Volume 1
Capítulo 66: O Duque de Salem
Era estranho olhar para as estrelas e não se preocupar com um exército inimigo querendo matá-lo. O evento foi desgastante e estressante na mesma medida, porém serviu para relembrar Ragnar das emoções que recheavam o jogo que tanto amava.
Já era madrugada no mundo real. Fazia horas desde o início da invasão, e cinco minutos desde que se livraram das tropas inimigas. Faltava meia hora para alcançarem o destino.
A viagem para Salem não deveria demorar tanto, mas como precisaram evacuar pelo portão norte do vilarejo, foi necessário traçar uma rota alternativa para não arriscar encontrar alguém do Caminho da Aurora.
Desde então, os trezentos e vinte sobreviventes já não corriam por suas vidas, eles caminhavam e desfrutavam da moderada tranquilidade que o reforço vampírico os proporcionou.
O prefeito Joshua seguia na dianteira da formação junto às figuras mais importantes do vilarejo. Ragnar e seus amigos caminhavam na retaguarda, acompanhados pelo vampiro Sinistro cavalgando à esquerda do grupo.
— Ainda não consigo acreditar que vocês vieram me salvar — disse o druida.
— A Sociedade dos Poetas Mortos-Vivos tem uma dívida de gratidão com o senhor.
— Ou talvez vocês não vieram salvar um amigo ou um vilarejo em perigo, mas sim proteger seu fornecedor de filtro solar — respondeu brincando, para não pôr em risco a amizade que o salvou minutos atrás.
Sinistro riu da brincadeira, e falou:
— Lembre-se do que lhe falei antes, você precisa relatar tudo que sabe e o que viu para o duque Van Clóvis assim que chegarmos a Salem.
Ragnar concordou, lutando para não cair no sono, e praguejando em sua mente por precisar ficar mais uma hora acordado para só então dar um fim ao evento.
Sinistro esporeou seu cavalo e se distanciou do druida, parando ao lado dos colegas vampiros trotando mais à frente. Do outro lado da estrada, Havoc acelerou o passo até alcançar o grupinho com os três Patas Negras sobreviventes, em seguida, cutucou o ombro do feiticeiro, e falou:
Ele confirmou acenando a cabeça e gesticulou para seus colegas continuarem andando sem ele. Os dois pararam um momento e voltaram a caminhar quando conseguiram um pouco de privacidade, Havoc olhou para trás e viu apenas Ragnar, Julie e uns poucos soldados.
— Você queria falar alguma coisa? — Malorn perguntou.
— Sim, agora que você não é mais oficialmente da Pata Negra, que tal se juntar a nós? — Havoc terminou com um longo bocejo.
— Não sei, estou meio cansado de receber ordens de chefes de guilda. Estava pensando em me aventurar solo por um tempo.
— Te entendo bem, esse é o efeito causado pela exposição excessiva a Zed.
O comentário despretensioso arrancou uma risada do amigo feiticeiro. A espadachim cambaleou para um lado e tropeçou em alguma coisa, por sorte Malorn a segurou pelo braço a tempo.
— Tá tudo bem por aí? — Ouviram Ragnar dizer lá de trás.
— Cansada, muito sono… — Havoc murmurou, e voltou a caminhar após recobrar o equilíbrio.
— Vou pensar na sua proposta, mas estou muito cansado pra decidir depois de horas lutando contra hordas zumbis…, mas assim que…
Malorn calou-se quando o corpo da espadachim cambaleou outra vez. Tentou segurá-la como antes, mas os joelhos da amiga fraquejaram e ela foi ao chão. O braço direito dela absorveu o impacto da queda, mas seus olhos castanhos permaneceram imóveis, e a boca, semiaberta.
Malorn se abaixou e chamou por Havoc, mas sem resposta. Ragnar veio ao seu encontro, agachou-se ao seu lado, e disse:
— Ela provavelmente caiu no sono. — Terminou com um bocejo que contagiou o feiticeiro.
Eles se levantaram, viram o corpo da espadachim desaparecer e voltaram a caminhar.
