Projeto Corrompido Brasileira

Autor(a): IDK Lyly


Volume 1

Capítulo 2: Matsuda 2

Instalações de Estudo de Corrompidos Yama, VGM

25 de junho de 1052, 14hrs

Rebeca Matsuda

 

Quando finalmente pude acordar, não conseguia sentir meu corpo; meus sentidos estavam totalmente conturbados. Um zumbido infernal não me deixava em paz e minha visão estava turva.

 

– Minha cabeça… – Tentei falar, mas falhei. Minha voz estava trêmula demais e saia baixo até mesmo para eu poder ouvir. – Alguém… tem alguém…?

 

Era frio. Meus sentidos voltaram lentamente. Quando me dei conta, estava em uma enorme sala branca. As paredes, o teto e o piso eram completamente iguais, não tinham um detalhe sequer.

As fortes luzes dali quase me cegavam. Mal tinha voltado a enxergar e já estava voltando a ficar cega.

Se ficasse ali por mais alguns minutos era possível que enlouquecesse.

 

– Estou entrando. – Até eu ouvir uma voz rouca vindo de fora da sala.

 

Junto da voz pude ouvir também o som de engrenagens girando. 

Já na parede à minha frente vi uma abertura sendo criada, como uma porta abrindo na vertical.

 

– Me desculpe pela demora, eu estava em uma reunião justamente sobre você. – Uma silhueta baixinha e gorda surgiu entrando na sala. – Mas é realmente incrível como você esteve fora do radar mesmo estando em cima das instalações de estudo. – Era um homem estranho e calvo. Seus olhos apertados e olheiras enormes eram assustadores.

 

– Instalação de… estudo? – perguntei, mesmo ainda com a voz fraca.

 

– Na verdade é uma prisão, também funciona como campo de estudo e é melhor chamar assim para não assustar os jovens, né? – gargalhou como se tivesse feito uma piada incrível. – Mas, bom, seja bem vinda, senhorita Rebeca.

 

– Mas que merda você… – Tentei me levantar, mas falhei indo de cara no chão.

 

– Calma, calma. Não vou te machucar. – Ele então se aproximou, ficando a minha frente. – Eu sou um dos poucos aqui que vai te tratar feito gente de verdade.

 

Eu estava com tanto medo. Não sabia se meu coração estava acelerando ou parando a cada segundo naquele lugar. Naomi, pensei. Eu queria que ela fosse me salvar. Tão frio.

 

– Você parece confusa, senhorita Rebeca. – O homem começou a olhar sua prancheta – Nome bonito, sim, sim. Nome bonito para uma garota bonita.

 

– Cala a boca! – Me esforcei para tentar ir contra ele, mas meu corpo mal respondia.

 

– Você é muito agressiva para alguém assustada, não é mesmo? Por favor, se acalme um pouco –  Ele se aproximou de mim, estendendo sua mão – Venha comigo.

 

– Não me toque! – gritei me arrastando para longe dele.

 

– Assustada, hein? – Suspirou fundo. – Não me impressiona.

 

– Me deixa ir embora. – Senti lágrimas descerem pelo meu rosto. – Eu quero meus pais.

 

– Infelizmente, senhorita, isso vai ser impossível. – Coçando sua careca, o homem começou a encarar ao redor. – Então, não tem como te tirar daqui. Você pertence a esse lugar agora. Venha comigo.

 

– Não vou a lugar nenhum!

 

Uhm… – Nos encaramos por alguns segundos, uma situação extremamente desconfortável, mais do que já era. – Então, eu estou saindo. Quando se sentir confortável saia da sala e siga pela plataforma até o elevador no final. Eloah estará te esperando lá embaixo. – E com um último suspiro saiu da sala sem nem olhar para trás.

 

Ele se foi.

Depois que saiu da sala ainda era possível ouvir seus passos sobre algo que parecia ser feito de metal; tão pesado. Mas logo o silêncio tomou conta. 

Assim que me vi sozinha me desesperei, chorando entre berros e lamentos, abraçando minhas pernas. Tanto medo.

Acho que no meio de toda aquela situação desmaiei. Sinto isso porque, em algum momento, me vi atordoada e mais fraca que antes. Boca e garganta seca. Estogamo vazio, estava doendo. Senti um forte formigamento pelo meu corpo e ainda estava frio. Quanto tempo passei ali? Talvez longas e longas horas.

Resolvi levantar e, lentamente, andei até a porta da sala. Meu corpo se mexeu sozinho, eu não tinha coragem para sair dali por vontade própria.

