O Druida Lendário Brasileira

Autor(a): Raphael Fiamoncini


Volume 1

Capítulo 62: Fugindo dos Mortos

A visão de Nicole escureceu e a mensagem “Você morreu” brilhou diante dos seus olhos. Embaixo da mensagem, um cronômetro marcando 11h58m indicava o tempo que não poderia retornar ao jogo.

Nicole removeu o visor de realidade virtual, o desligou e o colocou sobre o outro travesseiro da cama. Uma sensação ruim começou a atormentá-la: uma mistura de tristeza, culpa e decepção consigo mesma.

— Estou me importando demais com essa porcaria — falou baixinho, olhando para o visor desligado ao seu lado.

Então se lembrou do que ocorreu minutos antes de desconectar.

— Artur!

Levantou-se da cama num pulo e pegou o celular na escrivaninha ao lado da cama. Seus dedos deslizaram pela tela, errando metade das palavras e as arrumando com rapidez e precisão com a ajuda do corredor. Ao terminar, releu a mensagem e a enviou.

“Aconteceu alguma coisa? Caiu a internet ou a energia aí na sua casa?”.

Continuou olhando para a tela, mas nem sinal dele responder ou ver a mensagem.

Deixando o celular de lado, Nicole se deu conta do quão quieto o ambiente estava, pouca coisa se ouvia, algo estranho, pois morava em um bairro movimentado da capital gaúcha.

Checou o celular outra vez e viu que já era sexta-feira, faltava apenas dois minutos para às 1h da madrugada. Quando estava para guardar o aparelho, a mensagem do amigo surgiu nas notificações. Nicole a abriu com um toque, ela dizia:

“Quem dera tivesse caindo a net ou a energia. Minha mãe desligou a máquina. Meu avatar deve ter morrido ou fui punido por abandonar o evento, enfim, estou com as 12 horas de penalidade”.

Foi seguida por outras duas mensagens:

“Assim que minha situação melhorar eu vou sair daqui o mais rápido possível”.

“Se você está falando comigo por aqui, isso significa que você também morreu”.

Ela confirmou as suspeitas do amigo e resumiu o ocorrido desde a desconexão dele até a morte dela.

A próxima mensagem de Artur dizia:

“Já está tarde, vou dormir. Desculpa ter estragado o jogo de vocês… Boa noite”.

Nicole respondeu:

“Nem se estressa com isso, aquele evento estava fadado ao fracasso. Eu sabia que a gente ia perder quando vi em quantos eles eram. Como uma guilda daquela consegue reunir um exército tão grande e forte estando só alguns níveis acima da gente? ELES TINHAM GIGANTES!”

Aguardou pela resposta, mas ela não veio. O celular foi deixado de lado. Nicole se levantou da cama e foi até a janela do quarto. Um vento fraco, porém, refrescante, a recebeu quando se apoiou na armação de madeira para contemplar a paisagem urbana da madrugada.

Um ônibus vazio avançava pela estrada vazia e iluminada pelos postes de led, o ronco do motor ressoava, perdendo força conforme se distanciava.

Nicole rememorou os momentos chaves do evento, da ansiedade durante a preparação pré-invasão, o nervosismo antes da batalha, o medo ao se deparar com as forças inimigas e a adrenalina fluindo em seu corpo durante o combate. Até o momento que seu amigo desapareceu, a formação quebrou e os mortos penetraram suas defesas, culminando em sua morte.

— Que merda — falou baixinho, para si mesma, pensando em como poderia ter lutado melhor, sido mais inteligente e sagaz.

Seus pensamentos foram interrompidos assim que o amigo lhe veio à mente, a situação na casa dele parecia estar piorando. A relação que Artur tinha com a mãe ia de mal a pior, disso já sabia, mas ter desconectado Artur do jogo era algo novo, talvez fosse um caso isolado, ou um sintoma de algo pior.

***

Zumbis, esqueletos, gigantes e jogadores inimigos vinham em seu encalço, disparando flechas, conjurando magias e atirando lanças contra os sobreviventes em fuga.

Faltava pouco para alcançarem a primeira barricada, ela parecia vazia, e quando se aproximaram, encontraram os corpos de dois soldados, um caído no chão em frente à barricada e outro estirado em cima dela.

Como essas estruturas foram construídas para atrasar o avanço inimigo, o grupo de Ragnar conseguiu atravessar a passagem estreita por estar em menor número. O único gargalo ocorreu quando chegou a vez dos ursos, eles precisaram se enfileirar para um de cada vez conseguir passar pelo vão entre as muretas.

Na sequência foi a vez dos Pata Negra, depois os soldados sobreviventes e, por fim, a guilda Ragnarok. Mantendo o passo firme, Ragnar olhou por trás do ombro e comemorou quando a horda inimiga trombou contra a barricada.

