Magic Genesis Brasileira

Autor(a): Rafaela R. Silva


Volume 2

Capítulo 45: Entre a dor e o desejo

Eduardh permaneceu imóvel. Com os olhos ainda perdidos, o maxilar travado com tanta força que os músculos do pescoço se tensionavam visivelmente. Um pequeno tremor percorria sua mão direita, embora ele tentasse disfarçar. Sua respiração era rasa, mecânica.

“Esses olhares... de novo... como daquela vez... Me olham com preocupação. Medo. Como se a culpa disso estar acontecendo fosse minha...”

O elfo desviou o olhar, como se fugir dos rostos à sua volta fosse o suficiente para calar os ecos do passado. Mas os pensamentos o prenderam com garras afiadas. Sua mente girava em espirais escuras e abafadas, onde se via perigosamente próximo de lembranças que preferia manter enterradas.

— Ed?... ED?!

Ele piscou, voltando seu olhar para a maga. Ainda assim, o corpo permanecia rígido, os músculos tensionados, como cordas esticadas além do limite. A respiração acontecia apenas por impulso, um reflexo, não uma escolha consciente.

— Desculpe, senhorita... essa situação me fez lembrar de coisas do meu passado... deles... — A voz do elfo saiu baixa, carregada de um peso que não se desfazia.

A tristeza em seu rosto era visível, como uma sombra derramada sobre a luz trêmula da fogueira e o estalo seco da madeira se partindo.

“Senhorita? Por que essa mudança do nada?” O rosto de Lenna se contraiu em confusão.

Ela franziu o cenho, chateada. Aquela formalidade não fazia mais parte do que tinham. Haviam superado isso. Eram amigos agora. Ou pelo menos era o que ela pensava.

— Por que está falando assim...

— Bom... — interrompeu Cázhor, se levantando e dando um passo à frente — confesso que o senhor nos pegou desprevenidos, porém há de convir que o que há em seus ombros é... como posso dizer... algo surreal.

O mago observava a criatura com um misto de fascínio e cautela, inclinando levemente a cabeça como se estivesse tentando analisar uma peça rara de magia viva.

— Eu também nunca imaginei que pudessem de fato existir... mas depois do que vimos... os demônios, Fazhar, semideuses... — Eduardh suspirou com força, emburrado. A pequena criatura escalou até o topo de sua cabeça e, com suavidade quase cômica, começou a mordiscar a ponta de sua orelha alongada. — Eu meio que parei de duvidar de muita coisa.

— Ok... ok. Mas não acha perigoso... — Vladmyr cruzou os braços, uma das sobrancelhas arqueadas, a postura firme — afinal, ainda não sabemos nada sobre essa coisa aí, e agora virou sua mascote...

Mas, ao terminar a frase, algo pareceu se partir dentro dele. A palavra “mascote” ecoou em sua mente com um som distorcido. Fragmentos começaram a se acender, não como lembranças voluntárias, mas como estilhaços de algo maior, algo que vinha forçando passagem havia tempo demais.

As imagens vieram de forma bruta e confusa: os arredores de Mizuyr, a queda na caverna, ele e Lenna separados do grupo. E então, aquela voz. A voz era sua. Mas distorcida. Debochada. Mais áspera do que ele lembrava de si mesmo. E direcionada a ela. A Lenna.

A dor explodiu de repente. Um latejar insuportável começou na parte de trás da cabeça e se espalhou como fogo até os olhos. Vladmyr levou ambas as mãos à cabeça, cambaleando dois passos para trás. A respiração ficou irregular, e os dedos apertavam as têmporas com desespero antes de ele cair de joelhos no chão de terra e pedra. Seu grunhido abafado soou mais como um rugido contido.

— Vlad?! O que houve?! Vlad? — Lenna correu até ele, assustada.

— O que foi, garoto? — Ector veio logo atrás. Ver Vladmyr nessa condição o deixou visivelmente apreensivo.

Cázhor não se aproximou. O rosto sério, os olhos estreitos. Não tinha dúvidas: as memórias reprimidas estavam forçando passagem com violência, desordenadas. Permaneceu em silêncio, apenas observando, calculando quanto tempo Vladmyr ainda aguentaria antes de desabar por completo.

— Viu? Fica falando besteiras... — Eduardh, em tom despreocupado, ergueu uma sobrancelha.

— Para, Ed!! Isso é sério. Ele está sentindo muita dor! — A voz de Lenna foi cortante, quase um grito. Os olhos dela ardiam, indignados.

