Projeto Corrompido Brasileira

Autor(a): IDK Lyly


Volume 1

Capítulo 5: Matsuda 5

Instalações de Estudo de Corrompidos Yama, VGM

31 de julho de 1052, 07hrs

Rebeca Matsuda

 

Passaram cinco semanas desde a luta com Atlas. 

Assim que ele foi derrotado, uma onda de choque tomou toda a sala em que estávamos e fomos atingidos por seringas, khaonita provavelmente.

Agora não tínhamos mais a liberdade de antes. Parece que todos estávamos em uma espécie de solitária, níveis e níveis abaixo daqueles de antes. Era escuro e húmido. Na cela tinha apenas uma cama e um vaso. Havia alguma coisa escrita nas paredes, como se alguém trocasse algo para escrever ali, mas era ilegível. Aquele lugar já foi usado outras vezes. Às vezes eu ouvia barulho de goteira, mas não vinha do meu quarto.

Na primeira semana tentei bater nas paredes e gritar, mas ninguém respondeu. A porta era de um metal bem grosso e não tinha nenhuma forma de olhar o lado de fora, nem mesmo fechaduras ou maçanetas.

A primeira vez que trouxeram alguma refeição foram horas depois. Até fiquei feliz pensando que tinha sido salva e quase pulei para abraçar os guardas, mas uma arma foi apontada para minha cabeça. 

Primeiro entram dois guardas armados e me pedem para ficar de joelhos, depois um trabalhador usando um jaleco preto entra e deixa um prato de comida no chão. E assim como entraram eles saem. A porta é trancada e tenho permissão para comer.

Duas refeições por dia, todo dia. Pelo menos isso.

Tive que descobrir algo como passatempo naquele lugar. Depois de três dias eu já estava enlouquecendo. Conversava comigo mesma e notei que aquilo iria foder comigo. Arranjei então uma pequena lasca de pedra no chão e fiquei jogando para cima. Criei uma meta de, a cada dia, jogar mais alto até bater no teto. Como eu sabia que o dia tinha se passado? A primeira refeição é de manhã e a segunda é de noite, foi o que presumi.

Na segunda semana eu tentei medir o tamanho da sala. Do fundo até a porta foram 15 passos, então o que, 4 metros? E de largura uns 5 passos, deve ser 1,5.

 

– ME TIRA DAQUI! 

 

Na terceira semana eu finalmente pude dormir quando descobri como ignorar o barulho da goteira.

Eu estava descansando bem até que três pessoas voltaram a entrar na sala. Não é hora do café…

Quando dei por mim, estava me afogando. 

Era uma enorme mangueira de bombeiro. Um homem a segurava em cima de mim e dois apontavam armas na minha cabeça. 

 

– PARA! – eles não me ouviam.

 

– Troquem – disse um guarda quando a força da mangueira diminuiu.

 

Muita água. Eu limpava meu rosto mas ainda tinha muita água caindo do meu cabelo e do teto.

Ainda não enxergando, senti algo me tocar. Os guardas começaram a tirar a minha roupa, eu me debati e tentava atacar, mas era inútil, eles eram mais fortes.

Me soltaram apenas quando eu fiquei nua, então tentei correr para o outro lado da sala, mas fui pega por uma forte corrente de ar quente. Um secador?

Aquilo durou 4 longos minutos. Quando eles saíram da sala, vi outra roupa pendurada numa cabideira ao lado da porta.

Não vesti ela de imediato. Fiquei ali sentada no chão por um bom tempo.

Na quarta semana não aconteceu nada. Eu apenas estava com mais medo de quando os guardas traziam as refeições. Até para comer eu desconfiava. E se houver algo nisso?, eu pensava. Mas ficar sem comer é doloroso, então eu fazia mesmo assim.

Na quinta semana a porta da minha cela abriu. 

E ficou lá, aberta.

Uhm…

Eu deveria sair?

E ouvi gritos vindo do lado de fora.

Me assustei no início, mas não eram gritos de dor. Eram gritos de felicidade. Alegria. Liberdade.

Eu sorri como uma criança e pulei para o lado de fora.

Todos livres. Um enorme corredor cheio de Corrompidos. Era lindo ver seus rostos chorando de alegria.

Mas, algo estava errado.

 

– Que merda é essa? 

 

Algo pegajoso tocava no meu pé. 

Quando olhei para baixo, travei.

Sangue, tripas e miolos.

Corpos vestindo fardas de guarda estavam espalhados pelo chão. Os que tinham seu rosto ainda inteiro demonstravam uma expressão de dor e raiva.