Os mortos-vivos se aglomeravam e se empurravam tentando atravessar a passagem, causando um gargalo semelhante àquele no portão sul. Mas este durou uma fração de minuto, pois a estrutura cedeu perante a quantidade de inimigos. Tábuas, fragmentos de móveis e pregos voaram para todos os lados.

Muitos jogadores e mortos-vivos do Caminho da Aurora caíram, tropeçaram e foram pisoteados por seus aliados. Alguns jogadores conseguiram se esgueirar pela horda e tomar a dianteira, colando-se a Ragnar e Julie, que protegiam a retaguarda.

O druida mirou seu Invocar Raízes nos pés deles, mas errou o cálculo e acabou conjurando meio metro em frente ao lugar correto. As raízes brotaram do chão, cresceram, subiram e tatearam o ar.

O paladino inimigo apertou a empunhadura da espada e podou as raízes executando um corte horizontal. Ragnar praguejou em voz baixa, então percebeu que o caçador amigo correndo em sua frente não efetuou um disparo desde a ordem de recuo.

— Skiff, atire neles.

— Não sei se consigo.

— Apenas tente! — disse, um tanto frustrado.

Skiff puxou uma flecha da aljava e tentou encaixá-la no arco, porém seus braços balançavam tanto por conta da corrida que demorou três tentativas até conseguir. Então virou o tronco para a esquerda, tentou manter o passo rápido da corrida, procurou um alvo, mirou, e soltou a flecha.

O projétil voou dois metros acima do jogador alvo e quebrou a janela de uma casinha. O erro veio da dificuldade em estabilizar o arco durante a corrida, isso não era algo difícil de se corrigir, mas não era algo que poderia ser ensinado durante uma fuga.

— Esquece, apenas corra. — Ragnar optou por não o forçar a repetir o feito, pois havia a chance dele acabar tropeçando ou algo semelhante.

Era visível a decepção e desânimo na face de Skiff.

O grupo alcançou a próxima barricada e a atravessou sem dificuldades, o mesmo não se repetiu para a horda inimiga que, outra vez, se amontoaram e se empurraram até desmanchá-la na base da força.

A barricada os atrasou por alguns segundos, aumentando a distância entre os grupos em alguns metros. Mas quando atravessaram a terceira, a quarta e a quinta barricada, Ragnar pôde respirar um pouco aliviado.

E só não relaxou porque Rextar e alguns outros jogadores conseguiram manter o passo.

O grupo de Ragnar alcançou a praça central do vilarejo, um espaço amplo, mas agora vazio por conta da ordem de evacuação.

— Continuem avançando — ordenou para toda sua equipe.

— Mas… — começou Havoc.

— Mas nada, não dá tempo de explicar, confiem em mim e continuem correndo.

Ragnar freou seu avanço, virou-se para trás e encarou seus adversários, e acabou nada surpreso ao ver a lutadora parada ao seu lado.

— Sei muito bem no que está pensando — disse ela. — Mas você está muito ferido, eu consigo dar conta deles.

— Eu sei que consegue, só estou aqui para terminarmos mais rápido.

Os cinco jogadores inimigos os perseguindo diminuíram o passo até pararem a dez passos da dupla.

Rextar sorriu em satisfação ao ver suas presas ali paradas, em seguida, lambeu a lâmina de uma das suas adagadas, e disse:

— Vocês vão morrer.

— Na sua cabeça isso deve ter soado muito legal — Ragnar o confrontou, sorridente.

— Ragnar! — Julie chamou sua atenção. —  Precisamos ser rápidos, lembra?

Ele lembrava. Ragnar conjurou em si uma Brisa Curativa. Aguardou cinco segundos sem se mover ou falar uma palavra. Quando seus pontos atingiram a marca dos 20%, conjurou a Ira da Tempestade e se lançou contra o Rextar.

O assassino arregalou os olhos com a audácia do druida. Seus colegas, também pegos de surpresa, ficaram sem reação durante um segundo.

Um segundo que permitiu à lutadora avançar e surpreender o mago à esquerda com um Gancho devastador no queixo, a força do golpe foi tamanha que o levantou alguns centímetros do chão.

Com o alvo incapacitado, Julie desferiu uma Enxurrada de Golpes no peito dele, seguiu com um Golpe da Palma Pulverizadora para reduzir a defesa em 20% e um Ataque da Víbora, um golpe com a mão estendida que, ao acertar o pescoço, garantia um dano crítico adicional.

Nesses poucos segundos, a vida do mago caiu para menos da metade, mas Julie não havia terminado. Ela emendou com um soco no peito, a essa altura o adversário já não estava mais incapacitado, mas ela conhecia bem a expressão de medo estampada na face do adversário.

O mago estava sem reação, sem ideia do que fazer. Por isso tomou um Chute Duplo na cara. Como Julie o acertou com três golpes ou habilidades, a Enxurrada de Golpes saiu do tempo de recarga.