A expressão do elfo mudou. Envergonhado e levemente aborrecido, revirou os olhos antes de caminhar até o guerreiro.

— Perdão, não foi minha intenção... Vamos, eu te ajudo a levantar — disse o elfo parado diante do guerreiro.

Vladmyr, ofegante, levantou os olhos. A dor ainda martelava seu crânio, mas aos poucos começava a se atenuar, como se algo estivesse sendo desfeito dentro dele. Ele encarou a mão estendida com relutância. A rivalidade entre eles ainda pulsava forte. Lembranças de confrontos, provocações, atritos. Mas, por fim, a necessidade venceu o orgulho.

Com um grunhido baixo e sem dizer uma palavra, aceitou a ajuda. A mão de Eduardh era firme. E então, algo inusitado aconteceu. Logo após o toque, as marcas em suas mãos brilharam. Um brilho discreto, mas constante, um reconhecimento silencioso. A mana fluiu entre elas naturalmente, quase instintiva, mesmo que Vladmyr não soubesse nomear o que estava sentindo. Era apenas uma sensação estranha e profunda, um calor inesperado atravessando-lhe o braço e acalmando, pouco a pouco, a dor que antes o consumia.

Não havia espetáculo, nem som. Apenas um instante silencioso em que algo, invisível aos olhos, parecia se alinhar. A dor cedeu mais rápido do que o normal, como se algo o estivesse estabilizando por dentro.

O silêncio voltou a reinar por um momento. A escuridão que antes encobria as memórias de Vladmyr começava a se dissipar. O que era nebuloso e confuso agora ganhava forma. Todas as lembranças voltaram. Não como lampejos soltos, mas como um fluxo contínuo e claro. Sem mais fragmentos.

Apesar de a dor ter cessado, Vladmyr continuava ofegante, confuso. As memórias haviam voltado como uma enxurrada, desordenadas e violentas. Entre elas, a imagem do pai caído, destroçado por transmorfos, se impunha com brutalidade. Quando seus olhos encontraram o rosto de Lenna, assustada e preocupada, algo o atingiu ainda mais forte. Ela o olhava com ternura. Havia fragilidade ali. Seus lábios tremiam e ele sentia um peso sufocante no peito, dividido entre o que sentia e o que havia perdido.

— Como você está, Vlad? — Ela estendeu a mão em direção ao rosto dele. O toque era frio, mas cheio de cuidado.

Eduardh observava em silêncio. O olhar sério, contido. Parecia plenamente no controle de suas emoções.

— Desculpe. — Vladmyr segurou a mão dela antes que o toque se completasse, afastando-a com delicadeza e firmeza. — Eu... eu preciso de um tempo...

Levantou-se cabisbaixo, como se o corpo ainda carregasse o peso da dor. As lembranças martelavam sua mente, embaralhando emoções demais para que pudesse compreender ou traduzir.

— Pelo menos acho que não teremos mais problemas com isso, né, garoto? — disse Ector, apontando para a cabeça de Vladmyr com um sorriso largo. — Vá fazer a ronda. Ar fresco ajuda a colocar as ideias no lugar.

— Sim, senhor! — Vladmyr respondeu prontamente.

Apanhou a espada e seguiu em silêncio, desaparecendo entre as sombras da floresta. Lenna permaneceu ali, olhando a própria mão, ainda sentindo o calor do toque que fora recusado. Respirava rápido, o rosto em brasas.

— Eu vou... arrumar o restante da comida para a viagem de amanhã... — murmurou, sem encarar ninguém. Sua voz era fraca, e o rubor persistente denunciava o abalo. Seu corpo parecia menor diante do gesto do guerreiro.

Cázhor massageava as têmporas, franzindo o cenho e ignorando todo acontecimento do momento, se voltou para o elfo.

— Diga, senhor Hardro. O que diabos aconteceu ali?

— O senhor fala do filhote?

— Sim. Essa criatura... ela responde à magia, se afeiçoou a você. Sem contar suas mudanças físicas. Faz ideia do que engatilhou isso?

— Não... mas tudo começou depois da marca.

— Faz sentido. Tenho observado ela “ativar” em você com certa frequência. Você parece ter se adaptado rápido à mana do Primeiro. Adoraria estudar isso com mais tempo, mas por enquanto apenas tome cuidado. Vamos tentar usar isso a nosso favor.

Para Eduardh, a mensagem estava clara. Poder seria necessário para combater os demônios, mas sem controle, se tornaria uma fraqueza. E ele não queria ser um fardo.

