Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 65: A escuridão em Jabralam, parte 1

Olhei para todo o lado, buscando meu irmão dentre a multidão de nobres ali presentes. 

Já faz quase uma hora que ele saiu e a atmosfera do lugar não melhorou nem um pouco. Quer dizer, é quase como se cada nobre ali estivesse me vigiando, cuidando de cada movimento meu.

Minhas orelhas reagiram ao som das conversas, meus ombros caíram, entristecidos, conforme escutava o que falavam. 

Era cruel.

Mesmo que tivesse tomado minha dose semanal hoje, ainda conseguia sentir tudo ali. Desde o som da respiração deles até o perfume quase delicioso da carne.

Uma das nobres se cortou com uma faca, fazendo com que salivasse, ainda que estivesse há uns bons vinte metros de distância. 

A comida e bebida ali também não me satisfaziam. Ainda que conseguisse engolir a carne de coelho que serviam, sentia a ausência constante de algo ali. 

Além disso, também havia o constante sussurrar. Estava bem mais fraco, quase imperceptível, mas continuava ali. 

Aquela voz que fazia com que todos meus instintos mais primitivos ficassem afiados agora trazia apenas uma mera fome, mas, independente do quão baixa estivesse, podia ouvi-la bem.

Senti um calafrio percorrer minha espinha conforme mexia na carne com o garfo. 

O que eu não daria para ter um livro ou alguma outra distração aqui… 

— Tudo bem? — Olhei para a dona da voz, sem nenhuma surpresa aparente. Uma vantagem que tinha desde que fui amaldiçoada era a capacidade de saber de tudo o que acontecia ao meu redor. Por isso não me surpreendi com a chegada de Elizabeth, ainda usando roupas de garçonete. 

Inacreditável como ela conseguia manter a graça de sempre, mesmo com aquele vestido. 

Olhei para ela e senti um sorriso começar a se formar. Estava bem melhor do que antes. Não tinha tanta insegurança ali, mas sim uma forte determinação, que ardia por detrás dos olhos. 

— Mais ou menos… e você? Não achei que estivesse trabalhando. Quer dizer, não depois da bronca que levou. 

Mais cedo, um pouco depois de chegarmos no hotel, Elizabeth firmou seu primeiro contrato. Eu e Lewnard ficamos surpresos, mas demos os parabéns para ela. Zozolum, por outro lado…

Acho que nunca o vi tão irritado como hoje. 

Aparentemente, o que Elizabeth fez podia ter matado-a. Zozolum teve a certeza de deixar bem claro que o único motivo pelo qual ela não morrera foi sorte. 

Normalmente, quando se contrata uma entidade, primeiro se escolhe uma delas para chamar. Elizabeth, no entanto, foi apenas pela espécie, jogando as cegas a rede. 

As chances dela invocar uma fênix de grau maior eram baixas, mas isso não muda o fato que ela escolheu invocar um ser da categoria Infernal. Estes eram seres difíceis de lidar, sendo criaturas do fogo, a natureza é refletida na destruição que este mesmo causa.

A rede podia muito bem ter chamado a atenção de um demônio menor, que usaria dessa chance para entrar no reino mortal e espalhar o caos. Nas palavras do próprio Zozolum, a única razão pela qual Jabralam não foi vaporizada foi por pura sorte. 

Esse foi o motivo pelo qual estava de “castigo”. 

— Bem, ele disse que estava proibida de vir na festa, nunca falou que não podia pegar uma vaga como uma garçonete. 

Suspirei, vendo que ela apenas dobrou as palavras para arranjar uma desculpa. Invés de me ater aos detalhes, decidi puxar um pouco mais de assunto com ela. 

— Sabe onde Lewnard está? — disse, interrompendo meus pensamentos. 

— Não. Ele disse que ia dar uma saída com uns amigos e não voltou desde então. — Estava preocupada. Quer dizer, meu irmão é forte. Normalmente, conseguiria lidar com qualquer coisa que essa cidade jogasse em cima dele, mas… 

Nesse momento, o portador de Davi, Lewnard Hollick, estava sem nenhuma grama da conexão pelo qual é tão famoso. 

Suspirei conforme olhava para minhas mãos. Estava cansada de ser fraca. Quer dizer, mesmo Elizabeth já estava me passando para trás!

Eu queria poder apoiar meu irmão, mas fazer isto da forma como estou agora é um insulto. Lew era forte. Ridiculamente forte. Não só era um bom lutador, também tinha algo único, algo que a maioria da nossa geração não tem.

Determinação. 

Era a determinação de seguir em frente, independente da dificuldade, independente do que encarasse. Lew era o tipo de pessoa que não ficaria caído por muito tempo, isso se caísse. 

Sorri com as memórias de quando ainda vivíamos no complexo dos Hollick. Em especial, de todas as vezes que lutou contra grupos de crianças com o triplo do tamanho dele.

