Volume 1 – Arco 2
Capítulo 13: A Elite
Zaltan ponderava sua carta de missão havia horas. Desde que a recebeu, não conseguia tirar da cabeça alguns dos termos nela escritos.
Especialmente a parte da bebê sem nome…
— O Círculo e seus enigmas… Esse sacrifício necessário para ascensão à elite nunca ficou muito claro.
Todos os seus servos e súditos já haviam ido embora da festa, achando que a pequena Alessa estaria dormindo nos aposentos reais no andar superior.
O Rei de Arquoia sentava-se em seu trono de uma forma um tanto quanto desleixada. A carta flutuava diante dele, enquanto o monarca formulava o próximo passo.
Subitamente, as portas duplas da sala do trono se abriram, saindo de lá uma figura familiar.
— Zaltan! Como está… Oh…
Nira via o jovem rei sentado em seu trono, ele desvia o olhar cansado da carta aberta para a mulher.
Ela vestia um longo casaco de seda branca e turquesa, decalques de escamas e de serpentes sinistras desciam até as pontas da vestimenta. Ela usava diversos acessórios brilhantes nas mesmas cores que suas roupas.
Suas mãos eram cobertas de escamas pretas e garras que passaram por um processo de manicure pesado.
Ela mudou repentinamente o tom, notando que diante de Zaltan estava disposta uma carta de missão aberta, e de uma cor distinta.
Receosa, ela fechou a cara, já direcionando uma pergunta.
— Uma missão Especial… Qual é o grau?
— Nacional, mas eu sei exatamente onde está o alvo
…
Nira se aproximou do namorado, andou calmamente até o trono.
— Eu sinto sua alma… pesada.
— Nira…
— Mas eu não sinto a Aura de sua irmãzinha. Por que você está molhado?
— Eu já te falei: tudo que faço é para acabar com ela. Isso… — Zaltan apontou para a carta prateada — é um bônus que aceito de bom grado
Nira sempre foi desconfiada d’O Círculo, já faz alguns meses que eles estão neste relacionamento “secreto” aos olhos do público. Esse desapreço pelas missões é algo que existe desde a primeira vez que Zaltan mencionou a organização.
— Acho que fiquei muito animado na hora
— Já sei… — Nira segurou seu ombro e massageou-o, mesmo que as mãos duras incomodassem um pouco — Por que não extravasar?
— Agora não, querida, estou em uma corrida contra o tempo. A embarcação que Jasmyne está vai atracar em um feudo de um de meus maiores opositores. Se eu não interceptar a navegação, ela vai poder desaparecer! Ir ao norte ou talvez ainda mais longe
— Isso não faz sentido Zaltan. Então vá logo! O que te impede?
— É esse outro objetivo, matar a bebê sem nome… O que raios uma bebê tem a ver com MINHA missão especial?!
— Mas eu achei que seu único objetivo fosse exterminar Jasmyne Thuzaryn
— De fato, mas eu não sei o que a existência dessa bebê implica. E se for outra descendente da Xamã? Você e eu sabemos que uma Xamã de quarto estágio é capaz de conquistar nações…
— Estranho, essa carta mágica não consegue responder suas perguntas, será? Sei lá, eu não sei bem como funcionam essas gambiarras orientais.
— Muito menos eu…
Zaltan pensou por um momento, então decidiu conversar com a carta. Gaguejou de forma constrangedora enquanto tentava falar.
— E-Er… Com licença… p-poderia me dizer se a bebê mencionada na missão é uma descendente direta de Jasmyne Thuzaryn?
…
— Pfft… Hahahaha! — Nira segurou o próprio abdômen enquanto segurava a risada caótica — Você é tão fofo quando tenta ser educado…
— Como eu ia saber? É a primeira missão que pego, afinal. Deixe de gracinhas!
Nira limpou uma lágrima dos olhos enquanto acenava a cabeça numa concordância sarcástica, ainda suspirando da gargalhada.
A carta d’O Círculo brilhou repentinamente, com sua luminosidade indo além das janelas que recebiam a fraca garoa da tarde. O reino abaixo não reagiu.
Já Zaltan e Nira, ficam apavorados, ambos se protegeram por acharem que seria alguma explosão.