E após pôr a cabeça para fora e tentar me acostumar com a diferença de iluminação para aquela sala branca, notei algo totalmente assustador para mim.

 

– Mas que merda… – O lado de fora da sala não era nada além de uma enorme plataforma de metal que seguia até uma outra porta; talvez o elevador.

Não havia corrimão naquela plataforma, e abaixo dela era apenas um enorme abismo escuro, não tinha fundo visível, só escuridão. Tive que me agachar e seguir caminho assim para não correr o risco de desmaiar e morrer de queda.

 

– Fica calma, Beca…! É só uma ponte – continuei com uma expressão de puro terror. – Você tá acostumada com coisas piores… eu acho.

 

Quando me dei conta já havia chegado no fim da ponte onde havia uma enorme cápsula com uma porta que imediatamente abriu.

 

Uhm… – ergui minha cabeça e encarei aquilo ainda trêmula.

 

Como eu iria confiar nisso? Eu não quero entrar

Aquilo obviamente não era um sonho, era real demais para ser, mas o que eu poderia fazer?

Respirei fundo e cerrando meus punhos pulei para dentro do elevador que rapidamente fechou suas portas e começou a descer. 

Era muito rápido, como se descesse vários andares em menos de um segundo. Senti que iria vomitar, aquela velocidade na minha condição não era nada bom. Vou desmaiar. Tive que me agarrarar num corrimão que tinha dentro.

As paredes do elevador eram transparentes, então podia ver o exterior: engrenagens, enormes canos de metal e fios, acho que as paredes daquele lugar eram mais um amontoado de coisas do que paredes de verdade. 

Fechei meus olhos por medo e gritei. Não parecia ter fim. Eu não sinto minhas pernas! Eu vou morrer!

 

Uh? – E a escuridão daquele abismo começou a desaparecer lentamente na medida que eu descia, como uma luz no fim do túnel. – Eita, eu morri? – E a velocidade começou a diminuir lentamente até finalmente parar. Eu morri.

 

Quando já havia aceitado meu destino, a porta do elevador abriu do lado contrário que entrei. Eu havia chegado ao fim daquilo.

Tive que me arrastar para fora, achei que todo meu sangue estivesse no cérebro.

 

Uhm… – Não sei se tô no paraíso ou no purgatório. – Esse lugar é tão estranho.

 

Olhei ao redor e me levantei, me apoiando nos joelhos. Era um corredor gigante que não parecia ter fim.

 

– Eu sei, né.

 

Hein? – Uma voz feminina, como a de uma criança. – Mas o quê? – Olhei ao redor, mas não consegui encontrar ninguém.

 

– Atrás de você. – Tomando um enorme susto pulei para a frente e me virei, notando a presença que ali estava. Uma garotinha, por pouco passava da minha cintura. – Prazer, novata – Ela esticou suas mãos para mim e deu um forte aperto. – Bem vinda ao inferno.

 

Eh… valeu? – Então é realmente o inferno. Aquilo era tão confuso.

 

– Você deve estar cheia de dúvidas, né? Que tal darmos uma volta enquanto eu te explico toda a situação? – Ela tomou controle da coisa. Pegou minha mão e começou a me puxar pelo enorme corredor em que estávamos. – Então, por onde eu deveria começar?

 

Ela era baixinha e tinha uma pele negra, como os habitantes de Khaoz. Seu cabelo era enorme, dava pra notar, pois mesmo amarrado em um rabo de cavalo ainda assim chegava à sua cintura; as pontas vermelhas como o sangue era com certeza o que mais se destacava. Além de um enorme sorriso estampado em seu rosto, como o de uma criança que iria ao parque. Notei também em sua roupa: um jaleco verde, como os que pacientes de hospitais usam. Eu também estava usando uma parecida.

 

– Ok, então. Já sei – Ela apoiava seu lábio inferior com o polegar. – Estamos em uma base de estudo de Corrompidos, debaixo do Monte Yama-

 

– Ainda estamos em Yama?! – gritei, agarrando suas mãos.

 

– Embaixo, sim. É onde a base fica. Tem uma em Toga, mas aqui é mais seguro por não levantar tantas suspeitas.

 

– Eu posso sair daqui?

 

– Você tá indo rápido demais, se acalma. Mas não, infelizmente não pode. 

 

– Quê? Por quê?! 

 

– Você é propriedade do governo agora. Vai ficar aqui presa até não ser mais útil – sorriu pondo a língua para fora.

 

– Não, não, não. Isso tá errado demais! Muito errado! Calma, o quê?! Não!

 

– Sim, eu sei. É pra ser errado, saca. Mas já que você também é uma Corrompida, fica mais fácil de explicar.

