Volume 1
Capítulo 61: Forma de Urso, Postura de Tigre
A batalha pela rua principal do vilarejo começou em relativo equilíbrio. As tropas sob o comando de Ragnar lutaram com bravura e inteligência, abusando das suas forças e cobrindo suas fraquezas visando frear o avanço dos mortos-vivos e integrantes da seita.
Em quase trinta minutos de confronto, as fileiras defensivas foram afinando a cada soldado morto e jogador derrotado.
A situação ainda se deteriorou mais com a chegada de um pelotão inteiro formado por Gigantes Zumbis e Cavaleiros Post-Mortem. Àquela altura, as tropas de Ragnar mal conseguiam resistir aos inimigos regulares.
Apesar da severidade da situação, manteve-se firme e lutou contra o desespero tentando dominá-lo. Mal sabia ele que o pior ainda estava por vir. A linha de frente já sobrecarregada sofreu uma baixa inestimável com a perda de Artic, seu melhor defensor, que desapareceu sem dar explicação.
Ragnar lembrava das últimas palavras do amigo: “Não faça isso, mãe, não!”, elas ecoaram em sua mente enquanto assistia desesperançoso ao massacre diante de seus olhos.
Niki estava no chão, quase morta, tentando se levantar apoiando-se na parede da casinha em que foi jogada. Havoc continuou lutando contra o avanço dos inimigos furando a formação. Os ursos de ferro, por sua vez, resistiram sem recuar um passo, mas aos poucos foram sobrepujados pela quantidade massiva de inimigos.
Até mesmo a cobra Plissken pereceu em combate tentando proteger seu mestre do machado de um zumbi.
Com a linha de frente rompida e inimigos penetrando em suas fileiras, era questão de tempo até estarem todos mortos. Alguns jogadores fugiram, outros optaram por desconectar do jogo, deixando os soldados à própria sorte.
Ragnar foi tomado por uma sensação singular. A ansiedade crescente, o nervosismo e o medo da derrota iminente combinaram-se aos seus instintos de sobrevivência e resultaram em um estado de concentração absoluta.
Ele desviava, golpeava e ajudava os sobreviventes como podia. Já não tinha mais medo de morrer, pois havia aceitado a morte. A mana estava baixa, ainda assim invocou uma Brisa Curativa em si mesmo, conjurou a Ira da Tempestade e ativou a Linhagem Animal do Urso.
Nos segundos seguintes, derrotou dúzias de esqueletos e zumbis, duelou contra um espadachim e um cavaleiro inimigo, e saiu vitorioso sem ser atingido uma só vez.
Trinta segundos depois, os efeitos das habilidades terminaram. Para sua surpresa, viu os cinco da Pata Negra ainda em pé, lutando ao lado dos soldados da guarnição.
Apesar da cena animadora, as tropas aliadas continuavam sofrendo baixas.
— Recuar, recuem para o portão norte imediatamente! — Ragnar ordenou aos berros.
Ele sabia dos riscos em ordenar um recuo tardio como esse, mas não havia escolha, era isso ou ver seus últimos soldados serem mortos pela maré dos mortos-vivos.
Eu ganhei todo tempo que podia, mas a que preço, será que foi o suficiente para garantir a evacuação da vila?
Os soldados que conseguiram se afastar dos inimigos começaram a recuar pela rua principal. Como esperado, isso abriu novas brechas na formação que agora se resumia aos ursos de ferro, os Pata Negra e meia dúzia de soldados.
Ragnar transformou-se em urso e se dirigiu ao primeiro soldado à esquerda. Com seu corpo massivo, derrubou três esqueletos, e disse:
— Recue agora, siga os demais.
O soldado sacudiu a cabeça, embainhou a espada e saiu em disparada. O druida repetiu o feito mais quatro vezes, pois no último, viu-se cercado pelo inimigo. Ragnar estava longe da Guarda Trovejante, dos cinco Patas Negras, de Havoc, Niki, Skiff e qualquer outro jogador.
Entre patadas, murros, cabeçadas e chacoalhadas, sentiu as perfurações de espadas, lanças e flechas o atingindo. Sua vida caiu para 15%, depois para 13%, 11%…
Mas antes que chegasse aos 10%, uma mensagem apareceu:
A habilidade “Forma Animal: Urso de Ferro” evoluiu para o nível 5
A habilidade “Forma Animal: Urso de Ferro” recebeu uma melhoria
A habilidade “Forma Animal: Urso de Ferro” recebeu uma habilidade especial
Tarde demais, jogo desgraçado, pensou durante seus últimos segundos de vida, antes de ativar a melhoria só para ver do que ela era capaz.
