Dualidade Brasileira

Autor(a): Pedro Tibulo Carvalho

Revisão: Arisu


Volume 1 – Arco 4

Capítulo 54: Do topo ao fundo, parte 1: Céu

Olhei para minhas mãos, para o aço que me prendia enquanto ouvia o anúncio do Moedor na televisão que colocaram à frente da minha cela. Senti lágrimas fluírem livremente quando ouvi a última parte…

— Vida longa a Fredrich Artogrius Juvicent Desma, rei de Juvicent! — Não pude parar o choro, meus soluços escapavam livremente enquanto eu lembrava de tudo o que aconteceu para chegarmos nessa situação.

Há umas doze horas, estava deitada na cama. Estava triste e preocupada. Queria saber se ele estava bem… queria saber o que acontecera depois daquela Lâmia ajudá-lo. Sim, eu queria vê-lo, mas não queria ver ninguém… Era estranho. 

As memórias do que aconteceu antes ainda estavam frescas. Do homem estranho, do toque agressivo dele, do fedor de álcool na respiração que arranhava meu pescoço… 

Se Lewnard não estivesse ali, sinto medo do que poderia ter acontecido. Queria ficar só, por isso senti incomodação quando ouvi o barulho lá embaixo. Só quando o som do estrondo ressoou que percebi que algo estava errado.

Caminhei até a porta. Meus passos estavam quietos, e eu tentei ouvir tudo.

Silêncio… Durou alguns segundos até que gritos aterrorizados me fizeram saltar para longe. Na hora, perguntei para mim mesma o que acontecia, a confusão me custara segundos preciosos.

A porta foi arrebentada, um pedaço de madeira bateu na minha cabeça e abriu um corte. De lá saiu um jovem loiro que mais tarde eu descobriria ser Fredrich. Caminhou até mim e me puxou pelo cabelo, forçando-me a olhar fundo nos olhos dele.

Lembro bem daqueles olhos. Eles sem dúvida me assombrarão por muito tempo se conseguir sair viva daqui. Eles continham um ódio que me queimou por completo. Ainda agora consigo sentir as chamas lambendo meu corpo.

— Então é você? A puta que Vanitas escolheu? — Cuspiu no chão enquanto me atirava na cama. Olhei apavorada para ele, memórias daquele homem invadiram minha mente enquanto sentia o abismo me engolir. 

Nunca me senti tão fraca quanto hoje. Conforme ele se aproximava, mais eu tremia e, quando ele me pegou pelo cabelo e me arrastou para o andar de baixo, senti vontade de vomitar.

Sangue e corpos. Todos os servos da mansão estavam mortos… Atirou-me para o chão, sujando meu vestido amarelo com sangue. Engoli em seco enquanto tentava me levantar e parecer forte.

— Algeme-a — disse, forçando-me a olhar para trás. Um dos seus homens pegou minhas mãos fortemente e pôs os pedaços de metal ao redor delas. Eles eram apertados, o suficiente para marcar meus pulsos. 

Nisso, colocaram um saco na minha cabeça, e, quando tentei revidar com um tapa, senti uma forte dor no estômago. Fiquei sem ar por alguns segundos, sem força nas pernas.

Após isso, levaram-me para cá. Meu pai se juntou depois de algumas horas de espera. Olhei para ele, esperando que dissesse alguma coisa que pudesse me consolar, mas nada saiu de sua boca. Era revoltante, queria chorar, gritar e espernear.

Nada daquilo era justo. 

Após alguns minutos de espera, fomos levados até uma câmara com diversas armas. À nossa frente estava o jovem loiro que me sequestrou, junto de outro homem. O segundo vestia uma roupa militar com um capuz preto que ia até a cintura. 

Também usava uma máscara de ferro em forma de caveira.

— Olá, Vanitas — disse, fazendo uma reverência enquanto o outro só olhava com puro ódio na nossa direção. — Já faz muito tempo, não é?