 

– Como assim Corrompida?

 

– Você sabe, seus poderes. Qual objeto você tem? 

 

– Objeto… poderes… tá falando da minha chave?

 

– Uma chave, sério? Deve ser bastante útil, eu acho.

 

Como ele sabe da minha chave? Nem mesmo meus pais ou a Naomi sabem disso

 

– Como você… – questionei.

 

– Porque também sou um Corrompido, quase todos aqui somos.

 

– Não tô entendendo nada. Isso me impede de sair daqui?

 

– Você parece bem confusa pra uma Corrompida com 17 anos, mas acho que é meio óbvio que seja assim, já que não existem muitos outros lá fora.

 

– Dá pra explicar melhor o que tá acontecendo?! Você tá me deixando mais confusa!

 

– Ok, então… uhm… – Ela parecia pensativa. – Ok, é muita informação, então você vai precisar ter paciência.

 

– Eu não sei…

 

– Nós estamos em uma instalação de estudos criada por um governo antigo, ainda mais antigo que o VGM, com o intuito de estudar os Corrompidos: humanos manipuladores de Khaoz. 

 

– Tá falando da pedra ou do país?

 

– Da Khaonita, sim, ela é um material que acumula a energia chamada Khaoz, os Corrompidos também são capazes de fazer isso, a diferença é que um é uma pedra e o outro não.

 

– Eu só…

 

– Sabe o seu objeto, uma chave, você disse?

 

– Sim, é uma chave! Mas-

 

– Um Corrompido consegue usar o Khaoz em seu corpo para projetar um objeto que chamamos de Auxiliar, assim como você faz com a sua chave.

 

– Calma, humanos têm isso no corpo?! Não é radioativo?!

 

– Corrompidos já nascem com Khaoz, é natural, nada radioativo ou mortal, a menos que seja usado perto de outros humanos normais por muito tempo. Além de que-

 

– Pera, pera! Cala a boca! – acabei me exaltando.

 

Eram tantas explicações. A única coisa que consegui fazer foi gritar.

Paramos ali mesmo enquanto eu tentava raciocinar.

 

– Ok, hehe… – Ela parecia assustada, mas continuava a sorrir de um jeito forçado. – No seu tempo.

 

– Me desculpa – respirei fundo e soltei – Eu… perdi a linha.

 

– Não, não! Tá tudo bem! Eu deveria explicar melhor! – Ela estava realmente incomodada. – Onze anos fazendo a mesma coisa e ainda assim faço errado? Idiota, idiota – Começou a murmurar.

 

Eh… você tá bem?

 

– Ok, vou tentar explicar melhor. O que você não entendeu?

 

– O começo e o resto. Mas deu pra pegar alguma coisa.

 

– Ok, uh… O VGM quer nos estudar. Corrompidos são extremamente perigosos, nossa personalidade muda dependendo do tanto de vezes que usamos nosso objeto; ficamos mais agressivos. Existe um limite de vezes, sabia? Até enlouquecermos.

 

– Pera… quê? 

 

– Quanto mais um Corrompido projeta seu objeto, mais louco ele fica. Quantas vezes você usou?

 

– Umas… não lembro, talvez umas 70? Dezenas ou uma centena, eu acho. Não descobri faz muito tempo.

 

– Dezenas? Mais de vinte?! Caramba, seu objeto deve ser uma merda.

 

– Qual é?!

 

– Quanto mais fraco e inútil, mais vezes você pode usar. É tipo um bônus por ter algo tão ruim. Mas o efeito se mantém.  Acho que você já sentiu alguma vez que ficou diferente depois de usar.

 

– As vezes eu sinto uma mudança de humor sim. Mas tá dizendo que minha chave é ruim? – Aquilo era degradante, mesmo que eu ainda não entendesse muito da situação.

 

– O que tua chave faz, precisamente?

 

– Abre… trancas….

 

– Qualquer tranca?

 

– Sim, qualquer! Isso é bom, né?!

 

– Ruim, dependendo da porta qualquer um pode arrombar.

 

Uhm… – A realidade nua e crua.

 

Calma, eu perdi o rumo da coisa. O que aquela garota estava fazendo? Ela tirou toda minha concentração. Eu ainda estava presa, ainda estava com fome e ainda estava com medo. Por que uma conversa tão casual assim sobre poderes e… Corrompidos? Preciso voltar pro meu ponto

Me abaixei e apoiei as mãos em seus ombros, a encarando nos olhos.

 

– Olha, eu quero sair daqui – falei.

 

– Foi mal, garota, mas eu já te disse que só sai daqui num saco preto.

