Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 67: A escudirão em Jabralam, parte 3

A cada segundo que batia no relógio, mais notava o quão preocupados todos estavam. Começou comigo, olhando para os lados, então foi para Elizabeth, que não conseguia mais ler e, por fim, Zozolum, que desaparecera já tem duas horas.

— Aonde aquele idiota está? Estamos um dia atrasados! — Elizabeth gritou, jogando o livro para cima enquanto pequenas chamas se reuniam-se ao redor.

Não podia comentar nada, não estava numa situação muito melhor. Não consegui dormir nada nessas últimas duas noites. Enquanto não me afetava tanto devido a biologia única que tenho, ainda era um incômodo. 

Não conseguia parar quieta, quase como se tivesse açúcar injetado direto na veia.

Lewnard desapareceu da face da terra já tem quarenta e oito horas. Nesse meio tempo, comecei a sentir-me mais e mais aflita conforme uma possibilidade surgia na mente. Uma que Elizabeth se recusava a considerar.

E se ele estivesse morto?

Bem, eu seria a próxima da lista. Só Lew consegue preparar o remédio e, sem ele, o meu lado Nor voltaria à tona. Olhando para minhas unhas, não sei o que senti quando percebi esse fato.

Não havia nada ali, quase como se o medo da morte não me fosse mais um problema. Será que não dou mais valor à minha vida? 

Voltei-me ao tempo que passei na transição de humano para Nor, notando que lembrava bem pouco do que aconteceu fora e dentro da minha cabeça. Quer dizer, sabia que tinha algo relacionado a fogo e uma cacofonia de gritos e lamúrias, mas não lembrava de mais nada.

Sinto que estava para chegar a uma conclusão, que se chegasse nela, nunca mais poderia voltar a ser humana… Não, eu voltaria, só que viria totalmente quebrada. Suspirei enquanto olhava para minhas mãos, notando as garras, as mesmas que feriram meu irmão quando vi-o pela primeira vez.

Cheguei nessa conclusão… só não consigo lembrar o que raios era essa… essa Epifania. Algo mudou em mim quando pensei naquela palavra. Quase como um apito de cachorro, senti fome. Muita fome.

— Elizabeth… — disse, tentando controlar a voz para que saísse moderada. A única pessoa que pode me ajudar agora é ela e, se eu perdesse-a, acabaria fazendo algo que me arrependeria.

— Oi? — Olhando para mim, o rosto assumiu uma forma preocupada e se aproximou. — Tudo bem?

— Remédio! — gritei, com um olhar desesperado para ela. — Na sala de Zozolum, escrivaninha, terceira gaveta da direita, tem uma chave na fechadura… rápido!

Fez como mandei, enquanto sentia mais e mais os instintos segurarem minha garganta, forçando-me a fazer coisas que não queria. Um pensamento veio à minha mente e senti-me tentada a segui-lo.

“Por que devo esperar… A janela está aberta. Não preciso comer humanos, só carne já está de bom tamanho, não é?” Nisso, farejei Elizabeth, notando que estava voltando e, como se o demônio me possuísse, pulei para fora do quarto, aproveitando a liberdade que tinha enquanto corria de telhado em telhado.

A fome aumentava conforme sentia, ao meu redor, um cheiro delicioso de uma pessoa querida vindo de um lugar em específico. Olhando para a direita, sorri conforme salivava, as chamas do inferno tocando minha pele e corrompendo-me.

O coliseu… 

 

Quando penso no poder que aquele homem carrega, vejo o quão grande esse mundo realmente é. Mesmo quando ainda caminhava por ele, o título de mais forte era algo que não consegui obter, por mais que houvesse chegado perto.

Haviam poucos seres na minha época que me assustavam, poucos que, no auge do meu poder, conseguiriam fazer com que desse meia volta e corresse. Pouquíssimos eram aqueles que sabia que não tinha nenhuma chance de derrotar. 

O nome “Zozolum, o imperador das sombras” carregava consigo um estigma. A responsabilidade de ser tão forte que o próprio tempo deixara de lhe afetar, de se aprofundar tanto na bruxaria que conseguiu transcender a carne humana e se tornar um com a entidade que contratou.

Este era o único homem que me mataria num piscar de olhos. Aquele que ocultava suas presas na forma de um sorriso charmoso, que escondia as sombras cobertas de sangue com o abraço da bondade, aquele que conseguiria sorrir para uma pessoa enquanto puxava-a para o abismo.

O homem que carregou o título de mais forte por mais de setecentos anos, Zozolum. Por isso, quando analiso a situação atual, não posso deixar de ver o quão tola é a geração atual. Começou com Zozolum mandando as sombras procurarem meu filho enquanto se dirigia para alguns hotéis, onde os nobres ficaram. No primeiro, não achou nada. Impaciente, foi ao segundo e forçou sua entrada na mente dele, puxando cada detalhe da vida do pobre coitado e deixando-o num coma do qual só acordaria dois anos depois.

Quando chegou no terceiro hotel, quando achou o quarto de um dos nobres que sabia o que acontecera com Lewnard, bem, posso apenas dizer que o inferno era algo preferível ao que Zozolum os forçou. 

