Intangível Brasileira

Autor(a): Richard P. S.


Volume 1

Capítulo 38: De volta para casa: Parte 2

Kilian observou a casa por mais alguns segundos. Era uma construção de pedra, assim como as outras ao redor, com o mesmo estilo arquitetônico simples.

Mas esta parecia a mais desgastada de todas. As paredes estavam manchadas, e algumas rachaduras se destacavam.

O ar de abandono destoava das casas vizinhas, que, embora também modestas, estavam em melhores condições.

O garoto franziu o cenho ao encarar a casa por mais tempo do que o necessário. Quando Maya percebeu, esboçou um sorriso meio irônico.

— Está desapontado? — comentou, sem perder o tom provocativo. — O que esperava? Um castelo?

Kilian desviou os olhos da casa para encará-la.

— Não que eu esperasse um castelo... — respondeu, hesitante. — Só... achei que fosse... diferente...

Maya deu uma risada curta, sem qualquer amargura aparente.

— Pois é... mas essa é a realidade. — Seus olhos voltaram brevemente para a casa, e o sorriso desapareceu. — Nem tudo que parece grande e brilhante é, afinal.

Eles continuaram a caminhada em direção à porta. Os passos cansados ecoavam pelas ruas de pedra sob o calor crescente do sol.

Kilian, ainda intrigado, observava Maya de soslaio. Ela mantinha a postura firme, mas a forma como seus olhos evitavam os dele sugeria mais do que suas palavras diziam.

— Mas você ganha bem, né? — Kilian perguntou, com um toque de incerteza na voz. — O Cara de Prancha me falou do Albastrógeno.

Maya encolheu os ombros. Os dedos tamborilavam levemente contra a lateral do corpo.

— O dinheiro vai embora rápido quando se tem outras prioridades. E... nem sempre ele resolve o que importa de verdade.

O silêncio pairou entre eles, pesado e desconfortável, enquanto Kilian tentava processar o que ela havia dito, sem saber como responder.

Maya olhou para frente, o rosto sem expressão, como se quisesse encerrar o assunto ali.

— Parece complicado...

Maya apenas assentiu, com um suspiro leve, antes de apontar para a porta de casa.

Kilian mal teve tempo de processar o que viu ao entrar. Os móveis eram velhos e simples, mas o que mais o surpreendeu foi a mudança em Maya.

Ela, que sempre parecia segura e cheia de atitude, agora mantinha os ombros tensos e a postura rígida.

— Maya, quem é esse aí? — Uma voz cortante veio de uma das salas.

Kilian olhou em direção ao som e viu uma senhora de pele morena, com feições fortes, sentada em uma cadeira de rodas.

Seus olhos duros o analisavam de cima a baixo com desconfiança.

— Então, finalmente chegou o dia: você trouxe para casa um namorado? — perguntou, sem rodeios. — Sinceramente, Maya. Eu esperava coisa melhor.

Kilian arregalou os olhos, e seu rosto esquentou.

— Eu... não... nós só somos...

— Não sou boba, garotinho! — cortou a mulher, estreitando os olhos. — Não pense que me engana.

Maya se aproximou da mãe com um sorriso leve e ajeitou a manta sobre as pernas amputadas da mulher.

— Mãe, este é o Kilian. Ele estava com a gente quando o portal se desfez.

A velha senhora bufou, mostrando pouco convencimento.

— “Só me acompanhando”. Já ouvi essa antes. Cadê os outros?

Kilian desviou o olhar, sem saber como responder, mas a mulher não tirava os olhos dele.

— E você, rapaz? De onde veio? O que faz da vida?

— Eu sou da superfície e estou aprendendo magia com o Garrik e...

— Magia? — a velha interrompeu com um riso seco. — Arcana ou divina? Já é mais talentoso do que a Maya?

Kilian tentou responder, mas ela continuou, sem dar atenção a qualquer tentativa de explicação.

— Um rapaz da sua idade já deveria ser um mago completo. Tem que trabalhar! Olha pra Maya o quanto ela já é talentosa. Já viu ela usando magia?

Maya, enquanto isso, acariciava os ombros da mãe e balançava a cabeça de leve. Parecia acostumada com aquele interrogatório.

