Kapakocha Brasileira

Autor(a): M. Zimmermann


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 13.5: Conexões

A grande mesa de carvalho se dispunha no convés aberto do navio de Heinrich.

Ele estava com um grande apreço pela situação atual, o Abismo Revolto sempre foi conhecido por seu clima imperdoável e inospitalidade brutal.

Entretanto, tudo estava tão calmo… não tinha uma única nuvem no céu, e o mar estava estranhamente passivo, apesar do vento manter uma velocidade boa.

Já havia anos que Heinrich navegava junto de suas duas filhas e tripulação rotativa. Achar marinheiros determinados a arriscar suas vidas por boas quantias de dinheiro era fácil, mas aquelas duas eram insubstituíveis.

Ele colocou uma toalha enorme sobre a mesa, geralmente reservada para convidados especiais de seu navio, o que acabou por ser exatamente o caso.

Jasmyne, por outro lado, se recusava a sair do quarto de Heinrich, não queria ver a luz dos três sóis, muito menos as caras dos jovens. O capitão não tinha certeza se era sobre de seus ideais divergentes ou de vergonha própria.

O capitão gostava de pensar que Jasmyne ainda seria uma pessoa boa, mesmo depois do que ela disse a ele na noite anterior. Abandonou seu cargo, sua glória, as lendas que o seguiam. Tudo para ter um pouco de paz.

Este café da manhã era mais uma tentativa do homem de impor ordem sobre pessoas nas quais ele claramente não tem controle. Tinha uma experiência de primeira mão sobre como persistentes eles podem ser.

Quando conheceu a Xamã, ambos eram muito jovens, ainda tinham aquela chama ardendo dentro de seus corpos, uma que pedia por brigas sem sentido e mortes desnecessárias.

Tanto ele quanto Jasmyne entendiam que não compensaria arranjar uma confusão com os jovens ali. O capitão apenas esperava que a colega colaborasse para a refeição — um momento que o próprio Heinrich respeita muito.

Suas filhas ajudavam a cortar os pedaços do monstro amarrado ao barco. Com boa parte dele ficando para o resto de sua tripulação, eles poderiam ter um alimento extra.

Cálix foi o primeiro a sair dos quartos, deu alguns tapas no moletom que usava e arrumou o próprio cabelo. Desleixado como sempre, ele andou na direção de Heinrich, percebendo a preocupação e estresse no rosto do homem.

O Clérigo sabia exatamente o que Heinrich sentia, não conseguia ler seus pensamentos, mas aquele olhar de desânimo contava tudo: ele realmente queria reencontrar velhos conhecidos sob melhores condições.

— Eu vou seguir a palavra que Lâmina te deu, tá? — Cálix fez um sorriso doce, tentava compreender o ponto de vista de Heinrich — Agora… anime-se! Esse polvo deve tá uma delícia!

— É uma lula, seu lerdo… — disse Lâmina enquanto saía dos aposentos. Sua capa negra foi finalmente consertada por Milene, ela ainda brilhava um pouco, como se os resquícios de bruxaria da filha de Heinrich permanecessem. Como sempre, ele carregava a enorme espada nas costas.

— Isso importa? A verdadeira questão é que vamos encher o bucho com comida do mar! — Cálix apontou para alguns pedaços do monstro já distribuídos em pratos por toda a mesa — Eu cresci no interior, então, ter acesso a uma coisa dessas é uma raridade e tanto!

— Justo o bastante

— Mas eu tenho que te falar, o jeito como você matou a criatura… foi demais! Ei, Heinrich, você ensinou algumas coisas para ele?

A tristeza de Heinrich desaparecia cada vez mais com a alegria contagiante de Cálix. Ele grunhiu ao colocar mais cadeiras ao redor da mesa e respondeu:

— Nada de muito além do que ele já sabe. Eu até ia perguntar se ele não quer dar umas aulas para Mirele enquanto eu estou ocupado com o navio, hehe…

— Mas não vai ser meio difícil com ela nem tendo algum tipo de misticismo? — interveio Talyra, com a blusa preta amarrada na cintura.

