Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 66: A escuridão em Jabralam, parte 2

Frio. 

Um frio infernal, de ranger os dentes, fez-me amaldiçoar uma vez mais aquele nobre desgraçado. Ainda era a primeira noite, mas sentia o gelo dentro de mim congelando até os ossos.

Era tão frio que pensei que iria morrer, que não duraria mais do que alguns minutos. Aquele frio me impedia de sentir raiva, de odiar o homem que me colocou nessa situação. 

Como poderia? Sempre que tentava sentir alguma coisa, era como se um balde de água fria fosse jogada na brasa que se formava.

Estava oco. 

Conforme o tempo passava, mais próximo estava de perder a consciência, mais sentia a vida me deixar. Fechando os olhos, tentei dormir, ao menos um pouco, mas nem isso pude fazer.

Aqueles malditos não deixaram nem mesmo a roupa que usei na festa no meu corpo. Invés disso, estava apenas com um tecido surrado cobrindo minha intimidade. 

Tenho que fazer alguma coisa. Qualquer coisa!

É nessas horas que queria ter a inteligência de Grace. Ela provavelmente conseguiria pensar numa forma de sair daqui…

Como será que ela está? E Elizabeth? Nunca mais as verei? Será que… esse é o meu fim?

Soltei uma risada vazia, quase quebrada. Trazer a paz… que piada! Não consigo nem me soltar dessas amarras! Quem dirá fazer algo para mudar o mundo. 

Conforme o tempo passava, mais eu sentia minhas forças me deixarem. Depois de mais algumas horas, a água começou a recuar, ainda que um pouco. 

Aquele era outro problema. Não conseguia nem ao menos juntar o mínimo de calor no corpo sem sentir as pequenas ondas na minha pele, tomando o pouco que tinha.

Conforme o tempo passava, mais o mar recuava e mais luz tinha na cela. Chegou ao ponto que minha pele se acostumou com a temperatura. 

Olhei para cima, entediado. Agora que o frio passou, não tinha muito o que fazer, então, decidi tentar fazer outra coisa.

Colocando-me na postura que o espectro me ensinou, comecei a meditar, tentando achar alguma paz interior e, quem sabe, algum resto da minha conexão. 

Para minha surpresa, depois de sabe-se lá quanto tempo procurando, achei algo. Era pequeno, uma faísca do que costumava ser, mas me deixou feliz. Animado até. 

Tentei aproximar minha consciência daquilo, tomá-la em minhas mãos como sempre fazia. Normalmente, meu poder era tão grande que sentia como se, ao usá-lo, estivesse submerso num mar de chamas e que, para usá-lo, bastava tocar nelas. 

Claro, se me atirasse direto no fogo acabaria sofrendo recuo, por isso que incendiava um membro por vez. Por isso, era estranho segurar apenas uma faísca do que antes foi um inferno ardente.

Minha memória voltou para o dia que saímos de Juvicent, quando troquei minha conexão por uma técnica avançada do diário. 

— Isso vai doer muito amanhã, né… — Abri os olhos, lembrando daquilo que o espectro falou. Quando ouvi aquelas palavras, não dei nada, mas, só agora, consigo ver o quão sofrido é ser normal. 

Não era isso que eu queria. Não era essa a sensação de impotência que tanto desejava!

Suspirei e levei as mãos acorrentadas até os olhos, sentindo uma pontada de dor neles. Quando percebi, notei que tudo ao redor brilhava, mesmo quando fechei-os. 

Olhando para minhas mãos foi quando vi. A pequena forma como a energia ametista circulava nela, ainda que fosse insignificante. Olhando para frente, notei o show de cores ao redor e sorri ao perceber que não havia forma alguma daquilo ser algo feito por mãos humanas.

Era belo demais. Diversas cores — de tons que nunca vi antes, que não poderiam ser percebidos por olhos mortais — rodeavam-me. Aquilo só podia ser observado por um tipo de gente.

Sensores.

Levantei minha mão, tentando trazer minha conexão à vida, porém, para minha decepção, não estava ali. Não ainda.

Ainda assim, sorri. Sorri como não sorria já tem muito tempo. 

Enfim, consegui usá-la de novo. Olhando para o lado de fora, expandi meus sentidos, notando uma diminuição significativa no quão longe podia sentir. Normalmente, podia ver o coliseu inteiro, mas agora mal conseguia sair desta cela. 

Suspirei, cansado.

Nem tudo é perfeito, mas, ao menos, tinha agora um pouco da minha conexão de volta. Ainda assim… Tentando moldar o pouco que tinha, notei que, para minha decepção, sentia uma forte enxaqueca, quase como se meu crânio fosse aberto.

