O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 2

Capítulo 70: Às Compras

Era uma manhã linda em Salem, com um céu aberto, pontuado por poucas nuvens solitárias que permitiam ao sol irradiar seu calor pelas ruas da cidade. 

Ragnar e Havoc continuavam na loja do amigo vampiro Sinistro, sentados na mesa de sempre, terminando a garrafa de vinho e conversando sobre o que fazer a seguir.

— Fico feliz que as entrevistas foram um sucesso — disse Havoc. — Jurava que você iria recusar alguns dos meus ex-colegas.

— E por que eu faria isso? — perguntou o druida.

— Achei que só iria aceitar os melhores.

— Eu preciso de mão de obra para iniciar a reforma do Santuário, vai dar um trabalhão, e será a última coisa que farei antes de partir para a próxima região, mas primeiro vamos dar um fim à seita. Mudando de assunto, o que você acha que aqueles cinco novatos vão fazer agora?

— Nossos novos recrutas vão provavelmente limpar o quadro de missões da cidade.

Fazia sentido. Todos eles estavam alguns níveis abaixo de Ragnar, então as missões mais difíceis ainda valiam a pena.

— A gente ficou bastante tempo aqui, né? — Havoc cruzou os braços e olhou para o teto. 

Ragnar concordou e mudou de assunto:

— Que tal irmos às compras? Fora a minha arma, meu equipamento está bem defasado. Agora que embolsamos o dinheiro do evento, é uma boa oportunidade para nos preparar para a grande ofensiva.

Havoc descruzou os braços e falou, entusiasmada:

— Vamos.

Levantaram-se quase ao mesmo tempo, caminharam até a saída, despediram-se do vampiro e caminharam em direção ao centro da cidade.

— Vamos aonde primeiro? — Havoc perguntou.

— Como vamos nos preparar para um evento importante, pensei em darmos uma passeada pelas lojas do distrito mais elitizado daqui. Tenho certeza que vamos encontrar muita coisa boa por lá, mas é claro, vai custar muito dinheiro. 

— Eu sei, então deixa comigo. Vou te mostrar as melhores lojas.

Mesmo sendo familiar com os equipamentos da espadachim, Ragnar parou para analisá-la de cima para baixo. Além da espada, nenhuma outra peça aparentava ser especial, por isso indagou:

— Como você conhece as lojas daquele distrito se tudo é tão caro?

Havoc deu uma risada antes de responder:

— Porque antigamente eu e Malorn costumávamos extorquir os donos das lojas. — Ela estalou os dedos. — Tem uma boutique de roupas mágicas que você vai adorar.

Dando-se por vencido, Ragnar aceitou e se deixou levar pelo entusiasmo da garota. Eles atravessaram a cidade, passando reto pelo centro e parando no primeiro distrito da zona oeste.

As construções eram todas de pedra escura e possuíam mais de quatro andares. O bloco inteiro era cercado por um muro de tijolos vermelhos.

— Chegamos — disse ela, pondo a mão no queixo e forçando a memória.

— Nós temos bastante tempo, então podemos nos dar ao luxo de ir com calma.

— Ótimo, aqui no começo da rua ficam as lojas de roupas de tecido. As armaduras ficam no próximo bloco e, as armas, se não me engano, no outro.

— E nas ruas laterais?

— Mesma coisa, mas a cada rua lateral vai caindo a qualidade e a raridade dos produtos, assim como os preços.

Era uma divisão inteligente, Ragnar não pôde negar. Primeiro vinham os itens mais cobiçados e procurados pela elite, peças que nunca satisfaziam seus compradores por mais caras que fossem, pois eles sempre iriam querer roupas novas para exibir aos seus colegas na elite da sociedade.

Uma armadura ou espada poderia custar até mais caro que a maioria das roupas, mas a procura por armamentos desse calibre era muito menor do que roupas.

— Vamos começar por você — disse Havoc, dando o primeiro passo em direção à primeira loja.

Ragnar a acompanhou. Olhando para baixo, até as pedras dessa rua eram mais limpas nesse canto da cidade. 

Havoc entrou primeiro. Um sininho ligado à porta tocou, anunciando a chegada dos clientes. O lugar se assemelhava a uma loja de roupas do mundo real, com peças expostas em manequins, cabides e vitrines. 

