Volume 2
Capítulo 15: Silêncio e Rugidos
No segundo andar, o jovem mestre da mansão relaxava na banheira de sua suíte, que por sinal era luxuosa e bem decorada. A água fumegava de tão quente, e o aroma das velas perfumadas preenchia o ambiente.
— Um banho premium é mais do que bem-vindo.
Pensando em voz alta, Harkin se despiu e se olhou no espelho. Seu rosto esbelto contrastava com o resto do corpo, coberto de cicatrizes.
Despejou os últimos tônicos para a perfeição do banho — algo que ele valorizava em segredo. Harkin tinha muitas manias, e uma delas era o autocuidado, até certo ponto. Suas unhas estavam sempre bem feitas, o cabelo na régua, penteado com esmero, e seus banhos, lotados de tônicos corporais, misturas alquímicas para a pele e elixires de rejuvenescimento.
No fim da preparação, já nu e pisando na banheira, ele sentiu a aura de alguém se aproximando pelo corredor.
“Porra, quem é que tá vindo agora? EU NÃO VOU ME TROCAR! Que me veja pelado, foda-se.”
Pensou com fúria silenciosa. Ter seu banho interrompido era, para ele, o equivalente aos hereges invadindo Nerio.
Toc, toc, toc.
— Pode entrar.
Ouviu o som da porta se abrindo, e pelo cheiro e os passos, ele já sabia quem era.
“Isso vai ser constrangedor… não pra mim. Hehe.”
Mergulhou na banheira, aproveitando a sensação da água quente em seu corpo.
— Você deixa qualquer um que bate à porta entrar assim? — a voz de Serafina veio do vão da porta do banheiro.
— Não. Mas quem mais entraria além de quem já está lá embaixo? Duas auras saíram da casa, e as quatro que ficaram permaneceram sentadas por alguns minutos. Ninguém mais entrou, então, se alguém subiu, é porque já estava aqui.
Ele se ajeitou na banheira, submergindo quase por completo.
— Jeanne não viria aqui, pra se aproximar. Okini é valente, mas não a esse ponto. Então só sobram você e a Gab. E bem, eu não tenho a habilidade de detecção da Okini, então foco meus sentidos na audição. Pelos passos… só podia ser você, mon amour.
— Ok, gênio investigativo… já entendi. Podemos conversar?
— Claro. Entra aí.
Serafina entrou e deu de cara com ele do jeito que veio ao mundo. Suas mãos tremeram. Ela já sabia o que encontraria, mas mesmo assim congelou. Parte pela visão sem as ilusões de magia cobrindo as cicatrizes de Harkin. Parte pela ausência de qualquer tecido sobre ele.
— Sabe… não era assim que eu imaginava você me vendo peladasso pela primeira vez.
Harkin falou, se posicionando charmosamente.
— Nem pensa nisso. Vamos conversar sério. Sério mesmo, depois do que rolou lá embaixo.
— O que mais você quer que eu fale, Sera? Eu sou alcoólatra e fumante. Isso vai ser um problema?
— Eu aceito esse seu lado. A gente se conhece há pouco tempo, mas você disse que não ia beber — e você bebeu. Quem me garante que você não vai voltar atrás em outras coisas?
— Eu disse que ia tentar. Não que não iria. Eu me reconciliei com minha irmã porque agora eu entendo o Adrien. Mas foi porque você pediu, principalmente. Acho que, talvez… haja uma pressuposição que até agora eu tenho mantido minha palavra.
— Viu? É disso que estou falando. Eu não sou sua inimiga. Por que tentar me tratar como se fosse uma adversária da corte? Tenha dó, Harkin! Se for pra ser assim, melhor nem ser nada.
A frase saiu carregada de raiva. O silêncio que se seguiu foi desconfortável. Ela falou sem pensar — e pela expressão em seu rosto, ficou claro que percebeu isso tarde demais.
Harkin sentiu o coração pular uma batida. Um frio impossível percorreu sua barriga.
“E agora? Fui longe demais. Falei sem pensar. Tô brava, mas não a esse ponto. E ele de fato disse que ia tentar, não que ia parar. Droga. Ia morrer se ele tentasse? Se eu recuar agora, vou ter que recuar pra sempre.”
Ela se virou e caminhou até a saída.
— Melhor eu esperar lá embaixo até você acabar.
Harkin saiu da banheira e a segurou pelo braço antes que ela alcançasse a porta. Ao se virar, ela percebeu de novo o quanto ele era mais alto do que ela. Os olhos púrpuras dele brilhavam, refletindo a luz dos cabelos laranja-cobre.
— Não vai — disse ele, com a voz baixa.
— Isso é uma ordem?
