Volume 1 – Arco 5

Capítulo 44: Dente de Dragão

Ahrija era um prodígio, isso ninguém poderia negar.

Mas sua falta de paciência no básico era… Incomum.

Sentado ali na posição de meditação, enquanto tentava meditar ao lado de seu mestre, não conseguia se concentrar.

As vezes abria um dos olhos, espiando seu mestre que quando notava sua oscilação, olhava de volta pelo canto do olho. Era uma cena até engraçada de ver na verdade.

Ali, entre os aures, Quevel não mantinha sua aparência humanoide, não, usava sua aparência mais dracônica, com seu rosto de dragão, chifres torcidos para trás, corpo coberto de escamas, maior e mais forte, de fato, se assemelhava a um dragão.

O pensamento de Ahrija estava longe, como será que sua amiga estava bem? Ela não mandava notícias depois de ter ido embora, será que esqueceu deles?

— Ahrija, se concentre. — Quevel pediu sem abrir os olhos.

— Pra que serve isso? — O garoto finalmente resmungou, voltando a fechar os olhos.

— Purificar sua mana interna e deixar seu núcleo melhor, por favor, se concentre. — Quevel pediu mais uma vez.

Mas conseguia sentir aquela alteração na aura de seu pupilo, que não parecia estar concentrado o suficiente no exercício para ser produtivo, então apenas suspirou, desistindo de continuar aquilo:

— Certo garoto, você venceu, o que quer fazer agora?

Se deu ainda mais por vencido quando os olhos esverdeados do garoto brilharam e aquele sorriso infantil se abriu animadamente:

— Quero lutar!

Quevel levantou uma sobrancelha olhando aquela pequena criaturinha que não tinha metade de seu tamanho lhe desafiar daquele modo, só podia ser brincadeira:

— Certo, por que?

As bochechas do rosto redondo do garoto ficaram vermelhas, não seria possivel que aquilo tinha a ver com aquela humana de olhar frio que ele tinha conhecido apenas por um periodo de tempo não é?

— A Elia derrotou um grande lobo… — E claro que tinha.

Pelo que pareceu, ao menos para Quevel, Ahrija tinha uma rivalidade não declarada com sua amiga, e estava sendo incentivado por ela, mesmo que indiretamente:

— Mas aquilo foi algo incomum… — Quevel tentou argumentar com um pequeno sorriso.

— Não importa! Ela conseguiu! A Elia invoca armas, consegue flutuar e ainda tem aquele coelho estranho que anda com ela, eu não posso ficar pra trás!

— Para trás? — Repetiu ao mesmo tempo que corrigia a pronúncia de seu pupilo.

— Sim! Se todos os humanos forem como ela, ela logo vai esquecer de mim, ela tem outra melhor amiga, mas é menina! E se ela encontrar um humano melhor que eu?

O medo do garoto tinha algum fundamento, mas no fundo duvidava que aquela criança fosse algo comum entre os humanos, ao menos nos humanos desse continente já que pelo que presenciou em seus anos de vida, raros são os que conseguiam aquela maestria com aquela idade.

Mas conteve aqueles pensamentos para si, se o que ele queria era apenas se equiparar àquela garota, então poderia usar como incentivo, Elia era realmente formidável:

— Mas a princesa também tem seus treinos, especialmente se quiser ficar no seu nível de controle. Precisa refinar seu núcleo, querido.

E mais uma vez o rosto do garotinho inflou na sua indignação infantil, dessa vez não conseguiu prender uma risadinha daquela situação toda, era quase fofo se não fosse trágico.

Tinha que ter como melhor amiga uma garota humana, ainda mais uma princesa? Ela estava completamente fora da linha de alcance de seu pupilo, mas mesmo assim ele ainda estava com aquela firmeza naquela amizade que talvez já tivesse sido esquecida pela outra parte.

Mas deixou aqueles seus pensamentos para si mesmo, Ahrija não deveria se preocupar com isso, talvez fosse aquela a primeira decepção quase amorosa da sua criança:

— Bem, acho que luta para você é um pouco demais nesse momento, mas que tal tentar controlar seu vôo?

Foi no mínimo engraçado ver o rosto dele sair da raiva até se iluminar com outra proposta que lhe foi dada:

— Certo!

Ahrija ficou passos distantes, respirou fundo e fechou os olhos, se concentrando para sentir a mana fluindo de seu núcleo para o resto do corpo, e concentrando nos pés e mãos, as suas extremidades, aos poucos o ar foi se concentrando ao seu redor, então vinha a segunda fase.

Levantar vôo.

Com concentração focada, Ahrija começou a controlar o ar para lhe levantar do chão, tinha que ser devagar, calmo, mas sua falta de controle de mana fazia seu controle sobre o elemento também ser ruim.

