Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 62: A chegada em Jabra, parte 3

Quando o elevador enfim parou, saímos dali. Olhei tudo ao redor, notando cada detalhe conforme avançávamos. Tinha vários vasos e pinturas do que deviam ser os antepassados do Grão Almirante. 

As paredes eram de um verde escuro. Após andarmos por mais um tempo, nos deparamos com a entrada para o escritório principal. Acima, estava o lema dos Justitia. 

“Do controle à liberdade, sou quem guarda as chaves.”

Passava uma sensação bem diferente do lema dos Hollick, “Sei quem sou e isso é o suficiente”, ambas as famílias têm filosofias opostas, com uma prezando pelos limites naturais. A outra parecia bem mais querer mais poder do que era necessário. 

Esperava que o Grão Almirante fosse diferente.

— Lembre-se! Controle. — A voz de Zozolum soou em minha mente, forçando-me a voltar para a mesma máscara de antes.

É só isso que posso fazer no momento. 

A porta abriu sozinha, permitindo-nos ver a figura do Grão almirante assinando alguns documentos, sem nem olhar para nós. Era um homem alto, com fios ruivos, quase magenta. Os olhos eram verdes e, mesmo daqui, podia ver o quão focados estavam.

Zozolum adentrou a sala e pegou uma cadeira, usando das sombras para conjurar outras duas. Sentei e mantive a máscara no rosto enquanto sentia a tensão no ar. 

Olhando para Elizabeth, pude ver que carregava o mesmo olhar, porém era mais natural, quase como se estivesse acostumada a fazer isso desde pequena.

Bem, considerando quem ela é, não acho que deva me surpreender.

Voltei minha atenção para Alamar, que continuava assinando os documentos de forma metódica. Conforme o tempo passava, mais difícil era manter-me calmo. 

Sabia bem o que estava fazendo. Era uma forma de demonstrar poder, controle. Fazer alguém esperar era como demonstrar que abriu um espaço na agenda para aquela pessoa. Como se o seu tempo fosse mais importante que o nosso.

Era um truque básico, mas bem eficiente. 

— Vieste até mim e trouxeste o portador de Davi e a princesa caída. Vieste por qual motivo? Vieste para pedir auxílio? Vieste a negócios?

Estreitei os olhos com a repetição. Outra coisa que Zozolum me fez começar a estudar é o padrão de fala dos Bruxos. Ainda que tivesse começado apenas a dois dias, já consegui ver que o contrato dele era com alguma entidade difícil de lidar.

Talvez seja algo relacionado ao tempo? 

— Não vai falar? Não desperdice meu tempo, por favor.

— Arrogante. Vim, bons modos — disse, sua voz estranhamente afiada. Olhei para os dois, notando a crescente tensão entre eles. — Partiremos, Kielrakai, 5 dias. 

— Então é meramente uma cortesia. Então está certo. — Pareceu pensar enquanto voltava a atenção aos documentos. Queria sair logo, mas Zozolum me impediu. — Terá uma festa no sábado. Terão grandes oportunidades de conhecer vários políticos. Terá muita comida e bebida. 

Nisso, para minha irritação, voltou aos documentos, ignorando por completo nossa presença. Com um suspiro, levantei-me e segui Zozolum, tentando manter minhas emoções ocultas. 

— Portador de Davi. — O chamado dele me parou e olhei de volta, mostrando um pouco de irritação. Alamar tirou a cabeça dos papeis e cruzou olhares comigo. 

Eram olhos fortes. Olhos que já viram muito do que o mundo tem a oferecer, do que o mundo tem a te tirar e o que ele fará para te machucar. Senti-me intimidado. Ainda que não recuasse, a vontade de virar o rosto e sair dali era forte.

— Não gosta de mim — afirmou, sem nenhuma dúvida na voz. Aquela era a verdade, mas ainda tentei desconversar. — Não me suporta. Não consegue olhar direito para mim, não sem sentir vontade de me socar. Não é?

Arqueei uma sobrancelha e fiquei quieto, tentando me recuperar. Ele é bom. Não só em ler as pessoas, também é bom em desestabilizar seus oponentes. 

— Você está certo. Eu não gosto de você. Não sinto algo forte o suficiente para me fazer perder a calma, mas realmente não aprecio a forma como nos deixou esperando. Bem mais que o necessário. 

Alamar sorriu como se aguardasse algo do tipo. Havia em seus olhos uma espécie de apresso pela minha honestidade. Estava realmente feliz por ter me conhecido…

Que estranho.

— A maçã não cai longe da macieira — disse enquanto se levantava e caminhava na nossa direção. Ao longe, ouvi o som da maré recuando, como se esperasse algo. — É incrível. É igualzinho ao seu pai. Mesmo que não tenha o mesmo talento, mesmo que seja diferente no cabelo, a mesma honestidade mora em ti. Estou feliz… o legado de John Hollick ainda vive. 

Ofereceu a mão, com um sorriso verdadeiro. Que estranho. Ele mudou por completo o ar ao seu redor. Ainda havia um peso no olhar, mas era como se este fosse algo que carregava com gosto. 