Os rostos dos dois se aproximaram sem perceber. Bochechas coradas. Testas suadas. Pupilas dilatadas. Sinais claros de corpos afogados em dopamina.
— Quer saber, Harkin? Foda-se. Ia acontecer mais cedo ou mais tarde.
Tomada pelo impulso, Serafina o agarrou como uma caçadora voraz. Os dois se atracaram ali mesmo. Harkin a pegou no colo e a levou até a cama. Ainda beijando-a, desenhou uma runa à distância, selando a porta do quarto.
— Agora ninguém vai incomodar.
— Vai com calma… você é meu primeiro namorado.
As palavras o acalmaram. Mesmo assim, não impediram Serafina de se afogar na paixão. Aquela calma foi o último resquício de autocontrole no quarto. E então, eles se entregaram completamente.
O silêncio no quarto não era desconfortável — era denso de satisfação. A respiração dos dois ainda se ajustava, mas Serafina já repousava sobre o peito dele, ouvindo o coração bater.
— Não achei que você fosse ser tão barulhenta — Harkin sussurrou em tom provocativo.
— Cala a boca. — Ela deu um tapa leve no peito dele, mas não se moveu.
Após alguns segundos, a voz dela veio mais séria:
— Você tem muitas cicatrizes... além do seu braço.
— A vida não foi um mar de rosas. O importante é que eu sobrevivi — e tô aqui pra te encher o saco.
— Esse seu braço... não vai te custar caro?
— Como assim?
— O Solomon não é flor que se cheire, e pelo que entendi, tudo isso foi bancado por ele. Por que faria isso depois de você humilhar os filhos dele?
— Bem, tecnicamente ele é meu irmão. Isso por si só já seria um motivo, mas a real é que eu sou útil pra ele.
— Me dê respostas completas. Eu não vou ser sua bonequinha de cristal. Posso não ser tão útil em batalha, mas minhas habilidades não se resumem à cozinha. Você me contou muita coisa nas últimas semanas, mas ainda há muito mais.
— Eita! Toda essa exigência e a gente ainda nem casou. Será esse o início do meu cárcere?
A piadinha fez ela corar e bater novamente em seu peito.
— Então que seja! Eu não sou uma marionete, e não tem homem no mundo que vai me obrigar a ser. Dei vários foras no Stein por isso. Se você for igual àquele babaca, prefiro ir embora!
Quando ela tentou se levantar, Harkin a puxou de volta e a abraçou.
— Você é a primeira mulher por quem eu me apaixonei, Sera. Jamais te trataria como uma marionete.
— E por que não me conta logo as coisas? Para com essas piadinhas! Tô falando sério, droga.
— Desculpa... esse é o jeito como eu me acostumei a lidar com as coisas.
As orelhas dela se moveram levemente ao ouvir isso. A calma que voltou ao observar o todo foi um lembrete: seu namorado não era apenas um cara qualquer que tentou levá-la pra cama.
Sua mão repousava sobre a cicatriz profunda que atravessava a barriga dele — um rasgo ainda visível.
“Não justifica... mas ele tem os motivos dele pra ser assim.”
Enquanto pensava, mergulhou a cabeça novamente no peito dele e relaxou o corpo, deitando completamente sobre o garoto.
— Vou entender isso da forma que eu quiser. Agora responde com seriedade: o que esse braço e essas comodidades vão te custar?
Ela perguntou com calma, mas o tom carregava seriedade até a alma.
— Eu sou útil. E esse é o preço a se pagar.
— Elabore.
Harkin então explicou os detalhes de seu acordo com Solomon — como já havia feito com Pietro — mas, dessa vez, foi mais detalhista.
— Tá, agora isso faz sentido. Aquela família é tudo, menos caridosa. E o Solomon já te falou pra que quer essa arma?
— Não perguntei e, sinceramente, não me importo.
— Você deveria.
— Por quê?
— Porque a esposa dele é Ophelia Smith. O pai dela é o maior ferreiro do Império. Eles têm domínio sobre as forjas por aqui, e o irmão dela, assim como ela, são os que estão conduzindo o avanço da Magitec por essas bandas.
— Magitec?
— Não é como vocês chamam esses aparatos que inventaram com magia?
— É por aí. Eu só não esperava isso. Comparado com o que eu vi, não achei que o Império tivesse essa capacidade. Como você sabe disso tudo?
— Eu tenho um restaurante na divisa entre a parte pobre e a parte rica da capital. Quantos magos você acha que trabalham para famílias nobres ou pro governo e passam por lá?
— Justo. Obrigado pelo aviso. Mas duvido que consigam fazer engenharia reversa em qualquer coisa que eu invente.
— Sua irmã tá certa. Você é muito arrogante.