A habilidade finalizou o mago com três socos no rosto.

Enquanto isso, Ragnar distraia o assassino liderando o grupo engajando-se em combate pessoal com ele, e recuando para aos poucos tirá-lo da luta e fazer seus colegas partirem para cima de Julie.

— Mas que cavalheiro — disse ela, baixinho, observando os outros três pensando se deveriam ajudar o chefe ou lutar contra ela.

— Matem a garota logo! — ordenou Rextar, agora isolado em um x1 contra o druida.

De canto de olho, Ragnar observou Julie aproveitar o momento para avançar contra o jogador mais próximo. Em seguida, espiou de relance para a entrada da Praça Central e estranhou não ver sinais do exército inimigo se aproximando.

— Já acabou pra vocês — Rextar emendava golpe atrás de golpe.

Mas Ragnar bloqueava cada tentativa com sua lança.

— Já te falaram que você luta muito mal?

Rextar deu uma risada e prosseguiu no ataque, desferindo suas adagas e acompanhando os passos do druida, porém, sem conseguir se aproximar o bastante para apunhalá-lo.

— Vamos, mais rápido — Ragnar continuou provocando. — Eu só tenho uma arma, e ela é mais longa e pesada que a sua.

— Cala a boca.

Ragnar desferiu um chute no peito e, quando o assassino recuperou a postura, o provocou segurando a lança com a mão direita e colocando a outra nas costas.

— Se você não me acertar agora, eu desisto.

Ragnar torceu para o oponente cair na provocação, mas Rextar acabou respirando fundo e optando por ativar o Passos da Sombra, virando fumaça mais uma vez.

— Droga — Ragnar praguejou baixinho, pondo-se a correr pela Praça Central enquanto a fumaça vinha em seu encalço.

Ragnar saltou sobre cadeiras e deslizou sobre mesas, entretanto, a perseguição durou pouco, pois o Passos das Sombras durava apenas 5 segundos. Quando ela terminou, Ragnar estava em cima de uma mesa.

— Medroso — Rextar falou.

— Discordo.

— Então por… — Rextar parou de falar quando alguém cutucou seu ombro, era Julie — Merda… — Foi o que conseguiu dizer momentos antes da lutadora o acertar com um soco no nariz e um Ataque da Víbora no pescoço.

— Adoro essa habilidade — brincou Julie.

Uma notificação captou a atenção de Ragnar.

Você recebeu um Cristal de Sacrifício

A descrição do item era a seguinte:

Um cristal capaz de armazenar almas

O item confirmava de uma vez por todas o motivo por trás da invasão. Para seu azar, não havia tempo para parar e discutir o achado com Julie, pois os lamentos e reverberar dos passos dos mortos-vivos indicavam que estavam se aproximando.

A dupla saiu às pressas da Praça Central. Agora o objetivo era tentar alcançar seus amigos ou, se não fosse possível, reencontrá-los no Portão Norte. Durante o trajeto, encontraram pequenos grupos de mortos-vivos vagando pelas ruas. Por serem poucos, Julie os eliminou com facilidade e deixou Ragnar gastar sua mana para recuperar seus pontos de vida.

A cada nível que subo a minha Brisa Curativa vai curando menos, pensou. Esse era um reflexo de sua escolha em se tornar um druida de combate. Apesar da versatilidade da classe, era impossível ser ao mesmo tempo um dps, tank e curandeiro eficiente, mesmo os druidas precisavam se especializar em alguma coisa.

— Parece que eles pararam — ouviu Julie dizer.

Era verdade, o exército inimigo havia se reunido na Praça Central. Ragnar imaginava que deveria ter um bom motivo para isso, mas no momento não sabia dizer qual.

***

Mais de quinhentos mortos-vivos acompanhados por quarenta jogadores estavam reunidos na Praça Central da Vila Torino. Seu grande líder, o feiticeiro profano Amon, usou o palco da praça para se reunir com os oficiais de seu exército das trevas.

— Foi trabalhoso — disse um guerreiro—, mas conseguimos remover o último gigante obstruindo a entrada do vilarejo.

Amon acenou e se voltou para ouvir o próximo oficial, um caçador.

— Mestre, por que paramos o avanço?

— Nós paramos para reunir nossas forças. Eles podem estar em menor número, mas um ataque fraco e desleixado nosso pode acabar dando espaço para eles. Por isso vamos cercá-los e destruí-los com um ataque único e massivo.

— Mas eles podem estar fugindo agora mesmo.

— Fique tranquilo, eu sei exatamente o que está acontecendo na única rota de fuga. Eles não irão a lugar algum. A sorte está do nosso lado.

— Como assim? — perguntou uma maga.

— O portão norte está fechado, uma guilda cercou a passagem e está matando qualquer um tentando fugir.


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