Volume 1 – Arco 5

Capítulo 43: Fiasco

O almoço estava indo bem, Ricardo planejou bastante aquele evento, levando sua esposa para um piquenique a beira de um lago, mais afastados para conseguirem ter privacidade.

Pelas roupas mais simples que usavam, pareciam apenas um casal comum num momento romântico.

Leopolda falava toda empolgada sobre seus interesses e claro, ouvindo seu marido também, que falava sobre seus livros favoritos, que fazia tempo que ele não lia, e ficou animados o saber que a loira também tinha lido alguns deles:

— Sabe, tem novos escritores, deveria procurar mais. — Ela encorajou. — Sempre existem novos talentos, infelizmente alguns não chegam a ser publicados.

Naquele momento foi como se uma chave tivesse girado na cabeça de Ricardo e uma luz pareceu iluminar seu rosto com uma idéia nova.

Mas nada falou, apenas continuou encarando sua esposa falar sobre seus interesses. 

Aquilo lembrava os tempos de juventude, quando eram recém casados e ainda não tinham Ferrer e estavam se conhecendo.

Lembrava bem de como ela era contra estar com ele se não tivesse confiança, como a cortejou até se apaixonar primeiro.

De fato, não foi fácil conquistá -la, e talvez tenha pensando que ela sempre seria sua, mesmo sem a manutenção daquele laço:

— Teve notícias de Ferrer? — Abordou aquele assunto quando Leopolda deu uma pausa.

Ela mastigava sua porção de comida, demorou um pouco para responder aquela:

— Sendo o primeiro da classe, como esperado. — Sorriu orgulhosa daquele feito.

Ricardo não conteve sua felicidade, sabia das novidades de Ian, mas Ferrer… Ele era simplesmente genial, já era uma das Estrelas da academia, conseguiu isso por mérito próprio, afinal os modos de entrar naquele lugar invalidam sua linhagem real:

— Deveríamos dar uma festa quando ele retornar. — Ricardo ofereceu.

— Não, ele não aceitaria, acharia que é algo que ele tem obrigação, não quero sobrecarregar ele, apenas reconheça suas conquistas.

Ricardo concordou com a cabeça, se ela falava que era melhor, então confiaria, afinal ela conhecia mais ele do que o pai, e aquele pensamento fez seu coração apertar um pouco:

— Querida, você acha que eu sou um bom pai?

A pergunta surpreendeu Leopolda, seu rosto ficou mais sério, ajeitou-se sobre as pernas e colocou as mãos no colo, olhando seriamente seu marido, como se pesasse como deveria responder aquela pergunta:

— Para Ian? Um belo pai, ele se conecta com você, mas para Ferrer você deixou a desejar, bastante para ser sincera.

Sabia.

Imaginava essa resposta, mesmo assim doeu saber que não era o melhor pai possível para seu filho, mas Leopolda não parecia ter acabado sua análise:

— Você deixa Ferrer bem de lado, não só ele, mas a pequena Eliassandra também, desde que voltou não passou um único momento com ela, você parece distante, entendo que você é rei, mas ela é a única filha que tem. — Ela explicava ainda com aquela seriedade. — Ela já é uma criança distante… Desse jeito não vai criar uma ligação com ela.

Aquelas palavras atingiam Ricardo como flechas, ele sabia, tinha negligenciado tanto aquelas duas crianças que sentia que não os conhecia, precisava compensar aquilo de alguma forma, mas como? E ainda tinha outra questão a resolver:

— Leopolda, você acha que eu sou um bom marido?

Silêncio.

Ambos pareciam pensar bem naquela resposta, Leopolda pesava bem suas palavras, pensando em como elas poderiam machucar ou não seu marido, sabia que por muito tempo ele precisou se dedicar mais a Elengaria, mas ali, ele parecia pedir uma resposta sincera, não poderia mentir:

— Para Elengaria, sem dúvidas, para Ana Bael, talvez, mas para mim… — Um longo silêncio se estendeu sobre eles, uma tensão que poderia ser cortada com uma lâmina afiada. — Mas para mim… Ricardo faz quase um ano que você não sai comigo, nosso último momento a sós foi no nosso aniversário de casamento.

As mãos pequenas de Leopolda apertaram a barra do vestido, queria parar, mas agora que começou, precisava falar tudo que lhe afligia por tanto tempo:

— Às vezes parece que você sequer se importa comigo, já ouvi alguns empregados falarem que você só está comigo pela influência que eu tenho com os estudiosos, e isso machuca, por que eu não tenho como provar o contrário disso. Por que é o que parece!

Não percebeu que estava chorando até sentir as lágrimas molhando suas mãos, ainda sim, não poderia parar agora que começou!