 

– Não tem nenhuma forma de sair daqui? Já sei! Minha chave! Se eu usar, posso abrir qualquer porta! Não é tão inútil assim, né?!

 

– As paredes são revestidas de Khaonita.

 

– E daí?!

 

– Khaonita processada, cancela o fluxo de Khaoz. Ninguém aqui faz nada se for um Corrompido. Não são tão burros de nos deixar como quisermos.

 

– Mas é que… eu… Não podem fazer isso!

 

– O quê?

 

– É! Não podem me prender! Eu sou uma das melhores alunas do Centro de Ensino de Yama! Já até participei de alguns concursos interescolares! Minha família é normal, eu sou normal! Não vou ficar aqui!

 

– Deixe de birra. Ninguém tá aqui porque quer.

 

– Cala a boca! – Avancei contra ela, a agarrando pelo pescoço.

 

Fiquei por cima do seu corpo, a imobilizando. Comecei a sufoca-la. Eu estava colocando muita força naquilo. Talvez fosse a adrenalina? 

Ela não parava de sorrir mesmo que eu estivesse apertando seu pescoço. Obviamente estava sufocando.

 

– Eu não quero ficar presa! Por que tem que ser assim? – Comecei a chorar. Era óbvio, eu só tinha pose de durona, ninguém naquela situação iria se sentir tranquilo.

 

– Olha… Acredite, não precisa ser, mas… – Ela segurou meus pulsos e encarou fundo nos meus olhos – Você ainda tá confusa… Me deixe te mostrar a situação…! Talvez você possa pensar melhor!

 

– Como? Você mesma tá insistindo que não tem como sair daqui! Eu não quero viver aqui!

 

– Me solta… e eu te explico… – Ela estava roxa, o que me assustou e me fez larga-lá.

 

Ah, droga! Desculpa! Eu não sei o que eu tava fazendo!

 

Ela tossiu e respirou fundo. Foi traumatizante ver alguém sufocando e buscando ar por minha culpa. Tremi e voltei a chorar entre falas sem sentido.

 

– Ei, ei! Calma aí! – Levantou-se lentamente e ergueu as mãos mostrando que estava bem, embora a respiração ainda estivesse pesada. – Eu vivo! Caramba, isso vai ser difícil…

 

Eu estava de joelhos e balançando as mãos freneticamente. Agora quem estava sem ar era eu. A garota tratou de me acalmar e segurou minhas mãos até eu estar atônita. Ela me olhou com tanta pena. Encarei a parede à minha frente sem reagir.

 

– Veja bem, Rebeca, a situação aqui é horrível, e deve ser assustador uma mudança tão grande. Eu estou aqui há anos, me capturaram assim que nasci – apertou minhas mãos com mais força. – Mas saiba, para mim e para os outros Corrompidos aqui você é tão humana quanto todos que trabalham nesse laboratório gigante. Então, por favor, confie em mim agora: eu não vou deixar nada de ruim te acontecer. 

 

Tanta certeza em sua voz, como uma líder. Era admirável a forma como me encarava, dando um pouco mais de força.

 

– Eu conheço bem as coisas aqui e posso te ajudar no que for, mas você precisa me escutar, entender e seguir o que digo. Você pode fazer isso?

 

Silêncio.

Engoli o choro enquanto olhava para seus olhos enormes e brilhantes. Ela parecia tão cheia de vida, mas até agora só ouvi que ali era o inferno. Nada mais tiraria aquele medo de mim.

Puxando o ar numa respiração profunda, falei num tom quase inaudível:

 

– Eu não vou morrer, não é?

 

Tomou uma fração de segundos para responder.

 

– Não, não vai. Eu não vou deixar, assim como não deixei com que meus amigos aqui sofressem mais.

 

– Como?

 

– Você vai me escutar?

 

– Eu… – ouvi passos vindo de um canto do corredor. – Eu vou…

 

– Projeto 47, você está demorando demais – disse um homem ao lado de um acompanhante, ambos usando jalecos e máscaras brancas como médicos. – Precisamos do novo objeto.

 

– Ei, o que eles… – Fui puxada pela garota para trás.

 

– A menina não é um objeto, ok? E ela acabou de chegar, ainda vou apresentar a instalação.

 

– Me desculpe, Senhor, mas ela pode fazer o que for após seu primeiro teste. – Um dos homens se aproximou mais, esticando sua mão até mim.

 

Obviamente tentei recuar rapidamente, mas mais ainda rápido foi a reação da garota que segurou o antebraço do médico.