O anacronismo era um fenômeno comum em Nova Avalon. O mundo não estava engessado às tecnologias da Idade Média, portanto era natural se deparar com conveniências dos tempos modernos, mas desde que eles não destoassem com o cenário de fantasia e quebrassem a imersão dos jogadores.

As primeiras peças em exibição eram os vestidos de todos os tipos. Ragnar pensou estar no lugar errado, até se preparou para trazer isso à tona, mas uma atendente surgiu entre dois cabideiros.

— Posso ajudar? — Começou com um sorriso receptivo, porém, quando seus olhos caíram sobre o druida, houve um momento de hesitação.

Havoc se intrometeu na conversa.

— Sim, estamos procurando algo pra ele. Vocês teriam algum traje mágico para druidas?

— Infelizmente não trabalhamos com artigos feitos exclusivamente para druidas, mas contamos com muitas coleções para magos e feiticeiros se quiserem dar uma olhada.

— Não — Ragnar falou e andou para fora da loja.

O sininho da porta tocou. Os olhos de Ragnar já sondavam o próximo estabelecimento quando escutou passos se aproximando, seguidos pelo toque do sininho e o fechar da porta.

— Ragnar — começou Havoc. — Vou ser bem sincera com você, a gente deveria olhar para aqueles conjuntos mágicos mesmo que não fossem para sua classe. Digo isso porque…, nas outras vezes que vim aqui, eu não encontrei uma peça sequer para druida.

— Não tem problema, vamos atrás mesmo assim. Caso não encontrarmos o que estou procurando, eu compro algo mais genérico.

A dupla visitou todas as lojas do primeiro bloco, em cada uma delas Ragnar foi direto ao ponto.

— Tem algo para druidas?

A resposta era uma variação da mesma coisa.

— Não temos, infelizmente, mas chegou uma coleção de conjuradores que é tão boa quanto. Tenho certeza que você ficará satisfeito.

Assim como na vida real, muitos vendedores não estavam ali para escolher o melhor para você, mas para vender tudo que conseguiriam te empurrar.

Em meia hora a dupla visitou todas as lojas do bloco principal.

— Vai querer visitar as ruas laterais? A qualidade não é a mesma, mas pode achar alguma coisa — disse Havoc.

Ragnar aceitou e eles fizeram um tour pelas lojas das ruas adjacentes. Outra vez, nenhum item exclusivo para druidas foi encontrado. 

A dupla sentou-se em um banco da praça para descansar após tanto tempo em pé.

— Por que o pé tem que doer aqui? — reclamou a espadachim.

— Porque eles fizeram questão de colocar até as coisas ruins dentro do jogo — disse apontando para o céu.

Havoc olhou para onde ele apontava, e perguntou:

— Eles quem? Os deuses do jogo ou… Deus, Allah, Odin…

— Os desenvolvedores do jogo.

— Eu sei, só estava brincando.

Havoc jogou as mãos por trás do banco e se recostou por completo. Nesse momento ficou nítido para Ragnar como ela estava mais confortável com sua presença. Era até estranho ela ainda não ter lhe perguntado sobre a sua vida profissional ou, até mesmo, pessoal.

— Até agora você não me fez uma pergunta sobre mim.

— Tipo o quê? Eu acho que já conheço bem sua classe lendária.

— Digo eu mesmo: Daniel — disse gesticulando para seu rosto.

— Ah, é que… eu não me considero uma pessoa enxerida. E também, acredito que você falaria pra mim algo sobre você caso fosse importante ou necessário.

Ela é bem madura para alguém tão jovem, pensou, seguindo com uma pergunta:

— Você está certíssima — disse ele. — Vamos para a última rodada de lojas?

Ela levantou do banco, espreguiçou-se.

— Sim, mas depois disso tudo, você vai me ajudar a escolher meus equipamentos.

Depois de fazê-la andar tanto, Ragnar precisou ser justo.

— Combinado.

Sem pressa alguma, andaram até chegar à última rua lateral antes do muro delimitando o distrito. Pela explicação de Havoc, as lojas nessas ruas seriam um pouco melhores do que àquelas espalhadas por toda a cidade, representando, em teoria, uma queda expressiva na raridade dos itens expostos comparada ao que viram até o momento.