— Autoconfiança, não é arrogância. Eu simplesmente faço as coisas de um jeito único. As fórmulas que uso são complexas, e a maioria nem tenta chegar no número de variações que eu aplico.
— Por quê?
— Porque, se alguma fórmula der errado, as consequências são catastróficas. Se eu errar uma variação, ou se algum cálculo sair mais pra lá do que pra cá, posso explodir um quarteirão.
— E por que você faz isso? É perigoso demais. Você não tá colocando só a sua vida em risco.
— Nos meus refinamentos, eu isolo o ambiente. Faço runas e encantamentos que travam qualquer vazão. Se alguma coisa der errado, não passa da porta. Quanto aos perigos... eu já fiz isso tantas vezes que nem sei mais se consigo falhar.
— Em outras palavras, você se acha imbatível.
— Não. Eu só estruturei tudo de forma que a chance de dar errado é de 0,0001%. E acredite, não foi da noite pro dia. Eu falhei várias vezes.
— Se você falhou várias vezes, e isso é tão perigoso... como ainda tá aqui?
— A Gabriela me chamava de barata por causa disso, hehe. Mas eu sempre me preocupei com a segurança. Antes de aplicar um processo, eu pensava em contramedidas. Foi assim que cheguei até aqui.
— Tá, bonzão. Se você conseguiu isso, quem garante que mais ninguém consiga?
— Peculiaridades que meu corpo tem... e outros não.
Ela deu um tapa nele e respondeu, fumando de raiva:
— Sem esconder nada ou você vai ser meu primeiro término também.
— Ok, já entendi. — Ele esfregou o local do tapa. — Mas não dá pra te contar tudo em um dia. A gente tá se conhecendo há algumas semanas, não é como se eu te deixasse no escuro de propósito.
— Tudo bem. Me explica isso e o seu plano pros próximos dias. Depois a gente encerra.
Ainda deitado, Harkin bateu continência para ela.
— Sim, senhora líder suprema.
Ela riu levemente, sacudiu a cabeça e puxou as bochechas dele.
— Fala logo.
— Tá, tá. — Ele riu também e se aconchegou. — Meu corpo adquiriu uma propriedade física que eu chamo de convergência. Basicamente, consigo converter quase tudo que tem energia. Tudo que vem de ataques mágicos, eu posso desconstruir, recalculando o feitiço. Por isso nem Stein nem Drake conseguiram me enfrentar.
— Uau. Isso é, no mínimo, 50% da criptonita dos magos.
— Até certo ponto, sim. O problema é quando a gente pega magos que não usam formulações. Existe um limite pro que eu posso absorver. Revertendo as fórmulas, eu consigo absorver parte da mana e dispersar o resto. Agora, em ataques diretos, a parada é mais séria.
— Então você poderia ser basicamente invencível... se não houvesse um limite físico pro seu corpo?
— De forma resumida... talvez. Tudo depende de uma série de fatores.
— Que seriam muito extensos pra explicar. Tá, entendi. Mas o que isso tem a ver com seu método de forja?
— As variações só são possíveis porque uso um método baseado na Convergência. Existem 8.192 fórmulas sobrepostas com16.384 variações, me usando como catalisador, refinando a energia e as propriedades da mana e de outras energias presentes no ambiente até entregar o produto final.
— Em outras palavras?
— Em outras palavras, eu sou um filtro universal de energia. Eu reaproveito tudo o que é eliminado e realimento minhas fórmulas, criando um arranjo único.
— Tudo bem, mas essa conversa ainda não acabou. Você tem muito o que pôr em dia.
Ela se levantou, dando as costas nuas para Harkin, e perguntou:
— Tirando a arma do Solomon... o que mais você tem pra fazer?
— Planejar minhas aulas. E o Julian me desafiou pra um duelo. Então vou ter que dar uma surra nele.
— Você vai conseguir derrotar ele? Não por nada, mas ele é um major 1º oficial. Eu sei que você disse que é equivalente a um coronel, mas ainda assim... esses níveis não são absolutos.
— Eu sei. Mas ele não é uma preocupação. Minha maior dificuldade agora é planejar as aulas.
— Você tá levando isso a sério mesmo, né?
— Independente de ter sido forçado a isso, eu ainda vou fazer da melhor forma.
— Ok, se você diz... vamos tomar um banho.
Ela piscou pra Harkin e foi em direção ao banheiro.
Harkin não pensou duas vezes. Pulou da cama com o vigor revigorado — e a acompanhou.
Descendo juntos, os dois viram os que haviam saído retornando — e, por incrível que pareça, a imperatriz ainda permanecia ali.
— Poxa... duas horas de conversa. Você devia estar mesmo brava — comentou Okini para a amiga, arrancando risos leves de Gabriela e da própria imperatriz.