E a alegria de todos ali se tornou pavor.

 

– Eu… eu… MERD-...

 

– Ei, Matsuda, sem gritos – tocou meu ombro.

 

Saltei com o susto e acabei escorregando no sangue, vomitando por tudo.

 

– Puta merda, me desculpa! – era Moni quem havia chegado. Ela tentou me dar apoio para me levantar.

 

– Moni! – quando notei que era ela, me virei rapidamente para abraçá-la. 

 

– NÃO!

 

Pulei nela e a agarrei com força, nos fazendo cair no chão. Esfreguei meu rosto em seu peito. Agora sua roupa estava cheia de catarro, lágrimas, vômito e sangue.

 

– Sai de perto de mim! Merda, que podre!

 

– Não seja grossa, Moni! – não estava com raiva por ela ser grossa. Estava feliz demais para focar nisso.

 

Eu me esfreguei nela por alguns minutos. Poder finalmente ver alguém conhecido e confiável era tão reconfortante.

Depois que ela conseguiu se livrar de mim usando bastante força, começamos a procurar o resto do grupo. Era um grande circuito de corredores com diversas celas, como se fosse uma labirinto de segurança máxima – o que realmente era. 

Demorou um bom tempo até finalmente encontrar um rosto conhecido. Mais ao fundo, no fim do corredor que estávamos, vimos Rachel ao lado de Geki. Ambos também estavam muito felizes, abraçando um ao outro.

 

– Você deveria ser assim, Moni – apontei para os dois.

 

– Cala a boca, menina do pânico – suspirou para mim e foi em direção a Rachel – Ei, loira falsificada! 

 

– Meu cabelo é natural! – a mudança de temperamento de Rachel foi radical, de um momento de alegria para raiva pura.

 

– Que seja. Cadê o Eloah? Não encontrei ele nesse tempo todo. O que houve com os guardas também? 

 

– Não vai perguntar de mim, amor? – Geki foi ao lado de Moni, a tocando no braço.

 

– Você é nojento.

 

– Desculpa… – não é sua culpa, Geki. Ela sabe como deixar alguém cabisbaixo.

 

– Não vi o Eloah desde que minha cela abriu. Os guardas também são um mistério. É a primeira vez que nos soltam da solitária e não tem ninguém armado pra nos bater.

 

– Bom, sorte a nossa. Não tô mais afim de levar porrada.

 

– Mas todos mortos assim… Será que foi o Eloah? As barreiras foram desligadas?

 

– Calma, isso tudo pode ter sido o Eloah? Será que isso é algum plano de fuga? – saltei ao meio da conversa.

 

– Não sei – Moni encarou a situação – Rachel, Geki, ele falou algo para vocês em algum momento? Isso não parece um acaso.

 

Geki deu de ombros, embora parecesse estranho.

 

– Disso não. Eu não sabia que todos os guardas estariam mortos assim – Rachel bufou – Na real eu pensei que iríamos dar fuga durante a luta já que as ondas de khaoz foram desligadas.

 

– Como assim? – perguntei.

 

– Ué, não lembra do Eloah, da Moni e do Atlas usando seus poderes? Até você ativou sua Auxiliar.

 

– Eles… Puta merda, a gente podia ter fugido! Caralho, que merda, gente! Eu não tava pensando direito! 

 

– Eu pensei que você estava bem a par, mesmo depois do teste. Usou sua chave pra abrir a defesa dele, eu lembro. Me assustei quando fez isso – disse Geki – Eu deveria ter nos teleportado para fora antes disso.

 

– Teleportado? Como assim?

 

– Ah… – Ele travou como se tivesse sido descoberto – Esquece.

 

– Geki, fala – Moni o encarou a poucos centímetros do seu rosto.

 

– O Eloah me fez prometer não contar!

 

– Você vai contar ou eu mato você antes do Eloah ficar decepcionado!

 

– … – Suspirou sem saída – Ele me disse que ia quebrar o sistema da temperatura da instalação. Nesse tempo a barreira de khaonita foi desligada em alguns momentos bem soltos, então eu aproveitei isso pra teleportar e fazer uns favores pra ele…

 

Incrédula. Eu não podia acreditar.

 

– Seu filho da put…!

 

E as garotas me seguraram, embora mostrassem sinais de que também queria matar ele. Eu gritei e esperneei para me soltarem, mas só Moni já era mais forte que eu.

 

– Explica essa merda! A gente podia tá fora daqui?! Você e o Eloah tão envolvidos nisso?!

 

– Ele me disse que estava esperando outro elemento aparecer, aí começou a fazer algo… Eu juro que não sei de nada! Só segui os pedidos dele!