— Pode ficar tranquilo, senhor. Eu estou, e sempre estarei, do lado do reino. Quanto às mudanças físicas... na hora, eu vi que minha imagem estava igual à me...

— Ed! — Lenna se aproximou, interrompendo. — Não pode ir falar com ele? Não acho que esteja bem para ficar sozinho...

— Senhorita Weins, não vê que estamos conversando? — resmungou Cázhor, irritado.

— Pode deixar, senhor. Eu resolvo isso. Ela não vai sossegar. — Eduardh ergueu as sobrancelhas com um sorriso resignado.

— Que seja!

Com um gesto impaciente, o mago se afastou para um dos cômodos. Eduardh e Lenna seguiram rumo à saída.

— Desculpa por pedir...

— Está gostando dele, né?

— O quê? Por que isso agora?

— Já está mais que na cara... como vocês reagem um perto do outro. É óbvio. — Ele deu de ombros, suspirando.

— Deixa de bobagem, Ed... Depois do que ele fez, acho que nem vai querer olhar na minha cara.

— Lembra quando te perguntei o que você faria se ele se lembrasse de tudo?

— Eu sei, mas...

— Lá vem o “mas” de novo... Olha, a reação dele foi melhor do que eu esperava. Eu não devia ir lá. Você sabe o que sinto por você, já deixei claro. Mas sei quando sair de cena. Faço isso por você, não esquece.

Eduardh sorriu e a abraçou com firmeza. O sorriso era gentil, mas seus olhos, e até o pequeno dragão em seus ombros, deixavam claro que o sorriso não era totalmente sincero.

— Fique com ele por enquanto. — Ele entregou o filhote à maga. — Ele não vai muito com a cara daquele... enfim. Cuida dele.

Lenna não disse nada. Sentia em seu coração aquilo que Eduardh tentava esconder. Quando ele virou as costas, ela o abraçou com força. Isso o fez parar por um instante.

— Por favor, se não sente o mesmo por mim, não torne as coisas mais difíceis, fica difícil me controlar assim...

Ele sorriu maliciosamente, mas sem se virar.

— Obrigada... — disse ela, quase num sussurro.

Eduardh seguiu pela floresta com a mesma vontade de alguém que está prestes a se entregar para o inimigo.

“Nessa eu me superei. Idiota! Vou entregar ela assim, de bandeja? Ah, não sei mais o que fazer... Está claro que ela não me vê da mesma forma... Mas ele não precisa saber dessa parte... Como definir o que eu sinto por ela? Ah, droga!” Eduardh estava em conflito consigo mesmo.

Como rastreador, não demorou muito a encontrar o caminho de Vladmyr, que patrulhava com a espada em punho. Mesmo confuso, o guerreiro mantinha a vigilância com atenção. Ao perceber movimento, girou rapidamente e apontou a lâmina direto para o meio dos olhos do elfo.

— Sei que vontade não te falta — disse Eduardh, fitando a lâmina que ainda brilhava sob a luz da lua — mas vim aqui só bater um papo.

O tom direto deixou Vladmyr desconfiado, e ele não respondeu de imediato. Depois de um instante, abaixou a espada e a prendeu de volta na bainha.

— O que você quer?

A conversa começou seca, mas logo o tom entre eles assumiu um misto de rivalidade e contenção. Palavras medidas, farpas veladas. Dois guerreiros que se respeitavam mais pelas ações do que por demonstrações de cortesia.

— Fale logo. Não estou com paciência para seus joguinhos.

— Calminha... Só vim te dar um aviso — respondeu o elfo, cruzando os braços. — A Lenna está preocupada. Com você.

— E o que isso tem a ver com você?

— Talvez nada. Talvez tudo. Vim aqui por ela... Só sei que, se continuar agindo como se estivesse sozinho nessa, vai acabar... de fato sozinho.

Vladmyr virou o rosto, os olhos ainda sombrios pelas lembranças recentes.

— Não preciso de sermão, ainda mais vindo de você.

— É... estou vendo... — retrucou Eduardh, seco. — Mas já que estamos aqui, e já que você está nesse dilema, vou ser direto. Se gosta dela, pare de afastá-la toda vez que ela tenta se aproximar.

O guerreiro apertou o punho com força, mas não respondeu. Caminhou alguns passos para retomar a patrulha, quando ouviu a voz do elfo novamente, fria e precisa.

— Se decide logo. Eu não vou ficar esperando você acordar para o que tá na sua frente. E ela também pode cansar de esperar...

