Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 2 – Arco 5

Capítulo 58: Politicagem, parte 1

Após ela sair da carruagem, soltei um suspiro cansado e olhei para minha mão esquerda. Pela quinta vez hoje, tentei sentir minha conexão uma vez mais. 

Merda… nada ainda? Sei que tenho que ser paciente, mas é irritante ser incapaz de usar a minha conexão! Olhei para o teto enquanto procurava, ainda que inutilmente, a assinatura energética de Grace.

Não consigo fazer nada como estou agora…

Nada. 

Olhei para o lado de fora, buscando os fios loiros de Elizabeth. Enquanto estava me lamentando, ela já terminara de acertar os detalhes com o nobre e foi em direção a área de trabalho das empregadas. 

— Você devia aceitá-la como aprendiz, sabia? — disse, olhando de volta para o acento a frente, onde Zozolum estava sentado. As se partiram, permitindo que visse o sorriso enigmático do bruxo.

— Não, na hora… ainda não. — A escuridão rastejou e formou uma pequena mesa, com duas xícaras e um bule cheio de… chá de cidra? Curioso, não achei que ele estivesse nervoso… — Estou bem. Esse, para você. 

— Sei que não estou no meu melhor momento, mas eu não estou tão ruim assim. 

— Abaixe os escudos, Lewnard — disse, as sombras se agitaram com a momentânea quebra de contrato, algo que me deixou um pouco assustado. Se elas decidissem me atacar aqui, será o meu fim. — Dá, ver. Não acho, está nervoso. Sei disso. 

Senti uma breve irritação e então, uma vez mais, a tristeza veio com tudo. Por que estou me sentindo assim? Eu venci aquela disputa… Tinha me saído por cima até aquele Homúnculo aparecer, então por que parece que… que eu perdi?

Servi-me do chá sem falar nada, incapaz de confiar em minha voz. Merda… que bosta! Por que isso?

— É normal, está sentindo. 

— Não devia ser. Eu sempre detestei esse trabalho, mas agora eu só consigo olhar para trás e sentir saudades do poder que eu carregava comigo. — Pegando o diário, tentei fazer com que levitasse, com que respondesse a minha conexão, mas não consegui nenhuma resposta.

Nenhuma.

— É patético. 

— É normal. — Serviu-se um pouco do chá enquanto tentava encontrar as melhores palavras para seguir. Que curioso, nunca vi Zozolum tão tímido assim… — Você contemplou, mundo totalmente diferente, apenas, perdê-lo de novo. 

É… nisso eu concordo. 

Lembro de quando fui preso naquela colônia… da sensação de medo e pavor que não vinham da minha incapacidade, mas sim do fato que não podia sentir nada ao meu redor. Eu me acostumei em ser um sensor e ter isso tirado de mim, deixando-me no escuro, foi uma experiência que jamais quis repetir. 

Mas, bem, aqui estamos.

Suspirei de novo enquanto olhava para fora, tentando enxergar o mundo através do Plano Astral, mas só pude ver as cores normais e tediosas. Depois de ver a energia ao meu redor, ver aquelas cores que não conseguia sequer entender direito, era muito difícil achar graça em qualquer cenário.

Suspirei, cansado. 

— Você ainda não respondeu a minha pergunta — retruquei, tentando ganhar um pouco de controle sobre a conversa. Zozolum sorriu e se serviu de mais chá. 

— Nada mal. Está melhorando, oratória. Isso, será útil, para frente. — Nisso, permitiu que as sombras encobrissem o local onde estávamos, criando uma espécie de barreira. Pensando na funcionalidade, assim como no contrato que tinha, percebi que seria útil para tirar a atenção de nós. 

As sombras são ótimas para ocultar segredos. 

— Ela precisa amadurecer. Como está agora, difícil a ensinar. — Assenti, entendendo o ponto dele. Essa é uma das razões que não busquei uma forma de ajudá-la ainda. Elizabeth está mimada demais no momento, algo que a atrapalharia mais para frente. 

Se ela ganhar tudo de mão beijada, não conseguiremos tomar o poder de volta.

As imagens do dirigível voltaram a minha mente e senti uma forte angustia. Será que eu devo me meter nessa luta? Elizabeth é uma boa pessoa e uma amiga, mas será que é certo permitir que o antigo regime volte? 

Ainda mais quando esse mesmo sistema se provou corrupto, algo que ninguém esperava. 

Sei que, com minha ambição, isso é algo que não devia me incomodar. Meu dever como portador é proteger os normais, porém, caso conseguirmos tirar o Fredrich do poder, será que devemos voltar com o antigo sistema?

A população estará satisfeita com um monarca? E, caso não estiver, Elizabeth abdicaria do trono? Pelo bem do povo? Sei que essas perguntas não são coisas que eu devia pensar, mas é a cidade onde nasci. 

Queria que o povo dela fosse feliz. Queria que a a cidade prosperasse. É tão errado querer isso?