Mesmo com o chapéu enorme, ela ainda parecia incomodada com o brilho dos sóis. Eles emitiam uma luz amarelada e como já era praticamente meio-dia, estavam bem debaixo dessa luz.

— Ah, não deve ser um problema… — disse Heinrich

— Poxa Lily, você realmente devia aprender a pensar antes de falar… — completou Cálix

— Me desculpe! Não foi assim que eu quis dizer. Se quiser eu até ensino para ela o que sei sobre controle de Aura… — a voz de Talyra foi desanimando à medida que ela falava. — É sério, foi mal.

Ela abaixou a cabeça enquanto Heinrich riu por um instante, felizmente Mirele não ouviu aquilo.

— Mirele sempre teve o sonho de fazer algo grande… se tornar alguém… Nunca consegui entender, mas Milene, por outro lado, apoia a irmã apesar de sempre ter sido desmotivada.

— Mirele me falou que queria ser a marinheira mais forte do oeste… Eu respeito muito o sonho dela, afinal, ela teria que superar quem tem este posto atualmente. Você…

— Eu?! — respondeu Heinrich, coçando a nuca em um sorriso nervoso — Sou só um humilde capitão…

— Heh… Conta outra — caçoou Cálix — Esse sabre não engana ninguém, tiozão

— Você me chamou do quê?! — Heinrich deu passos pesados na direção de Cálix e o agarrou pelo colarinho, o jovem colocou as mãos diante do rosto do capitão e tentou amenizá-lo

— Ei, ei! Calma aí, cara. Foi só uma zoaçãozinha — Cálix recuou com a cabeça

— Acho que pensar antes de falar vale pra você também, bocó… — Talyra mostrou a língua

— Papai! Pare de importunar o jovem de cabelos rosados… Ele está certo, você já é um tiozão… — Mirele colocou o último prato com a carne assada da criatura sobre a mesa — Eu agradeço a proposta, maga. Mas estou muito bem como desconexa.

Heinrich colocou a mão sobre a boca: ”Até minha própria filhinha…” choramingou

— Milene já terminou de preparar a mesa — ela chegou trazendo uma cadeira para crianças — vocês estão com uma bebê, não?

— Caramba, Heinrich, esse seu navio tem de tudo!

— Na verdade… Milene fez a cadeira agora com alguns pedaços de madeira no armazém

— Além de costurar roupas, também é marceneira?!

— Bem, ela só cortou os pedaços, quem de fato construiu a cadeira fui eu… — explicou Mirele — Por falar na cadeira para bebês, cadê a bebê e a louca que quase matou todos nós?

— Não precisa falar assim, irmã… Milene ainda não pôde agradecer ao senhor Lâmina Gélida naquela hora

— Imagina, vice-capitã, não foi nada. É só o meu dever

— Você é licenciado? — perguntou Cálix

— Precisa de uma licença para caçar monstros? — retrucou Talyra

— Com certeza! Assim, se tem uma licença para ser clérigo…

Cálix desenrolou um pouco mais sobre as burocracias das quais estava acostumado. Foi questionado algumas vezes sobre o trabalho de um clérigo, que, no seu caso, incluía dar conselhos amorosos; ler o futuro relacionamento de uma pessoa — como fez com Heinrich…

— Também tem a parte de expurgar emoções negativas, minha favorita, mas raramente me aparecem oportunidades

De fato, as coisas que Cálix contava aos outros era muito diferente do que estavam acostumados, era como se suas tradições fossem bem mais frouxas. Entretanto, ele falava com tanta naturalidade que chegava a ser estranho.

Alguns minutos depois, quando se preparavam para sentar-se à mesa, Heinrich, postado na extremidade da proa, ouviu passos ocos subindo pelas escadas — lembrando-lhe o som de saltos que Jasmyne costumava usar no passado.

A cada batida contra a madeira rústica do navio, uma figura esbelta se revelava.

Seus cabelos castanhos, sedosos como fibras douradas à luz dos sóis, deslizavam sobre a pele morena e lisa que contrastava com os olhos vermelhos, tão intensos quanto o longo vestido que envolvia seu corpo.

