Projeto Corrompido Brasileira

Autor(a): IDK Lyly


Volume 1

Capítulo 8: Extra 3

Centro, Colônia de Vakkert Hav

13 de fevereiro de 121, xxhrs

Kami'en

 

"Na sexta passada algumas caravelas chegaram no porto. Meus vizinhos me chamaram para ver o que os marinheiros tinham trazido, mas eu não estava interessada em ver homens sujos e suados carregando pedras e escravos como se tivessem conquistado algo. Os vizinhos me acham metida, mas eu gosto de imaginar que eu só não curto essas coisas e tenho o direito de não querer participar.

À tarde alguns marinheiros vieram para a vila. Pais estavam oferecendo suas filhas, como sempre. Agradeço por não ter um pai que fique me oferecendo – nem tenho pai, na verdade – mas às vezes os homens do vilarejo me encaram demais. Morar sozinha sendo tão nova às vezes é perigoso.

Alguma coisa passou ao lado da minha casa de noite. Era pequena e estranha, um vulto que não consegui identificar. Acho que era um animal que fugiu das caravelas já que os marinheiros estavam tão irritados gritando para pegar a mercadoria. Tinha sangue na parede da minha casa; do animal talvez, ouvi um grito fino de dor, então deve ter sido isso mesmo. Lembrar de toda noite trancar as portas e janelas com correntes reforçadas.

 

14 de fevereiro de 121

 

Ivor amanheceu brigando. Apanhou de um marinheiro que estava dando em cima de sua irmã, Ama. Ele era bonito mesmo com o rosto ensanguentado e esmurrado. A surra foi feia, mas Ama o tratava como o herói que ele era – admirável. Até os vizinhos o viam como alguém forte que cuidaria de sua irmã até o fim. Eu quero me casar com ele.

Querem fazer um grande banquete hoje. A vila toda, os marinheiros, até o pessoal dos portos. Não sei o porquê de tanta algazarra. Dizem que é porque o lucro da expedição foi alto, então no mínimo deveriam gastar ⅓. Se eu tivesse esse ⅓, eu iria sair dessa ilha claustrofóbica. 

Me convidaram para o banquete, e eu até pensei em negar, mas Ivor e Ama também iriam, então óbvio que eu não iria negar um convite tão convincente. 

Minha melhor roupa estava suja de sangue. Eu a deixei no varal do lado de fora na noite passada. O sangue do animal.

Miserável seja. Vou ao banquete com a minha terceira melhor roupa, já que a segunda também estava suja.

 

15 de fevereiro de 121

 

Beijei Ivor na noite passada.

Não vou sair de casa durante o resto do dia.

 

16 de fevereiro de 121

 

É dia de colheita. Acordei cedo para ir ao campo mais ao norte e aproveitar para colher antes de todos os outros. 

Ivor passou pela frente da minha casa. Ele vai colher cedo também. Vou esperar ele ir embora para poder sair.

Certo, saindo.

Encontrei um garoto no campo; estava vazio. Ele estava sozinho e sangrando. O trouxe escondido para casa. Sua pele é negra. Tem marcas pelo seu corpo. Ele é tão pequeno. Está com febre. 

 

18 de fevereiro de 121

 

Marinheiros passaram pelas casas hoje. Disseram que seguiram um rastro de sangue que dava na vila, e o cheiro do sangue era de preto. Eu escondi o menino, obviamente. Sim, eu ainda estou com ele. Ele é tão inofensivo e fofo, não tem como ele ser um animal que mereça ser morto. Infelizmente esse é o modo que os escravos são tratados. Por sorte os marinheiros não revistaram minha casa, Ivor não deixou e os vizinhos o apoiaram, então consegui me safar. A casa de ninguém foi revistada, mas acho que ninguém além de mim está com um escravo escondido.

O garoto falou 'Khaoz', e se me lembro bem, esse é o nome da terra que está sendo explorada. 

Ele ameaçou chorar, tive que tampar sua boca. Isso o assustou. Mordeu minha mão até sair sangue, tive que apertar com mais força. Se debateu mais do que eu imaginava. Me doeu bastante fazer isso, pareceu que eu estava trazendo à tona um trauma. Tentei o abraçar, e parece que isso funcionou. Ele se acalmou, está dormindo agora. Acho que vou dormir também. 