O Rei saiu de trás de seu trono, abanando a sua capa branca. Ele arruma os cabelos louros e observa a carta. Que agora, exibia uma mensagem:
“Conexão estabelecida”
O papel retornou para dentro do envelope, que se fechou rapidamente. O selo de cera azul que mostrava o símbolo da organização se molda, tomando um padrão em xadrez.
— Uh, alô? — Uma fina voz feminina retornou do outro lado, era doce e calma como uma brisa vinda de um campo florido. Falava em um tom tímido e infantil.
O envelope não portava nenhum meio visual de comunicação, tudo que Zaltan e Nira podiam ouvir era a voz do que parecia ser uma menininha vindo do outro lado.
— Círculo? — questionou o rei, ainda muito confuso
— Nossa… já é a segunda vez que isso me acontece em menos de dois meses… Você ainda é a Xamã? Já concluiu sua missão?
Zaltan arregalou os olhos, só existia um indivíduo no qual a voz poderia estar citando, então Jasmyne tinha uma missão especial mesmo. Só essa poderia ser a razão para ir à ilha de forma tão repentina.
— Não, aqui não é Jasmyne Thuzaryn… Mas sim Sua Majestade Zaltan Arquois IV! Você faz parte d’O Círculo?
— Hm? Olha… sim, mas não do jeito que você imagina…
— Pouco importa, poderia ao menos responder minha pergunta a respeito da missão?
— Não
— Como é?! — Zaltan franziu a testa e agarrou o envelope, raivoso.
Nira estava apenas observando a conversa, achava melhor não se revelar para quem não confiava.
— A bebê sem nome não é uma descendente direta da madame Thuzaryn — a voz do envelope firmou-se, deixando de usar um tom fofinho.
— E eu posso chegar à conclusão de que você sabe disso, pois já falou com Jasmyne
— Não só isso, como também essa bebê era o alvo dela
Zaltan ficou quieto e colocou a mão sobre a boca, olhou para baixo e começou a raciocinar. Isso era tudo muito diferente, mas era de fato uma carta oficial d’O Círculo.
Ele tentava levar a situação com o máximo de calma que conseguisse, se tornou rei recentemente e tinha muitas responsabilidades sobre seus ombros, mesmo desconsiderando esses acontecimentos.
Ele respira e tenta revigorar suas esperanças de que isso é um contato profissional com uma entidade superior.
— Você disse que faz parte d’O Círculo, como é essa história?
— Você faz muitas perguntas, hein?! … Aff, mas já que você é nosso próximo candidato, nada mais justo… Eu sou Nanavit.
Esse nome soava um pouco familiar para Zaltan, ele tentou questionar, mas a voz logo em seguida afirmou que isso não passava de um apelido para manter o sigilo por hora.
— Tá certo então, Nanavit. Já que estamos conversando, tem algumas outras questões que gostaria de resolver.
— Poderia ser rápido, então? Tenho que ir ao cabeleireiro em vinte minutos.
Zaltan fez uma cara de confusão, mas decidiu ignorar o comentário de Nanavit, andou em direção à janela da sala do trono que dava de vista para a enorme cordilheira que separava seu reino e os feudos vizinhos das terras do norte.
Nira ficou próxima a ele, apenas tentando absorver mais da conversa, Zaltan permitiu e posicionou o envelope para que ambos pudessem ouvir claramente.
— Por que eu tenho que matar essa bebê?
— … Me desculpe — a voz doce retornou, como se ela tentasse ser meiga para convencer o rei — mas eu não posso responder a essa pergunta quando estou sozinha, se pelo menos os outros membros estivessem aqui…
— Outros membros?
Zaltan já estava se exaustando de fazer tantas perguntas e receber respostas tão vagas e de forma tão frouxa. Sua convicção, seu poder… Já não bastavam para essa menina mesquinha.
— É, eu sou da Elite d’O Círculo. Faço parte desse grupo secreto de indivíduos, sabe? A missão que você recebeu, que a madame Thuzaryn recebeu e praticamente todas as outras pelo mundo? Nós as administramos, mas não as criamos… Ninguém sabe quem as cria.
— Um Deus, eu imagino…
— Na verdade, não.
Zaltan levantou a sobrancelha.
— Então… há algum benefício de fazer parte da Elite d’O Círculo?
