Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho


Volume 1 – Arco 4

Capítulo 56: Do topo ao fundo, parte 3: Purgatório

A primeira coisa que pensei quando vi a figura derrotada do rei foi em Elizabeth. Tinha certeza que ela tinha sido raptada também. Estava para tomar uma atitude quando lembrei que não tinha ideia de onde era a base de operações do Moedor.

O Edwars só saiu correndo daqui, parecendo desesperado. Engoli em seco enquanto considerava minhas opções. Ninguém aqui estava em condições de lutar. O único que não tinha nenhum machucado era…

— Bem, isso é um problema — disse Euclidum. Sua voz carregava um tom sério pela primeira vez. Arqueei uma sobrancelha, esperando que continuasse. — Eu andei investigando um dos Lordes Cardeais, o mesmo que mandou suas forças para cá. 

— Lordes Cardeais?

— São os quatro que controlam o mundo Nor. Cada um domina uma direção. Estava atrás do lorde do leste há algumas horas, até receber uma pista que ele mandou suas forças para Juvicent. Infelizmente, quando cheguei aqui, vocês já tinham matado todos.

Parecia irritado com isso. Suspirei e me desculpei por isso. Se soubesse que viria, tentaria manter ao menos um vivo. Se bem que, ainda que não viesse, eu não queria ter de matá-los.

— Não importa agora — retrucou, olhando para o dirigível. — Esse lugar está para se tornar um inferno na terra. Aquele homem está agindo junto de Nors, não é? Se não fizermos nada, Juvicent se tornará um abatedouro de humanos.

— Então vai nos ajudar? Vai matar o Moedor?

— Infelizmente, não é tão simples assim. Mesmo que eu o matasse, a população já está revoltada. Aceitariam qualquer fantoche que os Nors colocassem ali. A única forma de fazer com que aceitem o que está acontecendo é revelar a existência dos Nors para os humanos. 

É bem como ele disse. Não podemos fazer nada por enquanto… Não com a barreira que separa os dois mundos constantemente agindo contra nós.

Sério, que saco.

Temos que nos reagrupar. Ficar em Juvicent e planejar contra ele vai ser impossível; além disso, tem algo que está me preocupando muito agora.

Não tem como Elizabeth estar bem nessa situação toda. Pode ser que esteja segura, mas ela viu a morte do pai. Sem dúvidas que está sofrendo.

— Reide, consegue me dar uma carona até Zozolum?

— Claro, pivete. Só subir. 

Fiz como a Visliana ordenou e olhei para o portador de Gabriel. 

— Não vou te esperar mais que cinco meses, garoto. Tenha certeza de ficar forte o suficiente e me encontre em Kaira — falou, virando-se de costas. — Não se esqueça que parte da vida de um portador se resume em fazer sacrifícios pela humanidade.

Nisso, começou a andar, até tomar impulso e desaparecer dali. Reide me passou um capacete e ligou a moto, correndo o mais rápido possível em direção do prédio que Zozolum usava como disfarce. 

Após alguns minutos, paramos e entramos. O lugar estava limpo, digno de um dono de uma grande corporação. A única coisa estranha era o silêncio. 

Deveria haver ao menos alguém rondando o prédio. Vários dos comerciantes que vinham diariamente para esse lugar esperavam horas por uma chance de falar com ele. 

Olhando para o lado, percebi um conjunto de runas e entendi o que acontecera. Era uma barreira, programada para os manter longe. 

Zozolum estava levando a situação a sério.

Era um alívio, mas também pesava na minha mente. Era uma regra do mundo que os fortes raramente se preocupavam com aqueles mais fracos. Invés disso, sempre olhavam para frente, pois sabiam que nada poderia ficar no caminho.

O mesmo homem que viveu para ver o início da guerra entre humanos e Nors está levando a sério a situação de uma cidade que, aos olhos dele, deveria ser inconsequente.

Entrando no elevador, apertei o botão que levava ao escritório dele enquanto me preparava mentalmente. 

Minhas últimas experiências com Zozolum não foram boas. Claro, ele me treinou quando enfrentei Lumis, mas não por escolha. Não só isso, mas também tirou a guarda da minha irmãzinha de mim, colocando-a para lutar nessa guerra.

Não era justo. Claramente, era o oposto disso. Eu fico irritado só de pensar nisso, mas não posso fazer nada… ainda não. 

Mesmo quando era criança, já havia percebido a verdade por trás desse mundo. Mesmo entre os Hollick, o direito de mudar as coisas era dado apenas aos fortes. 