Vladmyr parou por um segundo, de costas, mas não virou.

— Entendeu bem, babaca? — completou Eduardh, debochado.

— Cala a boca, idiota — respondeu, seguindo em frente, sem olhar para trás.

Depois da conversa, Vladmyr seguiu em silêncio em sua ronda. O caminho serpenteava entre árvores ressecadas e encostas irregulares. O chão já não era puro branco como na floresta congelada anterior. Aqui, os flocos se misturavam à terra escura e à vegetação rarefeita das regiões montanhosas, onde raízes afiadas rasgavam o solo e os troncos pareciam retorcidos pelo vento constante.

A ronda acabou se tornando um pretexto. Não para proteger o abrigo, mas para fugir do que lhe fervilhava por dentro desde que recuperou a memória. Os pensamentos vinham como avalanche. As lembranças, os gestos não feitos, as palavras engolidas. Tudo voltava com um gosto amargo demais para ser ignorado.

“Elfo idiota... Veio só para jogar na minha cara que deixei ela lá. De novo...”

Vladmyr parou ao lado de uma árvore curvada, os dedos pousando levemente no cabo da espada. Um gesto automático, inútil. Porque a mente dele não estava nos perigos da floresta. Estava nela. Lenna.

Eduardh havia sido direto. Como sempre. Mas havia algo mais em seu tom, algo cru, real, impossível de evitar. Não era só ironia ou provocação. Era um recado. Um corte limpo, feito com precisão. O elfo sabia o que sentia por ela. E, mesmo sem ser correspondido, não fingia. Não hesitava. Estava disposto a lutar. A estar ao lado. A não esperar tanto. E foi isso que mais doeu.

Ao contrário dele, Eduardh já havia escolhido. E deixou claro que não ficaria parado esperando que Vladmyr acordasse para o que tinha diante dos olhos. Se o guerreiro estava disposto a perdê-la, o elfo não. Tais palavras soaram de forma impiedosa. Como se alguém tivesse arrancado a última desculpa em que ele ainda tentava se esconder.

O vento uivava entre as pedras. Na copa de uma longa árvore, uma coruja soltava um canto abafado, perdido no sopro frio da noite. Galhos estalavam ao longe. Tudo contribuía para o turbilhão que estava em sua mente.

“Ela... Eu não sei o que sentir por ela agora. Minha cabeça dói...”

Vladmyr apertou os olhos, como se isso pudesse afastar o caos que se acumulava em sua mente. Uma lufada mais forte de vento soprou pelos campos baixos, onde folhas finas, quase como hastes de trigo-selvagem, roçaram de leve seu rosto. O toque era suave. Quente, de certa forma. E trouxe com ele a lembrança dela. Do jeito que ela olhava. Do jeito que se aproximava mesmo quando ele fez de tudo para afastá-la.

Ele se lembrava de quando quase a beijou. Mais de uma vez. Sempre a um sopro de distância. Sempre parando no último instante. Lembrava também de quando ela salvou sua vida, mesmo depois de ele ter recusado salvar a dela. De como permaneceu próxima, mesmo quando ele a tratou com desconfiança e frieza, acreditando em histórias que, agora, a verdade mostrava o quão podres soavam. E lembrava também de quando, sem memória, se apegou a ela. Por suas atitudes. Pelo que ela era. Não pelo que sempre disseram que fosse.

Enquanto ele ainda se perdia nessas lembranças, Eduardh já havia retornado ao acampamento. Encontrou Lenna sentada no frio, com o filhote aninhado nos braços. O pequeno dragão, ao vê-lo, saltou leve para os ombros do elfo, ronronando como um gato, e depois voltou às mãos da maga. 

— Você devia dormir um pouco — disse ele, encarando-a.

— Eu vou. — Ela desviava o olhar, o rosto ainda corado.

— Prefere que eu deite com você?

— Mas o quê?!...

— Relaxa... — Ele soltou uma gargalhada. — Estou apenas brincando.

— Ed! — Ela franziu o cenho.

— Preferiria que eu estivesse falando sério? — sussurrou ao pé do ouvido dela antes de sair.

Lenna estremeceu com a provocação. Ele sabia exatamente como mexer com ela, deixando-a parada, sem reação, perdida em pensamentos por um bom tempo. Sozinha, ela permaneceu ali, imóvel, com o olhar perdido nos flocos de neve que ainda caíam preguiçosos, derretendo ao tocar o solo já coberto por folhas secas. Era como se uma linha invisível dividisse as estações ali mesmo: de um lado, o frio persistente e silencioso de um inverno que teimava em ficar; do outro, o aroma úmido e o chão forrado de outono. O filhote dormia tranquilo em seu colo, aquecendo suas mãos geladas.