— Até que demorou para o sistema desconectar o avatar dela — disse o druida. — Espera aí, você não é mais da Pata Negra.
Malorn cruzou os braços e pensou bem no que dizer a seguir.
— Não. Eu estava conversando sobre isso com a Havoc antes dela… sumir.
— Caso esteja disposto a colocar o passado para trás, minha guilda está de portas abertas para você e seus amigos.
— Obrigado, prometo pensar no assunto — Malorn disse com um sutil desinteresse.
Logo em seguida, despediu-se do druida e acelerou o passo até alcançar seus amigos da Pata Negra mais à frente.
Ragnar parou onde estava e relaxou o ombro, ponderando: acho que me precipitei, fui muito direto, muito cedo. Talvez se eu fosse mais amigável no início, sem pretensão alguma…
Algo esbarrou em seu ombro direito, era Julie, e ela lhe perguntou:
— Chegar em Salem, falar com o maldito duque e desabar de sono na minha cama antes que eu termine como nossa amiga espadachim.
Julie encostou o corpo no dele e descansou a cabeça em seu ombro. Ragnar não estava preparado para isso, seu corpo tencionou na hora e sua mente demorou alguns segundos para responder.
Essa reação foi causada pela possibilidade de alguém ver toda essa intimidade. Porém, eles eram os últimos, na frente só havia os moradores da vila e os ursos da Guarda Trovejante.
Ragnar forçou a visão, os Patas Negras eram os jogadores mais próximos, e mal dava para vê-los por conta dos soldados e moradores andando atrás deles. Um pouco mais calmo, olhou para os lados e para trás, nada.
Então permitiu-se relaxar, agarrou a cintura da garota e, juntinhos, caminharam como um casal.
— Obrigado por consertar minha cagada — disse ela.
— De nada. Estou aqui pra isso. Mas, se não fosse você segurando a barra todas aquelas vezes, a gente já teria virado lanchinho de zumbi. Sou eu quem deveria agradecer. Mergraff é um inimigo histórico do precursor da minha classe, a gente só desvendou esse plano macabro graças ao seu trabalho de detetive lá atrás.
— Falando nisso, não é estranho uma guilda pequena e de nível baixo como o Caminho da Aurora conseguir um exército tão grande assim cedo no jogo?
Ragnar concordou com um murmúrio. Ela continuou:
— Nós vencemos eles? O que você acha que acontecerá agora?
Ragnar beijou a testa dela, então disse:
— A gente passou horas e horas lutando sem parar contra um exército fedido, que tal a gente não falar sobre zumbis, seitas, necromantes e Trilhas da Alvorada.
Ragnar lembrou-se de algo que queria mostrá-la. Começou a navegar pelos menus do jogo até encontrar o replay que gravou da luta contra Zed. Com um comando mental, enviou o clipe para sua garota.
Ela permaneceu com o rosto em seu ombro enquanto assistia ao clipe.
— Atá, não é para a gente falar sobre esqueletos, guildas e feiticeiros do mal, mas mostrar clipes se exibindo pra cima de novatos está liberado.
— Claro que sim, antes eu me referia às coisas ruins que tivemos de enfrentar.
— Vou deixar essa passar porque estou exausta.
A viagem seguiu tranquila para a comitiva. Apesar da demora proveniente da distância, Ragnar e Julie aproveitaram o momento propício para desfrutarem a companhia do outro até se aproximarem dos portões bem-protegidos da cidade de Salem.
— Hora de voltar à normalidade — disse Ragnar, com pesar.
Virou-se para beijá-la uma última vez, pois sabia que iria demorar para ter essa oportunidade depois. Foi um beijo lento e demorado entre duas pessoas aproveitando ao máximo o momento. Seus lábios se afastaram. Ela o abraçou com força. Eles se soltaram e voltaram a andar como amigos.
— Chegamos — Ragnar anunciou assim que pisou em Salem.
Os refugiados do vilarejo pararam no pátio em frente ao portão, aguardando as ordens do prefeito que veio ao encontro de Ragnar.
— E agora? — Joshua queria saber.