Bem, acho que é melhor não fazer isso de novo.

Apoiando minha cabeça na parede, senti, pela primeira vez, um apreço pelo frio que me cobria. Era quase como se a dor diminuísse ainda mais rápido do que de costume…

Ouvi vozes vindo do lado de fora e me levantei. Já conseguia me mover melhor, sem nenhum problema, na verdade. Sentia que, se não fosse as correntes que me prendem, podia levantar e correr uma maratona. 

— Será que aquele rico já morreu?

—Com certeza que sim. O lorde Narla foi bem cruel. Quer dizer, até os piores prisioneiros tinham mais roupa do que os trapos que ele deixou — respondeu, fazendo com que arqueasse uma sobrancelha. 

Eles realmente me querem morto. Agucei meus sentidos e pude ver quem estavam trazendo, fazendo-me arregalar os olhos.

— Bem, não importa muito. Só temos que colocar esse gorducho na cela e voltar pras cartas.

— Dessa vez, tenho certeza que vamos rapar a carteira do Louí… — Engoli em seco quando a porta foi aberta e tentei me fingir de morto. 

Talvez, só talvez, possa escapar desse jeito…

— Caramba, tá mais morto que defunto. 

— Típico. Não aguenta nem uma noitinha na masmorra… — Aquietei minha irritação com aqueles comentários enquanto controlava minha respiração. Isso é difícil… tenho que ter certeza de regular bem meu batimento ou vão notar que estou fingindo.

Nisso, abriram uma das celas e jogaram Benkei ali, saindo então da sala. 

Fiquei em silêncio por mais alguns segundos, até que…

— Pode parar de fingir… eles já foram. — A voz calma soou e abri os olhos, olhando surpreso para o samurai. — Não me olhe assim… Consigo diferenciar quem tá morto de quem vive só pelo cheiro.

— Sei… — respondi com uma sobrancelha arqueada. Não acho que seja possível para uma pessoa normal fazer isso, mas, bem, esse cara já provou ser tudo menos normal.

A luta dele contra o ogro era evidência o suficiente. 

— Agora está me olhando como se eu fosse uma aberração… 

— Não me leve a mal, mas não dá para te olhar de outra forma, não depois da sua luta.

Sorriu com aquilo, a luz da rua iluminava a forma dele, deixando que visse como todo o corpo estava arrebentado com ferimentos de chibata. 

Que cruel…

— Achei que alguém com um cheiro tão único quanto o seu não se surpreenderia com nada.

Cheiro? Do que está falando? Será que… 

— O que quer dizer? — perguntei, olhando para ele com claro interesse e um pouco de medo. Certeza que ele não poderia…

— Você cheira a radiação. Não, é algo diferente… Algo que não é deste mundo, algo poderoso e antigo, mas diferente de toda a outra forma de energia que já cheirei antes. 

Engoli em seco e olhei-o incrédulo. Na minha cabeça, só um pensamento podia ser ouvido.

“Ele sabe!”

— Diga-me, de onde esse cheiro vem?

Suspirei, cansado. Não sabia de tudo mas era bem claro para mim que conseguiria deduzir sobre a existência do Plano Astral. Não, talvez não chegasse a esse ponto, mas o segredo da guerra secreta, disso não tenho dúvidas que poderia desvendar.

Bem, eu sempre fui um péssimo mentiroso mesmo.

— Eu posso te dar a versão longa e a versão curta… Qual você prefere?

O espadachim sorriu uma vez mais, feliz pela minha honestidade.

— Vamos com a longa. Acho que passaremos bastante tempo aqui.

 

Quando enfim terminei, olhei para ele, esperando alguma reação. Quando paro para pensar, achei que estaria mais surpreso, mas, mostrando uma vez mais o quão anormal era, apenas assentiu com a cabeça.

— É uma história e tanto. — A cara dele não mostrava qualquer emoção, algo que me fez rir. — Algo engraçado?

— Nada não — respondi, olhando para ele com um sorriso. — É só que, com todo o trabalho que os bruxos tem, ver que aceitou tão facilmente… bem, faz-me pensar que é um desperdício de tempo e esforço.

Ambos ficamos em silêncio até que rimos. Não era uma risada como as que estava acostumado a ouvir, onde continham ou uma voz quebrada ou um escárnio evidente. Não… aquilo era algo mais puro. Mais belo.

Era quase como se não tivesse preocupação alguma, algo que, sinceramente, me espantou. Quando foi a última vez que ri assim? Nem mesmo naquela outra cela, com as perguntas invasivas de Zesh eu senti isso.