 

19 de fevereiro de 121

 

Uma situação engraçada aconteceu hoje. Vou explicar: um jarro que estava em cima do meu armário quase caiu na cabeça do garoto, um susto enorme, não dava tempo para eu pular e segurar o jarro, ah, como eu queria poder pegar aquele jarro, mas não tinha como, então o tempo desacelerou como se minha vida estivesse passando diante dos meus olhos, então eu desejei que aquele jarro parasse no ar, e o engraçado foi que ele realmente parou! Uma folha de papel surgiu do nada e o jarro ficou parado no nada. Eu puxei o garoto para longe, óbvio, e fiquei encarando aquilo por horas. Quando tomei coragem para tocar, senti que estava muito duro. Empurrei, não saiu dali. Loucura, mas acho que é o cansaço de ter que cuidar de um menino foragido. Pelo menos os marinheiros vão embora daqui 3 dias.

 

28 de fevereiro de 121

 

Estou numa caverna. Descobriram o menino. 

Estou um pouco mais calma agora, então pensei em escrever um pouco melhor. 

Uma velha da vila descobriu o menino e me denunciou para os marinheiros. Eles invadiram minha casa e tentaram nos atacar. Eu gritei para eles irem para fora, mas continuaram me insultando e me cercando cada vez mais, entrando pela porta dos fundos e pelas janelas. Eles disseram que o menino era perigoso, que ele era fruto do mal de todo o nosso mundo, então deveriam levá-lo para Riki imediatamente. Até que, do nada, mais uma vez aquela folha de antes surgiu e os invasores foram enxotados com força da minha casa, como… saíram voando, como se algo tivesse os puxado para longe. Óbvio, eu aproveitei essa chance e fugi com o menino, agora estou escondida nessa caverna. Por sorte tem alguns grãos e frutas aqui perto, então quando vejo que não há ninguém por perto eu aproveito para colher algo e comer com o garoto. Ainda estou pensando numa forma de fugir desse lugar. Daqui dá pra ver as embarcações ainda nos portos. 

 

01 de março de 121

 

Novos navios chegaram de madrugada. Eu acho que vou morrer.

Eles trouxeram uma cruz, ou algo parecido ao menos. Ela está lá no chão do porto e tem alguns guardas lá esperando… é assustador.

O menino caiu numa poça d'água e bateu a cabeça. Imbecil estúpido, quase se afogou numa merda de poça. Quando parti para salvá-lo, aquela folha voltou e a água se espalhou, deixando o menino livre de morrer no momento. Droga, eu tenho que passar por isso por alguém que nem conheço?

 

02 de março de 121

 

Acordei de madrugada. Merda. Porra. Eles estão arrastando as pessoas da vila para as cruzes? Estão as prendendo lá. Parece ter fogueiras. Eles vão matar todos? Isso é minha culpa. Eu deveria ir lá.

Não.

É culpa dele. 

Esse imbecil. Eu vou entregar ele, assim há a chance de libertarem o povo da vila. Mas por que estou tão preocupada? Eles também não gostam de mim. Eu acho que deveria pensar num argumento bom para limpar meu nome.

Uhm… levantaram as cruzes. Alguns estão gritando de dor. Então eles pregam mesmo os pés e as mãos.

 

Agora vão cremar. Que lo"

 

– O documento acaba aqui – disse o marinheiro.

 

Bah, aquela puta deve ter parado de escrever quando viu esse tal de Ivor ser queimado, né? Eu lembro de ontem, assim que apareceu na nossa frente ela foi logo salvar o cabeludinho – gritou outro. – Ela matou muitos. Pelo menos o capitão cuidou dela. 

 

– Mas cacete, existem mesmo demônios brancos? Pensei que eram só os pretos daquela terra acabada.

 

– Deve ter sido o miserável que fugiu. Ele deve ter amaldiçoado ela e dado aquelas habilidades paranormais. Sorte que eu perdi apenas 4 dedos.

 

– Você tá muito feio com essas porras de dedos. Corta logo o resto pra ficar igual.

 

– Vai se fuder, seu merda! – E começaram a brigar.

 

Estavam limpando resquícios de que outras pessoas moravam naquela ilha  para que pudesse ser povoada de novo. 

Os corpos estavam sendo postos em sacos e jogados em navios para serem levados para outro lugar.

Num pequeno morro mais distante havia um enorme buraco. Ao redor do buraco havia sangue, como se algum ser vivo fosse estourado com força contra o morro.

O garoto foi encontrado e morto no meio da mata. Linchado até perder a consciência. Seu corpo foi levado para Bjorn para ser estudado, já que não servia mais como mão de obra.

Após ler algumas vezes a carta escrita por Kami'en, o oficial general da frota queimou todos os documentos.

Até os dias de hoje o massacre da ilha de Vakkert Hav é tratado como um mito contra o VGM.



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