Volume 1

Capítulo 33: Absorção de Almas

 

Ao terminar o resgate das crianças nas catacumbas, Erne, focou-se na sua segunda missão além de invadir Windefel. Assim saíram das catacumbas e foram até a enorme árvore, no centro da cidade.

— Mestre, porque viemos até aqui?

Diante de Dorni, a majestosa Yggdrasill se erguia até onde os olhos alcançassem. A árvore-mundo, símbolo do orgulho nórdico e conexão dos deuses com o povo, mesmo que por hora estivesse adormecida.

Ao lado de Dorni, encontrava-se Erne, e ao lado deste estava Mani, ambos observando a imponente árvore.

— Não se lembra? — Olhou para Mani ao seu lado. — Usaremos Yggdrasill para fortificar ela.

A árvore erguia-se no centro de Windefel, dando à cidade a aparência de ter sido construída ao seu redor, formando uma espécie de praça. Que momentaneamente estava vazia, pois os moradores agora dominados, tinham certo receio de seus conquistadores.

— Mestre, essa árvore sempre existiu aqui?

Apesar do sol forte no céu, o ar permanecia gélido em Windefel. Uma leve brisa fazia os enormes galhos da árvore balançarem, ocasionalmente derrubando folhas que dançavam vagarosamente no ar antes de encontrarem o solo de concreto. Erne observou o trajeto da folha, e assim respondeu:

— Bom, pelo que sabemos, sim. 

— E como ela surgiu? 

— Não tenho tempo para te contar toda história, mas o resumo básico é; Odin e Zeus em uma batalha fizeram suas armas se chocarem, criando um mini universo que se expandiu e contraiu, gerando assim Ygdrassil, uma árvore que conecta os nove reinos.

— Nossa... — Mesmo que fosse uma história resumida, cumpriu seu papel de encantar o jovem Dorni, que viu algumas silhuetas passando em sua visão periférica e a virou seu rosto. — Pobres homens...

Os soldados Estudenfelianos iam e vinham, conduzindo os capturados de Windefel para o centro, em frente à Yggdrasill e atrás de Erne. Nervosismo, ansiedade e o medo predominavam nos olhares dos prisioneiros.

Mani avançou silenciosa e lentamente em direção à árvore, cada passo seu intensificava o balanço dos galhos, apesar da brisa leve. Seu olhar permanecia frio e centrado, desprovido de emoções. Todos observavam a deusa reencarnada dirigindo-se à imponente Yggdrasill, culminando no toque de sua palma na casca da árvore.

Ao toque, um pulso foi emitido, arremessando aqueles que não se firmaram no chão aos ares, acompanhado por um som alto que ecoou, viajando junto ao pulso. 

— Como? — perguntava Erne, ao observar a árvore reagindo. — A barreira não deveria impedir isso?

— Tem tantas coisas que não sabes, minha cara criança… — Para a surpresa de todos, e especialmente de Erne, Mani quebrou seu silêncio pela primeira vez.

— Me diga então, deusa — pediu Erne, sua curiosidade superava a surpresa.

— A barreira foi erguida pelos deuses, algo divino. No entanto, os humanos contribuíram, algo humano, perfeito e imperfeito, compreende? — Acariciava a árvore enquanto discursava. — Ou seja, está seguindo a lei natural do universo onde a perfeição é inexistente. No entanto, isso abriu uma brecha, permitindo que existam coisas que ultrapassem a barreira.

— Como? Se um deus visse isso, teria consertado…

Hahah! Você é engraçado, general. Deuses têm um defeito: acham que tudo que fazem é perfeito. — Ainda acariciando a árvore. — O que não está errado, mas desta vez, esqueceram de considerar o fator imperfeito humano, que entrou em vigor… — Virou seu olhar para Erne. — Há coisas neste mundo que superam a barreira, e a árvore à nossa frente é uma delas.

As palavras foram uma surpresa para Erne, que nunca imaginara deuses cometendo erros, mesmo que estes tenham sido de origem humana.