 

– Você é a cadelinha dele, seu merda?!

 

– Eu devo favores! Eu não questiono seus métodos! Se quer saber de algo, pergunte pra ele!

 

AAAAAAAH!

 

No fim consegui acertar um soco nele. Não foi o suficiente para extravasar minha raiva.

 

– Você realmente fez merda, Renan – disse Rachel. – Mas acho que devemos questionar mesmo o Eloah. Nem eu sabia de nada.

 

– Embora o merdinha podia ter dito algo – Moni adicionou.

 

– Vocês são cruéis. Mas eu não tô nem aí pra crueldade de vocês. Eu quero realmente saber o que fazer agora. Eloah não me disse nada. Com todos esses corpos mortos eu penso que devíamos sair da solitária e subir alguns níveis? Talvez as portas estejam abertas.

 

– Não consigo usar minhas luvas – citou Moni – As ondas de khaoz não estão desligadas então.

 

– Como os guardas foram mortos? – perguntou Rachel – Eloah é forte, mas sozinho contra tudo isso não é possível, mesmo usando uma arma.

 

– Eu até acho que ele conseguiria fazer isso só, mas sairia muito machucado. De toda forma, vamos fazer como o Geki disse e subir alguns níveis. Tentem juntar o pessoal por aí e vamos sair juntos.

 

E assim fizemos. 

Geki e as meninas pareciam saber se mover por aqueles corredores e achar a saída, então nos separamos para encontrar outros Corrompidos e formar um grupo maior. Foi difícil, ainda mais com aqueles corredores formando uma espécie de labirinto com todas as paredes e portas iguais; números nas paredes eram as únicas coisas que me guiavam.

Eu consegui reunir um grupo de 13 pessoas – outros negaram me seguir – e voltei pelo mesmo caminho que estava andando até o momento por não encontrar mais ninguém. Quase me perdi em algumas situações, mas pude evitar esse problema ao memorizar os números dos corredores.

 

– Parada! – gritou um guarda.

 

Ele ainda estava vivo, mesmo que com metade do seu corpo destruído. Estava apontando uma arma para mim; na verdade sua mão tremia tanto que acho que não me acertaria nem se tentasse.

Fiquei encarando ele por uns segundos.

Alguns Corrompidos passaram por mim e outros ficaram lá parados esperando que eu voltasse a andar.

Cacete, esse cara ainda tá vivo, e ainda tá apontando essa merda pra mim.

Cerrei meus punhos. 

 

Tsc… – o ignorei, voltei para o meu caminho.

 

– Volta aqui, porra! Sua vaca! – e começou a atirar, mas todos os tiros foram para o teto.

 

Um homem negro, mais ou menos 1,90 de altura, com dreads longos. Ele saltou contra o guarda e chutou seu braço para cima, o desarmando.

 

– Filho da put… – e um soco direto foi desferido no rosto do guarda, o deixando inconsciente.

 

Aquele homem sorriu para mim, como se tivesse feito um enorme favor e não quisesse retribuição.

 

Uhm… – o olhei rapidamente, mas voltei a andar – Obrigada.

 

Não o conhecia, mas era estranha a sensação que ele passou.

Uns 15 minutos depois me encontrei com Moni. 

O grupo que ela reuniu era grande demais, fazia fila no corredor. Ou ela é bem famosa ou muito boa na lábia, duas coisas que eu não sou.

Os Corrompidos que estavam conosco começaram a se juntar, tendo alguns inclusive reconhecendo seus amigos. Eu e Moni ficamos um pouco atrás na espera de Geki e Rachel.

 

– Eles estão rindo muito – comentei.

 

– Bom, acabaram de ser soltos e não estão apanhando de guardas – respondeu – Os guardas estão mortos e estão todos se reunindo assim. Acho que eles sabem que isso é um aviso de uma possível fuga. Você devia se animar também. 

 

Uhm… – eu não conseguia ficar animada.

 

Eu só encarava aquela situação com desconforto, e Moni notou isso, se afastando um pouco de mim e cruzando os braços.

 

Atenção, unidade de contenção nível 3 ativada na solitária 8 – de repente um megafone ligou – Todo e qualquer Corrompido que demonstre resistência deve ser eliminado imediatamente. Repito…

 

– Que porra é essa?

 

Ah… merda – Moni se espantou. 

 

– Moni, que merda tá acontecendo?!

 

– Corre…

 

– Quê?

 

– Corre, porra! Corre logo! – ela avançou contra os Corrompidos na nossa frente e os empurrou – Todo mundo dobra no corredor a esquerda agora!