Os tamancos destacavam sua altura, e o brilho de brincos e pulseiras de ouro puro fazia ela parecer uma joia viva. As sombras purpúreas e a maquiagem delicada davam ao rosto um ar de boneca, mas carregado de uma sofisticação afiada.

Suas unhas compridas, pintadas de carmesim, completavam o quadro de uma figura cuja elegância se confundia com ameaça.

Em seus braços, entretanto, repousava uma pequena criança de pele clara, cabelos mesclados entre roxo e rosa, e olhos grandes, vermelhos como os da mulher que a carregava.

— Desculpem a demora — ela balançou os cabelos ao vento, deixando-se ouvir o tilintar dos brincos em suas orelhas pontudas. 

Talyra, Cálix… Na verdade, todos ali nem conseguiam processar corretamente o que viam. Antes vestida com um manto em trapos e com chifres demoníacos na cabeça, agora dispunha-se diante deles a mulher mais bela que já viram.

— Hm? Mas o quê? Hein? — Cálix coçou os próprios olhos para ver se estavam com defeito

— V-Vaia?! — exclamou Talyra

Lâmina não conseguia dizer uma única palavra, estava paralisado com a visão repentina, boquiaberto. Voltou aos seus sentidos quando percebeu que estava suando — algo que nunca lhe ocorreu antes em toda sua vida.

Cálix olhou para o espadachim nervoso, seus olhos brilharam em dourado por um instante, foi quando ele percebeu exatamente o que Lâmina sentia. Ficou quieto, entretanto.

Vaia pegou um assento entre Lâmina e Milene que estava vazio e sentou-se de forma graciosa.

— Erm… Uau, eu havia pedido para se vestirem apropriadamente… Agora estou com vergonha de sentar na mesma mesa que você — disse Heinrich

— Estou lisonjeada, capitão — os caninos afiados ainda escapavam pelos seus lábios quando falava.

Mas seu tom de voz, a postura, estava tudo muito diferente. Vaia estava mais encolhida como sempre esteve, não havia mais incerteza nas suas palavras e principalmente: ela parecia muito mais alegre.

Era como se a maquiagem e as roupas renovassem sua autoconfiança além de um nível interior, Vaia parecia outra pessoa.

A bebê olhava para ela com um entusiasmo nunca antes visto. Não mais sob um rosto insatisfeito e descontente, mas sim um calor confortável. Vaia a olhou de volta, o vento e o sol enfatizavam a sensação de segurança que a criança sentia.

As gêmeas filhas de Heinrich se encararam por um instante, onde começaram a falar em cochichos:

— Era essa a mulher que atacou Milene?!

Mirele respondeu com um aceno com a cabeça e um semblante franzido, dizendo “Nem parece, né?”

— Eu ainda não me desculpei pelo ocorrido, não é? — Vaia mexeu sua orelha esquerda antes de se virar para a bruxa — Prometo que não vai se repetir

Ela estava com a cabeça alta e os olhos bem abertos apesar da forte luz diurna. Respeito, aceitação, tudo que a jovem nunca havia recebido em toda sua vida, trazido em tão pouco tempo.

Ela sempre acreditou que, por suas características monstruosas, jamais seria aceita. Aos olhos do mundo, seres como ela não passavam de agentes do caos — ainda que fossem também aqueles que cuidavam das feridas e enfermidades deixadas para trás.

A moralidade sempre a guiou por um bom caminho, e Vaia nunca se sentiu tão recompensada.

Mesmo com os problemas deles com a Xamã e a vida da bebê em um risco constante… Não só Vaia, como todos os jovens conseguiam se sentir mais confortáveis.

A criança parecia reagir à satisfação dela.

Com a alta voz e tomada pela ansiedade, soltou de uma vez.:

— Heinrich, obrigada

— Pelo quê? Desculpe a pergunta, mas o único que tem que agradecer aqui sou eu… — disse ele se curvando sobre a mesa na direção da jovem

Vaia ficou quieta, deixando seu sorriso de sinceridade falar por si só, pensou: “Obrigada a todos vocês, na verdade. Por me perdoarem”

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