O motivo de meu pai se tornar um portador foi porque era mais forte do que os herdeiros. O porquê daquele velho reinar no topo do nosso clã por mais de cem anos era por estar no topo. 

Eu entendo que, como estou agora, não posso fazer nada. Não tenho o poder de mudar as coisas, não tenho o poder de trazer a paz para esse mundo… 

— Ei, chefe! Chegamos. — Reide abriu a porta, permitindo-me ver Zozolum, com um envelope em sua mesa e um bule de chá. Andando até lá, notei que era o remédio que fiz para minha irmã. 

— Finalmente — disse, olhando para nós dois enquanto usava as sombras para fazer aparecer uma cadeira. Tomei o meu lugar enquanto Reide ia até a estante de vinhos e abria-a, bebendo um deles. — Vamos, ponto: Juvicent não, segura. 

— O portador de Gabriel me explicou. — Servi-me de um chá enquanto olhava para ele. Zozolum arqueou uma sobrancelha e dei de ombros. Não preciso explicar porque gosto de chá. — Preciso te pedir um favor.

Sei que as chances dele aceitar são baixas. E, mesmo que aceite, estaria devendo um favor para ele. Minha dívida com ele é maior do que eu jamais conseguirei pagar nessa vida, e é um saco ter que pedir mais favores, mas é algo necessário.

— Salve Elizabeth. — Olhei para baixo, ignorando a forma como Reide olhava para mim. — O Moedor sem dúvidas a sequestrou… e, mesmo que ela tenha escapado, está sozinha nessa cidade.

Não precisei articular mais do que isso. Todos aqui sabem o clima que a cidade se encontra. O povo de Anjus não aceitaria aquilo que foi mostrado pelo dirigível. Disso eu não tenho dúvidas.

Na melhor das hipóteses, haveria uma guerra civil com várias vidas perdidas. Zozolum sabia disso, e não tenho dúvida que já sabia como lucrar com a situação.

Se houvesse uma quantidade substancial de mortos, os Nors teriam fartura por alguns meses e fome por anos. Nisso, teríamos uma chance de retomar a cidade e silenciar os que sobraram.

Prendi a respiração quando percebi no que acabara de pensar, assim como meu emocional. Eu sei que é errado matar para manter um segredo, assim como sei o quão necessário isso é… 

Não houve tanto conflito quanto achei que deveria haver. Eu não conseguiria matar inocentes, mas não via problema que outros matassem?

Quando foi que eu comecei a pensar assim? 

— Onde, sua conexão? — Tirou-me daquela linha de pensamento enquanto bebia do chá. Olhei para ele e expliquei o que acontecera. Zozolum sussurrou algo que não consegui ouvir e se levantou. — Eu, a salvei. Está dormindo, dos quartos do penúltimo andar. 

Sorri, soltando um suspiro aliviado. 

— Que bom… que alívio. 

— Olha só, parece que o pirralho arranjou uma namoradinha — disse enquanto bebia mais do vinho. Senti uma pontada de irritação e olhei para ela, notando o sorriso convencido.

— Não é nada disso, bruxa velha. 

E, de fato, não era. Não tenho tempo para romance, não com tudo o que está acontecendo. Enquanto eu sei bem o que Elizabeth sente, não posso corresponder… ainda não. 

Zozolum pigarreou, trazendo-nos de volta para a discussão. Olhei para ele, tensionando os meus ombros. 

— Eu a levarei, Kielrakai… e quero que vá junto comigo.

Surpreso, tentei entender o porquê de querer minha ajuda em específico. No momento não consigo fazer nada. Teria de ser protegido a todo momento, ao menos contra aqueles ligados ao Plano Astral. Era mais fácil só me deixar num lugar seguro até recuperar meu poder.

— Vou, ensinar, a teoria. Além disso, será útil, como lidar com políticos — disse, nossos olhares se cruzando. O vermelho me puxava para dentro enquanto tentava desesperadamente manter algum resquício de consciência. — É mais seguro assim.

É verdade. Sei disso. Sei que teria um dos bruxos mais poderosos da história me protegendo e, ainda que Zozolum tivesse de manter o selo, ele conseguia usar as sombras sem muitos problemas. Mesmo sem abjuração, ainda era ridiculamente forte. 

Além do mais, tenho certeza que não viajaríamos só nós três. Alguém como ele deve ter alguns contatos que podem ser úteis.

Ainda assim, é um saco ter de ser protegido.

— Bem, quando partimos?