 

– Moni, me fala o que tá acontecendo agora! – gritei enquanto seguia a corrida.

 

– São os guardas, cacete! Eles podem matar a gente! Não ouviu o megafone?!

 

– Mas é só se resistirmos, né?!

 

– …

 

– Puta merda…

 

Correr naquele corredor era quase impossível. Todos estavam se perdendo no caminho estreito. Uns Corrompidos gritavam de dor por serem espremidos ali, mas ninguém parava de jeito nenhum.

Blam, ouvimos.

Tiros, ótimo. A situação piorava a cada passo dado. Os tiros estavam cada vez mais próximos. Gritos implorando por piedade também chegavam. E uma onda de Corrompidos. 

 

– Geki! – gritei.

 

Ao fundo de outro corredor surgiam Geki e Rachel com outros grupos.

 

– Merda, a gente vai morrer! – gritou Geki.

 

– Cala a boca, seu arrombado! – Moni se estressava com o pessimismo.

 

– A gente vai morrer! – Rachel, por outro lado, já estava chorando.

 

– Merda, merda! Ali, o elevador! – Geki apontava para uma porta ao fim do corredor.

 

E em uma fração de segundos.

 

Ah, não…

 

Todos os Corrompidos se chocaram contra a parede. Foi uma batida forte. Ouvimos barulho de ossos quebrando. Certamente quem estava na frente saiu machucado com o choque, ainda mais com todos de trás os apertando.

 

– Volta, volta! – tentávamos dar informações, mas todos estavam tão agitados que não ouviam.

 

– Eles precisam de um cartão de acesso pra abrir o elevador! – Rachel, por ser baixinha, estava quase espremida entre as pessoas na frente e os de trás. Tive que a puxar um pouco para cima para buscar ar.

 

– Deve ter em um dos corpos! – gritou Moni.

 

– Procura! – Geki logo tentou se lançar ao chão e começou a revirar os corpos dos guardas – Aqui! – ele entregou para Rachel. 

 

– O que você espera que eu faça, porra?!

 

– Você é baixinha, então pisa na cabeça de todo mundo e abre o elevador! – ele pegou nas pernas da loira e a jogou por cima de todos na frente – Vai logo! 

 

Os tiros chegaram até nós.

 

– Parados! – gritou um guarda.

 

– Fudeu…

 

Por causa da agitação, ninguém ouviu ou prestou atenção, então foram todos fuzilados. 

Por estarmos no meio os tiros ainda não chegaram na gente, e Rachel avançou para frente até o elevador, abrindo assim a porta. – Isso!

E todos voltaram a correr.

Avançamos juntos.

Os tiros estavam se aproximando.

Será que vamos caber todos no elevador?

Mais rápido, mais rápido.

E se não couber e eu ficar para trás?

Quase lá, quase lá.

Eu não quero morrer.

E assim que a última pessoa atrás de mim gemeu de dor ao levar um tiro, a porta do elevador fechou.

E eu estava lá dentro. 

 

– Puta merda, conseguimos! – Geki iniciou um estardalhaço.

 

E todos ali gritaram juntos.

Eu estou viva. Eu vou… sair daqui.

Eu chorei. Chorei como nunca antes. Era um choro de alívio, de felicidade.

Rachel voltou a mim e me abraçou com força. Agora ambas estávamos chorando juntas.

Moni, por trás, digitou os números de andar no painel do elevador e, assim que confirmou tudo, socou o painel com força, o quebrando. Sua mão sangrou, mas o elevador começou a se mover, então ela suspirou aliviada.

 

Hehehehe… – Moni começou a gargalhar – Hahahahaha! Saímos da solitária, porra! 

 

– É, mas… – Geki coçou sua nuca antes de falar – O que a gente faz agora?

 

Eh?

 

Uhm?

 

– Como assim?

 

– Tipo, morreu muita gente e tal e… quando chegarmos no último andar, o que a gente faz? Pode ter centenas de guardas nos esperando lá, coisa e tal, sabe? E, considerando que não tenha e consigamos seguir caminho, ainda há outro elevador para sairmos da instalação. Você sabe-

 

Moni socou sua cara com força, o lançando para longe.

 

– Cala a boca, porra! Eu tô feliz pela primeira vez em anos! 

 

Geki sentiu aquilo. Mais do que na cara, sentiu na consciência. 

 

– É, foi mal… mas devíamos pensar nessa possibilidade. O que vamos fazer?

 

– … Aff, que saco. Eu não posso estar feliz uma vez na minha vida – encarou ao redor – Seria legal se tivéssemos pego ao menos a arma de algum daqueles corpos.