“Até seres perfeito, carregam a imperfeição” 

— Chegou a hora.

As palavras de Mani deixaram Erne perplexo. O general não sabia ao certo o que fazer, já que o rei mal havia explicado como prosseguir ao chegar em Yggdrasill.

No entanto, logo o velho general compreendeu aquelas palavras. O olhar de Mani se dirigiu vagarosamente aos pobres soldados capturados, revelando uma sede, uma sede de sangue.

A árvore começou a balançar intensamente, não apenas os galhos, mas o próprio tronco, dando a impressão de que poderia cair. Um brilho intenso emanou dela, e Mani, ainda com uma mão em sua casca, virou o corpo de lado e apontou a palma da outra mão para os soldados capturados.

— O que voc-

O velho general foi interrompido por um berro agonizante atrás de si. Ao se virar, viu apenas o pobre cativo, cujas cavidades; boca, olhos, orelhas e nariz irradiavam um brilho intenso. Seus berros começaram a perder força até que sua voz cessou. De dentro da boca do homem surgiu uma espécie de bolha ou orbe azul, que cruzou o ar até Mani, sendo capturado pela deusa em sua mão.

— O que eu estou fazendo? — O orbe azul começou a perder a cor, até ficar em branco. — Apenas absorvendo almas… Para aumentar minha força.

Ao testemunhar a deusa absorvendo almas, Erne ficou chocado. Nunca imaginara presenciar tal barbárie, pois deuses sempre foram considerados seres santos, buscando o bem da humanidade. No entanto, ao observar um deus realizando tal ato, compreendeu que essas divindades também eram seres como os humanos: movidos pelos próprios interesses e, como os humanos, recorrem a atos vis em busca de poder.

Um após o outro, os soldados perdiam suas almas, transformando os berros em uma melodia excruciante. No meio do mar de corpos formado por homens, jovens e até crianças perdendo suas almas para saciar a fome de poder da deusa, Erne compreendeu algo que respondia a uma pergunta feita a si mesmo poucos dias atrás. 

“Porque ela decidiu ajudar Estudenfel? Não fazia sentido, levando em conta que todo povo do norte, era povo dela, seria o mesmo que escolher um filho favorito, e negligenciar os outros”

A resposta estava diante dele; Mani nunca viu o povo do norte como seus filhos, apenas como fonte de poder e talvez alguns tolos servos.

“Meu rei, no final você foi usado por ela”, era o pensamento de Erne. O rei tolo, acreditava que estava usando uma deusa em suas empreitadas. No entanto, no final, ele que foi usado desde o início, como um homem ingênuo e estúpido.

De outrora uma praça pacífica, agora um cemitério de corpos ainda não enterrados. Uma vista aterradora, verdadeiro cenário de terror. Onde apenas os fortes podiam observar intactos, enquanto os fracos sucumbiam à desolação.

Urgh! — Dorni, vomitava com a visão repugnante e grotesca.

— Se recomponha, Dorni. — A sua frente aquele ao qual já estava acostumado com cenários assim, pois, tinha feito pior em campos de batalhas. 

— É, jovem, escute seu mentor. — A, deusa já havia terminado e avançou em direção a Dorni, aproximando-se, colocou a mão em suas costas ainda curvadas. — Ele já fez mil vezes pior, e ainda vai fazer… Você precisa se acostumar a visões assim.

Erne escutou calado. O que mais poderia fazer? Reagir ou responder? A primeira palavra desrespeitosa e sua cabeça voaria. Além disso, Mani falava a verdade, e o general reconhecia isso. Ele matou, fez chacinas e proporcionou chuvas de sangue. Já perdeu as contas de quantas cabeças decepou e quantas famílias deixou desamparadas.

No final, se Dorni quisesse acompanhá-lo, teria que tornar as palavras da deusa uma verdade absoluta e se acostumar com essa visão.