— Tudo bem, mãe. Kilian talvez nem siga com a vida de aventureiro. Ele só está de passagem.

— Só de passagem... claro. — A mãe cruzou os braços e franziu a testa. — Já vi muitos "de passagem" nessa vida. Todos morreram. Mas nenhum deles me enganou, não. Tenho faro para a falta de talento.

Kilian abriu a boca para falar, mas apenas soltou o ar de leve, resignado.

Maya levantou-se de repente.

— Vou trazer o que prometi. Fique aqui, Kilian.

Ele acenou com a cabeça, apesar do desconforto com a ideia de ficar sozinho com a mãe de Maya.

Assim que Maya saiu, a mulher o encarou com ainda mais desconfiança.

— Então, rapaz... o que você realmente quer com a minha filha?

— Eu não entendi a pergunta — disse ele, a voz vacilante.

— Além de ter talento duvidoso, ainda se faz de desentendido?

— Eu não sei o que a senhora está sugerindo. Somos só amigos.

— “Amigos” ... — a velha repetiu com desdém e passou os dedos pelas rodas da cadeira. — Já conheço essa história. Eu também já fui jovem como vocês.

Kilian olhou para o chão e bateu o pé, tentando dissipar o nervosismo.

Finalmente, Maya apareceu com uma pequena bolsa de veludo. Ela olhou para Kilian e depois para a mãe.

— Vamos, Kilian.

A mãe franziu o cenho ao ver a bolsa.

— Onde você vai com isso, menina?

Maya não respondeu. Apenas lançou um último olhar à mãe antes de sair.

— Até mais, senhora — disse Kilian.

— Maya! Vai sair sem me dizer onde, de novo? Vai me abandonar? — A mulher bateu nas rodas da cadeira. — Filhos mal-agradecidos, esses. Um dia ainda me atiro da borda da cidade! Vou desaparecer, e nunca mais você vai ouvir falar de mim, dona Maya!

Maya suspirou, sem se virar.

— Mãe, por favor, você diz isso toda vez. Vem, Kilian.

Ele seguiu Maya, com a sensação do olhar da velha mulher cravado em suas costas até a porta se fechar.

Quando chegaram à frente da casa, ela parou de forma abrupta. Kilian notou que seu rosto estava mais sério.

— Vou te dar isso, mas depois você me paga — disse ela, enquanto retirava da bolsa pendurada no ombro uma pequena poção de líquido dourado que cintilava levemente à luz fraca. — É uma poção de levitação. O efeito faz você flutuar por um tempo e, depois, se cair, será com uma queda suave. Assim, você não corre risco de se espatifar.

Kilian pegou o frasco, surpreso.

— Isso resolve... praticamente todos os meus problemas.

Ele olhou para o líquido brilhante, absorvendo a ideia de finalmente realizar o sonho de Melangie.

Maya suspirou e ajeitou a bolsa no ombro.

— Sabe, Kilian, Melangie não foi a única a ter o sonho de ver a cidade de cima...

Ele levantou os olhos para ela, curioso.

— E por que não fez isso?

Maya deu de ombros antes de desviar o olhar. — Melhor deixar pra lá. Não vale a pena.

Kilian ficou em silêncio por um momento, mas então sorriu levemente.

— Obrigado, Maya. Isso significa muito para mim.

Ela deu um passo para trás, parecendo relutante em se afastar, mas depois disse:

— Melhor eu entrar. Estou muito cansada, e também não quero deixar minha mãe esperando por muito tempo.

— Entendo. — Kilian guardou o frasco no bolso e deu um passo adiante. — Eu vou indo.

— Kilian, espera!

Ele parou e virou-se para encará-la.

— Me desculpa pela minha mãe — disse Maya, com uma expressão de quem carregava mais peso do que deveria.

Kilian balançou a cabeça, num gesto simples que parecia dizer “não foi nada”. Ele olhou para ela uma última vez antes de se virar para seguir seu caminho.

— Quando o pessoal voltar, me visitem na superfície... se até lá o Caelinus não tiver me matado.

Maya soltou uma risada abafada enquanto cruzava os braços.

— Vou estar torcendo para que isso aconteça.

Kilian também riu, depois acenou uma última vez antes de seguir adiante pela rua.
Com a poção de levitação guardada com cuidado no bolso, avançava pelas ruas.