— Em trinta minutos. Acorde Elizabeth e me encontrem aqui… 

Assenti, saindo da sala e descendo com o elevador. Quando ele abriu, fui até o quarto onde ela estava, este pertencia a um dos executivos da empresa, mas que foi dado para a princesa. Abrindo a porta, olhei para a forma tranquila com que dormia e senti-me culpado por ter de tirá-la dali.

Com um suspiro, peguei-a no colo e voltei para o último andar. Zozolum arqueou uma sobrancelha e Reide riu levemente.

— Vamos… 

As sombras englobaram a sala, levando-nos para o lado de fora. Quando abri os olhos, vi que ele já tinha toda uma caravana pronta, com diversos bruxos e soldados guardando as carruagens. 

Sem pestanejar, entrei na primeira que vi e deitei-a no sofá. 

— Lewnard? O que… 

— Precisamos partir. — Após ouvir essas palavras, os olhos clarearam e ela pulou para cima. Olhando para mim, como se suplicasse por algo, apenas suspirei e fiquei em silêncio. 

Esperava que o rosto dela se contorcesse em lágrimas, ficasse triste ou algo parecido. Ao menos era o que eu queria que acontecesse. A realidade, no entanto, não podia ser mais diferente.

O rosto dela se contorceu numa visão de fúria e raiva. Era uma visão feia, que arruinava a beleza nobre que sempre tentava manter. 

— Não se preocupe com isso… nós vamos dar um jeito. 

— Eu vou matá-los! Juro que vou matar aqueles dois! 

Voltei o olhar para ela e senti uma pontada de culpa. Eu perdi meus pais quando era mais novo, mas não tinha a mesma ligação emocional com eles que Elizabeth tem com seu pai. Não podia dizer que entendia o que passava. 

Se me tirassem a Grace, como tentaram fazer há alguns meses, eu provavelmente faria a mesma cara. 

Não podia a julgar. Não podia a ajudar. 

Suspirei enquanto me sentava. A porta foi fechada, e a carruagem começou a se mover lentamente. 

— Por que ainda está aqui?

— Não sei… só não gosto de te ver assim.

Ela olhou para mim, surpresa. Lágrimas começaram a, lentamente, cair dos olhos dela. Mesmo sem energia astral, sabia bem o que ela estava pensando. 

— Não é justo… É injusto fazer isso enquanto estou assim.

— Eu… eu sei — disse, olhando pela janela. A névoa voltou com força, quase não dava para ver nada. — Tenho que te confessar algo. 

Ela me olhou com expectativa, engolindo o choro. Fiquei quieto por alguns segundos, tentando organizar minhas palavras.

Não tive sucesso. 

Não sabia o que dizer, visto que nunca me meti numa situação dessas. Além do mais, isso é a última coisa que ela quer ouvir agora…

Com um suspiro, decidi falar logo o que estava no meu coração.

— Não posso corresponder aos seus sentimentos — disse, olhando fundo nos olhos dela. — Eu ainda não lhe vejo dessa forma. Ainda não. 

Ela engoliu em seco, tentando desesperadamente parar as lágrimas. Olhei para ela, preocupado. 

— Está… está tudo bem. Sou uma… sou uma… mulher crescida. Não… não vou chorar só por isso. — A mente dela saiu completamente daquela raiva. Invés disso, ela tentava manter as aparências com um sorriso falso. 

— Está tudo bem… — disse, fechando os olhos e virando o rosto. — Ninguém vai te julgar aqui. 

E, com isso, as lágrimas que ela tanto guardara saíram de uma vez. Senti uma dor perfurando meu peito com cada soluço que escapava dela. 

 

Foi dessa forma que começou. 

Mesmo que não tenha sido agradável, não pude fazer nada de onde estou… peço perdão por isso. Se estiver lendo isso, espero que entenda e não me culpe. Afinal, mesmo eu sou humano, certo?

Dessa forma, encerro este capítulo na história do meu único filho. Agora… como será que devo começar o próximo.


Bem, esse é o fim do primeiro volume... 

Foi uma aventura, certamente. 

Haverá uma pausa de um mês, então retornaremos no final de janeiro... Preciso deixar o suspense no ar, certo?

Caso queiram ajuda com questões literárias, abri um serviço de consultoria literária. Se possível, venham dar uma olhada: 

Ou acessem meu Whatsapp: (51) 982867579
 
Além disso, caso queiram atualizações dos capítulos e outros produtos, deem uma olhada no meu server: https://discord.gg/VbdF4VmU
E também, caso queiram melhorar a escrita, entrem no server da Novel Brasil: https://discord.gg/novelbrasil
 


Comentários