— Errado!! — Assustando até a deusa, Dorni se impôs. — Você pode ser deusa, ou o que for. Mas, não é dona da verdade absoluta… — Ele olhou com um sorriso orgulhoso, para Erne. — Ele… meu mestre… irá ensinar a todos, irá proporcionar a felicidade a vida das pessoas…

A deusa assustou-se inicialmente e se afastou. Ao ouvir as palavras insolentes, pensou em encerrar a vida daquele verme de uma vez. Mas, podia fazer algo mais interessante. Um sorriso maligno tomou sua face, junto a uma mão apoiada na bochecha.

— Ó, é?... Lamento dizer… mas, você está enganado.

— Como assim!? — perguntou intrigado Dorni.

— Você não sabe? — Ela virou seu olhar para o general. — Ah, nem Erne sabe…. — Então uma expressão perversa tomou aquela face divina. — Sabe… Existe aquele plano do seu rei “Purificação de cultura” sabe o que é? 

Os dois negaram com a cabeça, foi um termo jogado aos ventos na sala do trono, mas o rei simplesmente não discerniu sua significância.

— Purificação de cultura, é um termo bonito… Para dizer, genocídio cultural.

A reação de Erne e Dorni, foram perfeitamente sincronizadas, em uma expressão de choque intenso, ao qual seus olhos arregalaram-se, seus corpos ficaram imóveis incapazes de reagir e suas mentes tentavam distorcer essa informação, para virar algo aceitável.

— Realmente não sabiam… O plano de seu rei, consiste em assassinar todas as pessoas de uma certa idade residentes de Windefel, Asdenfel e Lidenfel. Assim, na cabeça dele o novo povo cresceria sem o preconceito estrutural… — Contemplou os céus. — Patético.

Erne nunca imaginou que seu rei fosse capaz de atos tão cruéis. Matar um povo inteiro? Isso era demais até para o velho general. Matar todos os soldados já era algo impiedoso, mas ainda assim, os soldados estavam na batalha para enfrentar a morte. Agora, pessoas inocentes... Isso era desumano demais.

— Mestre… me diz que é mentira. — Dorni lançava um olhar vazio e distante, seu tom estava choroso. 

— Eu não sei… — Erne não sabia, seu rei nunca havia falado sobre isso. Seu olhar cruzou-se com o de seu pupilo, e os olhares perdidos e vazios, ao se refletirem, criaram uma atmosfera melancólica.

“Perguntarei ao rei, assim que voltarmos.” 

Erne questionaria sua majestade, mas por hora devia se concentrar em sua missão: derrubar Aldebaram. 

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De volta ao campo de batalha, a saraivada de flechas havia se mostrado ineficiente diante da majestosa dragonoide, Astrid. No entanto, nem tudo parecia perdido para Erne, pois revelar sobre a queda de Windefel abalou Aldebaram momentaneamente.

— Aldebaram! Recomponha-se! — A voz da razão ao lado de Aldebaram, Dolbrian. 

— Eu sei! Velho! — Ele apontou Misriam para Erne. — Você tá ferrado, velho general.

“Aquele ao lado dele, conseguiu o trazer de volta…” O abatimento do guerreiro durou pouco; agora, Erne teria que enfrentar Aldebaram e, pior ainda, um Aldebaram um pouco enfurecido.

— Se é assim que quer Aldebaram. — Levou a mão ao alto e fez o sinal de um. — Vamos à luta. — Baixou a mão firmemente.

O primeiro regimento composto por todos aqueles que lutavam corpo a corpo avançou, Erne sabendo que sozinho seus homens não seriam mais que formigas, avançou junto e Dorni seguiu atrás.

Os passos ressoavam. Seus olhares determinados. Todos os soldados avançavam em direção aos quatro.

Aldebaram não era de aguardar parado, e correu em direção aos soldados inimigos.

— Aldebaram! — Dolbrian tentou segurar o guerreiro, mas sem sucesso. — Esse impaciente… Gideon, Astrid… Não morram.