— Você sempre passeia com a Elengaria, treina com a Ana, mas e eu? Você parece que me ignora… Eu só queria que fosse sincero comigo, você não me ama?

— É claro que eu amo!

A resposta veio rápido e firme, surpreendendo até mesmo Leopolda, que encarou ele com os olhos arregalados e os lábios entreabertos:

— Eu sei que a culpa é minha por ter negligenciado nossa relação, eu sempre tive você como a distante e claramente independente, eu não percebi como você estava sofrendo, até agora.

Pensar que ela passou todo aquele tempo aguentando aqueles comentários que ele sabia que não eram fáceis de ignorar, ele mesmo aguentou por não ter herdeiro mesmo estando casado, se sentia um fiasco como ser humano.

Como deixou aquilo acontecer por tanto tempo?

Ele deveria a proteger!

Leopolda escondeu o rosto entre as mãos, tinha toda aquela frustração acumulada desde que Elengaria ficou grávida, escutou tantos comentários que seria jogada ao vento agora que a esposa principal finalmente teve um filho, e que torcesse para não ser uma garota, pois seria a princesa da casa.

Mas não era aquilo que machucava! Era tudo aquilo parecer real, pois Ricardo nunca a procurava como eram seus deveres, nem precisavam ser um encontro sexual, apenas queria que ele a procurasse!

— Eu só queria que você mostrasse isso… Só um pouco.

Quanto tempo deixou que ela passasse por aquilo?

Finalmente seus braços envolveram o corpo de Leopolda, que começou a tremer com os soluços fortes, o corpo dela não era pequeno como os de suas outras duas esposas, mas era visivelmente mais frágil que o de Ana Bael, conseguia sentir seu corpo mais fraco sem problemas, e aquilo simplesmente quebrou seu coração.

Não sabia como reparar aquilo, nem se tinha como reparar, deixou ela de lado por tanto tempo que sentia que o relacionamento entre eles era impossível de ser refeito:

— Me perdoe, Leo, é tudo culpa minha.

Aquele que era para ser um encontro romântico e calmo se transformou em uma sessão de desabafos e confortos, a culpa de Ricardo apenas aumentava, se perguntava se sua pequena Eliassandra também sentia que era deixada de lado, e Ferrer? Como será que se sentia em relação àquilo tudo?

***

O resto do dia Ricardo tentou compensar o tempo perdido, no começo não tinha esperanças do sorriso de sua esposa de novo, andavam pelas lojas de sobremesas, jóias, vestidos, mas ela apenas acenava com a cabeça de forma quase automática.

Leopolda tentava, mas se sentia culpada por ter machucado os sentimentos de Ricardo, tinha aprendido a se policiar em relação a sua sinceridade, pensava se deveria se desculpar por aquilo.

Acabou dando um pulinho quando sentiu a mão de seu marido segurar a sua e a puxar para uma das muitas livrarias que tinham naquela área comercial:

— Querido?

— Você… Você gosta muito de livros, por que não comprar alguns? — Ricardo ofereceu.

Aos poucos os olhos mais tristes de Leopolda iam se iluminando, com um sorriso mais animado, soltou a mão dele e começou a andar por entre as prateleiras, sorrindo animada como se estivesse num mundo só seu, e claro, Ricardo adorou aquilo.

A aura simplesmente encantada e animada que sua esposa só tinha consigo e com seus interesses, talvez fosse isso que todas tinham em comum: aquele sorriso animado e encantador que elas conseguiam esboçar quando estavam em sua companhia. Um sorriso tão belo que fazia seus olhos brilharem.

Aqueles olhos frios que tantos falavam que Leopolda tinha simplesmente brilhavam quando falava de seus feitos acadêmicos, quando tinha atenção de seu marido ou  falava de seu filho. Os olhos castanhos da consorte de gelo simplesmente ficavam mais calorosos, um calor que ele amava.

Seu sorriso não morria vendo Leopolda começar a vasculhar livros, decidir os que queria levar, os que não queria e ainda explicava o porquê de suas escolhas, aquilo era lindo:

— Tenho certeza que os vi entrando aqui!

— Você está é louco em achar que o rei e a consorte estão andando de bobeira por aí!

Os olhos de ambos se arregalaram, não queriam ser reconhecidos nesse momento, seria complicado que aquele lugar se enchesse de pessoas atrás do favor do rei, só queriam ficar em paz como um casal comum.

Percorreram rapidamente o local, tinha uma porta ali, em outras horas nunca entrariam em locais sem permissão, mas aquilo parecia ser quase uma ideia de vida ou morte para eles, juntos, andaram rapidamente até a porta, a abrindo e entrando naquele local escuro e apertado.