 

E o elevador continuava contando os números.

Aaaah, isso é um saco.

Estávamos sem tempo.

Pensa, pensa.

Tentei montar um plano. O elevador era enorme, cabendo centenas de pessoas nele. Era muito alto também – uns 7 metros talvez.

Não tinha outra forma.

 

– No último elevador que eu entrei, a porta que sai era do lado contrário que entrei – iniciei – Aqui é a mesma coisa?

 

– Uhm? Qual é a dessa? – Moni resmungou – Tá com alguma ideia?

 

– Só me responde logo!

 

– Eita, brutinha. Não, não é a mesma coisa. Saímos pelo mesmo lado que entramos. Vai explicar agora?

 

– Se formos lá pra trás, podemos evitar de tomar tiro assim que a situação piorar.

 

– … – Eu falei algo errado?

 

– Novata, quantas vezes forçaram sua Auxiliar nos testes? Tá muito agressiva, menina.

 

Ah, desculpa… é que…

 

– Deve ser o estresse – Rachel comentou enquanto arrumava sua roupa amassada – Mas o plano não é ruim. Se estivermos atrás, vamos ter alguns segundos a mais para pensar.

 

Atenção aos Corrompidos no elevador: se ajoelhem. Se rendam imediatamente com as mãos na cabeça. Os guardas irão lhes algemar e levá-los para suas celas.

 

– Mentira, eles vão metralhar todo mundo – bufou a loira – Bora lá pra trás antes que dê merda – e assim ela fez.

 

Geki a seguiu sem hesitar. Moni demorou um pouco, mas logo começou a se mover.

 

– Eu… – fiquei parada. Estava pensando muito.

 

Moni me puxou com força enquanto eu viajava na minha própria cabeça.

 

– E se nos fingirmos de mortos? Podemos aproveitar quando um guarda se aproximar e pegar a arma dele.

 

– Olha, é uma boa, mas eles são muito mais fortes com os trajes, então não sei se vai dar certo.

 

Uhm

 

Durante a subida do elevador continuamos a jogar planos aleatoriamente até chegar num consenso, mas tudo resultava na nossa morte, seja ela rápida ou lenta.

Bip, o elevador chegou ao seu destino.

Ansiedade. Terror.

Alguns Corrompidos ficaram de joelhos ou até deitados no chão. Outros seguiram em pânico se movendo pela sala. Nós permanecemos ali, na parte de trás, usando dezenas de outros como escudo.

E a porta começou a se abrir. Uma forte luz tomava conta da sala.

Minha cota de tensão hoje tá se esgotando. Qualquer coisinha a mais e meu coração falha.

Nos abaixamos. Discutimos nesses últimos segundos o que iríamos fazer, mas a porta já havia aberto por completo.

Silêncio. Um silêncio quase que absoluto.

Eu imaginava que todos começariam a correr feito loucos e que os tiros viriam, mas estava tão quieto. 

Quando olhei para as pessoas na nossa frente, todos estavam encarando a porta. 

 

Ahem… – uma voz rouca veio de fora da sala – Me desculpem se eu assustei vocês, mas eu acabei vindo aqui na pressa, entendem… 

 

Eu reconheço essa voz.

 

– Esame! – Moni saltou para a frente, pulando entre a multidão – Seu velho miserável, eu vou te matar! – ela parecia muito brava.

 

– Monifa, calma! Eu não tive a intenção! – quando me levantei, pude ver o velho se afastando lentamente – Eu vim aqui porque o Eloah me pediu!

 

– Eu vou matar você e o Eloah, seus cuzões! – tivemos que segurar ela com bastante força, mas era quase impossível.

 

– Moni, vai com calma! Brigar agora não é uma boa não! – Geki levou um tapa bem forte por causa do comentário. 

 

– Moni, para! – agora fui eu que gritei – A gente deveria se preocupar mais em como sair dessa situação! Agradeça por não estarmos sendo baleados agora!

 

Ela ficou em silêncio. Puxou muito ar e deu um longo suspiro. Dava pra notar sua raiva, mas ela tentou sorrir.

 

– Ok, moleca, mas eu ainda vou continuar puta – pelo menos ela concordou e se acalmou.

 

– Ótimo… então, senhor… – apontei para o velho.

 

– Me chamam de Esame,  senhorita Matsuda – sorriu para mim – Desculpe não me apresentar apropriadamente antes. E obrigado por acalmá-la. Eu estou aqui para levá-los comigo para a saída. O Eloah teve muito trabalho, então está cansado.