Quem respondeu foi Sinistro, surgindo da escuridão e desmontando de seu cavalo.
— Vocês, venham comigo. — O Vampiro apontou para o prefeito, o druida e a lutadora.
Ragnar virou-se para Julie, e brincou:
– Pronta para conhecer o duque de Salem?
Ela afirmou que sim. Porém, antes de partirem, Ragnar foi até os quatro ursos da Guarda Trovejante. Agachou-se em frente a Hardgart e fez carinho no rosto peludo da fera guerreira repleta de cicatrizes e machucados.
— Obrigado por tudo. Vocês foram essenciais para a vitória de hoje. Lutaram como verdadeiros heróis, sem recuar, olhando no olho de um inimigo muito mais poderoso. Eu lamento profundamente as mortes dos oito irmãos que caíram em batalha. Eles serão honrados como merecem e, vocês, recompensados na mesma medida. Obrigado mais uma vez, podem retornar ao santuário.
— Você fez o certo em nos convocar. Aqueles cultistas estão tramando trazer de volta nosso grande inimigo, disso tenho certeza porque todos nós pudemos sentir a energia nefasta da necromancia. Quanto aos que não estão mais entre nós, eles sabiam do risco em aceitar fazer parte da Guarda Trovejante, e aceitaram pôr suas vidas em risco como todo bom urso de ferro.
Ragnar despediu-se da sua guarda de elite, e eles logo iniciaram a jornada de retorno ao Santuário dos Ursos de Ferro.
Quando se deu conta, Sinistro, o prefeito e Julie haviam sumido de vista. Correu até o centro do pátio e procurou por eles, mas nada. Outra coisa captou sua atenção, Malorn conversava animado com seus amigos da Pata Negra, e até o olhava de vez em quando.
Por mais que quisesse descobrir sobre o que planejavam, precisava encontrar o grupinho, por isso fez o óbvio, mandou uma mensagem para Julie pedindo sua localização.
Ela mandou: “Sabia que isso ia acontecer, por isso não fiquei te esperando. Segue a minha localização”.
Sem perder tempo, disparou na direção recebida e se encontrou com o grupo avançando para o oeste, rumo ao centro da cidade. Ragnar colocou-se entre eles sem dizer uma palavra, e aproveitou para admirar o ambiente.
Salem era grande mesmo para uma capital, suas ruas largas, pavimentadas com tijolos brancos eram movimentadas até mesmo à noite. Esse movimento todo só era possível graças à boa iluminação pública vinda das lamparinas mágicas e postes distribuídos pelas ruas.
A cada rua atravessada, as construções aumentavam de proporção. As casas deram lugar a apartamentos, prédios de guildas, comércios grandes e, por fim, ao palácio do duque.
Sinistro os conduziu pela calçada contornando a muralha branca protegendo a moradia do nobre. Ragnar estimou que ela deveria ter por volta de quatro metros de altura. O curioso era o fato da muralha se estender sempre em linhas retas.
Sinistro parou em frente aos dois guardas cuidando da entrada.
— Boa noite, preciso me reunir com o duque imediatamente.
— Perdão, mas ele está ocupado no momento.
Hora de desconectar e ir dormir, pensou Ragnar.
— Compreendo, mas é de extrema importância — Sinistro insistiu, levou a mão direita ao bolso do colete e tirou uma insígnia com uma caveira de cartola apoiada sobre um livro aberto.
Os olhos dos guardas arregalaram no instante em que Sinistro exibiu a insígnia. O da direita virou-se e ordenou a um funcionário dentro da propriedade:
— Chame o duque, é uma emergência.
Ragnar não viu para quem ele gritou, mas soube que a pessoa saiu em disparada pelos passos ecoando sobre a grama. Em seguida, fez-se silêncio, uma quietude um tanto constrangedora.
— Não fazia ideia de que você era tão poderoso — disse a Sinistro.
— Trabalhar com itens mágicos atrai gente muito poderosa.