Apertei a mão dele e me surpreendi com a força do aperto. 

Rapidamente, igualei a intensidade. 

— É um prazer te conhecer. É realmente uma benção. Espero grandes coisas de você, espero-os na festa. 

Nisso, largou a mão e voltou aos documentos, permitindo que fossemos embora. Zozolum deu meia volta e não olhou para trás em nenhum momento da viagem. Notei a preocupação nos ombros dele, mas não falei nada.

É inútil tentar arrancar algo dele. 

Quando saímos do prédio, decidi que, na primeira oportunidade que surgisse, perguntaria para Zozolum sobre meu pai. Eles eram amigos, então acho que deve ter algumas histórias.

Dessa forma, chegamos enfim ao hotel onde estávamos hospedados. 

— Que grande! — Sorri com a surpresa de minha irmãzinha enquanto olhava o enorme prédio. Era imenso, com várias áreas luxuosas. 

É… não consigo não me sentir deslocado aqui. 

— Vamos? — Elizabeth caminhou pela entrada, forçando-nos a segui-la. Olhando de um lado para o outro, vi o luxo excessivo que estava ali e não pude deixar de sentir um pouco de inveja da forma como ela agia tão naturalmente ante tudo aquilo.

Nós viemos de mundos diferentes e, provavelmente, vai continuar assim. Ela tem seus objetivos e eu tenho os meus.

Mas… será que é o suficiente? Será que sou o suficiente para causar uma mudança tão expressiva nesse mundo?

Provável que não. Não como estou agora.

Olhei para o candelabro sobre nossas cabeças, buscando alguma resposta além do teto e lembrei da minha época de delinquente, quando fazia de tudo um pouco. 

Há alguns anos desde aquele dia. Acho que uns três ou quatro. Estávamos planejando roubar o dinheiro do dízimo de uma igreja local quando ouvi o sermão do Padre pela primeira vez.

Não sou religioso. Acho que, se existe um Deus lá fora, ele nos abandonou a muito tempo, mas algo naquelas palavras mudou um pouco minha forma de ver o mundo. 

No final, os guardas nos pegaram antes que pudéssemos roubar o dízimo e iam nos dar uma surra, quando o mesmo Padre se aproximou e deu o dinheiro para nós, pedindo para não repetir isso e desejando que Deus nos acompanhasse.

Ainda que aquelas palavras não significassem nada para mim, os atos falavam bem alto. 

Aquela foi a única interação que tive com aquele Padre. 

Segui caminhando, tentando focar minha mente e esquecer daquelas palavras. Sim, a humanidade foi abandonada por Deus a muito tempo. 

Só há um caminho que eu posso seguir. Não sou um salvador, nem sou um herói. Sou apenas um tolo que busca acabar com uma guerra que nem devia ter começado. 

Só paramos quando estávamos na frente do quarto. Entrei na minha suíte e assoviei. Dava para encaixar pelo menos dois do meu velho apartamento aqui.

Fui até a cama e me deitei. Sabia que devia me limpar antes, mas estava cansado demais para conseguir me levantar. 

Os últimos dias têm sido difíceis. Queria que minha conexão voltasse logo, mas vai demorar ainda. 

Fechando os olhos, permiti-me cair num profundo sono.

 

Com um suspiro, foquei novamente no meu interior enquanto lia o livro que Zozolum me passou. Tratava-se de um catálogo de entidades. Uma delas seria aquela que me acompanharia em minha jornada.

Tinham vários seres interessantes para escolher. A maioria que me chamou a atenção eram criaturas poderosas demais, que já tinham contratos com grandes famílias e não teriam interesse em mim.

Folheando o enorme livro, parei numa sessão que me interessou. 

Capítulo dos Infernais, quarta sessão… Fênix. 

— As Fênix são seres bondosos e orgulhosos. Sempre dispostas a ajudar os necessitados, elas procuram almas generosas. Contudo, devido a sua natureza, uma fênix jamais abaixará a cabeça para um contratante que julgue inferior. Elas tem uma excelente regeneração, sendo praticamente imortais. Além disso, as lágrimas possuem propriedades curativas e são ótimas catalisadoras de Energia Astral.

Era bem tentador. O único problema era a linha abaixo daquela descrição. Algo que fez meu corpo congelar.

— Elas também são emissárias do diabo e arrastam aqueles que acham inferiores para o inferno.

Engoli em seco. Se conseguisse fazer um contrato com um deles, sem dúvidas teria um aliado incrível. Contudo, ainda era uma aposta arriscada. A morte ou a vitória… 

Apertei fundo minhas mãos e forcei a repetir a cena da luta de papai contra o meu meio-irmão, tentando relembrar o porquê de estar nesse caminho. Quero minha vingança, quero matar os desgraçados que tiraram tudo de mim…

Mas não era só isso.

Também havia algo mais, algo que não podia ignorar. De fato queria vingança, mas também queria me provar. Quero provar ao mundo que não sou um peso morto. Que sou alguém forte também.

Que posso estar ao lado dele…

Com determinação, comecei a desenhar as runas que o livro orientava enquanto fortalecia minha vontade.

É hora de invocar uma entidade.

 


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