— O que foi? Contei alguma piada?
— Você ainda é ingênua, minha neta. Só isso — respondeu Jeanne.
Serafina corou e apertou a mão de Harkin, tentando disfarçar a vergonha.
— Bem... independente disso, meu jovem, posso contar com você? — perguntou Jeanne.
— Depende de Vossa Alteza. Em que posso lhe ser útil?
— Eu levo a educação deste país muito a sério.
— Não se preocupe. Vou cumprir com minhas obrigações.
— Ótimo.
Pietro, cansado da formalidade, cortou o clima:
— Certo, já nos livramos do problema do seu braço. Qual o próximo passo?
Harkin se sentou, cruzou as pernas e pegou uma xícara de chá ainda quente.
— Arma, aulas, descer o cacete no Julian. Não necessariamente nessa ordem.
— Aulas?! — reagiram Gabriela, Jeff e Adrien em uníssono.
— Cacete no Julian?! — repetiu Okini, confusa.
Jeanne interveio, explicando aos conterrâneos de Nerio sobre o acordo firmado no conselho. Harkin completou, contando a todos sobre o duelo que havia marcado com Julian quando entrou para o corpo docente.
— Você vai apanhar feio... e eu vou adorar ver isso! — disparou Okini, rindo como uma criança.
O jovem mestre da casa ignorou completamente.
— Se não se importam, tenho uma arma para forjar. Sintam-se à vontade para escolher seus quartos; não falta espaço. E, quanto aos visitantes, considerem-se em casa.
— Já atingi meus objetivos aqui. Foi um prazer conhecê-los. E Harkin... espero você sexta que vem à noite em Eldravel — disse Jeanne.
— Mesmo que eu não queira, estarei lá.
— Ótimo. O jantar começa às dezenove horas. Leve Serafina. Ela será uma ótima companhia.
— Ok.
— E só como sugestão... Solomon adora espadas decorativas. Mas, se for algo funcional, faça uma lança.
— Obrigado pelo conselho, Majestade. Usarei sabiamente.
Jeanne se despediu. Todos acompanharam com o olhar sua saída pela porta. Um trovão e um clarão depois, sabiam que ela havia partido.
— Nunca vou me acostumar com os poderes do Imperador — comentou Serafina, levando a mão ao peito. Parte assustada, parte aliviada por ver a segunda pessoa mais influente do Império partir.
Harkin se aproximou dela, deu-lhe um beijo na testa e entregou um par de chaves.
— São as chaves da casa. Sinta-se à vontade para ir e vir. Agora preciso ir... tive uma ideia e não quero perdê-la.
Ela o puxou pela gola da camisa e o beijou.
— Vai lá. Mais tarde eu volto.
E assim, cada um seguiu seu rumo. Em um piscar de olhos, os três dias que marcariam todo o cronograma de Harkin voaram: a arma de Solomon ficou pronta; Pietro, Gabriela e Adrien ajudaram a preparar as aulas; Jeff e Serafina se organizaram com Sputnik para definir as funções dos novos funcionários que chegavam à mansão. Serafina, inclusive, já praticamente vivia ali quando não estava no restaurante.
No dia do duelo, acompanhava o namorado até a porta do coliseu da Academia, palco das disputas estudantis e dos duelos oficiais.
— Pensei ter ouvido que era pra ser secreto — comentou Pietro, surgindo de uma esquina.
— Eu também — respondeu Harkin, seco. — Mas parece que alguém teve outros planos.
— Eu ouvi rumores, mas não achei que fossem verdade — disse Serafina, apreensiva.
— Não importa. Vai só fazê-lo se arrepender depois.
— Tem certeza disso? — ela insistiu, aflita.
— Tá tudo bem. Ele é forte, mas não é problema — respondeu Harkin, beijando-lhe a testa antes de virar-se para a entrada. Cumprimentou Pietro com um aceno de boa sorte e seguiu para a luta.
— Vamos. Temos um espaço reservado para assistir. Não se preocupe, Sera. Ele vai ficar bem — garantiu Pietro.
O rugido da multidão ecoava como um trovão dentro do coliseu. As arquibancadas lotadas vibravam, cada rosto ansioso por ver o novo professor cair diante de Julian.
Serafina apertou as mãos, aflita; para ela, parecia que o Império inteiro torcia contra Harkin. Mas ele c
aminhava tranquilo, de cabeça erguida, como se fosse apenas mais um dia comum.
— É isso... velha e nova geração, todas esperando ver o moleque cair — murmurou Pietro ao lado dela.
Harkin lançou um olhar rápido às arquibancadas e abriu um sorriso torto.
— Então, isso não é gente demais pra te ver tomando um pau?
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