Ativar habilidade especial
Milhares de espinhos de ferro finos como agulhas brotaram por todo o seu corpo, perfurando os inimigos mais próximos que, ao serem pegos de surpresa, recuaram alguns passos.
Eles ficaram sem saber o que fazer, então um esqueleto em frente a Ragnar o golpeou com uma facada. A lâmina veio em direção ao seu ombro, colidiu com os espinhos de ferro, perdeu força e apenas a ponta da lâmina atingiu seu corpo.
O dano sofrido pelo ataque foi reduzido em 30%. Porém, o mais interessante foi o que aconteceu a seguir, apesar da mão do esqueleto não encostar em seus espinhos, ele puxou a faca e resmungou chacoalhando a mandíbula, pois 10% do dano infligido voltou para ele.
Essa melhoria teria feito muita diferença uma hora atrás, reclamou em pensamento.
A evolução da forma animal o fez ganhar alguns segundos de vida, mas não demorou para os inimigos entenderem o que aconteceu. Um passo de cada vez, com armas em mãos e muita cautela, eles se aproximaram de Ragnar.
Primeiro vieram as estocadas de lança, as quais tentou desviar, e conseguiu num primeiro momento, mas logo foi encurralado outra vez, então vieram as espadas, machados e porretes.
Eles golpearam e aceitaram o dano refletido, afinal, eram mortos-vivos.
Ragnar perseverou, tentou aproveitar ao máximo a evolução da forma animal. Ele esfacelou esqueletos, decapitou zumbis e derrubou jogadores adversários enquanto tentava abrir caminho para ajudar os sobreviventes e recuar em segurança, mas para cada inimigo derrotado, outros tomavam seu lugar.
Sua única satisfação era ver seus adversários morrerem com seus próprios golpes.
Faltava pouco para os 30 segundos da Armadura de Espinhos expirar. Sua vida caiu para 2%. Ele sabia que em instantes receberia o golpe final desferido por algum morto-vivo sem importância.
Mas antes que o golpe final viesse, um borrão vermelho e preto aterrissou em sua frente, provocando nos segundos seguintes um estouro ensurdecedor.
Dezenas de mortos-vivos foram arremessados para o alto e para os cantos. Os arredores ficaram encobertos pela poeira que levantou no ponto de impacto.
As forças inimigas ficaram aturdidas com o ocorrido e cessaram o combate. No meio da horda inimiga, uma cratera com 10 metros de diâmetro havia se formado. No centro desta cratera estava ela, Julie, com os punhos em chamas e o corpo envolto em energia espiritual.
— Vocês se fuderam agora — Ragnar celebrou ao vê-la de vida cheia.
Ela usou a Investida do Tigre para saltar contra o Cavaleiro Post-Mortem mais próximo e desferir o Palmada Pulverizadora na perna esquerda dele. O ataque o atingiu, reduzindo sua defesa física, na sequência, Julie pulou, girou o corpo e executou o Chute Tornado para afastar os inimigos que ousaram se aproximar.
O Post-Mortem tentou acertá-la duas vezes com a espada, porém, ela desviou da primeira usando a habilidade Passos Rápidos, permitindo uma esquiva rápida e, no segundo ataque, desviou jogando-se contra o Post-Mortem, depois agarrou-se no saiote dele com as duas mãos, impulsionou-se em um movimento em pêndulo e se lançou para cima, alcançando a altura do peito dele.
Em pleno ar, usou o Chute Ascendente para golpear o peitoral do Post-Mortem e ganhar mais altitude. Seus olhos se encontraram. Julie se agarrou à gola da armadura dele, se impulsionou outra vez e se lançou para cima.
Cara a cara com o inimigo, desferiu um Soco Relâmpago no rosto dele, produzindo um estalo atordoante e emendando com uma Enxurrada de Socos, atingindo-o com três socos certeiros em rápida sucessão.
O Post-Mortem não resistiu, lamentou e caiu no chão. Julie se segurou à armadura dele durante o tombo para amortecer a queda. De volta em solo firme, foi cercada outra vez. Mas para o azar deles, o Abalo Sísmico voltou do tempo de recarga.