Ainda que sempre apanhasse, ainda que nunca tivesse vencido uma única luta, sempre cumprira o objetivo. Nunca foi derrotado por completo. 

Sempre sendo derrubado, sempre se levantando, sua fraqueza sempre o deixava mais forte.

Suspirei, encarando minhas mãos e voltei minha atenção para Elizabeth, que havia voltado a atender os pedidos dos nobres. 

Ela está avançando. Todos estão seguindo em frente… 

Olhei novamente para as minhas garras. O meu sangue continua impuro, ainda sou uma aberração, por isso, não posso usar mais a Energia Astral. Não posso seguir Lew. 

Tenho que achar meu próprio caminho!

Olhando para o reflexo no copo de vidro, decidi que ficaria mais forte, independente do custo, independente do sacrifício.

Nunca mais vou ser um peso. 

 

Senti uma enorme náusea conforme recobrava a consciência. A sensação de um prego quente sendo enfiado no crânio fazia os pensamentos circularem de forma lenta e bagunçada.

Não havia nexo algum entre as várias linhas que percorriam meu cérebro. Mesmo distinguir cima de baixo era difícil. 

Quase como se estivesse de volta naquele lugar, na sala branca.

— Vejo que acordou. — Uma voz puxou minha atenção, forçando-me a abrir os olhos e encarar a pessoa à minha frente. Agitado, tentei me mexer, mas percebi que não conseguia mover um único músculo. 

Fazendo uma enorme força, ouvi o som de correntes sendo puxadas, mostrando a minha situação. Olhei, incrédulo, para o rosto do nobre que me acompanhou aqui.

— O que… 

— Sabe… Meu pai é um homem bem poderoso. Tem espiões em todos os lugares… então, imagine minha surpresa quando descobri que o merdinha que invadiu aquela execução e me desrespeitou de forma tão evidente estava aqui.

— Eu te conheço?

O nobre me fulminou com um olhar, forçando-me a ficar quieto. Procurei alguma memória que me dissesse quem raios é esse cara, mas não consegui nada.

— Dois meses atrás… — Começou, soltando-me e deixando meu pescoço cair. Tentei levantar minha cabeça, mas não tinha nenhuma força, então apenas forcei meu olhar na direção dele. — Quando Grace Hollick estava para ser executada, você veio e acabou com o evento. Um pouco antes, sentou-se ao lado de um nobre… Lembra o nome dele?

Minha memória voltou a funcionar e, só então, percebi a semelhança dos dois. Estava um pouco mais velho, mas era a mesma pessoa.

— Julius… Meu nome é Julius Narla… Meu pai mandou que formasse uma aliança com o líder dos Hollick usando aquele evento em específico. Estava tudo indo de acordo com o plano, até você chegar e arruinar tudo. 

Senti uma enorme raiva naquilo e olhei fundo nos olhos dele, forçando meu pescoço a funcionar.

— Queria que eu deixasse minha irmã morrer?

O jovem nobre apenas olhou para mim, como se estivesse vendo um inseto particularmente nojento, e, sem qualquer aviso, deu um forte chute no meu rosto. 

O impacto forçou meu corpo a entrar numa posição incômoda. Indo até mim, teve certeza de pisar na minha bochecha, limpando a sola do sapato nela.

— Minha família entrou em declínio nesses últimos anos. Não temos mais tantas crianças como antes… Nossa única esperança era tentar conseguir um pouco do conhecimento deixado para trás por John Hollick. Mas você arruinou tudo. Agora, teremos que ou nos submeter aos Hollick como vassalos ou sermos extintos. 

Nisso, levantou o pé e pisou ainda mais forte. Ouvi algo quebrar e senti uma pontada de dor no nariz. Ótimo… 

— Você arruinou as chances da minha família… Agora, é hora de você pagar esse débito. — Nisso, parou de pisar no meu rosto e olhou ao redor. — O coliseu de Jabralam fica bem próximo do mar. Sabe o porquê disso?

Sorriu de forma maliciosa enquanto olhava ao redor. Segui os olhos e vi que, apesar das várias celas, não havia mais ninguém ali.

— Essa área era usada para punir escravos e inimigos do estado. Quando a noite chega, a maré avança. Aqui é uma área bem profunda, que ficará inundada pela água gelada do mar. Assim que nós sairmos daqui, vamos apagar as velas, tirando a única fonte de calor. Normalmente, uma única noite já deixa a pobre alma que entra aqui doente, quase morrendo. 

Nisso, virou-se para trás e começou a andar, mas não sem antes dar um último olhar na minha direção. 

— No momento, está sem sua conexão. É, basicamente, um humano normal, como eu. Uma noite vai te deixar quase morto… mas… eu me pergunto como será que vai estar depois de cinco dias? — Nisso, riu enquanto voltava a caminhar. — Nos vemos no pós-vida, Lewnard Hollick.

Abriu a porta, o vento extinguiu a luz das velas, e o som de metal rangendo foi a última coisa que ouvi antes de ter certeza que estava só.

 


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