Essa diferença era visível na fachada das lojas. Não havia mais aqueles acabamentos decorados com detalhes relevantes ao tipo de loja. O que se via era uma sequência de lojinhas parecidas, enfileiradas e cuja única diferenciação era o nome escrito, a fonte usada e a cor escolhida dos letreiros.

A dupla entrou na primeira lojinha e estranharam a falta do sininho. Uma vez dentro, navegaram pelos cabideiros à procura de peças para druidas. Outra vez, não acharam o que procuravam.

— Desisto — anunciou Ragnar. — Vamos atrás das suas coisas, mais tarde a gente volta e pega algo genérico para mim.

Até então o melhor equipamento foi um traje clerical classificado como armadura média por possuir uma placa peitoral de aço, braçadeira e caneleira. 

A parte positiva do traje eram seus status: muita defesa e resistência mágica para uma armadura média, a categoria mais pesada que um druida poderia usar. A parte ruim: seu bônus era fortalecer feitiços de cura, Ragnar tinha apenas um: e ele era fraco. Mas era o que tinha.

A dupla voltou à rua principal do distrito e avançou para a área dedicada às lojas de armaduras. O movimento era grande, com dezenas de nobres e cavaleiros de olho nas peças expostas nas vitrines.

Havoc entrou na primeira loja da rua, Ragnar a seguiu, o sininho da porta soou e eles pararam diante da armadura exposta em um manequim a dois metros da entrada. Lia-se na placa logo acima dele:

Novidade!

Conjunto do Druida Bestial Iniciante

7.200 rubros

Um conjunto inteiro de armadura média para druidas nível 22, que além de oferecer ótima defesa e resistência mágica, concedia também um bônus de 15% no dano das formas animais.

Ragnar apanhou a placa e foi reto até o primeiro atendente pelo caminho, que estava ocupado atendendo outro cliente.

— Quero essa armadura.

O atendente arregalou os olhos e chamou sua colega. Quase de imediato, uma moça chegou apressada e se apresentou ao druida:

— Olá, é um prazer tê-los em nossa loja. Se eu ouvi bem, você quer levar esse conjunto? — Terminou apontando para a placa nas mãos de Ragnar.

— Sim, também vou querer o desconto especial. Recentemente, fui nomeado Senhor de Salem.

— É claro, vai custar ao todo 6.120 rubros.

Ragnar solicitou a troca, depositou o dinheiro e ela foi concluída. Voltou para Havoc e anunciou:

— Demorou, mas conseguimos.

— Amém. Agora vai, veste. Precisamos ver como vai ficar em você.

Ragnar tirou a armadura do manequim, colocou ela em seu inventário e a equipou peça a peça.

Primeiro as botas, depois a calça, a couraça, as braçadeiras, luvas e, por fim, o elmo. Olhando-se no espelho da loja, localizado ao lado de onde estava a armadura, Ragnar pôde admirar a si mesmo durante minutos.

O conjunto caía-lhe como uma luva. Agora parecia um guerreiro da natureza de verdade, trajava uma armadura completa verde-escuro com placas moldadas à perfeição para seu corpo. 

Um detalhe que amou foram as vinhas espiralando em seus braços e pernas como parte natural do conjunto. Por fim, fechando o conjunto, um saiote rubro, longo, passando dos joelhos e combinando com a gola avantajada.

— Ficou lindo, perfeito — disse Havoc, com a mão na boca e um olhar hipnotizado.

Ele olhou mais uma vez para o reflexo no espelho.

— Fiquei perfeito mesmo.

Afastou-se do espelho, passou a mão no cabelo, parou em frente à amiga, e pôs a mão no ombro dela.

— Agora é a sua vez.

Havoc acenou, andou até o meio da loja, analisou uma dúzia de itens e se dirigiu à mesma atendente de Ragnar:

— Vou levar aquela armadura, aquelas abraçadeiras, aquele coturno e esse e este aqui.

A funcionária tirou um bloquinho de anotações do bolso da camiseta e começou a rabiscar com o lápis que apanhou do balcão da loja.

— Ao todo vai custar… 6.600 rubros.

— Tem algum desconto? — perguntou a espadachim.