Julie concentrou suas forças no punho direito e desferiu um soco no chão, abrindo uma cratera e emitindo uma onda de choque em um raio de cinco metros.
Quando a poeira baixou, encontrou Ragnar em sua forma humana, curando-se com a pouca mana que restava enquanto lutava pela própria vida. Sua chegada atraiu a atenção dos mortos-vivos, dando um respiro aos ao jogadores e ursos ainda vivos.
Então precisava se aproveitar da desordem que instaurou no exército adversário. Julie ativou a Agilidade da Lebre e correu em alta velocidade ao encontro de Ragnar, a velocidade bônus a permitiu ignorar e se esquivar dos inimigos e dos seus golpes.
— Vamos, a evacuação está em andamento — disse após aniquilar cada um dos seis zumbis e esqueletos ameaçando o druida.
— Precisamos salvar minha guarda de elite.
— Não dá tempo — disse ela, oferecendo uma poção de cura.
Ragnar bebeu a poção em três goles e respondeu:
— Não vou abandonar eles.
Era estranho ouvi-lo dizer isso. O Daniel que conhecia era um amor em pessoa, mas quando se tratava de decisões dentro jogo, era frio como pedra.
— A culpa é tua se a gente morrer.
— Pode deixar. — Ragnar aceitou o desafio. — Por acaso você tem mais uma poção?
— Era a última, eu tinha guardado para alguma emergência… tipo essa.
Era compreensível, poções de vida eram caras até para jogadores de nível alto.
— Preparada? — disse ele.
— Pronta — ela afirmou erguendo os punhos.
Juntos, ativaram suas habilidades de fortalecimento. Ragnar invocou a Ira da Tempestade e a Linhagem Animal.
Julie assumiu a Postura do Tigre, envolvendo seus punhos em energia espiritual que, por estar no nível máximo, moldou-se na forma de tigre. Na prática, essa habilidade aumenta seu dano físico e permite usar o Avanço do Tigre duas vezes nessa postura.
Em seguida, ativou o Espírito Incandescente, a habilidade envolveu seu corpo em uma aura flamejante, incendiando e aumentando o fluxo de energia espiritual fluindo em seus punhos e antebraços.
Ao lado de Ragnar, sua aura alaranjada e seus punhos em chamas contrastavam com as faíscas perpassando o corpo dele. Eles eram fogo e raio, urso e tigre, uma visão comum para um desavisado como Malorn, da Pata Negra, que os espiava de canto de olho.
Mas para aqueles que os conheciam, eram duas das maiores estrelas do país, o orgulho da nação, uma dupla implacável que, quando lutavam juntos, eram vistos como uma força da natureza em nível mundial.
Julie ergueu os punhos, Ragnar, sua lança e, ao mesmo tempo, avançaram contra a horda inimiga.
Ragnar não era mais um cavaleiro, portanto, seu druida não deveria ter a mesma sinergia com a lutadora do que seu antigo avatar. Mas de alguma maneira, a cada golpe, a cada movimento e, a cada troca de olhares em meio ao caos do combate, suas mentes entendiam as intenções do outro sem precisar verbalizar uma palavra.
O primeiro objetivo foi resgatar os ursos combatendo no flanco direito da formação. Dos seis ursos de ferro, apenas quatro conseguiram sobreviver.
A situação do outro grupo era mais desesperadora, estavam cercados por três fileiras de mortos-vivos. Cada uma das feras se sacudia como um touro enraivecido para manter os inimigos longes.
Ragnar sorriu quando a forma de urso voltou do tempo de recarga.
— Julie, lá — disse apontando para o próximo grupo a ser socorrido.
Ela acertou um Chute Duplo no queixo de um zumbi, confirmou acenando a cabeça e correu ao lado do druida. No meio do percurso, Ragnar transformou-se em urso e só ativou a Armadura de Espinhos quando suas patas frontais empurraram um paladino adversário no chão.
— Toma essa, filho da puta. Tu é paladino e faz parte de uma seita necromante? Tem vergonha não? — Falou bem no ouvido dele para tirá-lo do sério.
Aproveitou e mordeu-lhe a cabeça, arrancando uma porção dos pontos de vida. Quando olhou para a direita, viu Julie o encarando e, sem que precisasse dizer algo, sinalizou com uma piscada.
Julie saltou sobre ele, impulsionou-se com as mãos e executou uma pirueta para frente, passando por cima dos mortos-vivos e aterrissando ao lado do urso mais próximo. Quando os pés tocaram em solo firme, socou o chão, provocando um Abalo Sísmico.
