destruir um exército inteiro sozinho”

Palavras de Erne, que o jovem Dorni não compreendia totalmente. Em sua concepção, não existia alguém capaz de tal ato. Contudo, ao testemunhar aquele homem transformar mil em seiscentos, em quinhentos, e continuar diminuindo os números, Dorni passou a crer e, assim como seu mestre, temer Aldebaram. Naquele dia, o jovem compreendeu que monstros existiam, e um estava à sua frente.



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