— Pelo que ouvi dizer, os membros antigos recebiam missões de nível global, e faziam longas viagens para completar objetivos que interromperiam catástrofes. Acabou que estamos há uns anos sem receber esse tipo de missão, então, os benefícios incluem essas chamadas pra nós conversarmos e botar o papo em dia.
— Ah…
O rei não conseguia esconder sua decepção tanto na fala quanto na face, Nanavit não parecia nem um pouco profissional. Apesar de ter uma voz fofa, ela era bem distraída.
— Seguinte, Vossa Majestade, eu tenho que ir agora. A chamada vai ficar aberta até você apertar o selo do envelope, talvez algum outro membro da Elite entre para te falar mais coisas.
— Espere!
O brilho da carta diminuiu, mas o selo ainda estava no padrão xadrez. A comunicação permanecia aberta como Nanavit falou, e se qualquer outro membro entrasse, Zaltan imaginava que o brilho retornaria.
— Mas o que foi tudo isso?
— Eles adoram esconder segredos, né? Você já sabe o que eu acho deles.
— Você está falando como se fosse algum tipo de missão suicida. Se houvesse qualquer coisa fora do comum, eu acho que eles me avisariam — Zaltan se virou para o outro lado do salão, e olhou pela janela que dava para o grande azul, o Abismo Revolto — Vamos partir em três dias. Se os cálculos de viagem dos meus navegadores forem tão precisos quanto dizem ser, devemos ver nossa querida Jasmyne em sete ou dez dias.
— E a bebê?
— Eu decido o que farei com ela quando a hora chegar, se Jasmyne realmente estiver protegendo-a, com essa sendo a razão pela qual O Círculo a caça agora, talvez eu deva fazer o impensável… de novo…
O olhar de Zaltan acompanhava algumas aves que passavam pelo horizonte do palácio branco de Arquoia. Nira chegou por suas costas e colocou os braços ao redor de sua cintura, observando o porto da capital.
Zaltan decidiu usar do tempo que ainda tinha sem uma ligação da Elite para andar pela cidade, Nira, como sempre, andava encapuzada e de luvas para que não fosse identificada.
Aos olhos da plebe ao alto círculo da nobreza Arquoiana, Nira era uma consorte misteriosa de aparência ainda mais enigmática.
Zaltan era um monarca isolado, mas não deixava de ser um bom líder. Desde que assumiu seu posto, as ruas da capital nunca estiveram tão limpas. Os vendedores nas feiras podiam deixar suas frutas caírem no chão, que elas ainda seriam comestíveis. Não estariam sujas de lama ou estrume de cavalo.
Ele ergueu novos comércios, escolas, e centros de pesquisa e desenvolvimento cultural. Muito se sabia sobre a corrupção da antiga nobreza do reino, contudo, uma vez que Zaltan III morreu, o povo tinha certeza de que estariam prontos para um período mais brilhante, ilustre e belo.
Não fazia muito tempo que as pessoas comentavam a respeito do novo reinado de Zaltan IV.
Chamavam de “Era da Prata”, uma comemoração direta da famosa Era de Ouro — que pouco se sabia — conhecida por seu ápice de desenvolvimento humanitário e um período que presenciou os mais poderosos usuários de misticismo.
As crianças passavam entre Zaltan e sua amada, erguendo as mãos como se alcançassem uma divindade.
O rei gostava muito disso, ser apreciado, amado, como sempre quis.
Porém, ele não conseguia mais olhar para o rosto das crianças da mesma forma. Sempre se lembrava de seu sacrifício e da marca na alma que ainda carrega.
A garoa se dissipou, e ambos Zaltan e Nira nem necessitavam de alguma guarda pessoal, eram temidos e amados pelas pessoas corretas, e tinham uma alta confiança em suas popularidades.
Caminharam até o porto: uma enorme baía exibia suas dezenas de píeres de pedra, passarelas boas para se passear e diversos estabelecimentos que faziam propaganda para a vista oceânica de Arquoia, abençoada pela luz dos três sóis que começavam a se pôr.
Sua conexão por meio da feitiçaria fazia Zaltan se acalmar perto do mar, ele se lembra mais uma vez de seu objetivo, do que deve fazer. Mesmo com a dúvida e incerteza sobre O Círculo.
Em seu peito, o envelope brilha em prateado mais uma vez, exibindo outra mensagem: de que alguém estava se comunicando novamente.
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