O chão tremeu sob as patas de Ragnar, derrubando metade dos zumbis e esqueletos na área de efeito. Isso foi o suficiente para libertar dois ursos das garras dos oponentes. Eles correram até Ragnar e se dispuseram a ajudar no resgate do último da Guarda Trovejante.
Sabendo de quem se tratava, Ragnar quase deu uma risada. Então dois jogadores adversários foram arremessados em sua direção. Virou-se esperando encontrar uma Julie puta da vida descontando sua raiva em jogadores aleatórios, mas ela estava ocupada finalizando os mortos-vivos ainda tentando se levantar do Abalo Sísmico.
O responsável veio correndo em sua direção, com o corpo todo machucado, repleto de perfurações, cortes e com o pelo chamuscado em várias partes. Hardgart sobreviveu com um risco de vida.
Ragnar voltou a forma humana, acariciou a cabeça do chefe da Guarda Trovejante e ordenou o recuo total:
— Para o portão norte, venham.
Enquanto isso, Julie ajudou a afastar a nova onda de inimigos. Ragnar foi até ela, pegou-a pela mão e a puxou, dizendo:
— A senhorita também.
Ela assentiu.
— Vocês também! — berrou ao passar pelos Patas Negras lutando logo atrás.
Analisando melhor, percebeu que sozinhos não iriam conseguir se desvencilhar dos oponentes que aos poucos os encurralavam contra a parede.
— Deixa comigo — Julie anunciou já avançando em direção aos aliados em apuros.
Ragnar perfurou com a lança o peito do zumbi que veio atacá-lo e acertou uma cotovelada no crânio do esqueleto vindo em seguida. Quando olhou outra vez para os Patas Negras, eles estavam a salvo, agradecendo a lutadora e passando por cima dos corpos dos inimigos recém-derrotados.
Com os últimos aliados livres, o recuo final em direção ao portão norte pôde ser iniciado. Sem saber se havia alguma relação com isso, a seguinte mensagem apareceu para cada jogador ainda vivo no vilarejo:
A missão “Defenda o Vilarejo” fracassou
Ragnar não se permitiu abalar com o fracasso, apenas um milagre poderia fazê-los vencer um inimigo tão poderoso e numeroso. Como consolação, uma nova missão apareceu.
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Evacuação do Vilarejo (Nível: 24) |
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Proteja o maior número de sobreviventes durante a evacuação |
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Recompensas |
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12.600 pontos de experiência 800 rubros Título de Defensor de Salem 1.250 pontos de reputação com a Vila Torino 500 pontos de reputação com a Cidade de Salem 250 pontos de reputação nas demais cidades e vilarejos da província |
Só de bater o olho, Ragnar notou como as recompensas foram reduzidas. Ao todo foram subtraídos 10.000 pontos de experiência, 400 rubros e metade da reputação.
Era uma perda considerável, mas não se comparava ao que aconteceu a seguir. Ragnar apenas ouviu um berro:
— Niki, não! — A voz era de Skiff.
O druida virou-se a tempo de ver que, à sua direita, o assassino Rextar surgiu das sombras e golpeou Niki por trás, zerando os poucos pontos de vida que restavam nela.
Havoc tentou se vingar partindo para cima dele com golpes bruscos e furiosos; destituídos da graça, elegância e propósito característicos dela.
Ragnar desacelerou a corrida, estendeu o braço e berrou:
— Havoc, esquece ele…
Nesses poucos segundos duelando, alguns mortos-vivos a alcançaram.
Tomado por uma impaciência súbita, Ragnar elevou o tom de voz.
— Fuja, agora, senão tu vai morrer! — Finalizou invocando um Raio.
A descarga elétrica caiu do céu, se alastrou pelo chão e interrompeu os ataques dos zumbis.
Havoc recuou em silêncio usando a Investida. Rextar correu atrás dela, e quando a alcançou, Ragnar apontou sua lança contra ele e conjurou um Jato D’Água.
O feitiço o atingiu em cheio no peito, empurrando-o para trás. Rextar se preparou para retomar a perseguição, deu o primeiro passo, porém, seus pés travaram no lugar. Olhou para baixo e viu seus pés envoltos em raízes.
Então mirou seus olhos para o druida se distanciando com um sorriso rosto, e disse:
— Isso ainda não terminou.
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