Usando de uma combinação das artes mentais com sua sombra, modificando o cérebro de forma que todo estimulo fosse interpretado com dor. Incluindo isso, também aumentou a produção de adrenalina e o prendeu numa dimensão criada pelas sombras. Segundos foram transformados em séculos naquele espaço e demoraria em torno de setecentos e quarenta e nove anos para que o sofrimento do jovem nobre enfim parasse. Seguido disso, foi em direção ao palácio dos Justitia, onde o culpado pelo desaparecimento de Lewnard se encontrava.

Sua presença era demarcada por uma enorme pressão ao redor. Mesmos os civis sabiam que deviam passar longe e, conforme se aproximava, mais as sombras se alegravam, ansiosas para provar do sangue dos inocentes.

Os passos pararam quando estava a frente da mansão e, com um sorriso demoníaco, bateu. Uma, e então duas vezes. Quando chegou na terceira, a porta se despedaçou, sendo enviada para longe. — Acalme-se — sussurrou, não para si mas sim para a entidade que tinha o contrato, a mesma que começara a sair do chão, erguendo-se como lanças, prontas para perfurar os inimigos do imperador. — Acalme-se e espere um pouco. 

— Qual o significado disso? — Um velho ruivo gritou, fulminando o imperador com o olhar. — Zozolum… Acaso quer começar uma guerra?

— Acalme-se, duque Justitia. Não vim aqui tomar, vida. Ainda não — disse, olhando para o homem que continuamente ficava mais e mais nervoso. 

O Duque era o pai de Alamar, um homem respeitado na associação. Ele lucrou muito com a queda do antigo lorde e muito se questionava sobre sua moralidade, mas nada disso importava. A forma como o imperador das trevas falou consigo fez o sangue ferver. Irritado, permitiu que o contrato fizesse efeito. Apontando a mão, fez com que várias ondas de energia fossem contra o imperador. Quando estavam a alguns centímetros de encostar em sua pele, tão perto ao ponto de poder sentir o efeito da radiação, foram subitamente destroçadas. — O que?

Zozolum, a idade realmente te tornou mole. Se fosse o você de quinhentos anos atrás, não hesitaria em matá-los. — A presença que desceu na terra fez com que todos tremessem. Era algo tão asqueroso e maligno que a cidade inteira sentiu e, conforme a entidade descia ao mundo, Zozolum permitiu um sorriso final aparecer em seu rosto, um totalmente falso e mau.

— Tem razão nisso… talvez seja melhor eu parar de me segurar e fazer as pessoas lembrarem quem sou. — Caminhou, o contrato se fortaleceu conforme se comunicava diretamente com a entidade. — Quem sabe eu não pinto essa cidade inteira de vermelho? Como eu fiz da última vez que alguém ousou tocar em algo meu.

Nisso, mais e mais Justitia apareceram, como mariposas em direção duma fogueira. Eram cinco ao todo, todos membros do conselho da família, cada um possuindo um cargo de Marquês ou superior e sendo mestres em suas áreas. Ainda que o número os favorecesse, ainda que fossem fortes e que o adversário tivesse acesso a só metade de sua verdadeira força, não ousaram tirar os olhos do inimigo à frente, não ousaram o subestimar. Fazê-lo seria um erro.

Dessa forma, diversas ondas de energia foram contra Zozolum, seguido de explosões sonoras e feixes de luz. 

A família Justitia tinha um contrato com uma entidade extremamente poderosa, aquela que controlava todo o tipo de onda. Por ser uma família antiga, alcançaram um nível de manipulação daquele conceito que era invejável por muitas outras organizações mais novas. Na mente deles, era inconcebível que alguém sobrevivesse ao ataque combinado de cinco de seus combatentes mais fortes, não quando o cercavam dessa forma. Por isso, usaram toda a força num único ataque.

Um ataque que continua toda a esperança e orgulho dos Justitia… foi completamente despedaçado.

— Sabe o que fazer, não é… — As sombras responderam e, mais rápido do que qualquer um deles poderia reagir, a cabeça dos cinco anciãos foi separada do tronco. — Abaddon. — Os cinco caíram no chão como marionetes. Sabia que o que viria disso seria um incômodo, mas tinha certeza que conseguiria lidar com isso mais tarde. Nisso, seguiu caminhando até chegar ao seu destino, lugar onde um covarde se escondia. — Olá… Onde, Lewnard Hollick?

— O… o que? — disse, incapaz de esconder o rosto ao ver o rosto sorridente de Zozolum. — Quem é você?

— Isso não, ao caso. — O sorriso se alargou, tornando-se mais e mais cruel conforme mais dentes mostrava. — Julius Narla, vai morrer hoje. Isso, certo. Contudo, o quão doloroso, ser dependerá inteiramente, você.

— O que está acontecendo aqui… 

Uma sombra avançou contra o guarda, passando de raspão pela bochecha do Narla, sussurrando horrores inimagináveis no ouvido do coitado, envenenando a mente frágil e forçando-o a ficar de joelhos.

— Deixe-me, contar, acontecerá, próximos meses — disse, sentando-se próximo da figura amedrontada. — Eu vou matá-lo da pior forma possível. Meu amigo aqui vai comer sua alma e a de todos os membros de sua família e, quando enfim terminar a digestão, vai jogar-lhes no inferno. 

— Por… por quê?

As sombras cravaram um espinho na perna dele, forçando um grito fora da garganta. — Onde, Lewnard Hollick?





Comentários