O tempo passou devagar. Meia hora se esvaiu em silêncio, como se o mundo tivesse adormecido ao redor. O crepitar distante da fogueira e o sussurro do vento entre as árvores eram os únicos sons presentes, até que passos pesados quebraram a quietude, afundando a neve a cada passada.

— Se eu soubesse que teria reforço de guarda, tinha tirado um cochilo mais cedo.

— Pelos deuses! — exclamou Lenna, estremecendo com o susto.

Ela acabou soltando o filhote, que fugiu em direção às sombras e logo desapareceu de vista. Seu coração disparou, e instintivamente ela pressionou a mão contra o peito, tentando acalmar a respiração.

— Você se assusta fácil demais, menina — respondeu Ector, soltando uma gargalhada calorosa. — Vai querer assumir meu turno também?

Ele ajeitou o machado no ombro com um meio sorriso.

— Bom... agora é minha vez na ronda. Melhor não ficar aqui fora sozinha...

Ector partiu, dando de ombros, sem esperar que Lenna respondesse. Ela ficou parada, apenas observando o comandante quase desaparecer entre as árvores. Antes que ele sumisse por completo, passos mais leves quebraram o silêncio. Vladmyr surgia na troca de turnos, vindo na direção oposta. Cumprimentou o comandante com um leve aceno, justo a tempo, antes que ele desaparecesse na mata.

Lenna, mesmo sozinha, deu um passo à frente, afastando-se lentamente do abrigo em direção a Vladmyr, que, ao vê-la, interrompeu o passo e esperou por ela na borda da floresta. A névoa fina e o tímido brilho da luz da lua envolviam os dois enquanto se encaravam.

— Vlad...

— Lenna...

Ambos falaram ao mesmo tempo, surpresos pela coincidência do momento.

— Deixa eu falar primeiro — disse a maga — Sei que você ainda deve estar confuso, mas me desculpe...

Ela não conseguiu terminar.

O guerreiro havia avançado. Estava perto demais. O olhar, agora, carregava uma certeza serena, a de quem havia decidido não esperar mais.

Vladmyr a puxou de repente, com um gesto contido, mas firme, envolvendo-a pela cintura, como se temesse perdê-la se esperasse um segundo a mais. Os braços ao redor do corpo dela não eram violentos, mas densos, carregados de urgência e um desejo que ele já não conseguia mais reprimir.

Lenna soltou um pequeno suspiro, entre surpresa e rendição. Não houve tempo para pensar, apenas sentir. Os dedos dele subiram por suas costas com uma lentidão quase reverente, enroscando-se em seus cabelos até alcançar a nuca. Ali, pararam. Firmes, quentes, como se ele quisesse memorizar cada fio, cada linha de sua pele.

O beijo veio em seguida, intenso e silencioso, como se palavras fossem inúteis. Era um beijo que misturava dúvida, saudade e desejo. Não havia pressa, mas também não havia hesitação. Vladmyr a beijava como quem se reencontra com algo que julgava ter perdido. E Lenna, simplesmente, cedeu.

Desmoronou em seus braços. As pernas quase vacilaram, e seu corpo se apoiou no dele com naturalidade, como se já o conhecesse. Como se aquele momento tivesse sido esperado, por ambos, há muito mais tempo do que admitiam. Os dedos dela se enredaram nos cabelos da nuca do guerreiro, puxando levemente, como se quisessem impedi-lo de se afastar. Como se pedissem mais.

Ele não a soltou.

O beijo continuou, se aprofundando a cada toque, a cada pausa curta entre uma respiração e outra. A respiração de Lenna acelerava, e um arrepio percorreu-lhe a espinha quando ele roçou os lábios pela curva do seu maxilar, subindo novamente até seus lábios, como se os redescobrisse.

Nada ao redor parecia importar. O frio da noite se dissolveu, o som da floresta se apagou. O mundo parecia conter apenas os dois. Dois corpos entrelaçados, duas almas em conflito, encontrando um breve alívio nesse instante. A luz pálida da lua atravessava as copas das árvores, criando uma moldura prateada ao redor deles. Um instante roubado do tempo. Um silêncio cheio de tudo.

Ao longe, próximo à entrada, dois círculos brilharam sutilmente ao toque da luz lunar. Pequeno e oculto nas sombras, ele os observava em silêncio.

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