Projeto Corrompido Brasileira

Autor(a): IDK Lily


Volume 1

Capítulo 7: Extra 2

Recleef, Uncheld
11 de maio de maio de 994, 17hrs
Davi Miguel

Uh… que dia de merda, não veio ninguém trabalhar hoje mesmo – reclamou a garota enquanto tragava seu cigarro. – Eu queria, tipo, saca?

– Que o dia tá uma merda? Sei, mas não sei o que você quer – disse o homem puxando o cigarro da mão da outra, o tragando.

– Ei, meu cigarro! – reclamou.

– Quem compra os cigarros sou eu, então eu posso fumar o quanto quiser – disse apontando o cigarro para o rosto da amiga.

– Sabe, Davi? Tu é muito cuzão. – Mostrou o dedo do meio.

– Sei, sei – continuou o fumo.

Todos os dias no fim do seu expediente, Davi ia para o telhado do prédio em que trabalhava, pegava um cigarro e ficava lá até sentir vontade de voltar para casa.

– Ei, Davi – chamou.

– Uhm? Diz.

– Você me ama? – Tentou uma expressão fofa.

– Clara, namoral. – Encarou a garota por um segundo, entregando o cigarro para ela. – É, agora eu também queria, tipo, saca?

– Vai se ferrar – riu com o cigarro na boca.

Consequentemente Clara, sua melhor amiga, o seguia para o telhado, sempre com a desculpa de que estava atrás de cigarro grátis, mas Davi a conhecia muito bem para saber no que ela pensava.

Ele por muito pensou em largar o vício em cigarro, mas, obviamente, é um vício. Também não haviam muitas coisas em Uncheld que chamavam sua atenção, embora ainda houvesse muito o que fazer.

No fim Davi era só um jovem adulto que existia sem importância e sem se importar, acordando, trabalhando, fumando e dormindo. Uma rotina não tão recente, mas apenas com algumas alterações.

Ele olhou Clara por um tempo. Não piscava, mas tinha um olhar calmo e sereno enquanto a encarava. 

Quando ela o olhou de volta, ele virou seu rosto para o horizonte, focando o belo céu roxo de fim da tarde. Clara soltou um sorriso, passando o cigarro.

Davi hesitou em colocá-lo na boca.

As ruas não tinham movimento nenhum, mais calma do que nunca.

E assim seguiu por alguns minutos antes que seu maço acabasse.

Uh, acabou – reclamou Davi. – Bora?

– Beleza.

O caminho para casa era um pouco longo. A dupla precisava pegar vários ônibus e metrôs até chegar no prédio em que moravam, e naquele dia não haviam muitos meios de transporte, então tiveram que ter paciência para chegar em casa.

A cidade de Recleef era um enorme centro urbano com um grande acúmulo de prédios no centro. Na costa e na divisa entre Ayumi haviam favelas com pequenas palafitas.  Davi morava entre esses dois extremos, podendo alugar um apartamento barato.

– Aí, abre espaço… – reclamou.

– Mas aqui é mais confortável – disse Clara se aconchegando cada vez mais no amigo. – Me deixa um pouco.

– … – Encarou. – Ok…

Estavam deitados numa cama. Por passarem tanto tempo juntos, preferiram alugar um apartamento para ambos, embora Davi pagasse a maioria das contas na maioria das vezes.

Por sua cama ficar ao lado da janela do prédio, era possível observar toda a rua em que moravam. 

Começou a chover naquela noite, então havia muitas poças e muitos mendigos se abrigando em pontos um pouco mais altos, como as calçadas e terraços de algumas lojas espalhadas pelas ruas. Essa merda vai alagar, pensou.

Os vizinhos de cima estavam brigando. Um casal. Eles tinham dois filhos, mas todo dia brigavam mesmo que as crianças estivessem olhando. Davi já os pegou brigando nas escadas, e as crianças choravam muito. Mas naquele dia estava pior.

– Puta merda. – E para completar, o vizinho de baixo sempre colocava música alta para finalizar o combo de perturbação, e naquele dia o som estava mais pesado que antes.

Os gritos das ruas também eram frequentes. Sejam mendigos brigando, um assalto, um estupro. Uncheld realmente era um lugar perigoso, mas naquele dia as pessoas estavam mais loucas que o normal.

Davi então colocou um headphone em Clara. Era um bom fone, daqueles que abafam todo ruído do lado de fora.

Ela dormia tão bem. Tão calma.

– Eu queria saber como você dorme tão bem assim – murmurou.

O ambiente começou a ficar um pouco frio. Claro, a chuva ainda estava acontecendo, mas estava mais congelante que o normal.

Uma agulha então surgiu na mão de Davi atráves de um brilho. Ele a encarou por um bom tempo.

O frio aumentou. Era possível ver a sua respiração sair da boca.

A temperatura baixou muito em questão de segundos.

Uma sirene de evacuação soou.

– Que frio – sussurrou Clara.

Davi acariciou sua cabeça e beijou sua testa. Isso fez a garota sorrir.

Um tremor se iniciou. 

Os vizinhos de cima pararam de brigar. Os mendigos e bandidos se espalharam pelas ruas como loucos.

Neve surgiu. A chuva se foi.

– Eu tô com medo – Clara sussurrou.

Davi não sabia o que fazer. Talvez ele pudesse fazer algo, mas não sabia como.

Para confortar a garota, ele a abraçou. Não tirou os fones dela para que não ouvisse o barulho do lado de fora. Ele apenas a abraçou e beijou seu rosto. Ela entendia que aquela era sua forma de dizer que a amava naquele momento.

Os vizinhos pararam de brigar. Agora choravam, pedindo desculpas para seus filhos.

O vizinho de baixo reclamava que não aproveitou nada. Suas reclamações eram tão altas que superaram a música estrondosa.

Até aqueles nas ruas mudaram suas atitudes de repente. Alguns se abraçavam, outros choravam, outros riam, outros faziam tudo isso ao mesmo tempo.

– Me desculpa – disse Davi.

E o tremor parou. A neve parou. O choro parou. Os gritos pararam. Uncheld parou. 

Tudo parou.

Incidente da Era do Gelo, 11 de maio de 994



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