— Claro, você também tem algum título de nobreza?

— Sim.

— Poderia me dizer o seu nome e qual título nobiliárquico possui?

Se perguntou o nome, deu merda, Ragnar pensou. Era hora de interceder, aproximou-se por trás e esfregou com força a cabeça dela com a mão esquerda.

— Minha amiga está brincando, não precisa de desconto.

A funcionária os fuzilou com o olhar. 

— Muito bem, o preço continua o mesmo

Havoc pagou a quantia total e a mulher agradeceu apesar da quase tentativa de golpe. Na saída, a espadachim parou para pegar as peças compradas e, quando voltaram a se dirigir à porta, Ragnar brincou:

— Não quer provar sua roupa no espelho da loja?

— É melhor ir na loja ao lado…

Eles entraram no próximo estabelecimento e foram logo recebidos por um garoto jovem, enérgico e cheio de disposição. Porém, Havoc o calou com a frase mais poderosa:

— Só estou dando uma olhada.

E parou na frente do espelho colado à parede à esquerda. O processo foi o mesmo de Ragnar, foi trocando de armadura parte a parte. Seu novo conjunto assemelhava-se ao antigo tanto em cor quanto em desenho.

A diferença era que a bota tinha um cano maior, o saiote era mais longo e aberto na frente, a couraça era alguns milímetros mais espessa e cobria mais as costelas. Mas o principal foi a adição da ombreira direita, deixando o outro ombro coberto por uma longa, porém fina capa azulada, dando a Havoc um ar de duelista.

— Uma ombreira de aço prateado e uma capa azul cobrindo só o ombro esquerdo. Ficou perfeito, você parece uma espadachim nível 50.

— Você só está querendo me agradar.

A expressão facial e a voz dela demonstravam insegurança.

— É verdade. — Ragnar foi sincero. — Você parece aquelas espadachins dos filmes que comandam a guarda-real de algum rei muito bom, ou muito ruim.

— Ok, acredito em você.

Satisfeita, Havoc o conduziu para fora da loja. Eles se encostaram na parede e ficaram olhando o movimento.

— Hoje foi muito divertido — Ela falou enquanto brincava com a capa em seu ombro esquerdo.

— Foi mesmo — Ragnar admitiu.

— Posso pedir uma coisa?

Por um instante, teve medo do que iria ouvir a seguir.

— Podemos tirar uma foto?

Não era uma má ideia considerando que acabaram de atualizar seus visuais. 

Ragnar aceitou de bom grado. Havoc apontou para a fonte localizada na praça no fim do bloco. Eles se dirigiram até lá, atravessaram os canteiros de flores e os bancos de madeira. 

Agora mais perto, Ragnar percebeu que a fonte tinha o formato de um pégaso erguido nas patas de trás, com as asas abertas e água jorrando da boca para uma poça circular contornada por uma mureta de tijolos à mostra.

A espadachim olhava de um lado para o outro. Era nítido seu nervosismo. Ragnar queria tranquilizá-la, mas sabia que era melhor só agir naturalmente. Por isso, ativou o modo fotografia e acionou a câmera flutuante não intrusiva: uma esfera do tamanho de um punho fechado que era visível apenas às pessoas escolhidas pelo usuário ou estavam presentes na foto.

Ragnar se aproximou da beirada da fonte e afastou a câmera alguns centímetros. Primeiro tiraram algumas fotos de perto, pegando o rosto, depois da cintura para cima, arriscando algumas poses para depois tirarem do corpo inteiro, exibindo seus novos equipamentos. 

A cada foto eles foram se soltando, arriscando poses novas e ficando mais íntimos. Quando julgaram terem tirado fotos suficientes, foram até o banco mais próximo para escolher suas favoritas e apagar as piores.

Passaram por fotos deles olhando para a câmera, fazendo caretas, posando com suas armas, fingindo duelar e algumas outras. 

— Minha favorita é essa — Ragnar falou mostrando a foto numa tela holográfica.

Ela mostrava os dois sorridentes apontando e cruzando as armas para a câmera.

— Acho que a minha é essa aqui — Havoc escolheu aquela em que empunhavam a arma do outro. — Druida realmente não combina com espadas.

— Nem um pouco — Ragnar concordou.


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