Dolbrian avançou rapidamente, alcançando Aldebaram e surpreendendo-o por um instante ao sair na frente. Sem tempo a perder, os pés de ambos, junto aos soldados, tocaram o chão simultaneamente, marcando o início da luta.

Atravessando o mar de soldados, Aldebaram tinha um alvo claro: Erne.

Ele parecia um touro fora de controle, arremessando todos à sua frente. Soldados voavam pelos ares, criando um caminho tumultuado em sua determinação.

— Punho de aço! — Os punhos de Dolbrian foram envolvidos por uma aura ou energia.

Um soldado ousou desafiar a proximidade física, desferindo um golpe descendente com sua espada. No entanto, Dolbrian, como um dançarino hábil em meio ao caos da batalha, esquivou-se elegantemente, aproveitando o momento para direcionar seu punho numa trajetória imparável em direção ao pobre combatente. O punho, possuído por uma velocidade sobrenatural, encontrou seu rosto com uma força devastadora; um estalo ressoou, ecoando a conclusão inevitável do confronto, enquanto o guerreiro tombava sem vida ao solo, vencido pela maestria de Dolbrian.

Dolbrian sorriu, uma expressão de triunfo pintada em seu rosto, e num gesto de pura destreza, virou seu corpo de maneira ágil. Um segundo soco foi desferido, mirando o estômago de um desavisado que se aproximava. O impacto foi brutal, quebrando o ar nas costas do infeliz, seus pés perderam o solo, lançado em uma dança macabra em direção às árvores da floresta. No ápice desse mortal balé, seus órgãos foram cruelmente rompidos, e a vida dele se esvaiu, deixando-o como mais uma sombra entre as árvores.

Dois soldados avançaram astutamente pelos flancos, espadas brandindo o intento mortal de uma estocada. Dolbrian, mestre na arte da antecipação, lançou um olhar perspicaz sobre ambos, com um sorriso confiante enraizado em seu rosto envelhecido. Quando as lâminas estavam a ponto de trespassar suas laterais, ele saltou com a agilidade de um felino. Os homens, confusos, passaram como sombras, testemunhando o vácuo deixado pelo hábil guerreiro. Em um movimento que desafiou a própria gravidade, Dolbrian desferiu um soco poderoso no ar, um golpe que não só deteve seu próprio avanço, mas deslocou seu corpo com tal ferocidade que ele pousou atrás de um dos incautos rapazes.

Com um sorriso sádico e maléfico, Dolbrian brindou o combatente com um golpe devastador nas costelas, fragmentando-as num estilhaço doloroso. O rapaz foi lançado pelos ares, uma marionete indefesa, vítima da maestria implacável de Dolbrian.

O outro soldado, atônito, observava aquele aparente velho desempenhar tal façanha. Dolbrian, desprovido de pensamentos racionais, guiado apenas pelo desejo de caos, avançou em direção ao rapaz ainda paralisado. Em um movimento quase etéreo, passou por ele, e, em sincronia com seu ombro, o punho de Dolbrian permaneceu um pouco atrás, cruelmente castigando o estômago do combatente imobilizado. Momentos antes de ser arremessado, apenas escutou:

— Vocês são muito fracos.

E assim, o rapaz cessou de sentir tudo: dor, medo e, sobretudo, o solo. Seus olhos se cerraram vagarosamente, abrindo-se em uma lentidão ainda mais dilacerante. O mundo ao seu redor girava vertiginosamente, enquanto homens e mais homens avançavam, um incessante vaivém entre céu e terra, céu e terra. Até que seu corpo, de maneira abrupta, estacou e desabou ao solo, já entregando-se à inevitabilidade da morte. Seus órgãos foram cruelmente rompidos, e todos os seus ossos, submetidos a fraturas angustiantes, enquanto seus últimos pensamentos se desvaneciam no silêncio.

“Mãe, pai… Eu morri para um demônio”.

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