Conseguiam ouvir os passos vasculhando o local, as vozes discutindo sobre a presença do casal na livraria. Os corpos de Ricardo e Leopolda estavam colados, os olhos focados um no outro, os batimentos começaram a acelerar enquanto se encaravam ali, vendo apenas o rosto um do outro.

O silêncio parecia intensificar a tensão entre os dois que sequer piscavam naquela situação.

Os passos e palavras começaram a ficar distante, seja por eles realmente terem desistido, seja por estarem presos no seu mundinho maravilhoso onde não existia nada além do amor que eles cultivavam um pelo outro.

Uma das mãos de Ricardo tocaram o rosto de Leopolda, acariciando sua pele macia, enquanto a outra abraçava a cintura dela, a trazendo mais para perto, aproveitando mais seu calor, os braços da loira abraçaram o pescoço do mais alto, e finalmente os lábios se tocaram.

Ali naquele local escuro, um rei e sua consorte trocavam beijos apaixonados sem se importar com seja lá o que estava acontecendo do lado de fora. Levaram longos instantes naquele momento até o ar se fazer presente.

Mais um longo instante de silêncio entre os dois, até Leopolda dar uma risada, e então deu um passinho para trás:

— Acho melhor irmos para casa, querido, antes que nos peguem aqui.

A voz era baixa, quase… Convidativa, como se realmente fosse algo mais… E talvez fosse.

Leopolda abriu a porta devagar, colocando a cabeça para fora devagar, quando percebeu que não tinha mais ninguém do lado de fora, saiu, sinalizando para Ricardo a segui-la, os dois ainda estavam meio sem jeito com aquela situação, mas não podiam evitar de sorrir.

Os dois que mais pareciam um casal de jovens amantes, dando risadinhas e andando de mãos dadas até a carruagem que estava a postos para eles.

Ricardo ainda era um cavalheiro, ajudando sua esposa a subir com toda a calma que tinha, e agora estavam sozinhos ali:

— Sabe… — Ricardo começou. — Eu já te vi de muitas maneiras, e achei que nunca te veria mais linda do que no dia do nosso casamento. Mas hoje vendo você dando aula atestei, você fica ainda mais linda com esse sorriso.

O rosto da consorte de olhos castanhos sentiu o rosto esquentar enquanto ouvia aquele elogio vindo de seu marido, não estava esperando:

— Querido…

— Isso explica por que certos alunos ficam tão animados.

Leopolda piscou lentamente, encarando o rosto emburrado, vermelho e contrariado de Ricardo, não resistiu e caiu na risada deixando seu marido mais sem jeito, encolhendo seus ombros:

— Você ficou com ciúmes?

— Sim! Eu fiquei com ciúmes, você viu como eles te olhavam? Talvez eu devesse te dar mais jóias!

— Oh não, as jóias de Leopolda são lindas e de bom tamanho, eu sou professora, claro que vão olhar para mim.

Entre aquelas pequenas conversas sobre como Ricardo deveria demonstrar mais, fazer coisas normais de casal como ir buscar ela no trabalho, chegaram ao castelo, ainda riam com aquela simplicidade, de braços dados andando pelos corredores, sorriam como pessoas comuns.

Uma coisa que não eram.

Ricardo era o rei, e aquela era sua esposa, além de ser filha de um dos homens mais inteligentes do continente, aquela simplicidade que tiveram era algo que não iria se repetir tão cedo, por isso deveria aproveitar.

Finalmente chegaram ao quarto de Leopolda, onde toda aquele dia maravilhoso começou:

— Foi um ótimo dia, Leo, eu espero que eu possa te recompensar um dia por… Todos esses anos sendo um fiasco.

Leopolda estava parada na porta, encarando seu marido se desculpar, sabia que um único dia não seria suficiente para que ela de fato o perdoasse por aqueles anos, mas só o fato dele querer consertar, já a deixava mais satisfeita.

Sorriu por fim, se aproximando para abraçar seu marido com força, mesmo que não fosse o machucar, nem se quisesse:

— Eu vou aguardar, Ricardo. — Falou baixo.

Ricardo a envolveu com seus braços, mesmo naquele dia cansativo, ela ainda cheirava bem, cheirava a livros e tinta de pena, um cheiro que realmente combinava com ela:

— Bem… — O rei começou soltando sua esposa. — Acho que é hora de ir…

— Ricardo.

A voz de Leopolda novamente estava com aquele tom convidativo que fazia os pelos da nuca de Ricardo se eriçarem completamente. A mulher deu passos para trás, deixando o caminho livre para ele entrar:

— Entra.

Quase como uma ordem, Ricardo entrou, fechando a porta atrás de si.

 

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