Então foi impulsionado para cima de uma vez, perdendo o controle e simplesmente indo de cara no chão:

— Viu que você tinha que praticar mais controle ou purificar seu núcleo?

Mas as falas de Quevel se perderam quando Ahrija levantou seu rosto sujo de terra e sangue, mas o garoto não chorava ou coisa parecida, Quevel não fez alarde ainda, estava sondando para ver o que faria a seguir.

Os olhinhos esverdeados de Ahrija se arregalaram com algo e Quevel jurou que ele choraria, mas ele apenas se virou mostrando algo na sua mãozinha:

— Eu perdi um dente! — O garoto falou animado.

Então foi percebido que aquele sangue era de seu dente perdido, aquilo lhe deu um alivio e veio a risada divertida do mestre das chamas de dragão:

— Parece que finalmente perdeu seu primeiro dente, vamos lá, vamos limpar isso, acho que o treino acabou por agora. — Pegou o garotinho nas mãos, que exibia com felicidade seu dente perdido

Voltaram para a aldeia onde as pessoas viviam suas vidas na maior paz, simples e modestas, aproveitando com aquela calma que só a vida campestre dava. Entraram em casa com Ahrija pulando do colo de Quevel:

— Senhor Salis! — Chamou a criança.

Salis, o leão humanoide, levanto os olhos do que escrevia e sua expressão foi de puro choque ao ver aquela criança suja de sangue e terra:

— Quevel? Que raios aconteceu com o Ahrija?

— Ele perdeu o primeiro dente. — Quevel riu.

Ahrija mostrava aquele sorriso bangela e um dente nas mãos, estava orgulhoso com aquilo, mesmo que parecesse um mendigo sujo daquele jeito:

— Oh meus… Isso é muito importante! Sabe por que?

Dessa vez Ahrija pareceu confuso, negou com a cabeça rapidamente, mas ainda podia ver aquela dúvida infantil no rosto dele:

— O primeiro dente de um dracônico é um marco importante, você pode dar ele para uma pessoa especial, é um símbolo de ligação eterna.

Os olhinhos verdes de Ahrija se arregalaram, virou a cabeça para Quevel com muita espectativa:

— Você deu o seu para o senhor Salis?

Foi uma pergunta inocente, sabiam disso, mas um silêncio tenso se estabeleceu entre aqueles dois adultos que se encaravam e encaravam o garoto:

— Que tal ir se lavar? — Salis propôs.

Ahrija pareceu entender que eles queriam privacidade, correu para o banheiro os deixando sozinhos naquele silêncio desconfortável:

— Desculpa eu deveria…

— Não foi sua culpa, é algo importante para nós, eu iria falar de qualquer modo. — Quevel se sentou numa cadeira, passando as mãos pelo rosto.

Salis se sentou ali perto, olhando seu companheiro com carinho e compreensão, entendia mais do que falava, e Quevel sabia disso, mas apreciava aquele silêncio que o outro dava, era calmo e confortável, e calmaria era algo que aquele velho guerreiro precisava:

— Eu sei que não é o momento… — Salis começou.

— O que foi? Alguém adoeceu? — Quevel já estava se levantando, mas Salis negou com a cabeça, o fazendo voltar a sua cadeira.

— Você… Vocês, Ahrija e você, receberam uma carta… Do reino humano.

Quevel encarou o outro, como assim? Suas mãos se ergueram para pegar o papel que o homem - leão erguia para ele, se pôs a ler, e sua expressão mudou de estranheza para choque:

— Aquela… Pirralha.

E finalmente uma risada começou, até virar uma gargalhada, Sali, vencido pela curiosidade, pegou o papel de volta para ler o que estava escrito, e até mesmo ele arregalou os olhos em choque:

— Ela realmente mandou um convite de aniversário…

— Convite? Parece mais uma intimação, leia a última parte. — Instruiu Quevel ainda em risadas.

— “Caro curandeiro, se não trouxer meu amigo para me ver no meu aniversário eu vou para aí com uma comitiva, estou falando sério, não me desafie, sim?” Isso é de uma criança de quatro anos? Céus.

Parece que ambos concordaram que aquilo tinha sido engraçado, desse jeito ficava até complicado para que ele rejeitasse, e no fundo sentia-se grato e aliviado por aquela garotinha ser tão cabeça dura para convencer sua mãe àquilo, a ideia de estar ao redor de tantos humanos era… Estranha.

Especialmente ao pensar em Ahrija, ele ainda estava desenvolvendo habilidades sociais e ir para uma festa num castelo? Parecia demais.

Por outro lado tinha certeza que aquela garotinha de olhar frio iria aparecer ali com uma comitiva caso não fizesse o que ela pediu, então talvez fosse melhor apenas aceitar aquele doce convite de sua antiga paciente:

— Bem, por que eu recusaria não é?