Acima, enormes aeroplanos cargueiros sobrevoavam a massa flutuante de terra. Eles pousavam em um ancoradouro na camada superior.

Kilian seguia por uma via elevada, de onde observava o movimento das pessoas nas ruas mais baixas.

Ao longe, um pequeno grupo se reunia ao redor de um homem ajoelhado no chão, cercado por paladinos.

— Mais um ladrão? — Kilian murmurou, parando por um instante.

Um dos paladinos ergueu a voz para a multidão e anunciou o veredicto:

— Roubo recorrente. Arrombamento de casa. A pena é clara.

Ao lado de Kilian, dois mercadores que passavam conversavam entre si.

— Olha, pegaram ele. Até que enfim.

— Será que ele vai gritar? — perguntou o outro, escorando-se na proteção da borda da rua e esticando o pescoço para tentar ver melhor.

— Sempre gritam — respondeu o primeiro, com um meio sorriso.

Lá embaixo, o paladino mais alto, com uma espada embainhada, virou-se para outro que segurava um pequeno machado.

O ladrão, com o rosto encharcado de suor, murmurava algo inaudível, mas ninguém prestava atenção. O machado brilhou sob a luz do sol.

— Por favor... — o homem suplicou, olhando ao redor com desespero.

O som da lâmina cortando foi abafado pelo barulho da cidade, mas Kilian não precisou ouvir para saber o que havia acontecido.

A mão do homem caiu no chão, e os paladinos, antes de curarem o braço para cessar o sangramento, afastaram-se, deixando o corpo contorcido enquanto a multidão murmurava.

— Ainda teve sorte — comentou um dos mercadores ao lado de Kilian. — Se uma coisa dessas ia acontecer em Sam Brehim...

Kilian desviou o olhar e retomou o caminho.

Quando a tarde caía, ele finalmente alcançou a borda da massa de terra flutuante. Dali, uma visão clara da área dos Beyaras se abria abaixo, com uma queda que parecia interminável.

Logo à frente, a enorme massa vegetal subia da superfície até tocar a camada dos Quangras. Kilian respirou fundo, tentando reunir coragem.

Foi nesse momento que uma voz familiar interrompeu seus pensamentos.

— Vai mesmo pular assim? — Maya emergiu das sombras com um sorriso desafiador.

Kilian se virou, surpreso.

— O que você está fazendo aqui?

— Só queria saber se vai voltar — disse ela, com as mãos para trás.

— Acho que não vou — respondeu Kilian, tentando manter a confiança na voz. — Preciso cuidar da Melangie. Tenho que admitir: Ela precisa mais de mim do que o Cara de Prancha.

— E como pretende saltar? Magia é uma coisa complexa. Até os mais experientes às vezes falham — disse Maya, arqueando uma sobrancelha.

Kilian deu de ombros.

— Não faz mal, vou arriscar. Vou usar a magia que aprendi com Garrik.

— Magos em treinamento geralmente começam praticando essa magia com distâncias menores antes de se arriscarem tanto — retrucou Maya, com o tom mais preocupado.

Kilian sorriu, tentando disfarçar a própria ansiedade.

— Estou bem. Garrik me ensinou bem. E um pouco de risco faz parte da aventura.

Ele se preparou para pular, mas Maya o deteve com um gesto.

— Espera!

Kilian parou, confuso.

— O que foi agora?

— Você não me disse onde mora. Caso você se espatife no chão e morra, precisamos saber a quem avisar sobre a sua morte — disse Maya, com um olhar sério.

Kilian suspirou, olhando por um tempo nos olhos dela.

— Moro no distrito ao lado do evacuado, a oeste. Quando chegar lá, pergunte pela casa de Caelinus, o Paladino.

— Mas a parte térrea de Jillar é enorme — disse Maya, aproximando-se da borda ao lado de Kilian. — Como vou encontrar esse distrito evacuado?

— É o mais fácil de identificar — disse Kilian, apontando para a massa vegetal. — Ali.

Maya assentiu, como se gravasse a informação.

— Tome cuidado...

— Sempre tomo. — Kilian deu um sorriso final antes de se virar para o abismo.

Com um último olhar para Maya, ele respirou fundo e saltou.

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