 

– Então foi ele mesmo que fez aquilo…

 

– Vamos para o salão principal. Pegaremos um caminho que não tenha guardas e com pontos cegos para câmeras, então vocês vão poder sair daqui em segurança.

 

O Esame parecia ter a confiança do Eloah e a Moni o conhecia, então não me senti nervosa em segui-lo. Pegamos caminhos bem estreitos e foi difícil se locomover com tantas pessoas – Acho que estávamos em um grupo com mais de 40.

Vi uns guardas no caminho, mas eles não conseguiram nos notar. Foi tudo bem fácil até chegarmos em uma sala de máquinas com alguns monitores e mesas espalhados por todo lado.

Um grande monitor no centro estava com uma tela azul e uma barra de carregamento quase completa.

 

– O que é aquilo? – perguntei.

 

Ah, aquilo são alguns arquivos da instalação que o Eloah pediu para baixar. Estou colocando tudo num pen-drive.

 

– O que ele vai fazer com aquilo? 

 

– Virar o mundo de cabeça para baixo, sei lá. Ele faz os planos e eu só concordo, então não sei muito.

 

– Parece que ninguém sabe direito o que o Eloah quer, né?

 

– É o que parece.

 

O olhei da cintura até a cabeça. Admito, senti um pouco de desprezo. Lembrei do que ele tinha me feito, mas naquele momento questionar era a última coisa que eu queria.

A sala era escura e gélida. A luz dos monitores era a única coisa que iluminava um pouco dali. Era menos tenso do que antes, relaxante até, como uma sala com aula em slides. Acho que pude me permitir relaxar por causa disso, então me sentei em uma das cadeiras jogadas por aí. Muitos fizeram o mesmo.

Meus olhos estavam tão pesados. Eu podia dormir ali mesmo. Tão cansada. Não conseguia sentir minhas pernas. Um silêncio tão bom.

 

– Que… silêncio…

 

Bam, algo havia disparado. Algo havia disparado bem ao meu lado.

O silêncio de antes foi tomado por um zumbido infernal no meu ouvido esquerdo. 

 

– Matsuda! Matsuda! – parem de gritar, eu já tô ouvindo barulho suficiente.

 

Eu estava no chão, ajoelhada e pressionando minha orelha com força. Senti algo escorrer, talvez sangue.

Com raiva me virei em direção àquele que disparava, e era aquele mesmo homem que me salvou antes. Ele estava com uma arma pequena, uma pistola, que provavelmente havia pego daquele guarda. 

 

– Seu arrombado, quase me deixou surda! – gritei, mas ele mal prestou atenção. Estava mais focado no seu alvo.

 

E quando eu vi seu alvo, eu pude notar.

O General Honda. Ele era gigante e robusto. Usava um terno e luvas pretas, como um assassino profissional. A bala disparada pela arma do homem estava na mão do General. Ele pegou aquilo antes de acertar ele?

Uma expressão de raiva e nojo, assim como quando ele olhou para Eloah.

Ninguém na sala se mexia. Eu. Os Corrompidos. Esame. Até mesmo o General estava ali, olhando para nós com um ar de superioridade.

 

– Eu sou Honda Tadakatsu, nascido e criado numa pequena vila da área rural de Ayumi. Eu cresci pobre, mas não de espírito – ele soltou a bala que quicou no chão e fez um barulho estridente no metal – Cresci com convicções ensinadas por meu pai, minha única família, que me ensinou o que é a justiça verdadeira. 

 

Se aproximou e, gentilmente, agarrou a cabeça de uma criança com uma única mão.

 

– A justiça verdadeira vem do povo de Ayumi, que é sábio e honesto, e tudo que ameaça sua integridade deve ser obliterado – as veias de sua mão eram vistas mesmo por debaixo da luva – E vocês, escória, não são uma ameaça apenas para o meu tão amado povo – e apertando lentamente, a criança começou a agonizar – Vocês são uma ameaça para todo o meu mundo – e a pequena cabeça explodiu dentro da mão do gigante.

 

A gente vai morrer.

 

– Desgraçado! – Moni, vindo por trás, agarrou a arma da mão do homem e disparou contra Honda – Todo mundo…

 

– Corre!

 

Um pânico generalizado se iniciou. 

Moni disparava freneticamente no General enquanto outros avançavam para batê-lo inutilmente – conhecidos da criança morta, provavelmente, ou apenas aqueles que se sentiram afetados pelas ações de Honda.

Esame não sabia para onde olhar. Por um rápido momento encarava a tela de carregamento no monitor, e em outro rápido momento encarava o elefante branco na sala.