O porquê disso era algo que não sabia e não me importava tanto assim. Só queria continuar sentindo isso. Quando enfim paramos pela falta de ar, olhei para ele, buscando sentir algo sobre quem era.

Como ainda estava fraco, só pude perceber algumas coisas rasas. Não consegui distinguir o motivo de estar nessa cidade, nem do por que acabara nessa cela. Consegui, contudo, perceber uma coisa sobre Benkei.

Tinha um bom coração.

Apesar de estar machucado, apesar de ser colocado aqui, apesar de nem mesmo ter sua liberdade, ainda estava feliz, satisfeito. Não parecia ser capaz de odiar, de sentir rancor, e isso era algo que podia apreciar. 

Sinceramente, gosto de gente assim. Eu mesmo tento esquecer tudo o que me fizeram e, apesar de ser difícil, tenho conseguido até perdoar algumas mágoas do passado.

Não odiava mais Kruger, por exemplo. 

— Bem, e você? Por que está aqui? — perguntei, ainda no clima descontraído. Não havia nenhuma alteração de humor aparente nele, prova do quão pouco se importava com essa punição.

— Uma aposta. O responsável pelo coliseu disse que, se passasse três dias aqui, sem comida e bebida, iria me libertar. — Arqueei uma sobrancelha com isso. Estranho, achei que a luta do coliseu era para conquistar sua liberdade. 

Questionando-o sobre isso, apenas deu de ombros. — Eles não queriam me deixar ir, chegando ao ponto de castigar-me. Por isso mesmo que estou assim — disse, usando a luz que entrava pela fresta para mostrar as chibatadas que recebera nas costas.

Engoli em seco e suspirei. Algumas coisas nunca mudam.

Sempre vai haver alguém tentando usar os inocentes.

Uma ideia me veio à mente e olhei para a porta, concentrando todos os meus sentidos ali. Notei que estavam próximos, que era agora ou nunca. Olhando para o samurai, soube imediatamente que não conseguiria lutar. Não com aqueles ferimentos.

Aparentemente, também deve ter notado a presença deles pois olhou para mim com seriedade, esperando que voltasse a fingir de morto. Ignorei aquilo, focando na porta.

Sei que o que estou fazendo é estupidez, que é uma completa idiotice, mas era algo que precisava ser feito. O certo a se fazer nunca é o fácil, independente do que o mundo diz. 

— Aqui, chefia, mortinho da silva…

A porta se abriu, permitindo que visse os homens de antes junto com outro, um que vestia o mesmo uniforme de guarda, porém tinha uma insígnia de Capitão-tenente, mostrando ser o responsável pelo local.

Tinha pele negra e um físico absurdo. Era quase como se olhasse um Shiki visliano.

— Oi — disse, com um sorriso amigável enquanto via os dois idiotas atrás suando frio. O oficial olhou para mim e então voltou-se para trás.

— Isso é algum tipo de piada? — questionou numa voz severa. 

— Mas… mas ele estava…

— Nada de mas! — rugiu, puxando os dois pelo cangote e levando-os para fora. — Vão limpar os banheiros por uma semana!

Nisso, a porta fechou, contei até três e, quando tive a certeza que estavam longe, gargalhei. 

— Você… você viu a cara deles? 

— Por que fez isso? — falou depois que terminei de rir, olhando para mim com clara curiosidade. — Podia ter saído daqui! 

— Se eu fosse embora, seu tempo aqui seria bem mais sofrido — disse, finalmente recuperando o fôlego. 

Mesmo se eu tentasse levar ele para fora comigo, ainda que tivesse sucesso em escapar do coliseu, Jabra era grande e, nesse momento, Benkei era um escravo do estado. Nunca deixariam ele escapar. 

Era melhor só continuar esperando e ver se manteriam sua promessa, algo que, se minhas suspeitas estiverem corretas, fariam.

Não acho que a família de Alamar seja o tipo de gente que não cumpre o que promete e aquele rapaz que apareceu no final da luta tinha muito dos traços dos Justitia para não ser um deles.

Nisso, ficamos em silêncio, aguardando o tempo passar.


Caso queiram ajuda com questões literárias, abri um serviço de consultoria literária. Se possível, venham dar uma olhada: 

Ou acessem meu Whatsapp: (51) 982867579
 
Além disso, caso queiram atualizações dos capítulos e outros produtos, deem uma olhada no meu server: https://discord.gg/VbdF4VmU
E também, caso queiram melhorar a escrita, entrem no server da Novel Brasil: https://discord.gg/novelbrasil


Comentários