Parecia segurar com força, era possível notar seu braço inchar de tão forte. A garota o encarou com firmeza.

 

– Ela vai, mas não toque nela. Não a force a nada, faça o teste rápido.

 

As palavras dela me confortaram de certa forma, passando um ar de proteção, mas ainda me assustava. Por que tanta cautela com esses médicos? Claro, com tudo que eu ouvi e vi naquele lugar, era óbvio que coisa boa não era.

 

– Sim, eu vou. – O médico parecia sentir bastante dor, como se fosse se ajoelhar ali mesmo, mas logo a garota o soltou.

 

– Ok. – A garota se voltou para mim e ergueu a cabeça para mim – Beca, querida, você vai ser mandada pra uma sala para fazer um teste, e eu te garanto que vai ser o primeiro e último. – Segurando minha mão com vontade, pude sentir todo carinho que ela podia oferecer naquele momento. – Seja forte, eu irei te buscar assim que acabar.

 

– Eu… é… – A encarei e logo em seguida aos médicos antes de me decidir: – Eu vou.

 

Os homens abriram espaço para que eu pudesse passar, e a garota calorosamente sorriu para mim me ajudando a levantar.

 

– Aliás, me chamam muito de Eloah por aqui! – Ela gritou antes de sumir de vista.

 

Eloah, pensei. Esse era o nome que nunca iria sair da minha cabeça.

 

No caminho que me fizeram seguir pude sentir a frieza daquele lugar a cada passo que eu dava. Era pesado, algo torturante. As paredes brancas de metal eram assustadoras, consegui notar manchas de sangue nela, embora pensasse que fosse minha imaginação. Estou enlouquecendo.

Paramos em frente a uma porta pequena, na qual só seria possível entrar agachado. Ela se abriu na vertical e um dos médicos tentou me empurrar, mas o outro, com o braço machucado por Eloah, o impediu.

 

– Entre – disse o médico.

 

E assim fiz. Como eu disse, só era possível passar por ali se agachando, então me abaixei bastante para isso. 

Quando entrei a portinha se fechou o mais rápido possível, como se tentassem evitar que eu fugisse.

Agora olhando o quarto em que eu estava havia apenas dois objetos: um balde cheio com um líquido de aparência metálica e uma cadeira logo ao lado. Aquela sala era vezes mais gelada que toda a instalação.

 

Objeto Rebeca Matsuda, em processo de pesquisa para intitular, 17 anos de idade, mestiça nascida no Monte Yama – disse uma voz vinda de um alto-falante. – Sente-se na cadeira à sua frente e ponha os pés no balde abaixo.

 

– Eu não sei… isso é…

 

Siga minhas instruções e ficará tudo bem. – Ele suspirou fundo antes de voltar a falar – Eloah logo virá buscá-la.

 

De alguma forma ouvir o nome de Eloah me deixava confortável; não nos falamos muito desde que cheguei aqui, mas havia algo nela que me acalmava.

Então eu segui as ordens que me foram dadas, me sentando e pondo os pés no balde.

 

Eh… – A sensação era meio pegajosa. – O que tem nesse balde? Não é água.

 

Khaonita líquida. – O quê?!Iniciando testes, tente sobreviver.

 

– Mas o qu… – E quando menos esperava, senti uma dor tremenda percorrer por todo meu corpo.

 

Era como se um fio desencapado tivesse sido solto naquele balde. Tentei pular e sair dali, mas senti que algo me segurava e me impedia de tirar os pés ou de me levantar daquela cadeira. Mal consegui segurar minhas lágrimas e gritos de desespero.

Minha memória é turva sobre o teste, mas sei que gritei por vários minutos até desmaiar e acordar totalmente dolorida no chão daquela sala até um guarda me levantar e todo aquele mesmo processo se repetir pelo menos cinco vezes. 

Me tira logo daqui, eu pensei.

Minha cabeça estava para explodir. Implorei em gritos de desespero como um animal pedindo por clemência, mas nenhuma resposta. Mesmo que eu não pudesse ver os rostos dos cientistas de lá, eu sabia que eles estavam me observando a todo momento com suas pranchetas nas mãos. 

Fraca. Inútil

Socorro.

Não lembro quanto tempo fui submetida àquilo. Estou... morrendo. Não parecia ter fim. 

 

Teste finalizado – disse a voz do alto-falante após um tempo. – Expansão de aura com alcance de 3m². Liberar Corrompida.

 

E fui solta, largada no chão até finalmente desmaiar. Sinto que foi melhor assim. Quanto mais tempo acordada mais eu sentia dor. É, é, pensei. Melhor assim.



Comentários