E mais e mais pessoas estavam morrendo. Um único soco daquele demônio era capaz de atravessar o peito do primeiro desavisado que entrasse em seu caminho. Cabeças explodiram com simples tapas que não pareciam tomar muito de seu esforço.

 

– Como ele pode ser tão forte desse jeito?! – gritei.

 

– É uma coisa dos Generais! Eles injetam pequenas quantidades de khaonita em seus corpos! Não é que ele seja tão poderoso, mas pra um Corrompido ele é um caminhão desgovernado! – os arquivos foram passados, Esame soltou um "yes" bem baixo enquanto o desconectava.

 

– Mas ele segurou uma bala!

 

– Eu não disse que ele era fraco também! – e puxou o pen-drive, virando para mim com um sorriso de alegria – Garota, eu conseg…-

 

– Esame, cuidado! – o aviso de Moni veio tarde demais.

 

O doutor já estava lá, com o braço do General penetrando seu estômago.

 

– Não…

 

– Eu lhe respeitava, Esame – começou Honda – Você contribuiu muito para nosso Império, mas se deixou levar pelos demônios que nos cercam.

 

– Eles não são demônios, Tatsumaki… – sangue escorria pela boca do doutor – Nós somos bem piores que isso – e ele lançou seu pen-drive para a minha mão – Encontre o Eloah e dê isso a ele… se encontrar meus filhos também, mostre os últimos ar…-

 

E seu estômago foi puxado para fora antes que terminasse. 

 

– … – O silêncio voltou.

 

Esame estava morto. Caído de joelhos, como uma estátua digna de estar em um coliseu.

Honda encarou seu corpo com frieza. Ele não se movia.

 

– Rebeca, Corre – Rachel apertou meu braço com força.

 

– Eu… é…

 

– Rebeca, sai daqui!

 

– Vocês não vão a lugar nenhum, lixo.

 

Eu, obviamente, corri para fora da sala como se nada pudesse me parar

E um rugido enorme veio de lá de dentro. Tiros e gritos, como numa guerra.

Mas eu não olhei para trás. Cogitei, pensei em meus amigos lutando contra aquilo, mas voltar por isso faria esse plano todo ser em vão.

Mas afinal… o que eu deveria fazer? Ainda haviam guardas na instalação e eu não sabia onde Eloah estava. Eu estava correndo na intenção de algo acontecer, mas era bem inútil. Firmei então na minha cabeça que manter o pen-drive seguro era o mais importante. Me esconder e, com sorte, ser encontrada pelo meu grupo.

 

– Parada aí! – homens armados. Muitos homens armados.

 

O "parada aí" deve ter sido por costume, pois logo começaram a atirar contra mim.

Entrei no primeiro corredor que vi. E continuei a correr.

Na próxima esquina notei sombras, então dei meia volta e entrei por outro corredor. 

Me sentia em um jogo infinito em notar ou ser notada e virar para outro lado.

Estava ficando tonta pelo cansaço. Minha mente… tá tudo branco.

E minha perna foi baleada. A primeira vez que tomei um tiro de verdade. 

Eu caí.

A bala atravessou minha panturrilha.

Mas eu não soltei o pen-drive.

Me arrastei. Ainda havia forças nos braços e em uma perna, então eu não deveria parar.

 

– Sua puta, pare quando mandarmos! – pisaram com força na minha perna baleada, eu gritei de dor – Que merda é essa na sua mão?!

 

– Vai se fuder – murmurei, mas bem que o guarda ouviu.

 

– Então morra – quando senti o cano de sua arma tocando minha nuca, o disparo veio.

 

Mas não em mim.

Ele caiu bem ao meu lado. Agonizando em dor, se engasgando em seu próprio sangue.

E um tiroteio se iniciou.

 

– Aí, Matsuda! – Eloah?

 

Quando me virei, vi uma pequena garota avançando contra uma dúzia de homens armados e, um por um, matando todos até chegar em mim, me puxando pelo braço.

 

– Tu é a menina mais forte que eu conheço! – não sorri assim pra mim… eu quase morri – Bora sair desse lugar!

 

– Você… consegue usar seus poderes? – ele estava me apoiando em seu ombro, mesmo aparentando estar cansado também.

 

– Não, eu estou usando as armas que consigo no caminho. Imagino que as ondas de khaoz vão ser desligadas logo, mas não tenho certeza de quando!

 

– …

 

– Que foi?

 

– Seu puto, você tinha tudo em mente já…

 

Ah, não, desculpa – ele bateu a ponta da arma na cabeça, fazendo uma expressão idiota – Eu tinha só uma base, sabe? Também tô seguindo as dicas de outro cara.