— Quem é você? E por que está fazendo isso? 

Silêncio… e então uma risada. Nisso, colocou a mão na máscara enquanto olhava fundo nos nossos olhos, paralisando-nos enquanto retirava aquela coisa. 

— Não achava que fosse se lembrar de mim mesmo. Já faz tantos anos… acho que foi quando sua filhinha tinha uns dois ou três anos… — Engoli em seco quando vi o que estava por trás da máscara. Várias bandagens. Embaixo delas estava a carne. Uma carne viva e preta, quase como se tivesse sido queimada.

Não, ela foi queimada. Disso tinha certeza. 

— Jin? Mas… mas você…

— Morreu? Bem, sim. E não. Sabe, depois de ordenar minha morte, eu fui tratado pelo último Nor daquela colônia. Jin está morto, isso é fato. Ele queimou, e das cinzas, eu surgi. Mas o assunto de hoje não é sobre mim… Lembra do motivo que ordenou minha morte? Que bombardeou a aldeia em que estava?

Papai pareceu engolir algo particularmente nojento. Não conseguia sequer olhar para o jovem loiro. O que estava acontecendo? 

— Vamos, Vanitas. Conte para sua filhinha querida o motivo. Talvez eu a deixe viver se o fizer.

— Foi porque você descobriu a única coisa que eu jamais queria que alguém descobrisse… Descobriu sobre meu filho, Fredrich.

Meu coração congelou, meu cérebro parou. Olhei para meu pai, incrédula. Essa é a primeira vez que ouço sobre isso! Além do mais, a maldição hereditária na minha família garantia que apenas mulheres nascessem! Como que…

— Você traiu a mamãe?! Eu tenho um irmão?

Ele não conseguia sequer me olhar. Suspirei e olhei de volta para os dois enquanto tentava entender o que Jin quis dizer. O assunto não era sobre ele… 

Arregalei os olhos quando percebi a semelhança entre papai e o homem que me sequestrou. 

— É hora de enfrentar seus pecados, Vanitas — disse, o jovem caminhando para frente, uma passada lenta e confiante. — Mas, como sou diferente de você, darei uma chance para você e sua filhinha saírem vivos daqui. Lute com seu filho até um dos dois morrerem. Ganhe e estarão livres. Perca e morra.

Não… não quero isso! Olhei para os dois loiros, vendo como ambos estavam decididos a seguir com isso. 

Por favor, não… 

— Como quer fazer isso? Com armas ou sem? — perguntou, indo até o rapaz, sua postura voltando aos dias de guerra, mostrando toda a sua experiência. 

— Vamos usar armas. Diferente de você, eu não fujo das tradições do nosso clã. — Quando ouvi isso lembrei de uma história que costumava ouvir. Sobre como meu pai era membro de um clã de guerreiros… e de como resolviam disputas por poder.

Ambos caminharam até uma estante cheia de diversas armas, com papai pegando um enorme machado e meu irmão mais velho pegando um sabre.

Senti meu coração disparar conforme os dois se olhavam. A postura deles era de lutadores experientes, prontos para tirar a vida um do outro… 

Isso é errado. 

Pai e filho não deviam enfrentar um ao outro numa luta até a morte. Não foi assim que fui criada. Não foi assim que você me ensinou, pai! 

Tão rápido quanto possível, ele avançou com o machado erguido acima da cabeça, descendo-o num arco. A destreza que usava com aquela arma era ridícula. Mesmo que tivesse o meu tamanho, ele a balançava como se não fosse nada!

Meu irmão também não ficou para trás. Dançando através dos ataques, pude ver o sangue de meu pai sendo espalhado e engoli em seco.

Se continuasse nesse ritmo… 

Desviando de outro ataque, tentou uma estocada na jugular; contudo, o sabre foi segurado. Todo alívio que senti ao vê-lo ainda vivo foi destruído quando, com um giro no pulso, os dedos de meu pai foram decepados, com sangue voando livremente. 

