Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 63: A Fênix

Estava em queda. 

A quanto tempo caia? Subia? É tudo tão confuso que não sei se estou correndo ou não. 

Minha conexão recém-formada com o plano Astral não estava disponível. Não conseguia formular uma frase direito sem várias outras questões virem à minha mente.

Essas perguntas… um número delas grande foram respondidas. A voz que as fazia não era a minha. Era diferente, antiga e poderosa. Era como se Deus estivesse me julgando, e podia sentir daqui a presença de vários espectadores. Tentei localizá-los, mas sempre que os procurava, sentia meu corpo afundar mais. 

Não conseguia mover nada. Não conseguia pensar.

Só podia cair.

Senti um breve calor e uma memória surgiu. Uma que aqueceu meu coração. 

Era de Lewnard e Grace me chamando para brincar. Uma memória de dias mais simples, onde a incerteza do futuro ainda não chegara. 

De repente, estava segurando um álbum com diversas imagens. Notei que cada uma conectava a uma memória diferente. Sorri com as várias coisas que lembrei… até sentir algo faltando ali.

Uma a uma, as fotos eram cremadas e, delas, nada além de pó e um sentimento profundo de perda sobravam. Sempre que tentava conservar uma delas, sentia as chamas se movendo para outra.

Isso é ruim… desse jeito vou perder tudo! 

Já perdi o suficiente! Não leve mais as minhas memórias!

Lembrei que tinha um motivo para estar ali, mas não conseguia evocar como cheguei, o que me levou-me até aqui. Conforme sentia as chamas consumindo as memórias, também senti o fogo ao redor lamber minha pele, criando um enorme desconforto.

Mais e mais coisas foram tiradas de mim e podia sentir que, logo logo, me tornaria uma casca vazia. Não quero isso. Não quero perder mais nada!

Consegui proteger duas memórias. Duas que não podia perder. 

A primeira, aquela que me deu motivação para seguir em frente, era a memória de meu pai sendo morto. Suas últimas palavras foram para que procurasse felicidade, independente de com quem fosse. Podia até mesmo ser com Lewnard…

Mas… quem é Lewnard? E quem sou eu?

As chamas abriram caminho para que pudesse ver a segunda imagem, aquela memória que me é mais querida. 

O sorriso de minha mãe, um pouco antes dela morrer.

Era um sorriso pacífico, que mostrava todo o amor que tinha por mim conforme contava a ela sobre o dia que tive. A marca do quão bondosa ela era me enchia de orgulho em dizer que esta é quem sou, a filha de Beatrice Juvicent.

Mas… é só isso que sou. Até agora, não consegui fazer nada que me definisse. Não sou quem nem meu pai, que conquistou inúmeros campos de batalha, ou mamãe, que foi uma das rainhas mais queridas da história da minha cidade, sempre tendo o povo como preocupação. 

Eu não sou especial como eles. Não consigo fazer nada… 

Uma outra memória veio, ressurgindo das chamas e me forçando a olhar para a enorme luz que me cegou momentaneamente.

Nela, lembrei de algo que um homem disse quando conheci o único garoto de cabelo loiro numa casa onde só havia fios grisalhos.

— Eu odeio isso! Todas essas expectativas colocadas em mim! Não pode fazer nada para me ajudar, pai?

— Infelizmente, sabe que não é assim que as coisas funcionam — falou o pai do garoto, um homem que parecia carregar o peso do mundo em suas costas. — E você? Qual o seu nome, jovenzinha?

— Elizabeth — disse, tentando manter a calma. Ainda que não lembrasse de quem ele era, tinha a impressão que estava intimidada por ele. Era estranho.

— É um belo nome… — Pareceu pensar por alguns minutos, até que suspirou. — Eu não posso fazer o que seu pai me pede, mas preciso que me escute. Você também, Lew. Podem fazer isso por mim?

De repente, ele pegou a garotinha que estava junto do loiro no colo e a abraçou, olhando para ela com um grande amor. Seguido disso, olhou de um lado para o outro e sorriu.

— Vou contar um segredo para vocês. Um que mesmo muitos adultos não sabem! — Fez uma pausa dramática e estufou o peito, arrancando de mim uma risada. 

— Não existe uma única pessoa nesse mundo que seja verdadeiramente especial. Todos somos iguais. Claro, alguns nascem com talentos específicos, mas não há nada que o esforço não vença. Lembrem-se disso. Se ninguém é especial, tudo é possível. Vocês são jovens, então tenham certeza de trabalhar duro pelos seus sonhos!

Quando paro para pensar, era algo bem bobo e que não faz sentido algum, mas aquelas palavras ressoam em mim, criando uma onda de energia que acalmou o inferno de fogo ao meu redor e permitiu que as perguntas parassem enfim. 

Olhando para o álbum, sorri conforme as fotos eram reconstruídas, uma por uma, quando uma voz prendeu minha atenção. 

Era quente, tão quente quanto o fogo ao redor. Também era gentil, como a primavera, e possuía uma confiança que, sinceramente, era invejável. 

Olhando para frente, vi uma pequena chama indo em minha direção e, inconscientemente, levei minha mão para frente.

Ouvi a chama sussurrar no meu ouvido coisas que não entendia, numa língua antiga e que, sinceramente, não conseguia decifrá-la. Contudo, sabia bem o que me fora perguntado. Assim como sabia o que devia responder.

— Meu nome é Elizabeth Juvicent. Espero que nossa parceria seja duradoura, Ignia. 