Acho que, só talvez, seja. Sou a última pessoa que tem o direito de decidir isso. Como um portador, não posso ser parcial em nada. Além disso, eu não tenho sabedoria ou vivencia o suficiente no meio político e econômico para apontar qual o caminho a se seguir. 

Só tem uma coisa que consigo fazer. Só uma mísera coisa…

E ela me foi tirada. 

Suspirei de novo.

— Então, qual o plano? Sei que deve saber melhor que ninguém, mas essas carroças não vão conseguir atravessar o mar. Além disso, Kielrakai não é exatamente no mesmo continente que Anjus. 

— Estou ciente. Por isso, pegaremos, barco, Jabra. 

Jabra, é? 

Já ouvi falar. É um pequeno país portuário, com a melhor marinha do mundo e governado pelo exército. Apesar do tamanho, é prospero, tendo ganhado boa parte das riquezas que tem com a guerra do Lago Enfari. 

Até onde sei, em suas várias expedições ao continente de Corpist, o finado rei Vanitas firmou uma aliança com o governante da época. Enquanto eles forneceriam os encouraçados, trinta por cento dos lucros das expedições iriam para Jabra. 

Todas fracassaram, o que colocou Vanitas numa situação bem complicada, com ele tendo de aumentar os impostos para pagar os encouraçados destruídos. 

A verdade é que Jabra é uma aliada de Anjus, mas não de Juvicent. Contudo, o líder não mudou. Ainda é o mesmo que tinha uma amizade com Vanitas. Talvez por isso que Zozolum queira nos levar para lá?

Bem, não importa muito. Só tem uma coisa que posso fazer agora… Mesmo que deteste isso, preciso engolir meu orgulho e aprender tudo o que ele tem a me ensinar, absorvendo cada grama conhecimento que tem a oferecer.

— Então, qual a lição de hoje? — Resignado, ajeitei minha posição na cadeira enquanto revisava o conteúdo da última aula teórica que tive com ele sobre o Plano Astral. 

Os seis diários e o conceito da morte.

Já faz um tempo. Mais de dois meses no mundo real (quatro, se contar o tempo que passamos naquela dimensão de bolso). Ainda assim, é difícil acreditar no que me disse naquela primeira lição. 

Não faz sentido algum. Quer dizer, como raios a humanidade criou o conceito de morte? Sempre achei ser algo que nos acompanhava desde que o mundo é mundo. 

Contudo, essa era a verdade. Mesmo que seja difícil, mesmo que seja impossível de acreditar, algo dentro de mim diz que essa é a verdade.

— Política. — Senti-me decepcionado e olhei para o lado de fora, pronto para sair dali assim que possível. — Vou ensinar-lhe a ler um oponente.

— Vou aprender a ler mentes? — A empolgação retornou assim que ouvi aquilo. Finalmente! 

— Não — disse, fazendo com que sentisse-me decepcionado. Mesmo que eu pudesse ver memórias com o empatismo, ainda queria poder ver o que os outros pensavam naquele momento! — Terei, te ensinar a bloquear ataques mentais também. 

Nisso, começou a explicar sobre psicologia na política, tendo certeza de mostrar o quão importante era estar no controle sempre. 

— Quando falar com, político, tome cuidado, sondas. Vão aplicar coisas, psicologia reversa e dedução a partir de sinais corporais. 

— Achei que todo político era idiota demais para prestar atenção nisso. 

— A maioria é. Há aqueles, não são. Estes são, mais perigosos — disse e, inspirando fundo, voltou a lição. — Quando for pedir algo, quero, comece, fazer parecer, negociação. Isto lhe será útil em dois aspectos. Conseguirá convencer melhor, outros e saberá quando algo não está a seu favor. 

— O que quer dizer?

— Quando, fala demais, está inseguro sobre algo. Use isso, seu favor, ajudará não apenas em conseguir algo, também lhe permitirá descobrir, alguém é perigoso… Os mais astutos sempre, SEMPRE, tomam ações, os beneficiam, ainda, indiretamente. 

Certo, isso é interessante. Após ele me dar essa tarefa, voltou a explicar alguns conceitos básicos de psicologia. Coisas como pessoas poderosas não se importam muito se você lembrar o nome delas, como usar isso para saber se alguém é perigoso ou apenas um tolo e várias outras lições que, no final daquela uma hora, deixaram minha cabeça doendo. 

— Bem, até mais — disse, ignorando o olhar irritado que lancei. Sério, esse cara é um monstro. Não só me ensinou muito, também me forçou a praticar sondas e como as reconhecer… 

Suspirei quando senti as sombras deixarem a carruagem. É mesmo… será que colocar toda aquela energia aqui conta como uma demonstração de poder?

Bem, acho que terei de deixar isso para uma próxima ocasião. Voltando minha atenção ao teto, procurei fixar o que me pediu enquanto pensava em formas de deixar isso o mais natural possível. 

Quando enfim terminei, sorri. 

Olhando para o lado de fora, vi que já estava anoitecendo e deixei o sono me levar. 

 



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