A observação dele fazia sentido, era como diziam: “Em Nova Avalon tudo acontece por um motivo”. O funcionário acabou demorando para retornar. Ragnar arriscou ter esperado quase vinte minutos. Era nesses momentos que ele desejava que o jogo não fosse assim tão realista.
Poderiam acelerar essas partes burocráticas, pensou.
Esbaforido, o funcionário abriu o portão de ferro e os convidou a entrar. Sinistro liderou o grupo pelo caminho de pedras ladeado por canteiros de flores brancas. No meio do caminho, atravessaram uma pontezinha atravessando um córrego. Andaram mais um pouco e subiram os degraus que antecedem a varanda.
Galgando o último degrau, Ragnar viu a porta da residência abrir e um vampiro alto e ruivo sair dela e ir cumprimentar o vampiro liderando o grupo.
— Sinistro, meu velho amigo, como você está? E que urgência toda é essa?
Eles se abraçaram, deram tapinhas nas costas do outro e se afastaram.
— É uma história um pouco longa, mas nossos medos estão se tornando realidade.
O duque cruzou os braços, alisou seu bigode fino e só então olhou para os outros visitantes.
— Quanta falta de educação a minha — disse, aproximando-se do prefeito Joshua e estendendo a mão. — Permita-me me apresentar, sou Van Clóvis, o duque responsável por cuidar dessa linda cidade.
O prefeito o cumprimentou e se apresentou, sua voz tremia, Ragnar não sabia se era do nervosismo da situação em sua vila ou se era por conhecer o chefão da província.
Em seguida, Van Clóvis parou em frente à Ragnar, eles se cumprimentaram. Ragnar também se apresentou:
— Prazer, sou Ragnar, o Druida de Ferro, Herdeiro de Bjorn, Protetor do Refúgio dos Ursos de Ferro, chefe da guilda Ragnarok e portador do Terror das Víboras.
Os olhos do Duque arregalaram, sua boca escancarou e um ruído agudo escapou da boca.
— Um druida de ferro. Um druida lendário legítimo? Uau! Vocês são… criaturas folclóricas, quase… mitológicas. Adoraria conhecê-lo melhor.
Van Clóvis se afastou e se dirigiu à lutadora, cumprimentando-a como fez com os outros. Ela se apresentou:
— Sou Julie, uma lutadora profissional comum que adora academia, artes marciais e caminhar na praia.
Clóvis acenou para ela, sorriu, e convidou todos a entrar em sua residência. Sinistro e o prefeito acompanharam o duque de perto enquanto Ragnar e Julie vieram logo atrás.
O interior do palácio era suntuoso como esperava. Repleto de quadros, mobília rústica cheia de entalhes, estátuas, bustos e com armas e armaduras expostas pelas salas e corredores.
O momento lembrou Ragnar do dia que entraram na prefeitura da Vila Torino para discutir a situação da seita, porém, dessa vez, a situação havia escalado em todos os quesitos.
Eles pararam diante de uma porta escura de duas folhas, Van Clóvis voltou-se para o grupo e lhes dirigiu a palavra:
— Entrem, fiquem à vontade. — Abriu a porta com as duas mãos, aguardou todos entrarem e a fechou.
Ragnar esperava se deparar com uma sala comum ou escritório, mas encontrou uma Sala de Guerra. Um espaço grande que deveria ter o tamanho de uma quadra de vôlei. As paredes eram decoradas com armas intercaladas com bandeiras heráldicas, lamparinas mágicas, mapas históricos e retratos de figuras que julgou serem importantes.
O que mais chamou sua atenção foi a peça central: uma grande mesa redonda cujo meio era ocupado por um tabuleiro com peças sobre um mapa em alto relevo da região e das províncias vizinhas.
O palácio era enorme, deveria conter dezenas de salas de reunião para receber convidados e pessoas de interesse, mas Ragnar sabia quando estava diante de um cômodo reservado para assuntos de Estado.
Três batidas ecoaram da porta antes dela abrir. Um cavaleiro em armadura completa adentrou, ele vinha acompanhado por uma comitiva de outros seis.
Ragnar cutucou Julie com o cotovelo.
— Que foi? — disse ela, um tanto incomodada.
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