 

Quando abri novamente meus olhos, notei um peso curioso nos ombros e, virando a cabeça, dei de cara com um pequeno pássaro laranja, com plumas de um pavão e olhos de um belíssimo âmbar. 

A fênix bateu as asas e pousou na mesinha de cabeceira, onde poderia me olhar nos olhos. Parecendo incomodada, ela começou a voar de novo, tendo certeza de estar acima de mim.

Eu deveria me sentir ofendida? Me sinto estranhamente ofendida.

— Vamos falar sobre os termos do contrato — disse, olhando fundo nos meus olhos. — Como contratante, terá os benefícios de usar minha chama quando e onde quiser. Também terá saúde e poderá colher uma de minhas lágrimas. Apenas uma, então trate-a com cuidado.

Assenti, sentindo o pouco de ganância que reuni se esfarelar. A lagrima da fenix é tida como um dos ingredientes do elixir da juventude eterna. Ainda que este seja um produto alquímico que ainda não fora descoberto, foi profetizado que aquele que o descobrisse ganharia a vida eterna. 

Devido a raridade dos ingredientes, ainda não fora descoberta a fórmula final e poucos têm o dinheiro e a coragem de se aventurarem nessa pesquisa em específico. Ao menos era isso que li.

Devido ao orgulho, as fênix eram propensas a não chorar, não importa o que. As lagrimas eram raríssimas, mas curavam qualquer ferimento sem nenhum problema. Por essa raridade e utilidade, era possível contar nos dedos de uma mão aqueles que tinham lágrimas e ainda estavam vivos. 

Na verdade, acho que sou a primeira que vai conseguir uma dessas naturalmente em algumas décadas. 

— Certo. O que pede de mim? Se possível, eu prefiro não mudar a forma que falo. 

Ignia fez um som semelhante a um riso, como se minha resposta a agradasse. 

— Relaxe. Só entidades que já firmaram seus lugares no mundo pedem esse tipo de contrato. — Olhei para ela, surpresa. Não esperava por isso. — O que eu quero é estabelecer meu nome e me tornar uma deusa. Para isso, preciso que espalhe meu nome. Não o use sempre, mas tenha certeza de fazer uma menção ou outra. 

Ela quer ser uma deusa? Só isso? Mas espera um pouco… Ela só quer publicidade? Olhei para ela como se fosse um pássaro idiota invés de uma entidade poderosa. Ela é só uma louca por atenção? É isso?

— Não é nada disso! — gritou, indignada. É mesmo, esqueci que seres superiores podem nos ler com tanta facilidade. — Eu preciso de mais contratantes antes de começar a criar um código que me identifique. Não adianta nada ter o trabalho de criar uma marca se ninguém sabe meu nome.

Assenti. Fazia sentido. Aparentemente, Ignia é que nem eu nesse aspecto. Ambas somos jovens e não estabelecemos nossos lugares no mundo. Ela está, portanto, tentando desesperadamente se firmar como alguém a ser respeitado. 

É estranho o quão parecidas somos.

— Certo… Eu tenho algumas condições antes de firmarmos o contrato — disse, tentando manter o respeito mas também mostrando confiança. Ignia me olhou, curiosa. — Vou espalhar seu nome e terei certeza de criar um clã com você como patrono. Porém, quero duas coisas antes. 

Aqui vai. Isso vai decidir se vou conseguir minha vingança ou se serei arrastada para o inferno. Fortaleci minha mente enquanto forçava a memória da morte de papai a se repetir, meu ódio me dava coragem para seguir em frente.

— Primeiro, quero que compartilhe comigo suas asas. Soube que elas conseguem te levar a qualquer lugar que tenha deixado uma pena. — Antes que pudesse considerar, fiz meu segundo pedido, o mais arriscado. — Além disso, também quero a capacidade regenerativa que as suas chamas tem. 

Pelo que li, as fênix tem, em seu fígado, uma chama que dá a elas a imortalidade. Essa pequena chama lhes permite queimar a própria carne e sangue e renascer das cinzas a partir daquilo. 

Enquanto elas tem esse órgão, não é incorreto afirmar que o segredo está no fogo. Um fogo que não há problema algum em compartilhar. Elas podem doar uma faísca ou outra…

Contudo, se tem algo que o livro manda ter cuidado é o orgulho dessa espécie. A imortalidade é uma das coisas que mais define essa raça. Pedir que compartilhem isso é o mesmo que cuspir nesse orgulho, mas…

Mas eu preciso disso. 

— Tem alguma ideia do que acabou de me pedir? Sabe, eu posso esperar mais um contratante. É uma das bênçãos que nos foi dada. Não há nada em você que me impeça de te mandar para o inferno.

— É aí que se engana — falei, pronta para esse argumento. No dia da cirurgia que curou minha maldição, descobri algo bem interessante. — O rei dos Nors está para surgir. — Sorri com a surpresa dela.

— Não se faça de desentendida. Como uma entidade, sei que sabe que todos os sinais para o término dessa guerra estão aí. Desde o surgimento de Nors, cujo poder tanto desafia o sistema anterior quanto humanos como John Hollick, que aprenderam em tempo recorde a manipular conceitos. A verdade é que você não tem tempo, não é? Que, se não agarrar a oportunidade à sua frente, jamais se tornará uma deusa.

O pássaro ficou quieto. Senti o olhar furioso dela no meu peito, como se debatesse se valia ou não a pena me matar. Aparentemente, ela decidiu que eu tinha razão e, com enorme relutância, aceitou os termos do contrato. 

Dessa forma, eu, Elizabeth Juvicent, iniciei minha jornada pelo caminho da bruxaria.


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