— Acho que ela foi bem… Convincente. Terão que ir.

Os passinhos apressados de Ahrija foram ouvidos pelos dois, e logo o garotinho apareceu, já limpo, com roupas novas e com aquele bendito dente nas mãos:

— Já sei a quem vou dar! Vou dar pra Elia! Ela é minha melhor amiga! — Falou alto com um sorrisão.

Os dois adultos se olharam e caíram na risada, parece que finalmente tiveram uma confirmação 100% de que sim, aqueles dois deveriam ir:

— O que foi?

— Você está com sorte, largatinho, nosso convite para a festa da sua super amiga finalmente chegou. — Quevel revelou.

Não demorou nem dois segundos, e logo Ahrija estava correndo pela sala em comemoração, como a boa criança que era:

— Eu sabia! Sabia! O dente caindo foi um sinal do destino! — Parou na frente deles com o mais convencido dos sorrisos. — Mas… Isso quer dizer que vai ser aqueles bailes que ela falou? Cheios de pessoas?

Salis concordou dando uma risada, vendo o rosto daquela criança tão animada ficar sombrio antes de ficar desesperado:

— Mas eu não sei dançar!

— Bem… Não precisa dançar se não quiser… — Salis tentou argumentar.

— Mas eu quero dançar com a Elia!

Falou alto, fazendo os dois adultos se calarem, e logo que percebeu o que falou, o rosto ficou extremamente vermelho, começando a gaguejar e mover as mãos sem jeito, tentava todas as desculpas, mas os dois adultos só conseguiam tentar prender a risada, os dois iriam concordar que aquela situação era fofa e engraçada:

— Além disso, precisam de roupas novas, e um outro presente, afinal o dente é do Ahrija. — Salis lembrou.

— Meu presente é esse moleque, vou embrulhar ele e dar de presente para a princesa Eliassandra, que tal?

— O mestre não pode me dar de presente! — Ahrija protestou rapidamente.

Aquela reação fez com que os dois adultos presentes caíssem na risada, confundindo ainda mais a criança dracônica, que olhava de um pro outro abismado, céus, estava mesmo acreditando que seria mesmo dado de presente, o que poderia fazer? Era apenas uma criança.

Salis se adiantou, se oferecendo para ajudar a limpar o dente de Ahrija e fazer quem sabe transformar em algo que Elia pudesse usar:

— Que tal um colar? — Sugeriu aquele grande leão que andava com auxílio da sua bengala.

— Não! Que tal… Brincos? Vai ficar sempre perto do rosto dela!

— Oh, que nem um beijo?

— Não! Isso é coisa de companheiros, somos amigos! — Ahrija, com toda sua inocência falou com um sorrisão.

— Ah é? E o que vai fazer quando encontrar ela?

— Dar um abraço e tirar ela do chão pra mostrar o que ‘tô forte!

Quevel, ainda sentado em sua cadeira observava seu pupilo e seu companheiro se afastarem para fazer artesanato, sua expressão se tornou mais séria, e voltou a olhar aquela carta, se perguntava se apenas ele de diferente estaria lá.

Se aquela garotinha tinha tido a cara de pau de convidar até mesmo o reino dracônico, queria crer que ela não faria algo nesse nível, mas o pouco que já conheceu daquela criança…

Se ela tivesse oportunidade, ela convidaria:

— Essa pirralha vai mudar completamente as coisas… Pro bem ou pro mal.

Não sabia o que sentir daquelas mudanças iminentes, mas não tinha como evitar, apenas preparar a si mesmo e aos seus, para seja lá o que o futuro reservava.

Mas no momento tinha preocupações mais urgentes no momento, como por exemplo, o que vestir e o que realmente dar de presente para uma princesa que provavelmente tinha tudo.

Talvez um livro? Um dos livros que tinham ali na casa talvez?

Foi para a biblioteca que cultivava com Salis, o caderno grosso que tinham dado de presente para Elia ainda estava, poderia devolver, mas ainda sim não era um presente de fato, não atual.

Sua cabeça fervilhava de ideias que logo eram descartadas quando pensava bem, o que ele poderia dar a quem tinha de tudo? Jóias? Dinheiro? Não. Ela já tinha isso. 

Seus dedos passavam pelas lombadas dos livros, a maioria manuscritos que tinha feito assim que abandonou a guerra, após aquele embate com a maga, parou de frente para um livro que tinha escrito pouco tempo depois daquilo.

Suas garras negras passaram pelas letras escritas com tinta escura, estava na lingua dos dracônicos, mas isso tinha quase certeza que aquela criança também dominava tal idioma, então… Por que não?

 

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