Gritei, pronta para ir até ali e impedir o que aconteceria, contudo… 

— Fique longe! — A voz dele me impediu de dar um passo sequer e só pude assentir, vendo a forma como ele bufava e como o sangue descia livremente de sua mão. — Eu realmente envelheci. Deveria apenas ter colocado minha mão na frente… assim não perderia os dedos.

Fredrich não falou nada. Invés disso, apenas caminhou para frente, calmo, quase como se andasse pelo parque. 

Em um segundo, isso mudou. Com um salto para frente, o som de metal contra metal reverberou e pude ver papai sendo jogado para o lado esquerdo, cortesia de um chute na têmpora. 

Custou para que voltasse a ficar de pé, o machado estava caído a alguns metros de distância… Mesmo eu, sem experiência alguma, podia ver que aquilo era o fim. 

Pegando a imensa arma, Fredrich ficou frente a frente com o nosso pai enquanto levantava o machado. 

— Elizabeth… — Olhando para mim, permitiu-me ver toda a dor no olhar, todo o cansaço que carregava… e o alívio que viria com a morte. — Eu queria ter sido um pai melhor. Sei que não tenho direito de te pedir nada, mas escute o seu velho uma última vez… 

A cada palavra, mais alto o machado ficava. Senti lágrimas desceram dos meus olhos enquanto tentava negar a realidade do que estava acontecendo.

— Não se prenda ao passado… busque a sua felicidade… seja com o portador de Davi ou de qualquer outra forma… Só peço que saiba que eu estou orgulhoso da mulher que você se tornou. 

O machado desceu, decapitando-o com imensa facilidade. Em um segundo, fiquei parada; dois e eu percebi o que acabara de acontecer. No terceiro segundo, caí de joelhos, sem qualquer força de vontade de continuar.

— Bem, com isso, o povo de Juvicent deve te aceitar como o novo rei… Guardas, tirem-na daqui — falou, indo até Fredrich, que continuava olhando para o cadáver com claro ódio. Tirando sua atenção do meu irmão, o Moedor olhou para mim enquanto os mesmos guardas me forçavam a levantar. — Aproveite bem, princesa. Morrerá no dia de amanhã.

 

Uma vez mais, senti as lágrimas caírem enquanto olhava para o corpo dele, a memória do dia voltando a tocar na minha mente.

Quando a televisão enfim parou, olhei de novo para a imagem do meu pai perdendo para meu irmão. Não era justo. Por que eu tenho que perder tudo? Nunca fiz mal algum para essas pessoas e, mesmo assim, não me trataram com nada além de desprezo… 

Tiraram minhas coisas, minha liberdade e meu pai… 

Senti um molhado quente nas mãos, seguido da dor das unhas abrindo a carne. Não era justo, mas eu iria morrer amanhã… ninguém me salvaria. Seria tolice esperar que alguém o fizesse… 

É inútil pensar no amanhã. Eu sei bem disso… mas, mesmo com tudo o que aconteceu, a raiva que eu senti não me permitia deixar esquecer do que aconteceu. 

Olhei para a imagem de novo e me levantei com um pulo. Queria que aquela televisão maldita sumisse! Empurrei meu corpo enquanto as algemas me puxavam para trás. Com um grito, tentei de novo e de novo.

Não conseguia quebrar aquelas correntes. Não tinha escolha senão ouvir a lista de pecados cometidos pela nobreza. Caí de joelhos, o sangue jorrava das mãos… 

— Eu vou matá-lo — sussurrei, olhando novamente para a televisão enquanto o rosto de Fredrich continuava a me encarar. — Juro pela minha vida que vou te matar… não importa o que me custe, terei minha vingança.

Antes que eu pudesse voltar a me atirar contra a sala, as sombras começaram lentamente a me envolver, e uma sensação de sonolência tomou minha mente.

 


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