 

– Eu fui inútil aqui… Eu não fiz nada…

 

– Se não fosse por você, esse pen-drive já estaria destruído!

 

– Tem gente mais bem qualificada para isso aqui…

 

– Para de ser pessimista! A gente vai fugir! Olha, estamos quase na saída!

 

Ele apontou para um portão aleatório.

 

Heh… – embora pudesse parecer forçado, aquele sorriso de canto foi o mais espontâneo que eu poderia soltar naquele momento – Eu quero tanto dormir.

 

– Quando sairmos daqui, você vai dormir muito, Rebeca.

 

– Sim, claro que vão – uma voz grossa e imponente veio por trás.

 

Oh, merda.

 

– Eloah, eu cansei de você.

 

– Só veio cansar agora, Honda? 

 

– Morra logo.

 

Pela sombra à nossa frente, um soco direto viria em nós dois.

Eloah me empurrou com força para o lado, nos esquivando do golpe.

 

– Vai, Rebeca! Corre!

 

E ele começou a atirar para distrair.

Eu fui do lado contrário, mas não era de nada. Correr cansada e com a perna machucada era horrível.

Acabei caindo devido a fraqueza. Minha respiração estava tão pesada que mal podia ser considerado como respirar.

Eu chorei de dor.

 

– Não vai dar não…

 

Eu ouvi o combate entre Honda e Eloha. Eloah não gritou e os tiros continuavam, então considerei que o combate continuava igual.

Nessa hora eu senti na minha mão a arma de um dos guardas mortos.

Era como um fuzil bem grande e gélido.

Tentei levantá-lo com uma mão, mas era muito pesado.

 

– Eu não consigo mais correr…

 

Então me virei, olhando em direção à luta.

 

– Que se foda… – eu peguei a arma e mirei em direção ao General – Aê, Honda! 

 

Quando ele olhou… Bam, acertei em cheio na sua testa, mas não parece ter surtido muito efeito, então continuei atirando e atirando e atirando.

Não parei, nem para piscar, nem para respirar. Não dava mais atenção à dor. O coice daquela arma era pesado, mas eu não me importava. Eu só queria matar aquele desgraçado.

Ser baleado por mim e por Eloah o deixou confuso, mas ele tentava se manter em zigue-zague, atacando Eloah e se aproximando de mim.

O próprio Eloah não queria permitir isso, mas era quase impossível combater aquele cara apenas com armas. Ele estava sentindo dor, era óbvio, mas aquilo não pararia ele.

Ele estava se aproximando.

 

– Matsuda! – a voz de Geki – Eu vou tirar a gente daqui!

 

Eu ignorei. Continuei atirando. A munição daquela arma parecia infinita.

 

– Falta alguns segundos! – Eu não tô nem aí pra o que você quer, Geki. Eu vou matar ele – Segura ele!

 

6 metros. Eu estava com medo de morrer. 4 metros. As lágrimas antes da dor agora eram lágrimas de pavor. 2 metros. A mais pura adrenalina que já senti na minha vida. 

 

– Deixar vocês vivos para estudos foi o pior erro – eu vi a morte de frente. – Então vou matar todos.

 

Eu vou morrer.

 

– Vamos sair daqui – Geki? Quando voc…-

 

Um apagão, e algo parecido a um glitch de computador. De repente, estávamos ao lado de Eloah. 

 

– O quê?

 

– Puta merda, vamo Bora!

 

E mais uma vez o glitch surgiu.

E uma luz.

Uma luz tão forte.

Luz natural.

 

– Isso… é…

 

– O sol! Hahahaha! Finalmente, esse é o Sol! – os gritos de alegria vieram de Eloah. 

 

Quando minha visão se adaptou, pude olhar para ele e ver seu rosto.

Ele… estava chorando de alegria. Não só alegria, era um misto de emoções. Ele parecia tão confuso, mas tão bem com tudo aquilo.

Notando ao meu redor, vi muitos outros ao meu lado: Rachel, Moni, Geki… o cara que me salvou?

De toda forma, vi muitos rostos conhecidos ali, todos os Corrompidos que estavam comigo na instalação. Todos tão alegres… tão bem.

Estávamos realmente do lado de fora.

Fugimos. Finalmente saímos daquele inferno.

Eu queria me permitir sorrir, mas quando fechei os olhos notei algo estranho:

 

– Que corrente de ar forte… 

 

Quando olhei para baixo notei uma mata densa com enormes árvores. E elas estavam se aproximando cada vez mais.

Estávamos… ESTAMOS CAINDO?!



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